sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

O CONSERVADOR BRASILEIRO DO SÉCULO 21


Há muito ruído, para não dizer inconsistências, sobre o termo “Conservador” nos dias de hoje. Antes de generalizarmos sobre a origem e definição de conservadorismo, sobre um renascimento dos partidos conservadores e liberais e sua situação no Brasil, é importante que se faça um curto resumo sobre o que seria razoável um conservador representar considerando os aprendizados das revoluções liberais do século 19, as armadilhas das revoluções socialistas do século 20 e os novos desafios políticos, econômicos e sociais que se apresentam nesse início de século 21.

Em resumo, há valores exclusivamente conservadores e outros valores que são comungados com liberais.

Dentre os valores vistos como exclusivamente como conservadores estão:
Soberania: o conceito de nação estado, em oposição a um mundo sem fronteiras, é o conceito de maior eficácia na proteção ao cidadão e sociedade. A nação deve ser soberana, livre e independente tanto em território, quanto em autonomia para determinar suas próprias regras. Nenhum governo ou organização internacional deve ter poder ou ger sobre as políticas internas de uma nação soberana.
Segurança Nacional: As forças armadas e de segurança pública devem, em critério de prioridade e exclusividade, proteger o cidadão brasileiro, e não o governo e burocracia, ou interesses de organizações estrangeiras. Essas forças de segurança devem estar sempre modernas e prontas para defender a cidadania e integridade territorial, assim como interesses nacionais em campo internacional.
Cidadania: o cidadão tem direitos e obrigações distintos e superiores ao do não-cidadão. A cidadania é, portanto, um privilégio que deve ser observado como tal, pois denota comprometimentocom a sociedade civil que defende aquela nação. O cidadão é o mestre e isso tem valor.
Moralidade, tradição e valores de base: toda nação desenvolve valores desde sua fundação. São valores religiosos, sociais, comportamentais e éticos. Cabe a sociedade defender seus valores e ao Estado garantir que as escolhas da sociedade sejarespeitadas. Não cabe ao Estado determinar valores, e nem permitir que governos e burocracias tenham qualquer tipo de gerência sobre esses valores. Essa última afirmação é essencial para a evolução do conservadorismo no Brasil, já que hoje o Estado tem e exerce o poder de moralizar e criar valores, destruindo de forma ativa os valores da sociedade brasileira. Precisamos de líderes dignos que respeitem esses valores? Certamente. Mas o Estado não permitir que governos tenham o poder moralizante é o melhor seguro contra o risco que uma eleição fraudulenta eleja corruptos e imorais.
Família: a integridade da família é inviolável e essencial para a sobrevida da cidadania e da nação-estado. Tudo que se propõe a redefinir, relativizar ou limitar o conceito de família tradicional é um risco para a sociedade e para a segurança nacional. A tolerância para com as famílias não-tradicionais deve ser sempre observada, mas o Estado, em proteção a si próprio, não deve permitir ações de qualquer governo que atentem contra organização da família tradicional, ou deixar de criminalizar práticas como a pedofilia, por exemplo.
Restrição ao aborto: ao atentar contra a vida e a ordem natural, o aborto como princípio não deveria ser discutido. Deve ser proibido. A proteção da vida da mãe ou da vida gerada por violência sexual são condições a serem revistas caso a caso, mas não numa discussão de princípio, mas sim como uma medida de proteção à vida e ordem natural.
Restrição às Drogas: a proibição de drogas é um ato de intervenção de Estado em proteção. Para aqueles que acham que o caminho é a liberalização, devemos lembrar a eles que antes daproibição não havia restrições. A limitação e proibição de uso de algumas drogas foi um processo gradual, em decorrência das experiências nocivas das drogas mais letais e suas consequências.
O princípio da subsidiariedade por Galvão de Souza

