quinta-feira, 2 de junho de 2016

OS ECONOMISTAS AUSTRÍACOS CONTRA O MAINSTREAM ECONÔMICO NO BRASIL DE TEMER

Os governos do PT, especialmente sob a batuta da presidente afastada, Dilma Rousseff, facilitaram bastante o trabalho dos economistas seguidores da Escola Austríaca. Tantas foram as trapalhadas e os excessos praticados pelo PT, que o diagnóstico e as previsões feitos pelos austríacos não apenas se confirmaram, como também se tornaram consenso nacional.

A crise pela qual o país passa foi ampla e minuciosamente prognosticada pelos economistas austríacos. E, vale ressaltar, muito antes de aparecerem os primeiros sinais claros de que a pujança de 2009 e 2010 era absolutamente insustentável. O que muitos taxavam como mero pessimismo da Escola Austríaca hoje pode ser considerado até otimismo, dadas a dimensão e a profundidade das adversidades que assolam a nação. Simplesmente a pior crise da história brasileira.

O consenso sobre os equívocos da gestão petista uniu austríacos, chicaguenses, escolha pública, clássicos, e talvez até alguns keynesianos sensatos; enfim, colocou temporariamente dentro de um mesmo campo escolas de pensamento fundamentalmente distintas e, em diversos aspectos, irreconciliáveis.

Mas, em virtude do novo governo Temer e do "time dos sonhos" na Fazenda e no Banco Central, o contexto que aliou o mainstream aos austríacos não mais vigora.

As causas do desajuste econômico e fiscal são aparentemente conhecidas por todos os economistas acima citados. As soluções propostas para sair da crise e retomar o crescimento, contudo, dividirão novamente austríacos e omainstream, levando a Escola Austríaca de volta à sua posição singular na ciência econômica, epistemologicamente falando.

Tal constatação decorre do fato de que a EA detém posições firmes — quando não únicas — a respeito de diversos problemas a que a política econômica submete as sociedades modernas. Posições tidas como intransigentes por alguns — porém equivocadamente, como argumentaremos a seguir.

Algumas das noções da Escola Austríaca

Antes de prosseguirmos, revejamos algumas das principais pautas da conjuntura brasileira atual e o que a ciência econômica, de acordo com a Escola Austríaca, tem a dizer sobre cada uma delas.

Impostos: imposto significa expropriar riqueza do cidadão, independentemente da finalidade a que se destina. Tudo o que o estado gasta é pago pelo cidadão por meio da tributação. Na melhor das hipóteses, impostos nada adicionam à atividade econômica: o que seria gasto pelos indivíduos agora será gasto pelo estado. É tirar de X para dar a Y.

Porém, como o estado não está sujeito ao teste de lucros e prejuízos, o gasto público é sempre ineficiente. O desperdício é inevitável — aprofundaremos esse ponto mais adiante.

Ademais, impostos desincentivam — quando não impossibilitam por completo — a atividade econômica e a acumulação de capital, ao embutir um custo adicional à produção. Impostos dilapidam a riqueza de uma nação duplamente: ao impedir uma maior produção e a formação de capital e ao desperdiçar os recursos que seriam usados pela iniciativa privada.

Tudo o mais constante, tributos significam uma subtração da atividade econômica, uma dilapidação da riqueza atual e potencial futura. Taxar a sociedade significa empobrecê-la. Logo, qualquer aumento de impostos implica a redução da riqueza de uma nação.

Na visão do mainstream, entretanto, impostos não significam necessariamente uma redução da riqueza em uma economia, e isso depende, segundo eles, da destinação e do uso "eficiente" dos impostos. O que nos leva ao próximo tópico.

Despesa e gestão pública: o estado está sempre em uma posição de total cegueira quanto à demanda pelos seus serviços ou atribuições constitucionais. Não estando submetido ao teste do mercado, o ente público não tem como saber no que gastar, onde gastar, quanto gastar nem quando gastar. Somente empresas utilizando recursos escassos, sujeitas ao sistema de preços do mercado, e competindo pela clientela têm capacidade de tomar decisões racionais de modo a alocar o capital da forma mais eficiente possível.

A despesa pública, em total contraste, é uma decisão altamente arbitrária; o voto democrático pode, na melhor das hipóteses, apenas influenciar a destinação do gasto, mas as demais questões persistem sem solução.

Aliás, na prática, o arranjo é ainda pior, pois os cidadãos pagam ao estado na forma de impostos, os quais, no fim, formam uma espécie de saco sem fundo do qual o governo se utiliza para sacar todo o dinheiro coletado e "alocá-lo" de acordo com as demandas populares. Isso significa que os cidadãos não pagam exatamente pelo que querem, e, por consequência, o governo não gasta exatamente naquilo que estão demandando.

