segunda-feira, 13 de maio de 2013

A DEFESA MORAL DO CAPITALISMO

Uma das razões de nossa moral estar hoje tão deturpada é porque, vários anos atrás, nossos pais, avós e bisavós fizeram várias concessões aos inimigos da liberdade justamente em termos morais. Para ser mais específico, eles permitiram que os inimigos da liberdade pudessem se arvorar os únicos detentores da superioridade moral.

Aqueles que defendiam o socialismo, o comunismo e o fascismo ganharam credibilidade perante o nascente movimento progressista, e o movimento progressista ganhou credibilidade perante todas as gerações de lá pra cá.

Essas ideias, cujo centro irradiador foi a Alemanha do século XIX, afirmavam defender a compaixão e o esclarecimento. O objetivo, obviamente, era transformar a estrutura do mundo, o que levou àquele pensamento mais moderno e progressista de que poderes totais deveriam ser dados ao governo para que este — desde que, obviamente, sob o comando destes progressistas iluminados — controlasse, direcionasse e alterasse as pessoas, tudo para torná-las seres humanos melhores.

Obviamente, o que eles fizeram foi substituir o mais benevolente e radical sistema que o mundo já viu pelo mais diabólico e destrutivo dos ideais — a ser implementado pela mais antiga das ferramentas: a força bruta.

Se quisermos recuperar a superioridade política na batalha pela liberdade, temos também de resgatar, de maneira clara e inequívoca, a superioridade moral. Eis a seguir, portanto, parte do que vejo como a defesa moral do capitalismo e daqueles princípios de livre mercado que permitem que as forças produtivas e criativas do capitalismo floresçam e prosperem em sua totalidade.

1) O capitalismo cria valor

Toda a função e finalidade do capitalismo é facilitar a criação e produção de valor — bens e serviços que contribuem para a vida de uma pessoa e para seu bem-estar. O capitalismo estimula que os esforços criativos e produtivos sejam direcionados para a satisfação dos desejos e das necessidades dos outros.

Costumamos aceitar como natural, como um presente da natureza, o formidável processo de criação de valor — algo que nos foi legado por gerações anteriores — que ocorre por meio da livre troca de bens e serviços. Nós nos acostumamos de tal modo às nossas atuais condições de vida, que a maioria das pessoas jamais parou para considerar como tudo seria caso não houvesse capitalismo.

Se o fizessem, constatariam o óbvio: ainda estaríamos vivendo e manuseando uma única ferramenta de pedra, a mesma que os ancestrais da humanidade utilizaram por milhões de anos. E o nosso único modo de adquirir riqueza seria por meio de guerras, as quais seriam mais brutais do que a maioria de nós poderia imaginar.

2) O capitalismo estimula o planejamento de longo prazo, desestimula a impulsividade e não permite que os indivíduos se entreguem ao deleite excessivo de suas tentações e desejos. Isso facilita o desenvolvimento da civilização, da paz e da prosperidade

Se você quer criar algo de valor, você tem de pensar, tem de utilizar suas faculdades mentais. Você tem de estar disposto a dedicar muito tempo para aprender novas habilidades e saber como praticá-las; tem de saber conectar longas relações de causa e efeito a fim de trazer ao mundo algo que não existia antes. E esse algo de tem de ser proveitoso ou desejável para outras pessoas.

Como você tem de considerar as necessidades e desejos de terceiros, isso significa que você tem de criar empatia. Você tem de se tornar capaz de perceber e entender o que vai dentro das outras pessoas, o que significa que você tem de desenvolver habilidades que lhe permitam entrever o que outras pessoas pensam, sentem e desejam.

Você tem ser capaz de estabelecer contato com outras pessoas de maneira pacífica, o que significa que você deve saber ter bons modos e desenvolver outras habilidades sociais. O capitalismo estimula um comportamento mais extrovertido, uma maior cautela quanto aos seus modos e mais atenção a como seu comportamento afeta os outros.

O capitalismo também estimula a transmissão de habilidades intelectuais, emocionais e sociais que foram duramente conquistadas ao longo de gerações. O que você aprendeu, você quer repassar aos seus filhos e netos, alunos, amigos e colegas, de modo que eles continuem a desenvolver no futuro tudo o que você aprendeu.

É sobre esses fundamentos que se constrói a civilização, e esta é exatamente a definição de cultura. A humanidade possui uma característica singular em todo o mundo: ela possui cultura. Lobos, uma manada de búfalos e um conjunto de golfinhos também são organizações sociais; mas somente nós humanos transferimos conhecimento e expressões tangíveis desse conhecimento ao longo de gerações.

Fazemos isso porque temos a capacidade mental para fazê-lo. Porém, é o capitalismo que nos estimula a utilizar essa capacidade mental, e a utilizá-la de tal maneira que sabemos como aperfeiçoar tudo o que já foi criado anteriormente.

3) O capitalismo facilita o incremento da satisfação pessoal de longo prazo, bem como a capacidade de se ter felicidade na vida. Isso, por sua vez, estimula as pessoas a se empenharem na excelência pessoal — que é a virtude da felicidade. 

Temos dentro de nós os impulsos e os desejos que podem nos levar a prazeres de curto prazo e a ações que podem causar grandes danos para nós mesmos e para outros. Podemos ser violentos, podemos ser insultuosos, podemos ser absortos, e podemos ser totalmente desatentos para com os efeitos que temos sobre os outros.

Ceder a estes impulsos e desejos regularmente significa criar uma vida destrutiva, perigosa, dolorosa e curta. Estimular tal estilo de vida como cultura é criar um autêntico inferno na terra.

O capitalismo faz com que seja supremamente recompensador e lucrativo fazermos algo completamente diferente. Afinal, também temos dentro de nós a capacidade de pensar, de planejar, de antever as potenciais consequências de nossas ações, de aprender com nossos erros e com as respostas de terceiros.

Quanto mais utilizamos essa capacidade, mais desenvolvemos uma apreciação pela grande felicidade e satisfação pessoal que pode advir do fato de sermos muito atentos ao que fazemos; e aprendemos, com uma profundidade continuamente maior, como aquilo que nós fazemos afeta a nós mesmos e aos outros.

O capitalismo cria as circunstâncias externas que faz com que utilizar essa capacidade seja um benefício. São essas qualidades empáticas, recíprocas, de longo prazo e voltadas para o nosso exterior que tornam possível uma grande diversidade de virtudes — gratidão, coragem, empatia, produtividade, criatividade, perdão, bondade, integridade, compaixão e perseverança, para citar apenas algumas.

4) O capitalismo nos estimula a cooperar

A noção da "competição selvagem", em que impera a "lei do mais forte", é uma antiga, duradoura e permanente imagem criada pelos inimigos do capitalismo. No entanto, é justamente o tipo de força bruta empregada pelo estado e pelos defensores do estatismo que estimula tal comportamento violento.

A competição dentro do capitalismo pode ser intensa e difícil, e insucessos (como falências) são parte integrante deste sistema. Porém, para ser bem sucedido em qualquer empreendimento, você tem de aprender a cooperar com outras pessoas, saber trabalhar em conjunto com elas e aprender com seus próprios erros e fracassos. Quanto melhor você se tornar nisso, maior será o potencial que você criará para o futuro.

São os seus concorrentes que lhe obrigarão a aprimorar suas habilidade, a preservar suas melhores práticas e a fornecer os melhores produtos e serviços para os seus consumidores. Neste sentido, seus concorrentes são seus aliados — eles não estão no ramo para destruir você pessoalmente; eles estão concorrendo com você, envolvidos em uma relação ativa que irá manter cada um de vocês dentro de suas margens de crescimento.

Nossos antepassados cometeram o erro de aceitar as reivindicações morais do socialismo. Eles aceitaram as virtuosas reivindicações de compaixão feitas pelos progressistas, e foram seduzidos pela visão que lhes foi apresentada de um mundo melhor, com pessoas melhores. Mas podemos perdoá-los por isso, uma vez que eles não tiveram — ao contrário de nós — o benefício de poder olhar para os últimos cem anos e testemunhar os resultados de tais visões idealistas.

Recordo-me vivamente de minha (conservadora) avó dizendo que "o socialismo pode ser uma boa ideia na teoria, mas ele simplesmente não funciona." O que ela — e milhões de outras pessoas — não entenderam é que a teoria é também igualmente péssima e nojenta.

O que eles não entenderam é que os progressistas, os socialistas, os comunistas, os fascistas... os estatistas de todas as matizes — aqueles que defendem o uso da força do governo para moldar e construir os seres humanos à imagem e semelhança daqueles que detêm o poder — não tinham absolutamente nada que pudesse ser comparado ao poder benevolente das trocas voluntárias.

O contraste entre o capitalismo e todas as formas de estatismo é tão nítido quanto a diferença entre o que acontece quando uma madeireira é dona de sua própria terra vis-à-vis quando ela faz uma locação de curto prazo para explorar uma terra cujo dono é o estado.

Quando uma empresa é dona de sua própria terra, ela possui vários incentivos para cuidar muito bem daquela terra. Sua preocupação é com a produtividade de longo prazo. Assim, ela vai ceifar apenas um número limitado de árvores, pois não apenas terá de replantar todas as que ceifou, como também terá de deixar um número suficiente para a colheita do próximo ano.

Já quando a madeireira possui um arrendamento de curto prazo, seu incentivo é ceifar o máximo de árvores o mais rápido possível antes que o período de locação expire.

O capitalismo leva à civilização, ao planejamento de longo prazo, à empatia e à contínua e crescente criação de valores.

O estatismo gera em termos pessoais e culturais algo comparável a uma devastação florestal.

O capitalismo estimula o homem ambicioso a pensar: "O que eu posso criar ou produzir que viria a ser de grande valor e benefício para as outras pessoas, de modo que elas iriam voluntariamente e com prazer abrir mão de seu dinheiro arduamente ganho em troca desta minha criação? Como eu poderia me comunicar com elas e persuadi-las de que minha criação possui esse valor? Como elas poderiam fazer o melhor uso possível desta minha criação?"