Liberais não estão em desacordo com muitos dos pontos acima, mas talvez divirjam sobre como defende-los. Liberais e conservadores compartilham valores muito importantes de forma integral. Esses são:
Subsidiariedade: em termos de organização esse termo significa descentralização. Esse princípio dita que a instância de governo acima da família e da comunidade (ou seja, bairros, cidades e estados) só poderá exercer funções com a permissão dessas comunidades, e apenas quando elas não puderem fazê-lo por conta própria. Ou seja, a prefeitura, o estado e a União só devem ter jurisdição sobre aquilo que o cidadão e as comunidades permitirem, ou para mediar conflitos entre elas. Em teoria, regras impostas por prefeitos, governadores e presidentes não valem sem a permissão das famílias e comunidade.
Representatividade: Países de sucesso têm Estados capazes de proteger suas comunidades de governantes e burocratas mal-intencionados, ao passo que países fracassados têm Estados que protegem governantes e burocratas contra a vontade das comunidades. Para que o Estado efetivamente represente suas comunidades tem de haver representatividade, e até agora o sistema eleitoral distrital é o único modelo eleitoral capaz de fazer isso.
Transparência: tudo que é público deve ser transparente, sobretudo impostos, sua origem e sua aplicação.
Autodeterminação: autonomia para que estados e municípios se organizem para atender aos desafios locais, e determinem sua realidade jurídica e tributária, e assumirem ao máximo competências que hoje estão nas mãos da União.
Direito à propriedade: terra, poupança, imóveis, ideias, herança, maquinas, estoque ou qualquer espécie de capital ou patrimônio (móvel ou imóvel) dos cidadãos são invioláveis, não cabendo a qualquer instância de governo ou burocracia a autoridade para relativizar esse direito. Cabe ao Estado apenas a proteção desse direito absoluto do cidadão, não deixando que governos relativizem o conceito em prol de qualquer causa.
Livre iniciativa “laissez-faire”: todo cidadão deve ser livre para trabalhar, gerar e acumular riquezas. O Estado não deve coibir nenhum tipo de atividade, desde que ela não constitua crime ou um prejuízo à saúde e segurança pública. O Estado não deve nunca regular ou legislar sobre qualquer atividade, nem permitir que governos e burocracias criem regulamentações limitadoras.
Ordem natural: respeito ao misterioso processo de formação natural da cultura e do histórico de nossa sociedade. É o respeito às forças da natureza e à condição humana, além da compreensão racional. É a negação de artificialismos e coletivismos progressistas construídos pelo ser humano. É um compromisso com a energia vital e inexorável de uma sociedade livre no comando de suas escolhas. A defesa da ordem natural significa o respeito à continuidade mística, e de que nossa integridade social prevalecerá sem termos a burocracia como guia.
Defesa pessoal e patrimonial: todo cidadão deve ter o direito inalienável de zelar por sua proteção, de sua família e de seu patrimônio. As forças de segurança do Estado não são capazes de zelar pela integridade física e patrimonial de todos, não de forma perfeita e infalível. O desarmamento é uma legislação intervencionista que atenta contra a proteção à vida, contra a subsidiariedade e ordem natural. Desarmar o cidadão de sua capacidade de defesa, deixando-o indefeso às incertezas e ao acaso da violência, é uma tirania.
A Aplicação do Valores Conservadores

Os pontos acima definem, a grosso modo, um conservador e como ele julga a política, economia e sociedade. Mas há um item essencial que faz parte do conservadorismo que precisa ser isolado: organização de Estado. Facilita entender o conservador quando se entende como tudo isso se organiza. Nesse quesito o ponto de partida é a obrigatoriedade da separação entre Estado e governo. O Estado, ou seja, a constituição da União, deve ser responsável apenas pela segurança, justiça e ordem institucional. Nada além disso.

Essa percepção, assim como muitas postuladas acima, adveio da incorporação das revoluções liberais no pensamento conservador. A partir desse novo formato liberal, a Constituição deve ser vista como uma força protetora dos indivíduos e das famílias contra a ação de governos e burocracias locais que violem a subsidiariedade e se tornem poderes tirânicos. Esse arranjo se provou estabilizador, o que é do agrado do conservador. Em deixar livre a organização dos governos locais, esse arranjo liberal blinda o poder central de intempéries politicas geradas nas comunidades. Na outra ponta, os governos locais por sua vez ficam responsáveis pela política de governo, política econômica e política social.

Como aplicar essa percepção? Um governo eleito pode ter um viés conservador ou progressista, cada um com suas ideias de como o país deve ser conduzido e o que precisa ser melhorado. Isso passa por políticas e medidas temporárias, pertencentes àquele poder executivo e legislativo eleito. Essas políticas variam, e podem ser mantidas ou substituídas por um novo governo eleito, mas nunca devem se tornar parte do Estado, fixadas na constituição federal. Quanto mais o Estado Liberal adota politicas permanentes, mais ele se transforma em um Estado Social (mais sobre isso adiante).
Welfare State vs Liberal State

Os conservadores, assim como alguns liberais, não são contrários a programas assistenciais, por exemplo. Eles apenas defendem que políticas sociais sejam medidas temporárias e locais, executadas pela entidade pública local (prefeitura ou governo estadual), ou por uma associação não governamental. Essas políticas não devem nunca se tornar uma Política de Estado. Um conservador entende que qualquer programa de governo deve ser revogável pelas famílias locais. Esses são os conceitos e valores básicos de um conservador. Se você concorda com todos eles, então você é um conservador.

