segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

FATOS E MITOS SOBRE A "REVOLUÇÃO INDUSTRIAL"


Autores socialistas e intervencionistas costumam dizer que a história do industrialismo moderno, e especialmente a história da "Revolução Industrial" na Inglaterra, constitui uma evidência empírica da procedência da doutrina denominada "realista" ou "institucional", e refuta inteiramente o dogmatismo "abstrato dos economistas".

Os economistas negam categoricamente que os sindicatos e a legislação trabalhista possam e tenham beneficiado a classe dos assalariados e elevado o seu padrão de vida de forma duradoura. Porém, dizem os antieconomistas, os fatos refutaram essas ideias capciosas.

Segundo eles, os governantes e legisladores que regulamentaram as relações trabalhistas revelaram possuir uma melhor percepção da realidade do que os economistas. Enquanto a filosofia do laissez-faire, sem piedade nem compaixão, pregava que o sofrimento das massas era inevitável, o bom senso dos leigos em economia conseguia terminar com os piores excessos dos empresários ávidos de lucro. A melhoria da situação dos trabalhadores se deve, pensam eles, inteiramente à intervenção dos governos e à pressão sindical.

São essas ideias que impregnam a maior parte dos estudos históricos que tratam da evolução do industrialismo moderno. Os autores começam esboçando uma imagem idílica das condições prevalecentes no período que antecedeu a "Revolução Industrial". Naquele tempo, dizem eles, as coisas eram, de maneira geral, satisfatórias. Os camponeses eram felizes. Os artesãos também o eram, com a sua produção doméstica; trabalhavam nos seus chalés e gozavam de certa independência, uma vez que possuíam um pedaço de jardim e suas próprias ferramentas. Mas, aí, "a Revolução Industrial caiu como uma guerra ou uma praga" sobre essas pessoas. O sistema fabril transformou o trabalhador livre em virtual escravo; reduziu o seu padrão de vida ao mínimo de sobrevivência; abarrotando as fábricas com mulheres e crianças, destruiu a vida familiar e solapou as fundações da sociedade, da moralidade e da saúde pública. Uma pequena minoria de exploradores impiedosos conseguiu habilmente subjugar a imensa maioria.

A verdade é que as condições no período que antecedeu à Revolução Industrial eram bastante insatisfatórias. O sistema social tradicional não era suficientemente elástico para atender às necessidades de uma população em contínuo crescimento. Nem a agricultura nem as guildas conseguiam absorver a mão de obra adicional. A vida mercantil estava impregnada de privilégios e monopólios; seus instrumentos institucionais eram as licenças e as cartas patentes; sua filosofia era a restrição e a proibição de competição, tanto interna como externa.

O número de pessoas à margem do rígido sistema paternalista de tutela governamental cresceu rapidamente; eram virtualmente párias. A maior parte delas vivia, apática e miseravelmente, das migalhas que caíam das mesas das castas privilegiadas. Na época da colheita, ganhavam uma ninharia por um trabalho ocasional nas fazendas; no mais, dependiam da caridade privada e da assistência pública municipal. Milhares dos mais vigorosos jovens desse estrato social alistavam-se no exército ou na marinha de Sua Majestade; muitos deles morriam ou voltavam mutilados dos combates; muitos mais morriam, sem glória, em virtude da dureza de uma bárbara disciplina, de doenças tropicais e de sífilis.

Milhares de outros, os mais audaciosos e mais brutais, infestavam o país vivendo como vagabundos, mendigos, andarilhos, ladrões e prostitutos. As autoridades não sabiam o que fazer com esses indivíduos, a não ser interná-los em asilos ou casas de correção. O apoio que o governo dava ao preconceito popular contra a introdução de novas invenções e de dispositivos que economizassem trabalho dificultava as coisas ainda mais.

O sistema fabril desenvolveu-se, tendo de lutar incessantemente contra inúmeros obstáculos. Teve de combater o preconceito popular, os velhos costumes tradicionais, as normas e regulamentos vigentes, a má vontade das autoridades, os interesses estabelecidos dos grupos privilegiados, a inveja das guildas. O capital fixo das firmas individuais era insuficiente, a obtenção de crédito extremamente difícil e cara. Faltava experiência tecnológica e comercial. A maior parte dos proprietários de fábricas foi à bancarrota; comparativamente, foram poucos os bem-sucedidos. Os lucros, às vezes, eram consideráveis, mas as perdas também o eram. Foram necessárias muitas décadas para que se estabelecesse o costume de reinvestir a maior parte dos lucros e a consequente acumulação de capital possibilitasse a produção em maior escala.

A prosperidade das fábricas, apesar de todos esses entraves, pode ser atribuída a duas razões. Em primeiro lugar, aos ensinamentos da nova filosofia social que os economistas começavam a explicar e que demolia o prestígio do mercantilismo, do paternalismo e do restricionismo. A crença supersticiosa de que os equipamentos e processos economizadores de mão de obra causavam desemprego e condenavam as pessoas ao empobrecimento foi amplamente refutada. Os economistas do laissez-faire foram os pioneiros do progresso tecnológico sem precedentes dos últimos duzentos anos.

Um segundo fator contribuiu para enfraquecer a oposição às inovações. As fábricas aliviaram as autoridades e a aristocracia rural de um embaraçoso problema que estas já não tinham como resolver. As novas instalações fabris proporcionavam trabalho às massas pobres que, dessa maneira, podiam ganhar seu sustento; esvaziaram os asilos, as casas de correção e as prisões. Converteram mendigos famintos em pessoas capazes de ganhar o seu próprio pão.