Já o estatismo estimula o homem ambicioso a pensar: "Como eu posso adquirir mais poder para satisfazer minhas vontades, para utilizar a força para impor meus ideais — bem intencionados ou perversos — sobre as outras pessoas?"

Em uma disputa honesta para se determinar qual arranjo possui uma superioridade moral incontestável — o capitalismo ou qualquer outra forma de estatismo —, simplesmente não haveria disputa. Foi o capitalismo o que nos tornou humanos.

É o capitalismo que nos estimula a apresentarmos nossas melhores qualidades, a utilizar o que há de melhor em nossa natureza humana, a considerar e respeitar toda a experiência de terceiros e a trabalhar conjuntamente, e de maneira pacífica, para fazer com que as boas coisas aconteçam.

A defesa moral do capitalismo não é ambígua. Muito menos se trata de uma questão de opinião. Ela é tão clara e nítida quanto a diferença entre guerra e paz, liberdade e escravidão, sacrifício humano e empatia e amor.

Aprendamos com os erros de nossos antepassados e corajosamente passemos a afirmar a benevolência desta que é a maior força social que transforma para o bem: as relações de troca possibilitadas pelo capitalismo.


Joel F. Wade , Ph.D., é especialista em psicoterapia e treinador de motivação e desenvolvimento pessoal.  Também presta consultoria a empresas sobre como aprimorar a confiança, a comunicação e o bem-estar.  É o autor de Mastering Happiness: Ten Principles for Practicing a More Fulfilling Life e A Pocket Guide to Mastering Happiness.

PRATO DE FARINHA PARA JECAS

Só duas coisas são certas na vida, "morte e impostos". Estamos nos últimos dias para você declarar seu IR. Imagino que esteja super feliz por ter essa chance de cumprir sua cidadania. Risadas?


O Estado brasileiro se arma até os dentes em tecnologias de arrecadação, mas continua a não entregar serviços. Avançamos pouco desde as capitanias hereditárias.

O Bolsa Família (coronelismo de esquerda) é um pouquinho melhor do que o prato de farinha que o "coroné" dava no Nordeste no dia da eleição.

Mas, se o governo é um leão em TI, um sócio sanguessuga, e nada nos dá em troca, o problema aqui é antes de tudo uma mentalidade miserável tanto do Estado brasileiro quanto duma cultura jeca que diz não gostar de dinheiro e abominar o lucro.

Com a advento do terrorismo de quintal em Boston, muita gente volta a ladainha de que os americanos são caipiras paranoicos. Errado!

Os americanos inventaram o país mais rico do mundo, no espaço de tempo mais curto da história, para uma população gigantesca e na maior liberdade política conhecida. E isso tudo porque é rico. Isso mesmo: o que faz os EUA não são os "obaminhas", mas sim a cultura de trabalho e empreendedorismo da América profunda, dos americanos pequenos e invisíveis.

Nos EUA, "justiça social" é uma oferta gigantesca de empregos. Aqui nos afogamos num misto de inhaca coronelista de esquerda, travestida de menina virgem de dez anos, e ódio "fake" ao lucro e ao dinheiro.

Lamento que a guerrilha no Brasil, no tempo da ditadura, não tenha saído vitoriosa. Assim, eles teriam revelado o que de fato queriam, fazer do Brasil uma (outra) ditadura de pobres.

Agora estaríamos livres da palhaçada contínua que ainda reina entre nós: a esquerda se dizendo vítima e fingindo que é democrática. Teríamos falido, como todo país comunista faliu, eles teriam matado milhares de pessoas, como todo país comunista matou, e agora, como nos países do Leste Europeu, ninguém ficaria brincando de ser de esquerda.

E a direita? No Brasil não há a direita que interessa, a liberal de mercado, que defende que as pessoas devem ser responsáveis pelo que fazem. Aquela dos "americanos pequenos e invisíveis".

Engana-se quem acredita que defender a sociedade de mercado seja defender grandes grupos capitalistas.

O "grande capital" nada tem a ver com a ideia de sociedade de mercado de Adam Smith, pois este "grande capital" convive muito bem com regimes autoritários e, pasme você, adora países sem sociedade de mercado, basta ver como qualquer grande banco vive bem com nossa inhaca coronelista de esquerda. O "grande capital" odeia competição e meritocracia.

Não, o que falta entre nós é uma visão de mundo que não seja pautada pelo culto da incapacidade das pessoas cuidarem de si mesmas. A sociedade de mercado é uma sociedade de pequenos e médios empresários e profissionais liberais que lutam corajosamente para dar emprego e pagar impostos imorais.

O governo brasileiro persegue esta classe de empresários e profissionais liberais a pauladas, cobrindo-os de obrigações tributárias impagáveis para que sejam obrigados a corromper o próprio governo. Um fascismo fiscal.

Por exemplo: por que alguém deve pagar 40% de multa do FGTS quando demite um funcionário? Qual a infração que mereceria esta multa de 40%? Eu digo qual: para a mentalidade jeca brasileira, dar emprego é crime, empregador é bandido que deve ser punido. Eis um exemplo de pauladas.

No Brasil só bobo e quem não tem jeito dá emprego. Uma saída é exigir pessoa jurídica de todo mundo e enterrar todo mundo em centenas de tributos. Eis o fascismo fiscal.

Quero ver os bonzinhos, bonitinhos e melosos continuarem bonzinhos, bonitinhos e melosos quando tiverem que pagar a multa de 40% do FGTS (depois de 10 anos) quando quiserem demitir uma empregada que maltrata seu filho.

Pequenos e médios empresários e profissionais liberais é que fundam a riqueza de um país e enquanto os caçarmos, inclusive considerando-os bandidos, o Brasil não sairá da miséria. Adam Smith, e não Marx, deveria estar em nossas cartilhas.

Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

PENSAR ESTÁ SE TORNANDO ALGO OBSOLETO


Embora seja humanamente impossível responder a todos os e-mails e cartas que os leitores me enviam, muitos deles são bastante interessantes e intelectualmente instigantes, tanto no sentido positivo quanto no sentido negativo.

Por exemplo, um jovem me enviou um e-mail pedindo as fontes em que eu havia me baseado para citar alguns fatos negativos sobre o desarmamento em um artigo recente. É sempre bom checar os fatos — especialmente se você checar os fatos de ambos os lados da questão. 

Em contraste, um outro sujeito simplesmente me criticou por tudo o que eu havia dito nesse artigo. Ele não pediu as minhas fontes e nem quis saber se elas existiam; ele simplesmente saiu fazendo afirmações em contrário, como se essas suas assertivas fossem automaticamente corretas pelo simples fato de estarem sendo pronunciadas por ele, algo que, em sua mente, invalidaria automaticamente tudo o que eu havia escrito.

Ele se identificou como médico, e as alegações que ele fez sobre armas eram as mesmas que haviam sido feitas anos atrás em uma revista médica — alegações que já foram inteiramente desacreditadas desde sua publicação. Ele poderia ter aprendido isso caso houvesse me dado a oportunidade de responder às suas provocações, de um modo que nos engajássemos em um debate. Porém, ele próprio deixou claro desde o início que sua carta não tinha o objetivo de gerar um debate, mas sim apenas de me acusar e me denunciar. 

Esse tipo de comportamento se tornou um procedimento padrão no mundo atual.

É sempre surpreendente — e apavorante — constatar quantos assuntos extremamente sérios não são discutidos seriamente hoje em dia; as pessoas simplesmente saem emitindo afirmativas e contra-afirmativas, tudo de maneira generalizada. Seja em debates de internet ou até mesmo em programas de televisão, as pessoas simplesmente tentam calar seu opositor falando mais alto do que ele ou simplesmente recorrendo a frases de efeito de cunho emotivo.

Há inúmeras maneiras de fazer parecer que se está argumentando sem que na realidade se esteja produzindo absolutamente nenhum argumento coerente.

Décadas de educação escolar e universitária simplificada — para não dizer idiotizante — certamente têm algo a ver com a atual situação, mas isso não explica tudo. A educação não somente foi negligenciada no sistema educacional atual, como também já foi quase que completamente substituída pela doutrinação ideológica. A doutrinação que hoje é feita por professores e instituições supostamente educacionais é amplamente baseada na simples vocalização das mesmas pressuposições básicas e não-comprovadas de sempre.

Se as instituições educacionais de hoje — desde escolas a universidades — estivessem tão interessadas em diversidade de ideias quanto estão obcecadas com diversidade racial e sexual, os estudantes ao menos adquiririam experiência ao ver as pressuposições que existem por trás de diferentes visões, e entenderiam a função da lógica e da evidência ao debaterem tais diferenças. No entanto, a realidade é que um estudante pode passar por todo o seu ciclo educacional, desde o jardim de infância até seu doutoramento, sem entrar em contato com absolutamente nenhuma visão de mundo que seja fundamentalmente diferente daquela que prevalece dentro do espectro de opiniões autorizadas e politicamente corretas que domina o nosso sistema educacional.

No que mais, a perspectiva moral da visão ideológica predominante é completamente maniqueísta: as pessoas imbuídas dessas ideias realmente se veem como anjos combatendo todas as forças do mal — seja o assunto em questão o desarmamento, o ambientalismo, o racismo, o homossexualismo, o feminismo ou qualquer outro ismo.

Um monopólio moral é a antítese de um livre mercado de ideias. Um indicativo desta noção de monopólio moral dentre a intelligentsia esquerdista é o fato de que as instituições que estão majoritariamente sob seu controle — escolas, faculdades e universidades — são justamente aqueles que usufruem muito menos liberdade de expressão do que o resto da sociedade.

Por exemplo, ao passo que a defesa e até mesmo a promoção da homossexualidade é comum nos campi universitários — e comparecer a palestras e aulas que fazem tal promoção é frequentemente algo obrigatório nos cursos introdutórios —, qualquer crítica ao comportamento homossexual é imediatamente rotulada de "reacionarismo", "preconceito" e "incitação ao ódio", sujeita a imediata punição.