Tendo isso em mente, é necessário estabelecer que não existe algo como um Estado Conservador ou Progressista. Um Estado, como arranjo de poderes, é apenas Liberal ou Social, conforme você entenderá mais além neste artigo. Desta forma, sendo Estados apenas liberais ou sociais, restam aos governos serem conservadores ou progressistas. Um Estado pode ser liberal e ter um governo progressista, por exemplo. Isso acontece frequentemente, já que governos são transitórios e frequentemente eleitos para resolver problemas pontuais.

O quadro abaixo é um breve resumo dos valores conservadores organizados por instância:
Instância Visão Conservadora
1- Organização de Estado Comando central da soberania e proteção da cidadania, comando local em subsidiariedade às famílias e autodeterminação das comunidades.
2- Politica Econômica Livre Iniciativa e propriedade privada.
3- Politica de Governo Segurança, representatividade e transparência.
4- Politica Social Ordem natural e família.


Agora que resumimos e organizamos os preceitos básicos do pode vir a ser um conservador brasileiro no século 21, vamos em frente com seu surgimento, as distensões dos partidos conservadores e liberais, o conservadorismo no Brasil e também o que são Estados liberais e Estados Sociais.
A origem do conservadorismo

Somente a análise desde a origem permite o real entendimento de um assunto. Quando falamos sobre o termo “Conservador” e o que ele representa, precisamos de perspectiva e observação de contexto. O conservadorismo surge no final do século 17, quando as Revoluções Liberais mudam o mundo, em um processo que durou até o final do século 19. Essas revoluções liberais foram responsáveis pelo fim do modelo de Estado Absolutista, ou absolutismo europeu, a reintrodução da democracia e também pelo adeus à tirania de Estado. A grosso modo, essas revoluções liberais eram a favor da limitação de poderes públicos, da ordem natural, da autodeterminação dos povos e, é claro, de uma constituição que protegesse tudo isso, e muito mais.

Mais do que uma ruptura exclusivamente política, as revoluções liberais foram também econômicas. O liberalismo econômico trouxe outras contraposições importantes, como o combate ao mercantilismo e o patrimonialismo na forma da adoção do “laissez-faire” e da proteção da propriedade privada. Claro que Estados Absolutistas da época variavam em grau de absolutismo, mas o liberalismo ampliou o escopo muito além da zona de conforto dos reis, clero e aristocratas mais liberais.
O que é o laissez-faire e seu surgimento
O que é “laissez-faire”

Essa expressão francesa é o símbolo do liberalismo econômico, e nasceu a partir da expressão francesa “Laissez-faire, laissez-aller, laissez-passer”, que significa em português deixe fazer, deixe ir, deixe passar. O laissez-faire é a mais pura expressão do capitalismo e como ele deve ser livre para funcionar. No laissez-faire, o Estado deve deixar as pessoas fazerem, irem e passarem como desejarem. Atribui-se essa expressão ao comerciante francês Le Gendre que, ao ser perguntado por Jean-Baptiste Colbert, ministro de Estado e das Finanças do Rei Luís XIV, da França, sobre como o Estado poderia ajudá-lo (Que faut-il faire pour vous aider?), respondeu de forma simples “laisser nous faire”. Deixe nos fazer. Ou seja, o Estado é a exemplificação do ditado: muito ajuda quando não atrapalha.

Essas contraposições foram todas contrarias à centralização de poderes e a favor da descentralização e subsidiariedade. Foram lutas contra os privilégios e abusos de governantes, e a favor da igualdade perante as leis e proteção de direitos individuais naturais. As reformas liberais resgataram o voto e o governo distrital, a real democracia.
O que é o Estado Liberal

Um novo modelo ocidental de organização política nacional nasceu das revoluções liberais: o Estado Liberal. Para melhor compreender esta definição, entenda por “Estado” a Constituição que define o território, o cidadão, as instituições públicas, os princípios, as leis, as normas, os direitos e obrigações e as competências dos poderes públicos eleitos ou nomeados, que exercerão poder em nome do Estado.