Os proprietários das fábricas não tinham poderes para obrigar ninguém a aceitar um emprego nas suas empresas. Podiam apenas contratar pessoas que quisessem trabalhar pelos salários que lhes eram oferecidos. Mesmo que esses salários fossem baixos, eram ainda assim muito mais do que aqueles indigentes poderiam ganhar em qualquer outro lugar. É uma distorção dos fatos dizer que as fábricas arrancaram as donas de casa de seus lares ou as crianças de seus brinquedos. Essas mulheres não tinham como alimentar os seus filhos. Essas crianças estavam carentes e famintas. Seu único refúgio era a fábrica; salvou-as, no estrito senso do termo, de morrer de fome.

É deplorável que tal situação existisse. Mas, se quisermos culpar os responsáveis, não devemos acusar os proprietários das fábricas, que — certamente movidos pelo egoísmo e não pelo altruísmo — fizeram todo o possível para erradicá-la. O que causava esses males era a ordem econômica do período pré-capitalista, a ordem daquilo que, pelo que se infere da leitura das obras destes historiadores, eram os "bons velhos tempos".

Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, o padrão de vida dos operários das fábricas era escandalosamente baixo em comparação com as condições de seus contemporâneos das classes superiores ou com as condições atuais do operariado industrial. A jornada de trabalho era longa, as condições sanitárias dos locais de trabalho eram deploráveis.

A capacidade de trabalho do indivíduo se esgotava rapidamente. Mas prevalece o fato de que, para o excedente populacional — reduzido à mais triste miséria pela apropriação das terras rurais, e para o qual, literalmente, não havia espaço no contexto do sistema de produção vigente —, o trabalho nas fábricas representava uma salvação. Representava uma possibilidade de melhorar o seu padrão de vida, razão pela qual as pessoas afluíram em massa, a fim de aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pelas novas instalações industriais.

A ideologia do laissez-faire e sua consequência, a "Revolução Industrial", destruíram as barreiras ideológicas e institucionais que impediam o progresso e o bem-estar. Demoliram a ordem social na qual um número cada vez maior de pessoas estava condenado a uma pobreza e a uma penúria humilhantes. A produção artesanal das épocas anteriores abastecia quase que exclusivamente os mais ricos. Sua expansão estava limitada pelo volume de produtos de luxo que o estrato mais rico da população pudesse comprar. Quem não estivesse engajado na produção de bens primários só poderia ganhar a vida se as classes superiores estivessem dispostas a utilizar os seus serviços ou o seu talento. Mas eis que surge um novo princípio: com o sistema fabril, tinha início um novo modo de comercialização e de produção.

Sua característica principal consistia no fato de que os artigos produzidos não se destinavam apenas ao consumo dos mais abastados, mas ao consumo daqueles cujo papel como consumidores era, até então, insignificante. Coisas baratas, ao alcance do maior número possível de pessoas, era o objetivo do sistema fabril. A indústria típica dos primeiros tempos da Revolução Industrial era a tecelagem de algodão. Ora, os artigos de algodão não se destinavam aos mais abastados. Os ricos preferiam a seda, o linho, a cambraia. Sempre que a fábrica, com os seus métodos de produção mecanizada, invadia um novo setor de produção, começava fabricando artigos baratos para consumo das massas. As fábricas só se voltaram para a produção de artigos mais refinados, e portanto mais caros, em um estágio posterior, quando a melhoria sem precedentes no padrão de vida das massas tornou viável a aplicação dos métodos de produção em massa também aos artigos melhores.

Assim, por exemplo, os sapatos fabricados em série eram comprados apenas pelos "proletários", enquanto os consumidores mais ricos continuavam a encomendar sapatos sob medida. As tão malfaladas fábricas que exploravam os trabalhadores, exigindo-lhes trabalho excessivo e pagando-lhes salário de fome, não produziam roupas para os ricos, mas para pessoas cujos recursos eram modestos. Os homens e mulheres elegantes preferiam, e ainda preferem, ternos e vestidos feitos pelo alfaiate e pela costureira.

O fato marcante da Revolução Industrial foi o de ela ter iniciado uma era de produção em massa para atender às necessidades das massas. Os assalariados já não são mais pessoas trabalhando exaustivamente para proporcionar o bem-estar de outras pessoas; são eles mesmos os maiores consumidores dos produtos que as fábricas produzem. A grande empresa depende do consumo de massa. Em um livre mercado, não há uma só grande empresa que não atenda aos desejos das massas. A própria essência da atividade empresarial capitalista é a de prover para o homem comum. Na qualidade de consumidor, o homem comum é o soberano que, ao comprar ou ao se abster de comprar, decide os rumos da atividade empresarial. Na economia de mercado não há outro meio de adquirir e preservar a riqueza, a não ser fornecendo às massas o que elas querem, da maneira melhor e mais barata possível.

Ofuscados por seus preconceitos, muitos historiadores e escritores não chegam a perceber esse fato fundamental. Segundo eles, os assalariados labutam arduamente em benefício de outras pessoas. Nunca questionaram quem são essas "outras" pessoas.

O Sr. e a Sra. Hammond [citados na nota de referência número 2] nos dizem que os trabalhadores eram mais felizes em 1760 do que em 1830. Trata-se de um julgamento de valor arbitrário. Não há meio de comparar e medir a felicidade de pessoas diferentes, nem da mesma pessoa em momentos diferentes.