Enquanto porta-vozes de vários grupos raciais e étnicos são livres para denunciar com veemência "os brancos" por seus pecados passados e presentes, verdadeiros ou imaginários, qualquer estudante branco que similarmente venha a denunciar as transgressões ou os desvarios de grupos não-brancos garantidamente será punido, se não expulso.

Até mesmo estudantes que não defendem ou não promovem absolutamente nada podem ter de pagar um preço caso não concordem com a lavagem cerebral que ocorre nas salas de aula. Recentemente, nos EUA, um aluno da Florida Atlantic University que se recusou a pisotear um papel em que estava escrito a palavra "Jesus", a mando de seu professor, foi suspenso pela universidade. Felizmente, a história veio a público e gerou uma onda de protestos fora do mundo acadêmico.

A atitude deste professor pode ser descartada e ignorada como sendo um caso isolado de extremismo, mas o fato é que o establishment universitário saiu solidamente em sua defesa e atacou implacavelmente o estudante. Tal atitude mostra que a podridão moral que impera na academia vai muito mais além do que um simples professor adepto da doutrinação e da lavagem cerebral.

Estamos hoje vivenciando todo o esplendor do anti-intelectualismo que se espalhou por metástase ao longo de todo o mundo acadêmico. As universidades se tornaram tão dominadas por uma insistência na inviolabilidade de um determinado pensamento grupal, que qualquer professor "forasteiro", que não compactue com a predominância deste pensamento gregário, não mais pode falar a respeito de um determinado assunto sem antes ter sido devidamente credenciado por seus pares. Uma simples pesquisa sobre o tratamento dispensado a acadêmicos que ousam questionar a santidade do aquecimento global mostra bem esse ponto.

Já houve uma época em que um curso universitário era considerado um meio de introduzir as pessoas a uma ampla gama de assuntos que lhes permitiria pensar e falar inteligentemente sobre várias questões que estivessem afetando suas vidas. O pensamento coletivista — que hoje é predominante no meio universitário — rejeita tal ideia, conferindo o monopólio de determinadas questões apenas àquelas pessoas que são reconhecidas como "especialistas" por seus pares.

Este método educacional que recorre à intimidação e à simples repetição de frases de efeito de cunho emocional evidencia a completa falência do sistema educacional. Se professores universitários — teoricamente a nata intelectual da sociedade, pessoas que por vocação e profissão deveriam ser as mais rígidas seguidoras do rigor intelectual — agem assim, como podemos esperar que o restante da população apresente discernimentos mais profundos? 

Para sobreviver e progredir, seres humanos precisam saber pensar. Porém, estamos cada vez mais terceirizando esta função para acadêmicos, que por sua vez pautam o conteúdo da mídia. Tal terceirização de pensamento ajuda a explicar por que há hoje uma escassez de pensamentos originais e significativos. 

O fracasso do sistema educacional vai muito além da ausência de um aprendizado útil. O real fracasso está naquilo que de fato é ensinado — ou melhor, doutrinado — nas salas de aula, algo evidenciado pelos formandos que as universidades cospem para o mundo, seres incapazes de apresentar qualquer resquício de pensamento original. 

Jamais se preocupe em se aprofundar em qualquer assunto: os "especialistas" cujos empregos se resumem a promover a agenda do establishment político e cultural já têm tudo explicado para você.

Por: Thomas Sowell , um dos mais influentes economistas americanos, é membro sênior da Hoover Institution da Universidade de Stanford. Seu website: www.tsowell.com.

domingo, 12 de maio de 2013

POBRE AMÉRICA LATINA

Uma das maiores virtudes das nações democráticas é o modo transparente como interesses de pessoas ou de grupos se defrontam com o interesse geral.

Em regimes fechados ou nos sistemas políticos capturados por interesses específicos que não contemplam o conjunto da sociedade, esse debate é travado a portas fechadas, longe dos olhos do cidadão.

Questões que são resolvidas na esfera pública exigem a busca do equilíbrio, colocando-se na balança os prós e contras dos interesses em jogo. É preciso que se diga que interesses específicos podem, perfeitamente, ser legítimos. E, nesse caso, devem ser considerados. Ao final, no entanto, é o interesse público que deve prevalecer.

Faço essa reflexão para analisar o presente debate em torno da medida provisória que trata da reforma e da abertura do sistema portuário brasileiro. Mais uma vez, confirma-se que mudar é muito difícil, por mais evidente que possam parecer as vantagens e a necessidade de mudança.

Se a mudança é verdadeiramente virtuosa e justa, ela vai beneficiar de modo indistinto a todos. Em contrapartida, porém, prejudicará o interesse concreto de uns poucos.

Quem vai ganhar não sabe com precisão o que ganhará, mas quem vai perder sabe exatamente o que está perdendo. E não há força mais poderosa que o interesse pessoal contrariado.

Os governos tratam de questões complexas, de difícil compreensão por aqueles que não estão familiarizados com os temas. De forma geral, o modo como as informações são produzidas e consumidas no mundo de hoje não contribui para que se forme uma opinião bem fundamentada.

Daí a tentação do populismo, da manipulação da informação e da fabricação de emoções, de que está repleta a história, de hoje e de sempre, de nossa pobre América
Latina.

A distorção da realidade é ainda maior quando conflita com interesses econômicos bem articulados e com grande liberdade de ação. Nesses momentos, torna-se mais dramática a solidão do bom governante, que se vê impotente diante da incompreensão da opinião pública.

A história real de um governo não é a história dos índices econômicos do período nem das obras físicas que levam sua marca.

A verdade histórica está nas lutas e no sofrimento que o governante teve de enfrentar para fazer o certo, em benefício de todos.

Hoje, o excesso de informações sobre crimes, esporte, escândalos e celebridades satura o cidadão a tal ponto, que não sobra espaço para saber que o Brasil tem um dos piores sistemas portuários do mundo.

Numa lista sobre qualidade dos portos em 142 países, estamos situados na miserável 130ª posição, à frente apenas do Timor Leste, do Haiti, da Venezuela, do Tajiquistão e de mais meia dúzia de países de economia modesta.

Desde a abertura dos nossos portos ao comércio internacional em 1808, o Brasil ainda não foi capaz de construir estruturas portuárias iguais ou superiores às da Índia, Rússia ou China. Mas, se o país quiser crescer e se tornar uma potência econômica, precisará de muito mais comércio internacional.

Por incrível que pareça, depois das mudanças na MP dos Portos, por forças contrárias e não republicanas que acabaram desfigurando a proposta, o que seria uma aparente derrota do governo --a derrubada da MP-- pode se converter em vitória do interesse público.

Enganam-se os que pensam que o governo não pode resolver a questão em favor do Brasil, por decreto, como fizeram outros por razões menos nobres.

Se tudo continuar como está, teremos um completo apagão portuário em seis ou sete anos.

O que está em discussão não é apenas a mudança no regime de portos, mas nosso futuro econômico. E com atraso, pois essas mudanças deveriam ter ocorrido há décadas, se o interesse geral tivesse sido posto acima de tudo.

Apesar disso, os que se beneficiam do sistema atual não têm sequer constrangimento de vir a público protestar contra a mudança no sistema portuário e defender o que está aí.

Deveriam, isto sim, pedir desculpas ao povo brasileiro pelo estrago que fizeram até agora.

E sair em silêncio. Por: Kátia Abreu Folha de SP

sábado, 11 de maio de 2013

DECADÊNCIA E ECONOMIA

A verdadeira aferição de sucesso econômico pode pedir uma abordagem mais filosófica. Será que os "indicadores econômicos usuais" significam mesmo aquilo que acreditamos significar?

Indicadores estatísticos positivos não são necessariamente sinais de saúde econômica. Ignorando o contexto em larga escala, indicadores positivos podem significar surtos momentâneos de produtividade, enquanto a situação geral permanece como um caso perdido. Tais estatísticas podem refletir condições temporárias que não têm auto-sustentabilidade. Ainda assim, há aqueles que querem acreditar na recuperação. Há aqueles que querem mostrar – apesar de todo ceticismo – que uma recuperação está tomando forma. Por exemplo, veja "Charles Evans diz que a economia americana está'definitivamente melhorando'", ou a matéria de 14 de março intitulada "Economia americana está se recuperando mais rápido que o esperado, diz pesquisa". Ou que tal o artigo de Jennifer Booton para a Fox Business que diz "Aumento nas vendas de veículos estão acelerando a economia americana"? Ao invés de levarmos em conta essa abordagem matemática, que faz um julgamento econômico apenas com base nos humores momentâneos, devemos julgar a economia com base naquilo que está por vir.

Há de se perguntar se pode existir estabilidade econômica quando os trabalhadores não aparecem para trabalhar na hora ou até mesmo folgam toda segunda-feira – ou quando empregados que furtam se torna uma prática endêmica. Como medimos o caráter moral que define a produtividade real da falsa prosperidade trazida por práticas financeiras desonestas? A verdadeira aferição de sucesso econômico pode pedir uma abordagem mais filosófica. Será que os "indicadores econômicos usuais" significam mesmo aquilo que acreditamos significar? Podemos sequer confiar nas estatísticas econômicas se levarmos em conta essa recente propensão para mentir?

É importante, sobretudo, julgar a situação pelo que ela está se tornando; e o melhor modo de julgar o rumo das coisas, em geral, é consultar a história. Precisamos olhar para as outras épocas e civilizações. Imagine uma meditação que tome como objeto uma série de eventos interligados até 2500 anos atrás. Esses eventos revelam padrões que estão destinados a ocorrerem sazonalmente: guerra e paz, ascendência e declínio, bolhas e recessões. E se entrarmos nessa meditação, acredito que encontraremos fortes evidências de que nossa civilização — e a nossa economia — entraram em um período de declínio de longo prazo.

