quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

APERTEM OS CINTOS, TURBULÊNCIA À FRENTE

É comum lermos sobre uma China dominante, em marcha forçada rumo ao capitalismo. Existem até os que imaginam que a China seja um modelo alternativo ao figurino neoliberal imposto por Wall Street.

Mais raro é termos notícia da outra China, que vive, no ciclo Xi Jinping, um soluço nacional-autoritário. Mais voltada para dentro, cresce menos e é ainda mais intolerante com a crítica. Censura as universidades, demite professores, prende intelectuais que ousam pensar mais livremente.

Recentemente, o presidente de uma das mais liberais universidades chinesas, de Sun Yat-sen, na província de Guangzhou, editou uma ordem com uma lista de dez proibições para professores e alunos. Expandia a lista de sete proibições de um édito do Comitê Central. No topo das vedações estão criticar a constituição, os líderes do Partido Comunista Chinês e espalhar a religião e a superstição. O presidente Xi Jinping, em uma reunião recente do alto escalão do PCC, prometeu transformar as universidades chinesas em "fortalezas da liderança do partido" que "manterão com firmeza a correta direção política".

O professor da universidade de Jinan, Deng Xiangchao, foi obrigado a se aposentar e perdeu seus títulos no partido porque criticou Mao Tsé Tung. O escritor Lu Yong ao participar de uma pequena manifestação a favor de Deng, no campus da universidade, foi cercado por maoístas e espancado. A manifestação foi desbaratada a porretadas pelo grupo de fiéis. Há uma onda de nacionalismo "neomaoísta" varrendo a China impulsionada pelo sopro poderoso do novo "chairman". Filho de um aliado de Mao, já em seu primeiro discurso no poder alertou que os últimos 30 anos de reformas e liberalização não podiam ser considerados como um repúdio aos 30 anos sob Mao.

Uma das consequências das reformas e da aproximação com os Estados Unidos e a Europa foi a abertura das universidades chinesas à cooperação acadêmica global. Agora, as autoridades governamentais alertam contra a presença de valores liberais ocidentais nas universidades e escolas. Aumentou a repressão a professores, intelectuais, advogados que defendem perseguidos do regime e ativistas políticos. Yau Wai-Ching, ativista pró-independência, foi cassada do parlamento de Hong Kong, por ordem de Pequim. O produtor da TV Luohe, na província de Hunan, Liu Yong, foi demitido, por ter defendido um crítico de Mao no ar, numa controvérsia sobre o aniversário do líder da revolução comunista chinesa no dia 26 de dezembro.

A revisão da história também retornou nessa fase "neomaoísta". Tem sido sistemática a censura e a "correção" de livros de história adotados nas escolas, para extirpar as narrativas consideradas mentirosas ou ofensivas. Em geral, são aquelas que tratam criticamente as versões que haviam sido impostas pela chamada "revolução cultural" de Mao. Analistas chineses abrigados em universidades ocidentais comparam o estilo de repressão e o uso de movimentos de fiéis para atemorizar e agredir os críticos do regime, com o estilo da época da revolução cultural e da temida Guarda Vermelha.

A Anistia Internacional comentou em seu relatório o desaparecimento de cinco livreiros de Hong Kong que desapareceram e foram encontrados encarcerados pela polícia chinesa. Aumentaram também os ataques a jornalistas.

Se juntamos o discurso de Donald Trump, a agressiva investida de Putin na reconquista do poder russo e a onda neomaoísta na China, temos um quadro que parece de convergência. Mas não há convergência, embora estejamos diante de dois tipos de nacionalismo populista e do revigoramento do nacionalismo autoritário chinês. Os Estados Unidos, mesmo com as disfunções de seu sistema político, nasceram como uma democracia republicana. É o país de maior tradição liberal do chamado "mundo ocidental". Sua democracia seja elitista viveu, pelo menos desde o final dos anos 1970, um movimento crescente de fortalecimento dos direitos constitucionais. A Rússia nunca foi democrática. Saiu do regime imperial dos czares para o autoritarismo leninista e stalinista. Com a glasnost e a perestroika, viveu um período de instabilidade, até a chegada de Putin, que implantou uma espécie de czarismo civil. Seu governo nada tem de democrático. A China foi imperial e com a revolução maoísta transitou para o autoritarismo. Tanto na União Soviética, como na China de Mao, os regimes, embora sustentados por uma máquina partidária, com uma cúpula no controle do poder político, os governos eram autocráticos. Na Rússia pós-soviética, houve apenas dois governantes: Yeltsin, entre 1991 e 1999, e Putin, desde 2000, incluindo-se o período em que dividiu o governo com Dmitry Medvedev ( 2008-2012). Mao liderou a China da revolução, em 1949, até sua morte, em 1976. Foi sucedido por Deng Xiaoping, o arquiteto das quatro reformas e do modelo de "um país, dois sistemas", para o retorno de Hong Kong.

Cada governante chinês buscou associar seu governo a uma doutrina. Deng propagou uma visão pragmática, que contrastava com o fervor ideológico da era Mao e desenvolveu a ideia do socialismo com características chinesas. Jiang Zemin, chegou ao poder, após o massacre que reprimiu os protestos de Tianamen. Líder sem carisma, propôs a teoria das três representações, que indicava a necessidade de ajustamento da China às novas forças da sociedade em mudança rápida. Era uma linha de continuidade com as reformas de Deng, que também trouxe ao poder Hu Jintao, que sucederia a Jiang. Xi Jinping representa uma outra facção da linhagem dos "príncipes" chineses e dá mostras de querer recuperar a tradição maoísta, numa síntese que não elimine inteiramente o pragmatismo de Deng.

O que há de similar entre as três grandes potências é o nacionalismo, mas cada um à sua moda. Uma reação a diferentes forças da globalização. No caso da China, um recuo para o mercado interno, que ficou negligenciado na fase voltada para fora do crescimento chinês. No caso da Rússia, uma reação ao avanço da União Europeia e da OTAN para países que estiveram na órbita da URSS. No caso de Trump, a rejeição aos imigrantes e aos produtos made in China. De qualquer modo, há o risco, no curto prazo, de modelos voltados para dentro, com repercussões negativas, principalmente nos casos de China e EUA, para a economia global. Ondas nacionalistas em geral associam-se a impulsos autoritários. Na Rússia, isso já é evidente. O nacional-populismo de Putin é claramente autoritário e belicoso. No caso da China, como diz o filósofo confucionista, Jiang Qing, seja o maoísmo, seja o não podem ser democráticos. Trump tem uma personalidade autoritária e intolerante, mostrou isso, novamente, em sua primeira coletiva de imprensa. Se vai ou não conseguir transferir essa personalidade para o governo é uma questão que dependerá dos freios e contrapesos (checks and balances) da democracia americana. Seja como for, teremos tempos turbulentos à frente, é bom apertar os cintos.
Por: Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. É colaborador do blog com análises do cenário político internacional Do site: http://g1.globo.com/

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