Podemos admitir, só para argumentar, que um indivíduo nascido em 1740 estivesse mais feliz em 1760 do que em 1830. Mas não nos esqueçamos de que em 1770 (segundo estimativa de Arthur Young) a Inglaterra tinha 8,5 milhões de habitantes, ao passo que em 1830 (segundo o recenseamento) a população era de 16 milhões. Esse aumento notável se deve principalmente à Revolução Industrial. Em relação a esses milhões de ingleses adicionais, as afirmativas dos eminentes historiadores só podem ser aprovadas por aqueles que endossam os melancólicos versos de Sófocles: "Não ter nascido é, sem dúvida, o melhor; mas para o homem que chega a ver a luz do dia, o melhor mesmo é voltar rapidamente ao lugar de onde veio".

Os primeiros industriais foram, em sua maioria, homens oriundos da mesma classe social que os seus operários. Viviam muito modestamente, gastavam no consumo familiar apenas uma parte dos seus ganhos e reinvestiam o resto no seu negócio. Mas, à medida que os empresários enriqueciam, seus filhos começaram a frequentar os círculos da classe dominante. Os cavalheiros de alta linhagem invejavam a riqueza dos novos-ricos e se indignavam com a simpatia que estes devotavam às reformas que estavam ocorrendo. Revidaram investigando as condições morais e materiais de trabalho nas fábricas e editando a legislação trabalhista.

A história do capitalismo na Inglaterra, assim como em todos os outros países capitalistas, é o registro de uma tendência incessante de melhoria do padrão de vida dos assalariados. Essa evolução coincidiu, por um lado, com o desenvolvimento da legislação trabalhista e com a difusão do sindicalismo, e, por outro, com o aumento da produtividade marginal. Os economistas afirmam que a melhoria nas condições materiais dos trabalhadores se deve ao aumento da quota de capital investido per capita e ao progresso tecnológico decorrente desse capital adicional. A legislação trabalhista e a pressão sindical, na medida em que não impunham a concessão de vantagens superiores àquelas que os trabalhadores teriam de qualquer maneira, em virtude de a acumulação de capital se processar em ritmo maior do que o aumento populacional, eram supérfluas. Na medida em que ultrapassaram esses limites, foram danosas aos interesses das massas. Atrasaram a acumulação de capital, diminuindo assim o ritmo de crescimento da produtividade marginal e dos salários. Privilegiaram alguns grupos de assalariados às custas de outros grupos. Criaram o desemprego em grande escala e diminuíram a quantidade de produtos que os trabalhadores, como consumidores, teriam à sua disposição.

Os defensores da intervenção do governo na economia e do sindicalismo atribuem toda melhoria da situação dos trabalhadores às ações dos governos e dos sindicatos. Se não fosse por isso, dizem eles, o padrão de vida atual dos trabalhadores não seria maior do que nos primeiros anos da Revolução Industrial.

Certamente essa controvérsia não pode ser resolvida pela simples recorrência à experiência histórica. Os dois grupos não têm divergências quanto a quais tenham sido os fatos ocorridos. Seu antagonismo diz respeito à interpretação desses fatos, e essa interpretação depende da teoria escolhida. As considerações de natureza lógica ou epistemológica que determinam a correção ou a falsidade de uma teoria são, lógica e temporalmente, antecedentes à elucidação do problema histórico em questão. Os fatos históricos, por si só, não provam nem refutam uma teoria. Precisam ser interpretados à luz da compreensão teórica.

A maioria dos autores que escreveu sobre a história das condições de trabalho no sistema capitalista era ignorante em economia e disso se vangloriava. Entretanto, tal desprezo por um raciocínio econômico bem fundado não significa que esses autores tenham abordado o tema dos seus estudos sem preconceitos e sem preferência por uma determinada teoria; na realidade, estavam sendo guiados pelas falácias tão difundidas que atribuem onipotência ao governo e consideram a atividade sindical como uma bênção. Ninguém pode negar que os Webbs, assim como Lujo Brentano e uma legião de outros autores menores, estavam, desde o início de seus estudos, imbuídos de uma aversão fanática pela economia de mercado e de uma entusiástica admiração pelas doutrinas socialistas e intervencionistas. Foram certamente honestos e sinceros nas suas convicções e deram o melhor de si. Sua sinceridade e probidade podem eximi-los como indivíduos; mas não os eximem como historiadores. As intenções de um historiador, por mais puras que sejam, não justificam a adoção de doutrinas falaciosas. O primeiro dever de um historiador é o de examinar com o maior rigor todas as doutrinas a que recorrerá para elaborar suas interpretações históricas. Caso ele se furte a fazê-lo e adote ingenuamente as ideias deformadas e confusas que têm grande aceitação popular, deixa de ser um historiador e passa a ser um apologista e um propagandista.

O antagonismo entre esses dois pontos de vista contrários não é apenas um problema histórico: está intimamente ligado aos problemas mais candentes da atualidade. É a razão da controvérsia naquilo que se denomina hoje de relações industriais.

Salientemos apenas um aspecto da questão: em vastas regiões — Ásia Oriental, Índias Orientais, sul e sudeste da Europa, América Latina — a influência do capitalismo moderno é apenas superficial. A situação nesses países, de uma maneira geral, não difere muito da que prevalecia na Inglaterra no início da "Revolução Industrial". Existem milhões de pessoas que não encontram um lugar seguro no sistema econômico vigente. Só a industrialização pode melhorar a sorte desses desafortunados; para isso, o que mais necessitam é de empresários e de capitalistas.