Graças à Revolução Norte Americana e mais tarde à Francesa, além de outras revoluções liberais ocorridas na Europa, países que antes não tinham constituição passaram a ter uma, e aqueles que já tinham carta magna passaram a adotar uma visão de que primava pela limitação de poderes de governo e pelo “laissez-faire” econômico. Cabe aqui um detalhe interessante. Berço do regime soviético e do comunismo que ainda hoje desola economias e populações, a Rússia só teve sua primeira constituição em 1906, criada como forma de amenizar a rejeição dos russos à imagem do governo do czarista. Isso não funcionou, visto que pouco mais de dez anos depois a revolução russa alijou o Czar do poder. Ou seja, ao manter-se absolutista e antidemocrático, o governo do Czar fomentou o crescimento dos movimentos de esquerda. Outra curiosidade é que a primeira eleição democrática na Rússia aconteceu apenas em 1991, com o fim do regime soviético. Fica claro que o socialismo, tido pela esquerda como a forma mais democrática de governo, não é tão democrático assim.

É óbvio que o grau de limitação imposto ao Estado entre as nações europeias variava tremendamente, assim como o grau de “laissez-faire”, mas já detectamos nos séculos 18 e 19 uma ruptura com o absolutismo e mercantilismo, típicos do “Antigo Regime”.
Quando surgiu o conservadorismo?

Somente após a criação dos Estados Liberais europeus e americanos, já no século 19, é que surgiu o que convencionou-se chamar de conservadorismo. Por ter pecado nos excessos do liberalismo, a Revolução Francesa foi talvez a que mais contribuiu com o surgimento do conservadorismo. Fundou-se nessa época os primeiros partidos conservadores, que passaram a reagir contra os partidos liberais e a limitar o movimento liberal.

A grosso modo, os partidos conservadores de então defendiam maior centralização política, mais controles e limites políticos, um exército permanente e intervenção política, social e econômica ocasionais, desde que visando a proteção do bem comum. A premissa dos conservadores do século 19 era que o povo não tinha capacidade para autodeterminação. O maior receio desses conservadores era a perda do controle interno, o que poderia colocar a nação-estado à mercê de alguma força estrangeira.

Os partidos liberais, por outro lado, defendiam a descentralização política, maior amplitude para o voto, autodeterminação das comunidades e nenhuma intervenção do Estado na economia e sociedade. As tradicionais forças de defesa do poder central eram vistas como uma ameaça aos preceitos liberais, já que do ponto de vista desses liberais a soberania se tornava mais fragilizada exatamente por ter um comando central, capaz de negociar a rendição nacional a uma força estrangeira invasora.

Vemos assim que enquanto os Conservadores temiam a perda do controle, os Liberais temiam a tirania de Estado.

Os países europeus absolutistas que testemunharam a Revolução Francesa sucumbiram mais tarde com a ascensão de Napoleão, que invadiu e promoveu reformas liberais nos países invadidos. Napoleão passou, mas as reformas ficaram.

Cabe aqui algumas ressalvas. Embora inicialmente divergentes nas questões acima, Conservadores e Liberais acabaram por concordar com a necessidade do que depois se denominou por Estado Liberal. Os poderes agora não eram mais arbitrários, mas sim constitucionais e limitados. Introduziu-se a defesa dos direitos individuais, do direito à propriedade, da igualdade perante a lei e da aplicação do princípio da subsidiariedade como modelo organizacional. Ao final do século 19 Liberais e conservadores se tornaram, portanto, vertentes da mesma corrente política: defensores do novo Estado Liberal, apenas discordantes sobre como e quem deveria defende-lo.
Thomas Jefferson e Alexander Hamilton

O exemplo mais claro dessa divisão são os Estados Unidos, onde esse debate foi muito marcante entre fundadores daquele país, conhecidos como os “Founding Fathers”. Conservadores como Alexander Hamilton defendiam a criação de um poder central com exército permanente, visto como uma questão de segurança e soberania nacional. Thomas Jefferson, um liberal, pregava exatamente o oposto, e defendia que “todo cidadão deve ser um soldado”, pois assim os Estados Unidos não dependeriam de um exército comandado por burocratas. Essa é a origem do artigo constitucional que garante aos americanos a posse de armas. Séculos depois vemos que ambos tinham razão e como as duas vertentes se tornaram viáveis ao longo do tempo. Ambos eram favoráveis à proteção da independência dos EUA, apenas propunham formas diferentes de fazê-lo. Era esse tipo de debate que predominava no jogo partidário de então.

