quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

DERROTAR O POPULISMO POLÍTICO NÃO É FUNÇÃO DOS TRIBUNAIS


A Europa está transformada em samba de uma nota só. "Populismo", eis a palavra da moda. Encontramos artigos e artigos e artigos sobre o monstro.

As razões do medo são óbvias: depois da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, existe um espectro que paira sobre a Europa, para usar as velhas palavras do tio Karl.

Esse espectro são líderes "populistas" que prometem transformar os seus países em antros de ódio racial, oposição firme à União Europeia, ao capitalismo e à imigração.
Binho Barreto/Folhapress 

Esse clima de ansiedade e até de histeria convida a certos atos tresloucados. Um exemplo: no dia 9 de dezembro, Geert Wilders, líder do Partido Para a Vitória, foi condenado por "incitamento ao ódio" por um tribunal de Amsterdã. Em 2014, Wilders defendeu que a Holanda precisa de menos imigrantes marroquinos. Foi o que bastou para que os juízes punissem a sua conduta.

O caso já seria problemático do ponto de vista da liberdade de expressão. Mas ele é sobretudo grotesco quando sabemos que Wilders lidera as pesquisas para as eleições de 15 de março de 2017.

Os analistas são quase unânimes: depois dessa condenação, os juízes holandeses deram o prêmio que faltava para que Wilders fosse consagrado como "mártir da liberdade" e "defensor da Holanda".

Concordo com os analistas. E só lamento que um ensaio do politólogo grego Takis Pappas, publicado no "Journal of Democracy", não tenha sido lido na Holanda.

O título do estudo é relevante: "Distinguishing Liberal Democracy's Challengers". Tradução: antes de condenarmos aqueles que desafiam as democracias liberais, é preciso distingui-los nos seus princípios e objetivos. Fenômenos diferentes exigem respostas democráticas e legais diferentes.

Escreve Takis Pappas que é possível identificar três grupos problemáticos na Europa: os antidemocráticos, os nativistas e os populistas.

Os antidemocráticos são, como a palavra indica, inimigos da democracia liberal que sonham subvertê-la ou destruí-la. O Aurora Dourada, na Grécia, é um caso: um grupo neonazista que condena a "ditadura parlamentar" e defende, na teoria ou na prática, opções mais violentas de ação política.

O mesmo é válido para o Partido Comunista da Boêmia e Morávia, uma relíquia stalinista que é o terceiro partido mais votado na República Tcheca.

Depois vêm os nativistas: partidos que defendem os interesses das populações nativas contra os "outros". Os "outros", uma vez mais, podem ser a União Europeia, a globalização, a imigração.

A Frente Nacional de Marine Le Pen é o exemplo mais midiático, sobretudo porque a França terá eleições também em 2017. O partido de Geert Wilders, lógico, é outro. Sem esquecer o UKIP inglês que venceu as eleições europeias (em 2014) e foi o rosto do "brexit".

Em comum, os partidos "nativistas" aceitam a democracia liberal e a legalidade constitucional. Aliás, eles participam no jogo democrático para vencer esse jogo.

Finalmente, os "populistas" também aceitam o pleito eleitoral. Mas defendem princípios "iliberais", ou seja, princípios que exigem mudanças constitucionais autoritárias, diminuição dos direitos das minorias, maior controlo sobre a mídia, etc. etc. O caso de Viktor Orbán, premiê da Hungria, é o mais óbvio de todos.

Perante tudo isso, que fazer?

As propostas de Pappas parecem sensatas, embora incompletas em certos momentos. Sobre os antidemocráticos, o Estado deve usar "os meios legais e constitucionais disponíveis para restringir a ação dos extremistas", escreve ele.

Mas será que isso significa a proibição de partidos neonazistas ou neocomunistas que abertamente se assumam como inimigos da democracia liberal?

O autor não elabora sobre o tema. Eu tenho dúvidas: por um lado, participar no regime democrático deveria implicar respeito por esse mesmo regime; por outro, a exclusão constitucional de partidos extremistas é uma forma perversa de os alimentar e engrandecer.

Finalmente, o autor acerta sobre nativistas ou populistas: se eles aceitam as regras do jogo, devem ser vencidos em pleno jogo. Com melhores candidatos, melhores argumentos, melhores políticas. E nunca, jamais, por via judicial.

Na Holanda, o tribunal fez o trabalho sujo que deveria ser responsabilidade dos outros partidos do sistema. Eis um erro legal e político que o país pagará bem caro. 
Por João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

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