Como políticas insensatas privaram essas nações do benefício que a importação de capitais estrangeiros até então lhes proporcionava, precisam proceder à acumulação de capitais domésticos. Precisam percorrer todos os estágios pelos quais a industrialização do Ocidente teve de passar. Precisam começar com salários relativamente baixos e com longas jornadas de trabalho. Mas, iludidos pelas doutrinas prevalecentes hoje em dia na Europa Ocidental e na América do Norte, seus dirigentes pensam que poderão consegui-lo de outra maneira. Encorajam a pressão sindical e promovem uma legislação pretensamente favorável aos trabalhadores. Seu radicalismo intervencionista mata no nascedouro a criação de uma indústria doméstica. Seu dogmatismo obstinado tem como consequência a desgraça dos trabalhadores braçais indianos e chineses, dos peões mexicanos e de milhões de outras pessoas que se debatem desesperadamente para não morrer de fome.

A atribuição da expressão "Revolução Industrial" ao período dos reinados dos dois últimos reis da casa de Hanover — George III e George IV (1760-1830) — resultou do desejo de dramatizar a história econômica, de maneira a ajustá-la aos esquemas marxistas procustianos.* A transição dos métodos medievais de produção para o sistema de livre iniciativa foi um processo longo que começou séculos antes de 1760 e que, mesmo na Inglaterra, em 1830, ainda não tinha terminado. Entretanto, é verdade que o desenvolvimento industrial na Inglaterra acelerou-se bastante na segunda metade do século XVIII. Consequentemente, é admissível usar a expressão "Revolução Industrial" ao se examinarem as conotações emocionais que lhe foram imputadas pelo fabianismo, pelo marxismo e pela Escola Historicista.

* Relativo a Procusto, gigante salteador da Ática que, segundo a mitologia grega, despojava viajantes e torturava-os deitando-os num leito de ferro: se a vítima fosse maior, cortava-lhe os pés; se menor, esticava-a por meio de cordas até que atingisse as dimensões do leito. O termo serve para metaforizar o ato de se tentar ajustar arbitrariamente a realidade a um sistema ou teoria previamente concebidos. (N.T.)

J.L. Hammond and Barbara Hammond, The Skilled Labourer, 1760-1832, 2. ed., Londres, 1920, p. 4.

Na guerra dos Sete Anos, 1.512 marinheiros ingleses morreram em combate, enquanto 133.708 morreram de doenças ou desapareceram. Ver W.L.Dorn, Competition for Empire 1740-1763, Nova York, 1940, p.114.

No sistema feudal inglês, a maior parte da área rural constituía-se de campos e florestas. Grande parte dessas áreas era utilizada para o cultivo de grãos e criação de gado para consumo próprio. Com o advento da produção agrícola para o mercado e não para o senhor feudal, essas terras começaram a ser cercadas e apropriadas. Diversos atos do Parlamento, no século XVIII e parte do século XIX, endossaram esse movimento, que tinha oposição das classes inferiores. Tal situação resultou num aumento da produção agrícola e na criação de um proletariado rural, que veio a se tornar a força de trabalho usada pelas fábricas inglesas na "Revolução Industrial".

J.L. Hammond e Barbara Hammond, op. cit.

F.C. Dietz, An Economic History of England, Nova York, 1942, p. 279 e 392.

Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

domingo, 6 de janeiro de 2013

LEI, SECA LEI

O álcool não é, de forma nenhuma, o maior responsável por esse Vietnã anual das estradas brasileiras.

Alguma coisa está errada na estrutura e na aplicação dessa lei, que trata igualmente os desiguais.

As leis sempre existiram para frear aqueles indivíduos com a bússola moral defeituosa. Para o cidadão moralmente são, as leis são inúteis, pois ele viveria normalmente sem elas e sem tampouco prejudicar ninguém.

Urge na atualidade a necessidade de se resolver problemas nevrálgicos com medidas contundentes de curto prazo, o que, à primeira vista, parece perfeitamente revestido de lógica. O que passa despercebido, como sempre nessas tentativas, é que, em alguns casos, essas medidas contundentes acabam por atingir aqueles que não precisavam ser atingidos e deixam escapar aqueles que deveriam.

A quantia enorme de mortes no trânsito a cada ano levou os brasileiros a aceitar de forma passiva leis abusivas que, à primeira vista, parecem ter vindo para diminuir o problema em foco, mas na verdade só servem para diminuir ainda mais as liberdades individuais e pouco, muito pouco resolvem aquilo que deveriam resolver. O álcool não é, de forma nenhuma, o maior responsável por esse Vietnã anual das estradas brasileiras. Os verdadeiros responsáveis são a imprudência, a negligência, e a imperícia. A combinação destes fatores, sim, é assassina. Mas, quando num caso de grande repercussão é constatada a presença do fator álcool, isso rapidamente se aplica a todos os milhares de ocorrências como se fizesse parte específica de cada uma. Aparvalhados com esses dados, os cidadãos passam a achar certo que lhe restrinjam ainda mais nos seus direitos individuais, dos quais constam dirigir sem ser parado e não ser obrigado a fazer testes sem ter dado motivo algum.