No século II a.C., o escritor e historiador grego Políbio ofereceu sua própria meditação baseada em um profundo estudo daquilo que nós atualmente chamamos de "história antiga", embora para ele, naquele tempo, fosse "história moderna". Após discutir a necessidade de equilíbrio dentro do estado em sua História de Roma e a importância de freios e contrapesos, Políbio entrou em uma discussão sobre a decadência. Ele disse que há duas "fontes de declínio provenientes de causas naturais" no estado. Uma dessas causas era externa e a outra era interna. A causa externa do declínio "não tem uma definição fixa", admitiu Políbio, "mas a interna segue uma ordem definida".

O que Políbio disse em seguida é de grande importância àqueles que pretendem entender a situação dos Estados Unidos na época pela qual passamos. Segundo Políbio, 

"Quando uma comunidade, depois de afastar muitos perigos, chegou a um patamar alto de prosperidade, é evidente que, pela permanência prolongada de grande riqueza, o modo de vida dos seus cidadãos se torne mais extravagante...". 

Mais adiante ele sugeriu que essa "extravagância no modo de vida sinalizará o início da deterioração". Lisonjeado por titulares de cargos públicos que dizem que as pessoas estão sendo "enganadas" por um pequeno grupo avarento, o público vai direcionar seu "ressentimento apaixonado" e raiva para esses mesmos líderes naturais que outrora trouxeram prosperidade para o Estado. Instigado por demagogos, as pessoas se recusarão a seguir as leis e tampouco ficarão satisfeitos com a igualdade da Lei.

Quando tudo isso acontecer, escreveu Políbio, "a constituição receberá um novo nome, que soa melhor do que qualquer outro no mundo – liberdade ou democracia – mas, na verdade, tornar-se-á o pior de todos os governos, uma cleptocracia". E assim Políbio previu o futuro da ruína de Roma. Em tempos recentes, o historiador Gulielmo Ferrero descreve a ruína de Roma em detalhes. Em sua famosa conferência sobre "Corrupção na Roma Antiga", Ferrero disse à plateia americana em 1909 sobre uma geração romana vivendo melhor que a anterior até que chegou uma que acreditou poder viver melhor mesmo devendo. 

"Deste modo", disse Ferrero, 

"difundindo de modo natural, paulatino e quase imperceptível (...) vemos a obsessão pelo luxo e o apetite por prazer que começaram a crescer e foram se agravando geração após geração em toda sociedade romana durante dois séculos, de modo que foi mudada a mentalidade e a moralidade do povo; vemos que as instituições e as políticas públicas foram sendo alteradas (...) Quebrou-se todos os obstáculos que foram postos a essa bancarrota..."

Nada pode impedir o "aumento das necessidades e do luxo", alertou Ferrero à audiência americana. O endividamento maciço inevitavelmente tomará a sociedade. "Para satisfazer suas necessidades e para pagar suas dívidas", disse Ferrero, "as classes então tentam prevalecer umas sobre as outras, o que acaba por ser a mais cruel guerra civil que se tem notícia na história". O corrupção através do luxo é uma "lei universal da história", ele explicou; "Os Estados Unidos estão sujeitos a essa lei nos dias de hoje, assim como a velha Europa; assim será nas próximas gerações, da mesma forma que foi em épocas passadas". Para ele, o principal problema é que os americanos não reconheciam essa lei da história. Eles não eram capazes de ver a "malevolente força da dissolução (...) que é sinistra e medonha, um sinal certo de incurável declínio", lamentado pelos antigos romanos como sendo "a corrupção dos costumes". Hoje em dia, disse o historiador, os americanos tomam erroneamente a corrupção dos costumes como um "processo universal e beneficente de transformação..." Assim, acrescentou, a mesma coisa "que chamamos de 'progresso' é atribuído a muitos fatos que os antigos tinham como sendo 'corrupção'".

Segundo Ferrero, 

"é certo que no mundo moderno todo aumento no consumo, todo esbanjamento e todo vício parece ser permitido, quando não meritório, pois os homens da indústria e do comércio, empregados nas indústrias — isto é, todas as pessoas que ganham com a difusão de luxos e com a disseminação de vícios e novas necessidades — adquiriram, graças à todas as instituições democráticas e ao progresso das cidades, um imenso poder político que em épocas passadas eles careciam".

Podemos chamar de "pessimismo" o fato de os antigos verem corrupção no progresso. Nisso, disse Ferrero, "residia a base da verdade". Há tempos, alertou, em que o egoísmo "usurpa o lugar (...) que representa na sociedade o interesse da espécie, o dever nacional, a abnegação de cada um em prol do bem comum". Nesses tempos constatamos um crescimento na prática de certos vícios e na proeminência de certos defeitos:

"o enfraquecimento do espírito da tradição, o relaxamento generalizado da disciplina, a perda de autoridade, a confusão ética e a desordem. Ao mesmo tempo, certos sentimentos morais se refinam e o individualismo se torna mais forte do que antes".

Ferrero acrescentou que nesses tempos, "a disciplina familiar é afrouxada; as novas gerações se livram da influência fundamental do passado; o sentimento de honra e rigor moral, religiosidade e os princípios políticos são enfraquecidos por um espírito de utilidade..." .

E assim fizemos uma reflexão da nossa própria época por meio da Roma antiga. Essa reflexão não é lisonjeira, mas alarmante. Não vemos nesse distante espelho uma imagem saudável, mas uma imagem dotada de um vigoroso declínio. Os romanos foram em descida de Scipio até Nero. A economia romana tornou-se uma economia cuja base era as pilhagens, ou seja, dependia da força das legiões romanas para poder funcionar. O nosso próprio declínio deve se cumprir de modo similar. A produtividade real dos anos 1940 e 50 deu lugar a uma economia de importação que exporta papel-moeda (ou dinheiro digital), isto é, o dólar, que mantém seu valor graças a frotas navais e mísseis nucleares. A substância mesma foi suplantada para dar lugar a uma casca fina. E então nós devemos nos perguntar: qual estatística melhor pinta nosso retrato econômico? É a estatística dos nascimentos de crianças de mães solteiras? É a estatística dos abortos? Ou poderia ser, até mesmo, o número de americanos sendo subsidiados pelo governo?

A economia está em declínio. Ela continua a cair independentemente dos espasmos momentâneos. Isso é que deve ser levado em conta.

Por: Jeffrey Nyquist Publicado no Financial Sense.

Tradução: Leonildo Trombela Júnior

DIREITA & ESQUERDA

Hoje vou começar com espinhos — com uma dualidade que define o nosso mundo. Qual é o ponto central da oposição entre esquerda e direita — esse dualismo que levou tanta gente (de um lado e do outro) para a prisão, para a tortura, para o exílio, o abandono, a rejeição e a morte? Qual é o rumo desses lados?


Penso que a pior resposta cairia na decisão de ancora-los num fundamentalismo: numa oposição com conteúdo definitivo. Uma sendo correta e a outra errada já que sabemos que direita e esquerda admitem segmentações infinitas, pois toda esquerda tem uma esquerda mais a esquerda; do mesmo modo que toda direita também tem a sua direita extremadamente direitista. No plano religioso somos ainda dominados pelo sagrado (situado à "direita" do Pai); mas no plano político ninguém — pelo menos no Brasil — é de "direita". Como ninguém é rico ou poderoso.

Deus e o Diabo seriam os avatares dessa dualidade? Mas as dualidades não tendem a sumir quando delas nos aproximamos? Ademais, não seriam os dualismos, como sugere um antigo texto de Lévi-Strauss, modos de encobrir hierarquias porque um equilíbrio perfeito jamais existe, e a dualidade mistifica com perfeição as múltiplas diferenças entre grupos e pessoas, juntando tudo de um lado ou do outro ?

O ministro presidente do STF, Joaquim Barbosa — depois de fazer um diagnóstico impecável de nossa hierarquia e do nosso personalismo que realizam a indexação de pessoas, tirando-as da universalidade da lei; essas dimensões centrais do meu trabalho de interpretação do Brasil — disse que os principais jornais do país se alinhavam para a direita. Joaquim Barbosa seria meu candidato definitivo à presidência da república e estou certo que ele venceria no primeiro turno mas ao exprimir tal opinião eu acho, com devida vênia, que ele perdeu de vista o contexto sócio-político do Brasil.

Os jornais estão a "direita" porque todo o governo (e, com ele quase todo o Estado brasileiro) está englobado numa "esquerda" de receitas estatizantes que recobre o dualismo político inaugurado com a Revolução Francesa. A razão para o Estado figurar como o nosso personagem político mais importante e decisivo, revela um fato importante. A crença segundo a qual a nossa sociedade malformada, mestiça e doente (destinada, como diziam Gobineau e Agassiz, a extinção pelas enfermidades da miscigenação) teria que ser corrigida por um "poder público" centralizador, autoritário, aristocrático que varreria seus costumes primitivos, híbridos, intoleráveis e atrasados.

A "esquerda" sempre teve como central a ideia de que somente um "estado forte", poderia endireitar as taras, como dizia Azevedo Amaral, da sociedade brasileira. Essas depravações — carnaval, comida, sensualidade, dança, preguiça, musica popular... — de origem. Taras que um Estado devidamente "tomado" por pessoas bem preparadas (a honestidade não vinha ao caso porque não se tratava de uma questão de "moral", mas de "política") iria mudar por meio de decretos .

Não é por acaso que a esquerda tem sofrido de estadofilia, estadomania e estadolatria. Dai a sua alergia a tudo o que chega da sociedade e dos seus cidadãos. Coisas tenebrosas como meritocracia, lucro, ambição, mercado, competição e eficiência. Tudo o que afirma um viés não determinista do mundo.

Vivemos, graças a Procuradoria Geral da República e ao STF, um momento especial porque a "esquerda" foi posta à prova e, ato continuo, foi implacavelmente desnudada. Posta à prova definitiva do poder, ela revelou-se incapaz de honrar com os papeis sociais cabíveis na administração publica e de dizer não aos seus projetos mais autoritários. O resultado tem sido uma reação no sentido de modificação por decreto de mecanismos que buscam arrolhar a imprensa, o judiciário e o ministério público. O ideal, eis o vejo como reação, seria uma aristocratização total dos eleitos, tornando-os em seres inimputáveis. Seria isso algo de esquerda ou de direita?