Quase todos os países do ocidente adotaram o Estado Liberal como modelo ao final do século 19. Mas dentro do bem há a semente do mal, e foi nessa mesma época que surgiram os primeiros partidos socialistas e socialdemocratas na Alemanha. Pouco tempo depois surge outra quebra de modelo: a Revolução Russa financiada pelos alemães. Ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, a Alemanha derrotada entra em caos político. Seu Kaiser (termo alemão para Imperador) Wilhelm II (Guilherme II, em português), um dos causadores da Primeira Guerra Mundial, fugiu para exilio na Holanda. Com isso soldados alemães fizeram um levante nos moldes da revolução Russa e os partidos socialdemocratas, que dominavam o movimento socialista da Alemanha, convocaram uma assembleia constituinte.
O que é o Estado Social

Foi em decorrência desse levante e articulação socialista que a Alemanha proclamou uma República, conhecida como “A República de Weimar”, e adotou uma novidade: uma nova constituição que introduzia o Estado Social no ocidente. Foi o primeiro país desenvolvido a adotar esse modelo, que centralizava ainda mais o poder, substituía direitos individuais por direitos coletivos, além de nacionalizar tanto a propriedade como a atividade econômica. O modelo político era na forma de um semipresidencialismo autoritário, e o modelo econômico era baseado no modelo comunista Soviético.

O resultado se provou um desastre sem precedentes: instabilidade política, hiperinflação e a criação da base jurídica perfeita para o populismo nazista. Diga-se de passagem, de 1933 a 1945, quando Hitler assume o poder na Alemanha, os nazistas pouco alteraram a constituição socialdemocrata da República de Weimar.
Criança brinca de empilhar dinheiro na época da hiperinflação da República de Weimar

Em muitos aspectos o Estado Social da República de Weimar se tornou em uma versão atualizada do absolutismo e do mercantilismo, um representante moderno do Antigo Regime (em francês Ancien Regime), o modelo absolutista francês que precedeu a Revolução Francesa. Uma diferença é que nessa versão o poder absoluto seria comandado pela a burocracia, e não mais pela a Coroa, o Clero e a aristocracia.

A República de Weimar validou a revolução Russa e a internacionalização do movimento socialista na Europa. Ao adotar a narrativa da liberdade, igualdade e justiça social, os proponentes do Estado Social avançaram internamente dentro de todos os países do ocidente. A consequência disso foi devastadora, e os diversos países que há pouco tempo haviam adotado um modelo de Estado Liberal foram compelidos a criar programas sociais e burocracias centrais. Alguns desses países chegaram até a modificar suas constituições. Os Estados Liberais não estavam preparados para essa nova onda revolucionária, e os mais fracos institucionalmente resolveram adotar constituições novas. Esse foi o caso do Brasil.
O Estado Social no Brasil

De 1824 até 1930 as constituições do Império e da Primeira República eram liberais. Mas uma figura admirada por quase todos os políticos brasileiros, o ditador fascista Getúlio Vargas, foi um dos expoentes responsáveis pela introdução do Estado Social (em inglês welfare state) no Brasil. Estamos atualmente em nosso quinto Estado Social, fato definido por 5 constituições socialistas desde 1934. Pontuo esses detalhes em meu livro.

Se reduzirmos ao máximo os conceitos, no Estado Social o governo é o todo poderoso, e age de acordo com os interesses de classes sociais em detrimento dos direitos individuais. Por definição, o Estado Social coletiviza os interesses da sociedade e cria burocracia para atender esses interesses. A verdade é que somos considerados um Estado Social, onde tudo funciona a partir de hierarquia e burocracia.
Getúlio Vargas à época da Constituição de 1934

Embora dotado de uma narrativa “social”, a aplicação termina sempre sendo muito diferente quando colocado em prática. O Estado Social se torna paternalista, interventor, centralista e violador do princípio da subsidiariedade e da ordem natural. Os pilares do Estado Social parecem benéficos e de fácil aceitação, mas na verdade dependem da alta regulamentação e tributação de todas as atividades humanas. São seus pilares: o sistema de saúde, o sistema de previdência, o assistencialismo, as leis trabalhistas, a justiça do trabalho, a estatização de setores da economia e da educação. Tudo isso é controlado pela burocracia de Estado e pago obrigatoriamente pelos cidadãos, através de impostos individuais diretos, e pelos empreendedores através dos tributos sobre atividades empresariais. Soma-se o custo alto à incompetência gerada pelo populismo e pela burocracia, e a consequência é um cidadão que, além de ficar com menos poupança pelos impostos altos, fica sem os benefícios.