O aumento das mortes no trânsito nesse feriado de Natal em relação a 2011 foi grande em todo Brasil. Só no Sul 28 mortes (http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/impressa/11,3992216,499,21072,impressa.html) sendo que não se flagrou um caso sequer de alcoolemia nos motoristas envolvidos. Ao mesmo tempo, uma verdadeira enxurrada de motoristas que estavam conduzindo seus veículos de forma segura, são autuados todos os dias por uma ingerência mínima de álcool.

Acima do Equador, onde estão as nações que gostamos de denominar como ‘primeiro mundo’, há muito tempo que álcool e direção, combinação que pode causar danos a terceiros, são combatidos pelos governos sem leis que proíbem a ingestão de álcool de forma tão radical como a adotada aqui. Decididamente não há por lá a perseguição de todos os motoristas de forma geral e sem exceções. Ora, por que um motorista que dirige dentro das normas atuais regidas pelo Código Nacional de Trânsito, com seu veículo, bem como sua documentação pessoal, em dia, deve ser obrigado a fazer o teste de alcoolemia? Existem testes de natureza extremamente simples que podem constatar se o motorista tem as condições motoras e cognitivas necessárias para guiar. Por que não aplicar esses testes?

As forças de segurança deveriam direcionar seus recursos logísticos para identificar o motorista embriagado, aquele que dirige em zigue-zague, atropela, etc., que ao ser interpelado por um agente, não consegue concatenar uma frase com sentido lógico. Sobre esse deve-se fazer pesar a dureza da lei, não ao motorista que retorna para casa após ter jantado com a família e ingerido uma quantidade de álcool que nem de longe pode fazê-lo entrar no rol de motoristas irresponsáveis e que, como gostam de rotular os juristas, estão em “dolo eventual”, uma vez que assumiram o risco de matar alguém. Ora, quem após ingerir duas taças de vinho ou uma cerveja, estará pondo a vida de terceiros em risco? É de uma arbitrariedade ímpar tratar um motorista que ingeriu uma quantidade civilizada de álcool como um perigoso risco à sociedade. Esse motorista está fadado a sofrer uma sanção a partir do momento em que for parado por um fiscal de trânsito, não há escapatória. Se fizer o teste e for constatado que ingeriu, mesmo que muito pouco álcool, ficando dentro dos limites aceitáveis em qualquer parte do hemisfério norte, vai ter a carteira apreendida, pagará multa e responderá um processo administrativo. Se por acaso recusar-se a fazer o teste vai ter a carteira igualmente apreendida, pagará multa e responderá a processo. Não há distinção no tratamento. Ou será tratado como um bêbado perigoso, ou será tratado como um bêbado perigoso que não quer fazer o teste.

A partir de agora, o agente da lei terá o poder de decidir, através de um exame visual e quem sabe até através daqueles testes que já são aplicados há décadas nos EUA, se o condutor está ou não alcoolizado. Isso é ótimo. É uma boa maneira de driblar a negativa dos motoristas realmente bêbados em fazer o teste. Nada de errado nisso. Mas por que o agente de trânsito não pode usar esse mesmo discernimento, o que o faz constatar que o indivíduo não tem condições de dirigir, para chegar à conclusão de que um motorista que até tenha bebido um pouco, tem plenas condições de chegar em casa sem botar a vida de ninguém em risco? O mesmo poder que serve para declarar que um motorista não tem condições de dirigir, obrigatoriamente tem que servir para atestar que um motorista que embora tenha ingerido alguma quantidade de álcool, pode dirigir, pois não demonstra estar com suas habilidades comprometidas. 

O bêbado irresponsável e perigoso, aquele para qual as leis foram feitas e que nunca irá respeitá-las mesmo assim, justamente por ter a formação moral degenerada, é conduzido a uma delegacia onde faz o famoso teste do bafômetro que afere quantias estratosféricas de álcool, em seguida paga uma fiança miserável e é prontamente liberado. Alguma coisa está errada na estrutura e na aplicação dessa lei, que trata igualmente os desiguais. Acaba se tornando uma lei seca, seca de conteúdo, seca daquilo que mais se espera em qualquer pena que seja aplicada: a proporcionalidade. Por: Valter Heller Dani é policial civil.

ZECA PAGODINHO E O HEROÍSMO ERÓTICO

Não é estranho, Zeca, ter nojo de alguém só quando as vítimas de seu descaso nos são próximas?
Não, respondo eu. Não é estranho. É brasileiro.


"Dá nojo de político", disse Zeca Pagodinho, o herói da semana em Xerém. Mas de qual político, Zeca? Não seria a hora de você se desculpar por ter apoiado Lula tantas vezes? Sim, eu sei, o governador não é ele; é Sérgio Cabral, eleito com o apoio dele. Não é uma trágica ironia ver o naufrágio de uma cidade abandonada pelo afilhado político - e maior discípulo moral - do seu candidato?

Mais do que isso: não é estranho ter nojo de político que nada faz para evitar a morte de 2 moradores, o desaparecimento de mais alguns e o desalojamento de outras centenas em função de uma tempestade de verão (e que mal se move para socorrê-los); e apoiar político que nada faz para evitar, ou melhor, tudo faz para fomentar o assassinato de até 50 mil compatriotas por ano em tempos de "paz"? Não é estranho, Zeca, ter nojo de alguém só quando as vítimas de seu descaso nos são próximas?