Os dois lados estão cegos. Um não sabe pelo que está pagando; o outro não tem como saber onde e quanto gastar. Por essas razões, a gestão pública é ineficiente por definição, e isso é igualmente válido para todo e qualquer serviço provido pelo governo, da administração da justiça à operação dos portos, da saúde à educação, da segurança à construção de estradas. "Gestão pública eficiente" é a quadratura do círculo.

Investimento público: se a gestão pública é ineficiente por definição e todo gasto é um desperdício, o mesmo vale para todo e qualquer investimento público. Dessa forma, quando economistas do mainstream defendem mais investimentos do estado visando maior crescimento do PIB, eles estão, inadvertidamente, advogando o desperdício de recursos escassos em projetos sobre cujas reais demandas o ente público não tem nada além de um mero indicativo.

Investimento público, seja ele qual for, não enriquece uma nação, independentemente do que o PIB registrar.

Déficits fiscais: despesa maior que receita resulta em déficits fiscais. Déficits podem ser financiados com dívida pública ou com emissão de moeda. Em ambos os casos, a economia empobrece.

Ao emitir moeda, o governo dilui o poder de compra do dinheiro, expropriando riqueza do cidadão sorrateiramente. Inflação nada mais é que um imposto obscuro.

Ao contrair dívida pública, o governo suga a poupança da nação para gastos questionáveis, em que o desperdício é inevitável. Poupança é direcionada ao financiamento de atividades improdutivas, privando investimentos lucrativos de recursos escassos.

Dívida pública: como dito acima, o endividamento governamental suga poupança da economia para financiar atividades improdutivas que pouco ou nada agregam à economia. Quanto maior a dívida pública, menos poupança é investida em atividades privadas capazes de gerar riqueza.

Crédito público e subsídios: se a gestão pública é ineficiente por definição, empresas estatais sofrem do mesmo problema. Seja uma petroleira, seja um banco, uma empresa estatal não submetida ao teste de lucros e prejuízos de mercado padece dos mesmos males que qualquer burocracia governamental.

Crédito de banco estatal é, em larga medida, concedido com base em critérios políticos, e não econômicos. Investimentos que em condições normais nunca seriam financiados acabam recebendo crédito amplo e barato, tornando viáveis operações que não se sustentariam em um mercado livre.

Crédito bancário subsidiado significa conceder financiamento àqueles que não precisam ou aos que jamais deveriam se endividar. Financiam-se investimentos mais arriscados e com menores taxas de retorno.

Comércio internacional: qual a causa da riqueza das nações? Se pudéssemos resumir em apenas um princípio, afirmaríamos que a riqueza das nações tem origem nas trocas voluntárias entre indivíduos. Onde o comércio livre e desimpedido impera, a riqueza é abundante. Onde o comércio é obstruído ou impossibilitado, a estagnação ou redução do padrão de vida é inevitável.

Destarte, tarifas de importação e restrições alfandegárias constituem um fardo à nação, pois inibem todo o potencial de formação de riqueza oriundo do comércio internacional.

Câmbio: poucos temas em economia são tão mal compreendidos como a questão do câmbio e da moeda. A inflação monetária e a consequente perda do poder de compra do dinheiro influem diretamente na atividade econômica, especialmente sobre os investimentos de mais longo prazo. Quanto mais incertezas com relação ao poder de compra futuro da moeda, mais arriscados se tornam os investimentos, mais receosos são os empresários, pois têm mais dificuldade de prever os fluxos de caixa futuros de seus empreendimentos.

Quanto maior a inflação monetária, quanto mais desvalorizada é uma moeda, mais complexo e incerto acaba sendo o cálculo econômico. Quanto mais incerto o cálculo econômico, menos intensa é a atividade econômica, menor é a quantidade de trocas em uma sociedade, menos riqueza é gerada.

Moeda fraca, economia fraca. Moeda forte, economia forte. E não, a desvalorização do câmbio não aumenta as exportações, muito menos eleva a competitividade de nenhum país. A teoria e a empiria comprovam.

Então qual a saída para o Brasil?

Henrique Meirelles deve propor aumentos de impostos para equilibrar as contas públicas? Mas um aumento de impostos não pode acabar aprofundando a crise econômica? O gasto público deve ser apenas controlado? Ou devemos "cortar na carne" a despesa governamental? Déficits fiscais são capazes de trazer benefícios à economia? Depende? O foco deve ser a redução das atribuições do estado ou o importante é tornar a gestão pública mais eficiente?