Por permitir a criação de um Estado gigante e com capilaridade, o Estado Social se tornou notoriamente a base jurídica sobre a qual, com frequência, nasceram governos populistas e oligarquias perpétuas. Políticos mal-intencionados utilizam as boas intenções sociais para tomar o poder, e frequentemente Estados Sociais deterioram para sistemas totalitários fascistas, socialistas ou comunistas. Nesses cenários não há nem o bem-estar social, nem a liberdade e muito menos a democracia.
O Fim do Conservadorismo no Brasil

O que aconteceu com os conservadores e liberais brasileiros quando surgiu o Estado Social? Desde 1934 e a Constituição de Vargas, as ideias liberais praticamente desapareceram do debate e deixaram de ser uma força política efetiva, mas as ideias conservadoras, por outro lado, se modificaram e passaram a ser representadas por alguns aspectos do Estado Social. Mas para efeito de coerência na definição, tanto conservadores como liberais tiveram seu fim de jura em 1934, com Getúlio Vargas e sua Constituição socialista.
A fraqueza ideológica

A falta de resistência à criação de um Estado Social denota a fraqueza e a falta de coesão ideológica por parte de conservadores e liberais brasileiros no final da Primeira República. No mesmo período que sucumbíamos ao ditador Getúlio, os conservadores nos Estados Unidos foram uma força de resistência contra a criação de um Estado Social. O mesmo aconteceu na Inglaterra. Isso não quer dizer que esses países não adotaram programas sociais mais intensos entre 1930 e 1945, apenas que eles resistiram à adoção de uma nova constituição, e restringiram ao máximo a criação de um Estado Social. Até os conservadores na Alemanha arrasada do pós-Segunda Guerra tiveram mais coesão ideológica. Em 1949 os conservadores alemães reintroduziram um Estado Liberal naquele país, e ocuparam a chefia de Estado nos 47 dos 69 anos desde então.

Nos dias de hoje, do ponto de vista da política comparativa, vemos que somente 20 dos 200 países no mundo são organizados constitucionalmente como um Estado Liberal. Os outros 180 são estruturados como alguma variante de Estado Social. Essa sustentação do Estado Liberal se deve à força da sociedade e dos líderes políticos conservadores e liberais nesses poucos países. As demais nações caíram ante a tirania do Estado Social. Um conservador coerente e ciente do significado e suas consequências defenderá sempre um arranjo de Estado Liberal, nunca um Social.
O Estado Liberal

Um Estado Liberal garante os direitos individuais, mantendo-os acima de qualquer classe social. Ele protege as escolhas das famílias ao limitar a criação de burocracia, e tenta aplicar o princípio da subsidiariedade. O Estado Liberal teme a corrupção do sistema representativo, e por isso limita ao máximo os poderes dados aos representantes, dando assim a chance da sociedade se defender fisicamente contra a tirania de Estado.

Por que o Estado Liberal não pode ser responsável por tudo? Porque ele não quer e não precisa fazer nada que as famílias por si próprias não possam fazer. Isso evita o custo do imposto alto, reduz ao máximo a burocracia e impede a proliferação da corrupção e do desperdício do dinheiro público. Isso também impede que o populismo sequestre o Estado. É por isso que ao invés de criar programas sociais, um Estado Liberal fomenta doações para o terceiro setor e iniciativas locais. Programas assistencialistas existem, mas tendem a ser locais, temporários, objetivos e são revogáveis, nunca firmados em constituição.

Um Estado Liberal permite à sociedade poder se autodeterminar localmente, removendo assim todo e qualquer representante público desnecessário. A função prioritária de um Estado Liberal sempre foi e sempre será a segurança, a justiça e ordem institucional.

Em termos gerais, partidos conservadores e liberais mundo afora, historicamente defenderam o conceito de Estado Liberal de forma ativa. A alternância no poder entre conservadores e liberais era comum no século 19, já que suas diferenças eram meramente sobre políticas de governo e sociais, e raramente sobre a organização do Estado ou quanto a política econômica propriamente dita.

Com o surgimento do Estado Social no século 20 tudo mudou, e a maioria dos países da América Latina e Europa alteraram suas constituições para refletir a nova moda. Ao final do século 20, quando o modelo de Estado Social provou ser massacrante para a economia nacional, a maioria dos países europeus aproveitaram a oportunidade para remover princípios do Estado Social de suas constituições; mesmo que alguns resquícios persistissem.