Não, respondo eu. Não é estranho. É brasileiro. Zeca Pagodinho representa a índole da cultura nacional. O Brasil é tradicionalmente o país da chamada emoção erótica. Uma emoção limitada ao contato, à proximidade, ao vínculo familiar ou social. Brasileiro é muito unido a quem está dentro de seu círculo e muito indiferente a quem está fora. Ele ama e se preocupa apenas com os seus.

Meira Penna descreve este traço no livro ‘Em berço esplêndido’, o estudo mais útil já escrito sobre o assunto. Diz ele: "O brasileiro traduz literalmente o mandamento cristão de amar o próximo. Acredita que a caridade começa em casa... e talvez nela termine. É a solidariedade do contíguo e do consanguíneo. O próximo é antes de tudo o parente, mas também o amigo, o sócio, o cliente; todos os conhecidos, aqueles com quem se convive e se trabalha; que podem ser vistos, ouvidos e sentidos diariamente. Só estes merecem a expansão específica da cordialidade e da philia. Os desconhecidos, que se danem!"

José Ingenieros, em seu incontornável livro ‘O homem medíocre’, descreve esta mesma limitação afetiva como sintoma de mediocridade: "O medíocre limita seu horizonte afetivo a si mesmo, à sua família, aos seus camaradas, à sua facção; mas não sabe estendê-lo até a Verdade ou a Humanidade, que apenas pode apaixonar ao gênio."

Longe de mim recriminar Zeca Pagodinho por dirigir seu quadriciclo "desde 6 da manhã" pela cidade alagada, ajudando as vítimas da tragédia serrana. Este é o Zeca que representa justamente o que o brasileiro tem de melhor: o amor aos seus. É o Zeca afetuoso com seus amigos e vizinhos, e solidário quando estes mais precisam dele. É o Zeca que eu ia assistir moleque no antigo Imperator, no Méier, e no Teatro Rival, na Cinelândia - quando seu público ainda cabia ali -, e com quem tanto aprendi sobre simplicidade, espontaneidade e afeto por quem nos é próximo, como ele nunca cansou de demonstrar no palco e na carreira a seus músicos, ídolos, padrinhos e afilhados. Na verdade, há 20 anos acostumado com este Zeca, nem sequer me foi surpresa vê-lo encharcado e emocionado na TV, fazendo pelos seus o que os políticos não fizeram.

Mas Zeca é brasileiro e, como tal, diria Olavo de Carvalho, "decide as questões mais graves do destino humano pelo mesmo critério de atração e repulsa imediatos com que julga a qualidade da pinga ou avalia o perfil dos bumbuns na praia. Daí sua tendência incoercível de tomar a simpatia pessoal, a identidade de gostos (...) como sinais infalíveis de alta qualificação moral". Não à toa, o sambista já se referiu a Lula como "um homem de bem", defendendo que ele certamente "não sabia de nada", porque "Eu mesmo às vezes não sei de coisas da minha vida".

Em outras palavras: Zeca é tão solidário às pessoas próximas, como Lula, que nem se importa em saber o efeito das ações delas na vida alheia, mesmo quando esses efeitos respingam em seu próprio quintal e até o devastam. O ódio ao conhecimento, a maior desgraça "deste país", é isso: uma forma de indiferença - um "que se danem!" - ao desconhecido e aos desconhecidos, que sempre acaba por prejudicar, mesmo da maneira mais indireta, aqueles que se conhece. Quem não sabe estender seu horizonte afetivo "até a Verdade ou a Humanidade" pode até praticar o bem com uma mão, mas o mais provável é que, consciente ou inconscientemente, esteja afagando o mal com a outra.

Zeca Pagodinho faria muito bem à população que o aplaude se dissesse ter nojo, especificamente, de Cabral e de Lula, confessando a vergonha de ter apoiado este último, que não só se aproveitou da cisão afetiva nacional, como também, pelo exemplo e pelas atitudes, elevou-a até os limites da crueldade pura e simples, favorecendo sempre os "companheiros" (inclusive os terroristas das Farc), enquanto deixava 50 mil brasileiros desconhecidos morrerem assassinados por ano. Se não fizer isso, Zeca é apenas mais um cidadão ativista que luta bravamente para limpar na vizinhança a sujeira que ajudou a criar no país.

Na sociedade erótica brasileira, como se sabe, até os heróis são (amigos dos) bandidos.
Por: Felipe Moura Brasil

COICES E RELINCHOS

A maneira mais estúpida, autoritária e desonesta de responder a alguma crítica é tentar desqualificar quem critica, porque revela a incapacidade de rebatê-la com argumentos e fatos, ideias e inteligência. A prática dos coices e relinchos verbais serve para esconder sentimentos de inferioridade e mascarar erros e intenções, mas é uma das mais populares e nefastas na atual discussão politica no Brasil.


A outra é responder acusando o adversário de já ter feito o mesmo, ou pior, e ter ficado impune. São formas primitivas e grosseiras de expressão na luta pelo poder, nivelando pela baixaria, e vai perder tempo quem tentar impor alguma racionalidade e educação ao debate digital.

Nem nos mais passionais bate-bocas sobre futebol alguém apela para a desqualificação pessoal, por inutilidade. Ser conservador ou liberal, gay ou hetero, honesto ou ladrão, preto ou branco, petista ou tucano, não vai fazer o gol não ser em impedimento, ser ou não ser pênalti. Numa metáfora de sabor lulístico, a politica é que está virando um Fla x Flu movido pelos instintos mais primitivos.

