quarta-feira, 20 de julho de 2016

DIFERENÇAS ENTRE O SÁBIO E O INGNORANTE


Após algum tempo vendo ao vivo um filósofo filosofar de verdade (i.e. Olavo de Carvalho) e logo após ver o surgimento de outras grandes mentes que descobriram o próprio potencial através dos ensinamentos do professor, algumas diferenças intelectuais entre essas pessoas e as demais foram se revelando conforme os via se desenvolver.

Porém, o símbolo que cristalizou essa percepção foi aquilo que o ensaísta Nassim Nicholas Taleb chamou em A lógica do cisne negro de “antibiblioteca” (grifos nossos):

O escritor Umberto Eco pertence àquela classe restrita de acadêmicos que são enciclopédicos, perceptivos e nada entediantes. Ele é dono de uma vasta biblioteca pessoal (que contém cerca de 30 mil livros) e divide os visitantes em duas categorias: os que reagem com: “Uau! Signore professore dottore Eco, que biblioteca o senhor tem! Quantos desses livros o senhor já leu?”, e os outros — uma minoria muito pequena — , que entendem que uma biblioteca particular não é um apêndice para elevar o próprio ego, e sim uma ferramenta de pesquisa. Livros lidos são muito menos valiosos que os não lidos. A biblioteca deve conter tanto das coisas que você não sabe quanto seus recursos financeiros, taxas hipotecárias e o atualmente restrito mercado de imóveis lhe permitam colocar nela. Você acumulará mais conhecimento e mais livros à medida que for envelhecendo, e o número crescente de livros não lidos nas prateleiras olhará para você ameaçadoramente. Na verdade, quanto mais você souber, maiores serão as pilhas de livros não lidos. Vamos chamar essa coleção de livros não lidos de antibiblioteca.

Após algum tempo ficou mais claro que a grande diferença entre um verdadeiro intelectual e um sujeito mediano que entendeu parte considerável daquilo que estudou (na melhor das hipóteses o suficiente para conseguir um emprego bom e ser um ‘bom cidadão’) é que o primeiro tem muito mais consciência do campo de coisas que ele sabe que não sabe.

Para entendermos o que isso quer dizer recorramos a Sócrates, o filósofo, quando falava justamente de um sujeito ao qual conversou (grifos nossos):

Examinando, pois, a fundo este homem — não preciso de citar o seu nome; era um dos nossos homens de Estado — , observando-o bem ao longo de uma conversa, Atenienses, fiquei com a seguinte impressão: pareceu-me que este homem passava por sábio aos olhos da maioria das pessoas e sobretudo aos seus próprios olhos, mas na realidade o não era. Tentei, por isso, demonstrar-lhe que se enganava, ao julgar que era sábio. Isto me fez incorrer na sua inimizade, bem como na da maioria dos que assistiram à nossa conversa. Ao retirar-me, ia fazendo comigo esta reflexão: “Sou, sem dúvida, mais sábio que este homem. É muito possível que qualquer um de nós nada saiba de belo nem de bom; mas ele julga que sabe alguma coisa, embora não saiba, ao passo que eu nem sei nem julgo saber. Parece-me, pois, que eu sou algo mais sábio do que ele, na precisa medida em que não julgo saber aquilo que ignoro” [Apologia de Sócrates, 21cd]

Pois bem! Sócrates acabou de dizer que a maior diferença entre ele e o outro sujeito não era tanto o nível de conhecimento de ambos, mas sim o tanto que cada um sabia o quanto não sabia. Há uma diferença entre dizer que se sabe algo e a capacidade de julgar tanto o tamanho da sua sabedoria quanto o tamanho da sua ignorância. (O princípio da honestidade intelectual também está patente na parte grifada.)

Por fim, segue um diagrama que ilustra o que foi aqui dito. Começamos com o “homem-massa” do espanhol José Ortega y Gasset (v. A Rebelião das massas) ou o “cretino fundamental” do nosso Nelson Rodrigues. Como podemos ver, o homem-massa se acha um “señorito satisfecho” e, como tal, se passa por sábio aos próprios olhos. Já um gênio como Sócrates está muito mais ciente do desconhecido que o cerca, se comparado a um dos “homens de Estado” ao qual ele confrontou seus conhecimentos.

Obs.: Obviamente as proporções não estão perfeitas, mas ilustram com considerável fidelidade o que se tentou ilustrar no texto.

(Imagem: Jesus entre os doutores, Albrecht Dürer, 1506)
Por: Leonildo Trombela Júnior é jornalista e tradutor.
https://medium.com/@ltjunior  Do site: http://www.midiasemmascara.org/

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