As respostas a essas importantes perguntas dependem diretamente da visão de mundo de cada escola de pensamento econômico. E, como elencado anteriormente, o entendimento da EA acerca dessas questões costuma divergir do mainstream e do senso comum.

Então, enquanto economistas da Escola Austríaca, como devemos nos posicionar diante dos dilemas enfrentados pela economia brasileira?

Se entendemos que impostos reduzem a atividade econômica e empobrecem uma nação, aumentos de tributos deveriam ser evitados a qualquer custo. Se entendemos que a despesa pública representa um desperdício, deveríamos reduzir ao máximo o tamanho e as atribuições do governo.

Se a gestão pública é inerentemente ineficiente, adotar práticas de gestão das empresas privadas é não apenas inócuo como também contraproducente, pois retarda a tomada de medidas efetivas na vã esperança de otimizar a administração da burocracia governamental.

Se a infraestrutura brasileira se encontra em uma situação calamitosa, a última coisa de que necessitamos é de investimento público como solução para as estradas, portos, aeroportos. Que se conceda à livre-iniciativa a possibilidade de realizar investimentos nesses setores — sem amarras artificiais, obviamente.

Se compreendemos o quão nocivo podem ser déficits fiscais, é premente eliminá-los. Mas jamais recorrendo a aumento de impostos, porque estes, além de serem prejudiciais à economia, podem reduzir a arrecadação tributária — em virtude de um aprofundamento da recessão econômica —, amplificando ainda mais o rombo nas contas públicas.

Se concluímos que a despesa pública pouco ou nada agrega, não há dúvidas quanto ao foco do ajuste fiscal: cortar o gasto orçamentário do governo é a única via capaz de sanar déficits fiscais sem jogar a economia para o buraco.

Se a dívida pública consome a poupança da nação em atividades nocivas à geração de riqueza, conter e reduzir o endividamento do governo deve ser compromisso precípuo da sociedade.

Se as trocas voluntárias são a fonte da riqueza, toda e qualquer obstrução do livre-comércio deve ser combatida.

Se câmbio desvalorizado é uma das principais causas do desarranjo econômico, a busca por uma moeda forte deve ser o pilar primeiro da política monetária.

Infelizmente, grande parte dos economistas do mainstream — como os membros da equipe econômica atual — não compartilha integralmente do posicionamento dos austríacos.

Se a meta principal é levar a cabo o ajuste fiscal, não há maiores complicações em alcançar esse objetivo com uma mescla entre corte de gasto e aumento de impostos, defendem eles. O essencial é conter o déficit. Essa posição deriva de um errôneo entendimento de teoria econômica e de uma mentalidade um tanto estatista.

O que é pior, para o mainstream, basta manter o déficit em níveis constantes sobre o PIB que o apuro fiscal está resolvido. Basta as despesas do governo crescerem menos que o PIB e não haverá crise orçamentária. Basta manter a trajetória da dívida em relação ao PIB controlada, e a economia estará sanada.

Refrear o aumento descontrolado do endividamento público e reduzir os déficits fiscais não são garantia de crescimento econômico e aumento sustentável do padrão de vida da sociedade. Podem, sim, impedir a falência do estado e evitar uma crise de confiança temporariamente; mas não asseguram a retomada do crescimento, muito menos uma sociedade mais próspera e rica.

A relativização dos impostos leva economistas renomados — e normalmente sensatos — a defender posições alarmantes dignas de execração pública, como é o caso recente de Fábio Giambiagi. Em entrevista ao portal InfoMoney, Giambiagi disse:

Eu fui durante muitos anos contra a CPMF, por diversas razões, mas aqui me aproprio da resposta de Lord Keynes quando uma senhora o encarou dizendo que o que ele estava defendendo era contraditório com o que ele havia defendido anos antes, ao que ele respondeu, fleumaticamente: 'Minha senhora, quando as circunstâncias mudam, eu mudo. E a senhora?'. Ano passado tivemos um déficit público de 10% do PIB, mas penso que ser contra a CPMF hoje porque é um imposto ruim é como negar a entrada dos bombeiros numa casa que está pegando fogo porque vão estragar o sofá da sala. A situação é catastrófica e não vejo muito sentido em abrir mão de uma receita de 1,5% do PIB que pode ser aprovada em pouco tempo, uma vez que a emenda já começou a tramitar.

O economista não apenas cunhou uma das analogias mais infelizes da história — na verdade, a casa deveria ser a economia, e a CPMF, a gasolina —, como também atestou sua incompreensão sobre o fenômeno tributário e revelou sua mente estatista.