A situação do continente sul-americano foi diferente, já que a maioria dos países mantiveram suas constituições inalteradas, e alguns até as reforçaram seu Estado Social, como foi o caso do Brasil.

Por estarem ainda em desenvolvimento, essas nações e suas populações querem que o Estado lhes garanta tudo, para que assim elas atinjam o desenvolvimento econômico. O que elas não entendem é que o Estado Social é, na verdade, um grande freio de mão: ao ser acionado não permite ao carro sair do lugar, e se ele sair mesmo assim, não vai conseguir andar tão rápido nem ir tão longe antes de uma falha mecânica do automóvel.

Para quem sobra a conta do conserto? O dono. Neste caso, o cidadão contribuinte. Um país só se desenvolve economicamente com sustentabilidade através do Estado Liberal, pois o governo deixa de gastar e apenas garante um ambiente seguro para que a população prospere.

A grande diferença entre o Estado Liberal e o Estado Social é que no Estado Liberal o governo sobrevive das riquezas de sua população, enquanto no Estado Social as pessoas sobrevivem das dívidas do governo, já que um governo não gera riquezas, apenas arrecada impostos. Quanto antes as pessoas entenderem isso, melhor.
O real peso do Estado Social (welfare state) sobre a economia

Isso tudo parece estar mudando. Observo no mundo ocidental uma ressurgência tanto do conservadorismo moral, quanto do liberalismo político e econômico. O Brasil está nessa mesma onda, embora alguns conservadores e liberais brasileiros apoiem o atual Estado Social, ou partes dele. Algumas pessoas que se dizem conservadores defendem o sistema público de previdência, as leis trabalhistas e as estatais, algo extremamente contraditório. Explico.
O sistema previdenciário deve ser livre, cabendo às pessoas escolher como (e se) querem poupar para a aposentadoria. Cabe ao Estado apenas garantir que as opções privadas sejam legais, e coibir abusos ou esquemas ilegais. Sistema previdenciário estatal é monopólio estatal, e como bem sabemos, isso não funciona.
A Consolidação das Leis Trabalhistas foi um dos instrumentos que feriu de morte o Estado brasileiro. Ele onera o cidadão e o empresário, tirando dinheiro do bolso dos dois para sustentar duas entidades que não produzem riqueza, e que vivem às custas do trabalho alheio: o Estado e sua burocracia, e as entidades sindicais. Cabe aos cidadãos e empresários escolherem como querem trabalhar juntos. O Estado deve garantir apenas que nenhuma lei seja violada, e que não haja exploração de nenhuma das duas partes. Leia mais aqui.
Dizem eles que as estatais são estratégicas ao país, e que cabe ao Estado defende-las. Errado. Um conservador não defende que o Estado defenda estatais estratégicas, mas que ela defenda o funcionamento pleno e justo de suas empresas privadas, que geram riquezas e prosperidade, sejam elas estratégicas ou não. Estatais devem ser evitadas pois fogem à função do Estado.

Outro equívoco comum é a questão religiosa. Muitos pensam, inclusive conservadores, que a profissão do catolicismo é requisito obrigatório para o conservadorismo. Na verdade, conservadorismo não se limita a uma fé ou igreja específica. Há conservadores em Israel, Alemanha, Estados Unidos ou Inglaterra, por exemplo, países em que o catolicismo é minoria. O conservador defende a manutenção da tradição da sociedade e suas instituições, o que frequentemente contempla valores, mas não uma fé ou religião em específico. Isso dito, afirmar que o Estado Liberal possa funcionar sem uma sociedade cristã, ou que no mínimo aceite os valores cristãos, é um erro crasso.

Não são só alguns conservadores que estão desalinhados, mas liberais também. Vejo frequentemente liberais defendendo a tutela do Estado sobre programas de educação e saúde. Se você leu este texto até aqui não preciso explicar novamente porque isso é ruim. Repetindo, a função de um Estado Liberal é a segurança, justiça e ordem institucional, que contempla as relações internacionais.