Uma das forças da democracia é, como viu Tocqueville, a educação continua do seu estilo de vida. A próprio divisão de poderes demanda empatia e não antipatia entre eles. Do mesmo modo, a democracia leva a uma visão para além do econômico, do político, do religioso e do jurídico. É justamente o esforço de uma visão de conjunto que obriga as sociedades abertas a se redefinirem continuamente por meio do bom-senso que Joaquim Barbosa tem de sobra.

Ora, isso é o justo oposto de quem deseja que esquerda e direita sejam termos balizadores finais quando o que o momento demanda é que esse poderoso dualismo seja como as nossas mãos. Esses maravilhosos órgãos que nos tornam humanos e que podem ser usadas de modo diverso porque, como sabem os liberais, ambas tem um uso alternado e são importantes na nossa vida pessoal e coletiva. Por: Roberto Damatta O Globo

sexta-feira, 10 de maio de 2013

GUANTÁNAMO, E O NOME DA TRAIÇÃO

“É ineficiente, fere nossa posição internacional, reduz a cooperação com nossos aliados nos esforços de contraterrorismo, é uma ferramenta de recrutamento para extremistas e precisa ser fechada”, explicou Barack Obama, para concluir no ponto certo: “É contrária àquilo que somos”. O presidente americano referia-se à prisão de Guantánamo, onde cerca de cem dos 166 detentos prosseguem uma greve de fome deflagrada por alguns deles mais de dois meses atrás. Ele não disse, claro, mas Guantánamo também é o nome da traição: o signo de um compromisso de princípios desonrado pelo próprio Obama.


A promessa de fechar a prisão offshore foi proclamada solenemente na primeira campanha presidencial, em 2008. No segundo mês de seu mandato original, Obama assinou uma ordem executiva para fechá-la, mas enfrentou feroz resistência bipartidária no Congresso. Os parlamentares cortaram os fundos necessários à transferência de prisioneiros e adotaram diversas medidas destinadas a evitar que fossem enviados a qualquer outro lugar. O presidente tinha as alternativas de vetar as decisões parlamentares ou de utilizar prerrogativas do Executivo para circundá-las, mas preferiu inclinar-se. Agora, quando assegura uma vez mais que Guantánamo “é contrária àquilo que somos”, ele precisa invocar a história e a Constituição para ocultar um consenso político que, vergonhosamente, interliga seu governo ao de George W. Bush.

Bush, seu vice-presidente Dick Cheney e seu secretário da Defesa Donald Rumsfeld ergueram a prisão ilegal no curso de uma “guerra ao terror” que também borrou as assinaturas de sucessivos presidentes americanos nas leis internacionais contra a tortura. Obama prometeu restaurar o princípio que separa a civilização da barbárie e, efetivamente, proscreveu os métodos desumanos de interrogatório aplicados nos anos sombrios de seu predecessor. Hoje, contudo, duas dezenas de prisioneiros de Guantánamo são submetidos a técnicas de alimentação forçada que violam seus direitos individuais e, para todos os efeitos, equivalem a tortura. Na expressão “aquilo que somos” está contida uma aspiração à eternidade. Entretanto, as nações mudam e mesmo os princípios mais sagrados estão sujeitos ao inclemente desgaste causado pela traição continuada.

Guantánamo é a síntese da barbárie judicial engendrada pela “guerra ao terror”. Concluídas as investigações, nenhuma acusação pesa sobre 86 dos detentos. Muitos deles deveriam ter sido soltos há anos, mas permanecem encarcerados pois, sob alegações de “segurança nacional, o Congresso proibiu tanto sua liberação em solo americano quanto o repatriamento para os países de origem. Os demais, por decisão parlamentar, não podem ser processados por tribunais civis mas também não são julgados pelas “comissões militares” inventadas nos tempos de Rumsfeld, cujos trabalhos foram interrompidos quando seus procedimentos se revelaram insanavelmente ilegais. A greve de fome dos prisioneiros esquecidos, essas relíquias humanas dos anos de fúria, representa, objetivamente, um gesto de defesa das liberdades individuais e do império da lei. “Aquilo que somos”: nesse momento, os rostos barbados dos detentos islâmicos de Guantánamo formam uma imagem exata dos princípios inscritos nos textos fundadores dos EUA.

Os valores fundamentais, “aquilo que somos”, não deveriam ser pesados no prato da balança dos interesses utilitários. Mas Obama tem razão em sublinhar a “ineficiência” de Guantánamo, especialmente contra o pano de fundo do atentado terrorista em Boston. Dzokhar Tsarnaev invocou o Afeganistão e o Iraque como motivações para a carnificina planejada pelos dois irmãos. Terroristas sempre terão pretextos para explodir pessoas inocentes. No limite, o vocabulário dos extremistas não exige mais que palavras como “imperialismo”, “capitalismo” ou “judeus”. Entretanto, nada se compara à força persuasiva da verdade: as imagens dos detentos de Guantánamo, essas provas emaciadas de um poder que não reconhece o limite da lei, são uma “ferramenta de recrutamento” mais eficiente que qualquer discurso produzido na fábrica de ódio do jihadismo.

Guantánamo “fere nossa posição internacional”. É isso, e mais: Guantánamo fere a luta pelos direitos humanos e pelas liberdades civis no mundo inteiro. Seguindo uma triste tradição do governo Lula, Dilma Rousseff mencionou o nome da prisão offshore na sua visita a Cuba, no início de 2012, como pretexto para silenciar sobre a morte de um preso político em greve de fome na ilha dos ditadores amigos. O nome funciona como uma senha mágica, um toque de reunião para os “companheiros de viagem” dos tiranos. Ele constava do dossiê infame preparado pela Embaixada de Cuba no Brasil contra Yoani Sánchez e foi repetido como um mantra pelos que tentaram cobrir sua voz com gritos insultuosos. Ele emerge ritualmente nos discursos dos chefes chavistas que ameaçam trancafiar opositores e fechar órgãos de imprensa.

Obama enuncia perfeitamente os males imensos causados pela prisão de Guantánamo, mas ainda vacila diante do imperativo de fechá-la. Como explicou um editorial da revista The Economist, a chantagem dos “fanfarrões e covardes” que comandaram a política antiterror de Bush consiste em apontar os riscos de liberar os suspeitos de terrorismo encarcerados sem acusação. O mito da bomba-relógio que faz tique-taque é o argumento clássico dos advogados da tortura. A resposta a essa malta de arautos da violação dos direitos humanos deveria ser clara e direta: muito pior que a ameaça hipotética de violência representada por esses indivíduos singulares é a desmoralização dos pilares filosóficos que sustentam as liberdades e os direitos.

Guantánamo é um trunfo dos jihadistas e dos tiranos. Se o presidente americano quer conservar “aquilo que somos”, tem a obrigação de, finalmente, resgatar seu compromisso de campanha. Por: Demétrio Magoli O Globo

A FUNÇÃO SOCIAL E MORAL DOS LUCROS


Lucros são cruciais para um sistema capitalista. A existência de lucros informa se uma determinada empresa está utilizando seus fatores de produção de forma efetiva e eficaz.

Frequentemente vemos e ouvimos pessoas afirmarem que a obtenção de lucros é evidência da ganância e da cobiça do ser humano, e que isso é algo moralmente condenável. Deixando as questões puramente econômicas de lado, a realidade é que a obtenção de lucros não pode, por si só, ser classificada de ganância. O fato de uma determinada empresa ser lucrativa, por si só, não nos diz nada de moralmente relevante. Afinal, lucro é simplesmente o nome que a contabilidade atribui a uma situação em que a receita é maior que os custos. 

Em outras palavras, uma empresa que aufere lucros está simplesmente vivenciando uma situação em que o dinheiro que entra em seu caixa é maior do que o dinheiro que ela gasta para cobrir todos os seus custos, principalmente com materiais, imóveis, mão-de-obra e impostos. 

O contrário de lucro é prejuízo. Uma empresa que esteja perdendo dinheiro — isto é, gastando mais do que recebe — não pode sobreviver por muito tempo. E sua falência significará o desemprego de várias pessoas. Portanto, sob circunstâncias normais, lucros não apenas são uma condição necessária para o sucesso e a continuidade de um empreendimento, como também são moralmente justos, pois garantem a renda e o emprego de várias pessoas.

No entanto, há sim distorções neste arranjo, e tais distorções sempre são criadas pelo governo. Por exemplo, o governo pode conceder privilégios a determinadas empresas, seja por meio de subsídios, seja por meio de protecionismo, seja por meio de agências reguladoras que fecham o mercado e protegem as empresas da concorrência externa. Em todos estes casos, um empreendimento está sendo privilegiado à custa dos consumidores e pagadores de impostos, e seus lucros não são moralmente defensáveis.

Porém, algo deve ser enfatizado: este arranjo protecionista e mercantilista só pode existir e se manter se outras empresas não protegidas pelo governo estiverem apresentando lucros. Em outras palavras, o governo só pode socorrer e ajudar empresas ineficientes — empresas que não apresentariam lucros em situação de concorrência de livre mercado — se outras empresas da economia estiverem auferindo lucros, os quais serão tributados e utilizados para financiar tanto o aparato regulatório quanto os subsídios para as empresas ineficientes. 

Portanto, a sustentação de arranjos protecionistas — algo bastante caro àquelas pessoas contrárias ao livre mercado — depende inteiramente da existência de lucros capitalistas em outros setores da economia.

É óbvio que, quanto mais intenso e volumoso for este arranjo protecionista, mais inquietações ele gerará entre os genuínos empreendedores. Quanto mais privilégios o governo conceder a pessoas e empresas não-lucrativas, mais as pessoas e empresas lucrativas e eficientes começarão a questionar por que afinal estão trabalhando tanto. Simplesmente não é justo trabalhar duro e ver seus proventos serem confiscados para sustentar incapazes. 