Em primeiro lugar, CPMF não é um imposto ruim por alguma outra característica além de ser o que é, um imposto. CPMF é ruim precisamente porque é um imposto, e ponto. Se imposto fosse bom, não seria imposto, seria contribuição voluntária — e seríamos então genuinamente "contribuintes".

Segundo, a única circunstância que mudou foi a gravidade do déficit; mas um imposto é sempre destrutivo à economia, seja em um governo superavitário, seja em um deficitário. Sua natureza não se altera de acordo com a situação das contas públicas.

Por fim, Giambiagi evidencia como pensa um estatista: sendo a contenção do déficit fiscal o objetivo principal, o importante é arrecadar. Nada melhor que um imposto fácil de ser cobrado como a CPMF. Quaisquer considerações sobre o efeito nocivo à economia são secundárias.

Giambiagi não está sozinho. Preocupa-nos a quantidade de economistas liberais que, atualmente, defendem o aumento de impostos como medida absolutamente imprescindível ao ajuste fiscal. "Sempre fui contra aumentar impostos, mas hoje a situação é dramática, não há outro jeito", justificam eles.

Intransigência ou moderação?

O correto entendimento das relações de causa e feito conduz inevitavelmente à busca pelas soluções que levarão a uma sociedade mais próspera e livre. Implantar as medidas corretas, porém, passa, obviamente, pelo processo político legislativo. Não basta entendermos o que é bom para a economia; é preciso convencer os políticos e a sociedade — para que esta apoie tenazmente — da necessidade de se adotar as políticas certas.

Mas quando partimos das premissas equivocadas e relativizamos o poder destrutivo da taxação, do gasto público, do gigantismo estatal e da moeda fraca, a probabilidade de fraquejo e hesitação dos políticos torna-se uma certeza, e as medidas corretas seguirão sendo postergadas para um futuro incerto.

E nessa conjuntura, a diferença entre os economistas sensatos (ou mais liberais), os marxistas e os keynesianos extremados é, frequentemente, apenas uma questão de grau, e não de essência. Porque, segundo estes, o problema não é o subsídio per se, mas a magnitude dos programas. Não é a existência do BNDES a questão nevrálgica, apenas a dimensão dos seus empréstimos é que deve ser mais bem calibrada.

Por divergirem frontalmente dessas posições, os economistas austríacos, sob a ótica do mainstream, não passam de seres intransigentes. Não levamos em consideração a realidade política e insistimos em propostas quiméricas. É preciso mais moderação, alegam eles. Será mesmo?

Vejamos.

Se partimos do pressuposto de que impostos são ruins para a economia, seria intransigência advogar a redução da carga tributária ou rechaçar propostas de novos tributos? Se admitimos a premissa de que moeda forte é uma condição para uma economia saudável, seria radicalismo condenar assertivamente toda investida de desvalorização da moeda?

Não há intransigência em afirmar que 1+1=2. Tampouco é moderação afirmar que 1+1, dependendo do lugar e instante no tempo, pode ser 3 ou 4. Não confundamos rigor científico com conveniências políticas. Ou entendemos cientificamente as relações de causa e efeito, ou rezemos para que, da próxima vez, por algum motivo inaudito, as consequências de políticas erradas não sejam desastrosas.

Enquanto essas noções não forem absorvidas e devidamente internalizadas, o Brasil permanecerá condenado à armadilha da renda média, à desigualdade abismal, à concentração de riqueza nas mãos de políticos e burocratas, ao capitalismo de laços e à baixa produtividade.

As ideias defendidas pelos economistas austríacos deveriam balizar as políticas públicas para conduzir o país de volta ao crescimento econômico e à prosperidade. Ceder às soluções politicamente mais factíveis é uma via expressa para a mediocridade econômica.

O fato inconteste é que hoje somente os austríacos estão preparados para condenar todo e qualquer aumento de impostos, independentemente da conjuntura ou do partido governante. Hoje somente os austríacos defendem com veemência a redução do estado, da despesa pública, e não apenas o controle orçamentário. Hoje somente os austríacos defendem a adoção de uma política genuína de moeda forte. Precisamos de mais "intransigência" e menos "moderação".

Por: Fernando Ulrich é mestre em Economia da Escola Austríaca, com experiência mundial na indústria de elevadores e nos mercados financeiro e imobiliário brasileiros. É conselheiro do Instituto Mises Brasil, estudioso de teoria monetária, entusiasta de moedas digitais, e mantém um blog no portal InfoMoney chamado "Moeda na era digital". Também é autor do livro "Bitcoin - a moeda na era digital". Do site: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2413

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