Na semana passada, Ferreira Gullar, considerado quase unanimemente o maior poeta vivo do Brasil, publicou na “Folha de S.Paulo” uma crônica criticando o mito Lula com dureza e argumentos, mas sem ofensas nem mentiras. Reproduzida em um “site progressista”, com o habitual patrocínio estatal, a crônica foi escoiceada pela militância digital.

Ler os cento e poucos comentários, a maioria das mesmas pessoas, escondidas sob nomes diferentes, exigiria uma máscara contra gases e adicional de insalubridade, mas uma pequena parte basta para revelar o todo. Acusavam Gullar, ex-comunista, de ter se vendido, porque alguém só pode mudar de ideia se levar dinheiro, relinchavam sobre a sua idade, sua saúde, sua virilidade, sua aparência, sua inteligencia, e até a sua poesia. E ninguém respondia a um só de seus argumentos.

Mas quem os lê? Só eles mesmos e seus companheiros de seita. E eu, em missão de pesquisa antropológica. Coitados, esses pobres diabos vão morrer sem ter lido um só verso de Gullar, sem saber o que perderam.
Por: Nelson Motta, O GLOBO

ESFRIANDO OS TEMORES A RESPEITO DAS 'MUDANÇAS CLIMÁTICAS"


Esqueça a fanfarronice ocorrida em Doha no início de dezembro. As discussões teológicas no Qatar sobre os segredos dos tratados climáticos são irrelevantes. De longe, o mais importante debate sobre mudanças climáticas está ocorrendo entre os cientistas, e versa sobre a questão da sensibilidade climática: qual será o aquecimento realmente gerado caso a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera seja duplicada? 

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC — Intergovernamental Panel on Climate Change) irá pronunciar sua resposta a esta questão em seu Quinto Relatório de Estimativas no ano que vem.

O público geral não está a par deste debate dentro do IPCC, mas eu tenho conversado bastante com alguém que entende do assunto: Nic Lewis. Um semi-aposentado financista bem-sucedido de Bath, Inglaterra, com uma robusta formação em matemática e física, o senhor Lewis fez contribuições significativas para o debate das mudanças climáticas.

Primeiro, ele colaborou com outros para expor enormes e essenciais erros estatísticos em um estudo de 2009 sobre as temperaturas na Antártica. Em 2011, ele descobriu que o IPCC havia, por meio de uma injustificada manipulação estatística, alterado os resultados de um extremamente importante artigo de 2006 escrito por Piers Forster, da Reading University, e Jonathan Gregory, do Met Office (o serviço nacional de meteorologia do Reino Unido). O artigo havia demonstrado que o risco de a sensibilidade climática ser alta era muito baixo. O IPCC alterou as estatísticas com o intuito de elevar sobremaneira esse risco. O senhor Lewis também descobriu que o IPCC havia relatado de maneira imprópria os resultados de outro estudo, o que levou o próprio IPCC a emitir uma errata em 2011.

Nic Lewis me disse que as mais recentes observações empíricas para o efeito dos aerossóis (tais como partículas sulfurosas da fumaça do carvão) mostram que eles possuem um efeito refrigerante muito menor do que o imaginado quando o último relatório do IPCC foi escrito. Outra: a taxa a qual o oceano está absorvendo o aquecimento induzido por gases do efeito estufa também é hoje reconhecida como sendo bastante modesta. Em outras palavras, as duas desculpas utilizadas para explicar o lento e suave aquecimento que o mundo vivenciou no século XX — o qual já terminou, dado que as temperaturas globais hoje são as mesmas de 16 anos atrás — não mais são válidas.

Em suma: agora já é possível estimar, por meio de observações empíricas, o quão sensível a temperatura é ao dióxido de carbono. Não é mais necessário ter de confiar excessivamente em modelos não comprovados. Comparar a tendência da temperatura global ao longo dos últimos 100-150 anos com a mudança no "forçamento radiativo" (o poder aquecedor ou refrigerador) do dióxido de carbono, dos aerossóis e de outras fontes, e disso descontar a absorção de calor feita pelos oceanos, permite uma boa estimativa da sensibilidade climática.

A conclusão — pegando-se as melhores observações empíricas das mudanças ocorridas na temperatura global média entre 1871-80 e 2002-11, e das correspondentes mudanças no forçamento radiativo e na absorção de calor dos oceanos — é esta: se a quantidade de CO2 for duplicada, isso levará a um aquecimento de 1,6º-1,7ºC.

Este valor é bem menor do que a melhor estimativa atual do IPCC, de 3ºC.

O senhor Lewis foi um revisor do recentemente vazado rascunho do Relatório Científico WG1 do IPCC. O IPCC o proibiu de fazer citações do relatório, mas ele está a par de todas as melhores estimativas e de todos os graus de incerteza contidos no rascunho do relatório. E o que ele me relatou é pura dinamite.

Dado tudo o que hoje já sabemos, simplesmente não há nenhuma chance de que o tão temido aumento nas temperaturas médias irá ocorrer. Segundo o senhor Lewis: "Levando-se em conta o cenário hipotético em que o IPCC supõe uma duplicação do CO2, mais um aumento de 30% nos outros gases do efeito estufa até 2100, o mais provável é que vivenciemos um aumento das temperaturas médias de não mais do que 1ºC".