Uma empresa não ser lucrativa é sinal de que algo está errado com ela: talvez seus métodos de produção sejam ineficientes, ou suas despesas gerais estejam excessivamente altas, ou seus produtos precisam passar por uma renovação, ou quaisquer outras inúmeras deficiências. Um apoio estatal a esta empresa irá simplesmente suprimir todo e qualquer incentivo para se aprimorar, postergando reformas necessárias para colocar a empresa novamente no caminho da sanidade econômica.

A história é repleta de exemplos de empresas ineficientes e problemáticas que foram socorridas pelo governo. Atualmente, várias grandes empresas são protegidas e privilegiadas pelo governo. Isso representa um triplo golpe contra o público consumidor: ele se torna privado dos benefícios que uma empresa mais eficiente, operando sob livre concorrência, traria para o mercado; ele é obrigado a abrir mão de parte de seu dinheiro, via impostos, para ajudar compulsoriamente as finanças destas empresas ineficientes; e, ainda pior, ele é obrigado a pagar mais caro por produtos de pior qualidade. Afinal, não fosse o protecionismo, os subsídios e a cartelização do mercado implementados pelo governo, haveria mais opções de produtos, tanto importados quanto produzidos no mercado interno pela livre concorrência.

Já em um livre mercado, não obstruído por privilégios e protecionismos estatais, empresas lucrativas são aquelas que descobriram uma maneira de criar e de fornecer produtos e serviços a preços altos o suficiente para cobrir seus custos, mas baixos o suficiente para fazer com que os consumidores os considerem atraentes. Uma empresa lucrativa, em outras palavras, é aquela que prospera criando e entregando bens de valor.

Neste arranjo, lucros e prejuízos são ferramentas que possibilitam entender a saúde de uma empresa. Lucros indicam que os recursos estão sendo utilizados sabiamente por uma empresa; prejuízos sugerem que eles estão sendo alocados de forma ineficaz. Embora lucros e prejuízos não sejam o elemento essencial de uma empresa, eles são indicadores cruciais de quão efetivamente as necessidades e desejos dos consumidores estão sendo atendidos.

Dado que vivemos em um mundo de escassez — o que significa que nada existe em abundância —, os desejos humanos sempre serão maiores do que a oferta de recursos necessários para se atender a todos estes desejos. Isso significa que é extremamente necessário haver na sociedade algo que direcione racionalmente a alocação destes recursos escassos. Algo ou alguém tem de informar se a água será utilizada majoritariamente para ser bebida ou para irrigar lavouras, e se o minério de ferro será utilizado para se fabricar automóveis ou para se produzir tratores. O mesmo raciocínio se aplica a todos os recursos sociais. Mesmo o tempo, que também é um recurso escasso, requer alguma ferramenta que estimule sua alocação sensata.

Uma solução já tentada para esse problema da alocação de recursos escassos foi a de controlar centralizadamente todas as decisões tomadas no mercado, bem como todos os recursos existentes no mercado. Esta é exatamente a estratégia defendida pelo socialismo em suas variadas formas. Como a humanidade aprendeu amargamente, um dos problemas com essa estratégia de alocação de recursos é que ela concentra enormes poderes em poucas mãos. Poder excessivo tende a estimular coisas sórdidas na natureza humana. 

Mas há um outro problema com essa estratégia: o problema do conhecimento. Mesmo que a elite política que eventualmente estivesse no controle da economia fosse moralmente perfeita, ela ainda assim seria incapaz de coletar todas as informações necessárias para alocar de maneira eficaz e racional todos os recursos humanos e materiais. Adicionalmente, há também o problema da impossibilidade do cálculo econômico em uma economia em que os bens de capital não são propriedade privada. Se os meios de produção pertencem exclusivamente ao estado, não há um genuíno mercado entre eles. Se não há um mercado entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos. Se não há preços, é impossível fazer qualquer cálculo de preços. E sem esse cálculo de preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica — o que significa que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser planejada.

Estes três problemas obstruíram e reverteram todas as economias centralmente planejadas da história.

Felizmente, há uma estratégia alternativa para a alocação de recursos escassos: a rede de preços que emerge naturalmente quando compradores e vendedores efetuam trocas voluntárias no mercado. Neste arranjo, as leis da economia entram em cena. Uma redução de preço para um determinado bem sinaliza uma relativa abundância; pessoas podem comprar mais daquele bem. Já um aumento de preço sinaliza uma relativa escassez, obrigando as pessoas a pouparem mais caso queiram adquirir aquele bem. 

Por meio deste sistema, em que os preços dos bens e serviços estão constantemente em fluxo, os consumidores podem equilibrar suas necessidades em relação à disponibilidade dos vários bens e podem saber a qualquer momento qual a quantidade de cada bem que eles podem comprar e utilizar. Já os produtores, por sua vez, podem saber em qual quantidade um bem deve ser produzido e vendido. Os preços nos ajudam a determinar se um bem ou serviço está sendo desperdiçado — e, por isso, não deveria estar sendo produzido —, ou se ele é amplamente desejado — e, por isso, deveria ter sua produção aumentada. 

Por exemplo, quando empreendedores descobriram como prospectar, armazenar, refinar e utilizar petróleo, o produto se tornou mais barato do que o óleo de baleia. Consequentemente, a participação do óleo de baleia no mercado desabou e, com isso, houve menos pressão para se matar baleias em busca de sua gordura.

O lucro também pode ser entendido como um tipo de preço que emite sinais. Auferir lucro indica que uma empresa está realizando suas tarefas de uma maneira que um determinado segmento do público consumidor aprova — não apenas conceitualmente, como em opiniões coletadas por uma pesquisa, mas principalmente por meio da decisão voluntária de abrir mão de seu suado dinheiro em troca dos bens e serviços fornecidos por esta empresa. Já os prejuízos informam aos empreendedores, proprietários e administradores que eles têm de realizar ajustes em seu processo produtivo. Caso contrário, será melhor se dedicar a outros objetivos, desta forma fazendo com que recursos sociais não sejam desperdiçados. 

Desta forma, os sinais emitidos pelos lucros e prejuízos atendem a uma insubstituível função econômica. A lucratividade serve como uma força motivadora, mas também — e ainda mais importante — sinalizam um trabalho bem-feito.

Por último, um adendo moral: as obrigações sociais das empresas não se resumem a fornecer bens e serviços de maneira lucrativa. As empresas têm também de atuar honestamente, honrando seus contratos, servindo aos consumidores com ética e estando sempre atentas às dimensões morais do processo empreendedorial. O sistema de preços não assegura magicamente um comportamento moral. Para dar um exemplo doloroso mas bastante realista, o sistema de preços em uma sociedade depravada pode sinalizar que o mais valioso uso de mulheres jovens oriundas de famílias pobres é transformá-las em prostitutas. A confusão surge quando as pessoas veem tais perversidades e erroneamente concluem que abolir o livre mercado irá magicamente resolver esse problema de alguma forma. Uma pequena reflexão já basta para revelar o erro desta lógica. Adotar uma economia controlada e planejada não revoga a lascívia e o egoísmo do coração humano. Esses vícios, ao contrário, irão prosperar e se tornar ainda mais intensos. A diferença é que agora eles serão alimentados e protegidos por algum braço armado do estado — com o problema adicional de que as famílias mais pobres terão agora ainda menos alternativas econômicas, pois a economia controlada retirou de seu alcance vários empreendimentos moralmente preferíveis.

Embora o sistema de preços em uma economia livre não forneça uma fundação moral para a sociedade, e embora ele também não remova automaticamente as oportunidades para ganhos imorais, ele facilmente supera todas as formas de socialismo no que diz respeito a fornecer opções morais e socialmente beneficentes para se escapar da pobreza.

Por: Robert Sirico é fundador e presidente do Acton Institute. Padre e mestre em teologia, ele também é membro da Mont Pèlerin Society, da Academia Americana de Religião e da Philadelphia Society, além de ser conselheiro do Instituto Cívico de Praga.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

BICHINHOS ASSUSTADOS

No Brasil a vida intelectual superior, mesmo na sua expressão mais tosca, que é o debate ideológico, acabou.

Se fosse preciso alguma prova suplementar daquilo que escrevi em “A animalização da linguagem”, os srs. Nirlando Beirão, Luís Antonio Giron, Paulo Ghiraldelli e mais meia dúzia se apressaram gentilmente a fornecê-la antes mesmo de que o artigo fosse publicado.

Não li ainda o livro do Lobão, O Manifesto do Nada na Terra do Nunca. Mas, por si mesmas, as reações que essas criaturas lhe ofereceram ilustram de maneira exemplar a animalização da linguagem.

A desenvoltura ingênua com que imaginam que basta carimbar um autor como “direitista” para sepultá-lo sob dez toneladas de irrelevância mostra que não usam a linguagem como seres humanos, para representar e analisar o mundo, mas como cães que cheiram os órgãos genitais uns dos outros e, ali reconhecendo instantaneamente o membro do grupo ou o estranho, dão o assunto por encerrado.

Isso é a mais alta atividade cerebral de que são capazes.

Não se trata, sequer, de catalogação ideológica no sentido em que a praticavam os velhos marxistas, a qual exigia ir além das meras aparências partidárias e investigar se a intenção profunda de uma obra ia na direção do realismo – “humanismo”, no sentido de Lukács – ou da negação idealista do processo histórico. Nessa operação, o direitismo ou esquerdismo imediatos já não contavam como provas suficientes de uma identidade ideológica, de modo que reacionários de marca como Aristóteles, Shakespeare, Dostoiévski e Balzac podiam até ser absorvidos no corpus da doutrina marxista como seus antecessores e parceiros.