O meu ponto é sobre Constituição e competência. A defesa e um ou outro programa assistencialista, sendo ele no nível de governo de estado ou municipal, não é um problema, pois uma cidade ou unidade federativa tem a capacidade de criar e monitorar esses planos de maneira muito mais eficiente que o poder central da União. Isso é subsidiariedade, pois o eleitor do estado e da cidade tem a chance de cobrar por essa eficiência, ou até mesmo cobrar por sua interrupção de maneira mais direta. O problema está em perpetuar esses planos, colocando-os como uma obrigação permanente do Estado na letra da constituição, tornando o assistencialismo em uma competência da União. Essa é a primeira saída em direção ao populismo, como bem vimos no Brasil atual.Espectro político baseado na auto-declaração dos presidentes dos partidos. Fonte: Veja

Os Partidos de Hoje

Considerando que vivemos num contexto de Estado Social há quase 100 anos, fica mais fácil de se imaginar que não existam partidos conservadores e liberais de fato no Brasil. Todos os partidos que compõe o congresso nacional de hoje defendem um Estado Social, variando apenas no grau da intervenção, e defendem em seus estatutos, sem exceção, os pilares e princípios que sustentam o arranjo de um Estado Social.

A ressurgência do conservadorismo e do liberalismo no século 21 torna o atual Estado Social mais instável do que ele já é por natureza. O Brasil vive um caso grave de anomia política, já que nossos políticos se veem como representantes legítimos da população através do voto, mas nossa população não enxerga nesses mesmos políticos nenhuma representação real. Se esse movimento conservador crescer na linha que aponto nesse artigo, o que tudo indica que deve acontecer, o atual Estado se tornará ainda menos capaz de proteger e representar as aspirações de nossa sociedade, o que fará com que a anomia fique ainda mais grave do que já está. Caso isso ocorra uma ruptura com o atual modelo Social se torna possível.

Partidos socialistas e socialdemocratas de toda espécie perceberam isso e já discutem uma nova constituinte, assinalando para um modelo semipresidencialista similar ao da Alemanha pré-República de Weimar. É saudável para os novos conservadores e liberais resistir a esse intento e, por assim o fazer, sustentar o atual modelo de Estado Social só para evitar que esse piore? Claro que não. Conservadores e liberais tem de unir forças e assumir liderança na discussão de uma nova constituinte. Só que isso depende do foco no objetivo de uma nova constituição: a criação de um Estado Liberal no Brasil.

Como eu já mencionei em minhas postagens, quanto mais rápido conservadores e liberais abondarem os partidos socialdemocratas, teremos maiores avanços. Temos novos partidos liberais que podem adotar pautas conservadoras, assim como partidos conservadores que podem adotar temas liberais. Ambos canais são válidos e muito benvindos. Compactuo com o cientista político, historiador e autor Bruno Garschagen quando ele aponta que o debate político no Brasil nunca foi tão enriquecedor e condizente com a visão de uma grande nação, assim como nos debates entre liberais e conservadores do século 19.

Pois bem, acho que esse debate vai recomeçar, mas com o acréscimo dos socialistas que lutarão pela sobrevivência política após a implosão de mais um modelo de Estado criado por eles.
O Finalmente

A última vez que falei sobre essa visão de Estado Liberal para a grande mídia fui taxado de “ultraliberal”. Alguns conservadores já achavam a mesma coisa, mas talvez por razões erradas. Para alguns liberais, libertários e anarco-capitalistas, sou considerado conservador demais, talvez pelas razões certas. Não me parece que nenhum desses grupos compreenda, não de forma plena, que a maior importância da nossa geração não é eleger um conservador ou um liberal por um mandato ou dois, mas sim alterar nossa base jurídica constitucional para sempre.

Tentar ser fiel a esse objetivo e redirecionar o debate político ao fio evolutivo da nossa política, retirando-a das percepções limitadas e do discurso raso, tem seu preço. Mas a formação de uma minoria bem orientada tem força e efetividade, o que faz todo esforço valer a pena.

Fica aqui a sugestão para uma autoanálise do leitor antes de se conclamar um conservador ou um liberal. Todos somos livres para nos identificarmos da forma que quisermos, mas sem o benefício dessa reflexão o efeito prático na política e no voto será, mais uma vez, o da escolha perpétua de candidatos com a mesma falta de coerência.

A criação de um Estado Liberal, e a obtenção de todos os seus benefícios, dependem tanto de uma boa revisão constitucional quanto de uma sociedade pronta para ser a comandante de suas escolhas. Esse novo contexto político e social já é possível, mas ainda não é uma realidade. Para que isso se materialize precisamos de uma massa crítica de eleitores, brasileiros que restabeleçam a coerência e percebam que já vivemos uma nova realidade.

“Estive certo quando tive todos contra mim“ Roberto Campos
17 de abril de 1917 – 09 de outubro de 2001 
Do site: http://lpbraganca.com.br

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