Uma vez o poeta Bruno Tolentino sugeriu que os “intelectuais de esquerda” – na época ainda existiam alguns – deveriam ler meus livros com esse espírito. Se o fizessem, teriam algumas surpresas e algum ganho. Mas eles todos já morreram. O que sobrou foram os farejadores de genitais, que ao primeiro sinal de uma presença hostil já saem correndo para dar o alarma ao resto da matilha e, feito isso, julgam que cumpriram o mais sublime dos deveres intelectuais.

As categorias interpretativas em que baseiam seus diagnósticos não têm nada a ver com teoria marxista ou com qualquer tipo de pensamento filosófico reconhecível. São estereótipos de histórias em quadrinhos, filmes de aventuras e conversas de botequim. O sr. Giron, por exemplo, cataloga-me “à direita de Átila, o Huno” e sai todo pimpão, congratulando-se do símile originalíssimo. Nada mais significativo da mentalidade de um falante do que a fonte de onde extrai suas figuras de linguagem. Átila, historicamente, foi o líder das massas bárbaras que, por onde passavam, desmantelavam a ordem social imperial. Um revolucionário em toda a linha. No imaginário infantil, porém, ele simboliza apenas o malvadão, donde o sr. Giron, sentindo o cheiro de coisa ruim e espremendo suas cadeias sinápticas até à potência máxima, conclui que deve ter sido um direitista. Dizem que o estilo é o homem. Mas às vezes não chega a ser um homem: é apenas um cãozinho amedrontado.

Quanto aos demais, nada tenho a acrescentar à nota que coloquei no Facebook:

“Estou impressionado com o número de pessoas que atacam o Lobão por ter lido Olavo de Carvalho -- um pecado que elas jamais cometeram e cuja mera possibilidade lhes inspira um horror sacrossanto. No mundo inteiro, quem critica um autor gaba-se de conhecer seus escritos melhor que ninguém. No Brasil, a autoridade de julgá-lo e condená-lo nasce da perfeita e intransigente recusa de ler o que ele escreve. Tento explicar esse fenômeno aos americanos, mas eles acham que estou com gozação.”

A aliança de uma deprimente inferioridade mental com o instinto exacerbado de autodefesa grupal produziu esse resultado: a absoluta impossibilidade de um debate, de um confronto polêmico, mesmo feroz, entre essas pessoas e um intelecto cujo conteúdo lhes escapa e do qual só podem ter notícia, quando muito, pelos insultos com que o grupo o designa de longe, entre zunzuns cavernosos, risos forçados e juramentos de morte que jamais serão cumpridos.

A condição de todo debate, com efeito, é alguma intimidade com a mente do adversário, alguma compreensão das percepções que o levaram à sua visão do mundo. Isso pressupõe a disposição e a coragem de deixar-se permear pela sua influência, confiando na própria força de superá-la depois.

Mas quem sobrou vivo entre os “intelectuais públicos” deste país para absorver e, se possível, superar ou contestar o que ensinei em O Jardim das Aflições, em Aristóteles em Nova Perspectiva, em O Futuro do Pensamento Brasileiro, em A Filosofia e seu Inverso e em nada menos de quarenta mil páginas de aulas e conferências transcritas, sem contar uns quinhentos artigos publicados na mídia desde 1998 e os trezentos e tantos programas de rádio em que traduzi (ou talvez deformei) um pouco do meu pensamento na linguagem do mais acessível esculacho popular?

Pode parecer inacreditável, mas a hipótese de estudar a obra inteira de um autor, mesmo na esperança de demoli-la impiedosamente, já está fora do alcance e da capacidade não só de cada um desses indivíduos, mas até deles todos em conjunto. No Brasil a vida intelectual superior, mesmo na sua expressão mais tosca, que é o debate ideológico, acabou. Se nos testes internacionais nossos estudantes tiram sempre os últimos lugares, não é sem razão: o exemplo vem de cima.

Portanto, o conteúdo da minha obra, ou de qualquer outra que pareça detestável, não interessa mais. Basta a rotulagem superficial, passada de pata em pata entre bichinhos assustados para mantê-los a uma profilática distância de uma influência ameaçadora. Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio.



FELIZ DIA DO CAPITAL!

Ao redor de todo o mundo, hoje, celebra-se o dia do trabalhador. Levando-se a conta a contínua e irrefreável expansão dos governos, cujo fardo tributário recai majoritariamente sobre os assalariados, achatando seus rendimentos, a data vem se tornando a cada dia mais emblemática e importante.

No entanto, o objetivo principal da data — ao menos o seu original — é celebrar o trabalhador como sendo o responsável pelo grande padrão de vida desfrutado pelas civilizações ao redor do mundo. Mas este argumento possui várias falhas.

Por 10.000 anos, desde a antiga Suméria até a Revolução Industrial, o trabalho era o segredo da organização econômica. A agricultura era a principal atividade econômica, e se baseava totalmente na mão-de-obra física e no trabalho exaustivo. Um ser humano sem absolutamente nenhuma ferramenta ou maquinário (capital) tinha de furar um buraco no chão com seu próprio dedo e jogar ali dentro uma semente.

A mudança para o uso de gravetos e outros pedaços de pau foi um exemplo da evolução do capital. E a mudança deste arranjo para o uso de arados de metal representou uma imensa alteração na estrutura de produção, uma alteração totalmente baseada no uso intensivo de capital. O desenvolvimento de uma coleira de cavalo — um pedaço de capital — permitiu um enorme aumento na produtividade da agricultura. Literalmente, toda a mão-de-obra do mundo era incapaz de fazer aumentar a oferta de alimentos; porém, simples aprimoramentos no capital levaram a um substancial crescimento na produção agrícola.

Em um mundo baseado no trabalho, caçar animais era uma atividade precária, dado que animais frequentemente eram mais bem munidos de armas do que os seres humanos. Um ser humano utilizando apenas suas próprias mãos não é páreo para um búfalo; com efeito, um ser humano utilizando apenas a sua inteligência e suas próprias mãos dificilmente conseguirá capturar sequer um pequeno coelho. O desenvolvimento das armadilhas para animais, por exemplo, foi um progresso que permitiu que presas pequenas fossem capturadas com riscos mínimos para o capturador. O uso de lanças representou outro aprimoramento do capital, permitindo que um pequeno grupo de homens exitosamente caçasse grandes animais. E a invenção das armas de fogo permitiu que um homem pudesse matar até mesmo o maior dos animais a uma grande distância.

Em um mundo baseado inteiramente no trabalho, o comércio entre as regiões exigia que os homens levassem semanas, meses ou até mesmo anos para percorrer montanhas e áreas nevadas. No entanto, este trabalho excruciante gerava apenas pequenas quantidades de comércio, dado que os comerciantes — limitados pela própria força física e pela necessidade de carregar comida e conduzir um enorme grupo de animais — eram capazes de transportar segura e eficazmente apenas uma pequena quantidade de bens, frequentemente não mais do que uns 100 kg.

Já em nosso mundo baseado no uso de capital, o comércio é feito por meio de caminhões, aviões e enormes navios com capacidade para várias toneladas. De fato, é muito provável que, neste nosso mundo baseado no capital, ocorra em um só dia um volume de comércio muito maior do que aquele que ocorria em um ano, em uma década ou, possivelmente, até mesmo em um século inteiro antes da Renascença. 

Hoje, usufruímos prazeres e magnificências que eram inimagináveis há até mesmo 200 anos. Dirigimos automóveis, temos luz e inúmeros aparelhos elétricos em nossas casas, produzimos em massa todo e qualquer tipo de antibiótico, temos ar condicionado, viagens aéreas, geladeiras, congeladores, filmes, televisão, videocassetes, aparelhos de DVD, Blu-ray, rádios, toca-discos, CD players, computadores, notebooks, celulares, moradias confortáveis, comidas e roupas abundantes e de qualidade, medicina e odontologia modernas, máquina de lavar e secar, forno de microondas e por aí vai. Livros que antes tinham de ser meticulosamente reproduzidos um de cada vez — com trabalho — hoje são reproduzidos aos milhares tanto por meio de fotocópias e impressoras quanto por meios puramente digitais. Hoje, você pode ler este texto na internet por meio do seu computador, notebook, iPad, iPhone ou simplesmente por meio de papel e impressora. Você escolhe.

Um voo intercontinental de algumas horas substitui semanas de viagem dentro de um navio primitivo — viagem esta que apresentava enormes chances de resultar em tragédia. E mesmo um navio primitivo havia ao menos tornado possível as viagens intercontinentais, algo que era uma impossibilidade em um mundo baseado exclusivamente no trabalho humano. (Imagine ter de nadar todo o Oceano Atlântico!) Uma mensagem que demorava dias para ser transportada por meio de cavalos é hoje instantaneamente entregue via celulares e emails.

O que permitiu esta magnífica criação de riqueza foram investimentos em capital feitos por capitalistas, os quais geraram as mudanças tecnológicas que hoje nos permitem produzir mais com cada vez menos recursos. O trabalho é importante, sem dúvida, mas o que realmente nos faz ricos é o capital e a tecnologia que tornam o trabalho mais produtivo.

E um ótimo exemplo de como esta acumulação de capital favorece principalmente os trabalhadores pode ser observado na própria Revolução Industrial, contrariamente a todos os clichês que você certamente já ouviu sobre aquela época. Durante a Revolução Industrial, os aluguéis cobrados sobre a terra permaneceram praticamente inalterados, o que significa que os ganhos da industrialização não foram absorvidos pelos proprietários de terra. As taxas de juros permaneceram praticamente inalteradas, o que significa que os ganhos da industrialização não foram absorvidos pelos capitalistas. Já os salários — principalmente da mão-de-obra de baixa qualidade — explodiram. Tudo em decorrência da acumulação de capital.

Somos realmente abençoados de viver nesta era. A expansão do capital nos permitiu chegar a um nível de conforto jamais sonhado até mesmo por monarcas e imperadores de alguns séculos atrás. É hora de repensar este incorretamente rotulado dia do trabalhador e prestar o devido reconhecimento e homenagem àquilo que realmente torna a nossa vida mais fácil e prazerosa: o capital.

Logo, feliz dia do capital!

Scott Kjar é professor de economia da Univesidade de Dallas.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

CANUDOS E OS NOVOS TERRITÓRIOS LULISTAS

Canudos resiste. A pequena cidade fundada por Antonio Conselheiro no nordeste da Bahia em 1893 e destruída quatro anos depois continua abandonada pelo poder público. Reconstruída no início do século 20, após o retorno de parte da população conselheirista, a cidade manteve-se isolada até a visita de Getúlio Vargas, em outubro de 1940, e a decisão governamental de construir um açude, obras que terminaram em 1969, obrigando a população a se transferir para o povoado de Cocorobó. Hoje o município tem uma ampla área territorial (2.985 quilômetros quadrados) e uma população de 13.760 pessoas. É paradigmático para tentarmos entender os resultados da eleição presidencial e a grande vitória obtida por Luiz Inácio Lula da Silva na região Nordeste.


A Bahia tem um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH): está em 22º lugar, entre os 27 Estados. A cidade melhor classificada é a capital, Salvador: ocupa o 475º lugar entre os municípios brasileiros. A região de Canudos é a mais pobre do Estado. Isolada pelas péssimas estradas, sem um eficaz sistema de telefonia (celular não tem sinal na área) e assolada pela seca (o índice pluviométrico do município é um dos mais baixos do estado), os canudenses sobrevivem no limite da pobreza. O poder público federal está ausente: há somente uma agência do Banco do Brasil (e que funciona apenas das 9h às 12h).

O Produto Interno Bruto (PIB) é de pouco mais de R$ 32 milhões. O número de pessoas com registro na carteira profissional não chega a 200 (não há condições para pagar o salário mínimo e muito menos os encargos sociais). No município não há nenhum trator e o principal meio de transporte são as motos (quase 300).

A cidade depende do Fundo de Participação dos Municípios (recebe cerca de R$ 3,5 milhões), pois a receita de impostos é mínima: de IPTU foi arrecadado apenas R$ 8 mil. Há dois hospitais, cada um controlado por um dos coronéis da cidade. Ambos atendem pelo SUS. Em um ano ocorreram 13.563 internações, a média de uma por habitante (segundo dados do IBGE), apesar ter apenas 62 leitos, o que dá uma média de 218 internações por leito (a cidade tem 13 médicos, parte não reside no município).

Canudos vive de uma agricultura de baixíssima produtividade, uma pecuária baseada na criação de bode e do pequeno comércio. Apesar do açude de Cocorobó, com capacidade para armazenar 245 milhões de metros cúbicos de água, metade da cidade não recebe em suas casas o precioso líquido.

Grande parte das águas estão salinizadas e o pequeno distrito irrigado (com a presença de 150 famílias) está em péssimas condições, com a canalização arruinada, fazendo com que a renda média de cada família gire em torno de um salário mínimo mensal, segundo dados do pesquisador Luiz Paulo Neiva da Universidade do Estado da Bahia.

Mesmo com a melhoria dos índices de escolaridade, a maior parte dos jovens não tem emprego fixo. Quando trabalham, vivem de bicos. Não há indústria, atividade agrícola ou comercial que gerem empregos em quantidade suficiente para absorver a força de trabalho. O lazer é inexistente, a gravidez precoce ocorre em escala considerável e a única “diversão” são os bares. Só na principal rua, a avenida Juscelino Kubitschek, em três quarteirões há uma dúzia de bares. O alcoolismo atinge parte da população, assim como o consumo de drogas.

Foi nesta espécie de microcosmos do sertão nordestino que Lula obteve uma folgada vitória no primeiro turno, com 68,4% dos votos, e no segundo ampliou ainda mais a votação, obtendo 78,06%. Alckmin conseguiu 27,3% no primeiro turno e caiu no segundo para 21,94%. Para o governo estadual, o candidato petista, Jaques Wagner, obteve a maioria absoluta dos votos: 54,7%, em grande parte produto da “onda Lula”.

As eleições romperam o domínio dos dois políticos que apresam a cidade, um do PFL, o atual prefeito (Vavá), e o outro do PSDB, ex-prefeito (Zito), que se alternam no poder desde a emancipação do município, em 1985. Na eleição presidencial tinham o mesmo candidato, Geraldo Alckmin, e foram derrotados. Mas o que chama a atenção é o número de eleitores da cidade: 10.655, isto com uma população de 13.760 pessoas, muito acima da média nacional.
O que reforça a necessidade de um recadastramento eleitoral, principalmente se for correta a informação do ministro Carlos Veloso, ex-presidente do TSE, de que no Brasil há 10 milhões de títulos fantasmas (ver Folha de S.Paulo de 16 de setembro de 2006).

É difícil encontrar alguém que não seja beneficiado pelo Bolsa Família. Se em maio eram 1.673 famílias inscritas no programa, em cinco meses, às vésperas da eleição, este número saltou para 2.246: “Não temos emprego. Tenho três filhos. Meu marido só agora arranjou um trabalho. Preferia estar trabalhando. Bolsa Família é bom mas preferia um emprego”, diz Maria José Varjão, 29 anos, estudando o segundo ano do ensino médio. Em 1998 votou em FHC, em 2002 em José Serra, já em 2006 escolheu Lula. Participava dos programas sociais do governo anterior. Dos seis irmãos, três migraram, dois para São Paulo e um para Salvador. Graças a um deles construiu uma casa com o dinheiro que manda mensalmente. Mora ao lado da casa da mãe, aposentada, e que acabou se transformando em arrimo da família. “É o único dinheiro garantido que tem lá em casa.

Meus outros dois irmãos não tem trabalho fixo e quando conseguem algo é provisório: aqui ninguém é registrado”, diz ela. A professora Maria Cláudia Jesus da Silva, 26 anos, nasceu em Canudos. É solteira. Tem nove irmãos. Cinco migraram para Juazeiro, Petrolina e Salvador. Migraram “porque aqui não tem trabalho”. O pai também recebe aposentadoria: “Sem ela não sobrevivemos”.

Uma tia está inscrita no Bolsa Família: tem nove filhos. A professora discorda do programa. Diz que “é um dinheiro fácil”, “não precisa suar”, diz que muitos que recebem não trabalham por vadiagem. Votou em FHC em 1998, mudou para Lula em 2002 e neste ano votou novamente nele.

O padre Lívio, da Igreja Católica, um italiano que está há vários anos em Canudos, considera que o governo Lula pouco fez pela região. Reclama que faltam investimentos. A presença do Estado manifesta-se através do programa Bolsa Família. Tem esperança de que algo pode melhorar. A ação da igreja é muito importante organizando a população na construção de cisternas, apoiando programas de saúde preventiva e no incentivo à agricultura familiar. Na semana anterior ao segundo turno, no sábado à noite teve até carreata. Com fogos.

Claro que pró-Lula. Ninguém dizia que iria votar em Alckmin. E não é exagero. A imagem que os canudenses têm do candidato opositor é de alguém muito distante do cotidiano do sertão. Muitos disseram nem sequer entender o que ele fala, outros que só o conheceram agora, na eleição. Dizem que Lula foi o único presidente “que olhou para nós”. Reconhecem que falta emprego, falam da corrupção (“todo mundo rouba, mas ninguém provou que Lula é ladrão”), estabelecem identidade com a sua história (“Ele sabe o que é seca, o que é sofrimento”) e relacionam Alckmin com ACM.

O semi-árido nordestino virou um território lulista. Sem estabelecer um diálogo político com os milhões que sobrevivem na região, a oposição sofrerá outra grande derrota na próxima eleição. Como disse uma canudense: “Sei que o Lula não vai ser candidato em 2010. Votarei em quem ele mandar”. Folha de SP

MARCO ANTONIO VILLA é professor de história no departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Carlos

terça-feira, 7 de maio de 2013

AS BOAS INTENÇÕES DO A.A.


O livro As boas intenções, do escritor espanhol Max Aub, ilustra de forma sarcástica como medidas repletas de bons sentimentos podem acarretar efeitos catastróficos, inclusive na vida daqueles que tais ações mais visavam a ajudar.


Trata-se da história de Agustín Alfaro (A.A.), “o que normalmente se chama um bom rapaz”, nas palavras do autor. O livro retrata uma série de acontecimentos trágicos que vão ocorrendo à medida que Agustín tenta proteger sua mãe do sofrimento.


Tudo começa quando surge na casa da família uma moça chamada Remedios, que alega ser mãe de um filho de Agustín. O problema é que o rebento não era de Agustín, e sim de seu pai, que usara o nome do filho com a amante.


No afã de poupar sua querida mãe de tamanho sofrimento, uma vez que ela considerava o marido um homem exemplar, Agustín acaba aceitando a farsa. O que se segue é uma verdadeira comédia de enganos que, naturalmente, acaba por desgraçar ainda mais a vida de sua mãe, sem falar das demais pessoas envolvidas, começando pelo próprio Agustín.


Pessoas repletas de boas intenções, mas desfalcadas na razão, podem se proteger das desgraças do mundo criando a ilusão de que basta a boa vontade para acabar com o mal. Lembrei dessa história quando vi as declarações de outro Augustin, o secretário do Tesouro Nacional, sobre o superávit primário. Para Arno Augustin (A.A.), a meta fiscal não é tão importante e deve ficar à mercê do comportamento da economia.


Em outras palavras, o governo não deve poupar para abater o endividamento público, e sim mirar no crescimento econômico. Claro que ninguém ousaria duvidar das boas intenções do secretário A.A., que não poderia ser acusado de interesse eleitoreiro de curto prazo. Suas intenções são puras, as melhores possíveis. Caso contrário a presidenta Dilma jamais o escolheria para cargo tão importante.


Mas é que, faltando-lhe conhecimento econômico, suas lindas intenções vão levar a uma comédia de enganos, no final altamente prejudicial aos mais pobres, que ele certamente quer ajudar. São pessoas assim, como o A.A. do livro e o nosso A.A., que reforçam a máxima de que o inferno está cheio de boas intenções...
Por: Rodrigo Constantino