Uma mudança cumulativa de menos de 2ºC até o final deste século não fará nenhum mal ao ecossistema. Ao contrário: o resultado líquido será positivo — e isso os próprios cientistas do IPCC já disseram abertamente no último relatório da instituição. As chuvas irão aumentar ligeiramente, os períodos propícios ao cultivo agrícola serão alongados, as calotas glaciais da Groelândia irão derreter muito lentamente, e por aí vai.

Algumas das melhores pesquisas empíricas recentes também mostram que a sensibilidade climática é de 1,6ºC para uma duplicação do CO2. Um impressionante estudo publicado este ano (2012) por Magne Aldrin e colegas do Centro Computacional da Noruega afirma que a estimativa mais provável é de 1,6ºC. Michael Ring e Michael Schlesinger da Universidade de Illinois, utilizando o mais confiável histórico de temperaturas, também estimam 1,6ºC.

A grande pergunta é: será que os principais autores do relevante capítulo do vindouro relatório científico do IPCC reconhecerão que as melhores evidências empíricas não mais dão suporte à atual afirmação do IPCC de que o intervalo "mais provável" para a sensibilidade climática é de 2º—4,5ºC? Infelizmente, isso parece improvável — especialmente quando se leva em conta o histórico desta organização de substituir políticas baseadas em evidências por criação de evidências baseadas em politicagem, bem como a relutância de cientistas acadêmicos em aceitar que tudo aquilo que eles vinham dizendo há anos está errado.

Outra pergunta bastante comum: Como pode haver tanta discordância em relação à questão da sensibilidade climática se as propriedades de efeito estufa do CO2 já estão bem estabelecidas? O problema é que a maioria das pessoas supõe que a teoria do aquecimento global é construída inteiramente sobre o dióxido de carbono. Mas não é.

Há pouca controvérsia entre os cientistas a respeito da quantidade de aquecimento que o CO2 sozinho pode produzir, tudo o mais constante: de aproximadamente 1,1º—1,2ºC para uma duplicação da quantidade de CO2 vigente antes da industrialização. O aquecimento gerado pelo CO2 se torna realmente perigoso dependendo da maneira como o fenômeno ocorre: mais especificamente, por meio da amplificação de retroalimentações positivas — principalmente vapor d'água e das nuvens que este vapor produz.

Funciona assim: um pequeno aquecimento (qualquer que seja a causa) esquenta os oceanos, o que aumenta a evaporação e torna o ar mais úmido — e o vapor d'água é em si um gás gerador do efeito estufa. As alterações nas nuvens (geradas pela simulação destes modelos) geralmente aumentam ainda mais o aquecimento, de modo que ele pode ser duplicado, triplicado ou até mais.

É exatamente esta suposição que está no cerne de todos os modelos utilizados pelo IPCC. Mas o problema é que nem mesmo o mais ardoroso cientista climático afirmaria que esta triplicação é um fato estabelecido. Para começar, o vapor d'água pode nem estar aumentando. Um recente estudo da Colorado State University concluiu que "não podemos nem provar nem negar que haja uma robusta tendência nos dados sobre o vapor d'água em todo o globo". Depois, como um físico ganhador do Prêmio Nobel (e com um papel destacado no combate às mudanças climáticas) recentemente admitiu para mim: "Nem sequer sabemos o sinal" do efeito do vapor d'água — em outras palavras, os cientistas não sabem se o vapor d'água acelera ou retarda o aquecimento da atmosfera.

Modelos climáticos são conhecidos por fazer uma simulação bastante falha das nuvens, e dado que as nuvens possuem efeitos muito fortes sobre o sistema climático — alguns tipos de nuvem resfriam a Terra, seja porque a protegem do sol ou porque transportam o calor para cima e o frio para baixo em tempestades; e outros tipos aquecem a Terra ao bloquearem a saída da radiação —, continua sendo algo altamente plausível que não haja nenhum efeito líquido de retroalimentação positiva do vapor d'água.

Se este de fato for o caso, então até hoje vivenciamos um aquecimento de 0,6ºC; e nossos dados empíricos estariam apontando para um aquecimento de 1,2ºC até o fim do século. 

Ano que vem, os cientistas do IPCC terão de decidir se irão admitir — contrariamente do que indicam seus modelos computacionais complexos e inverificáveis — que a evidência empírica agora aponta para uma insignificante alteração climática sem nenhum dano líquido efetivo. 

Em nome de todas as pessoas pobres cujas vidas estão sendo arruinadas pelos altos preços dos alimentos e dos combustíveis — provocados pelo fato de o milho estar sendo maciçamente usado na produção de biocombustível, pelo fato de a agropecuária estar sendo tolhida em várias partes do mundo (o que reduz a oferta de alimentos), e também pelos amplos subsídios à energia renovável concedidos por burocratas a seus empresários e empresas favoritos —, podemos apenas torcer para que os cientistas tenham esta honestidade intelectual.

Matt Ridley: escreve a coluna Mind and Matter no The Wall Street Journal e vem escrevendo sobre questões climáticas para várias publicações há 25 anos.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A DÉCADA PERDIDA

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 foi recebida como um conto de fadas. O País estaria pagando uma dívida social. E o recebedor era um operário.

Operário que tinha somente uma década de trabalho fabril, pois aos 28 anos de idade deu adeus, para sempre, à fábrica. Virou um burocrata sindical. Mesmo assim, de 1972 a 2002 - entre a entrada na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e a eleição presidencial -, portanto, durante 30 anos, usou e abusou do figurino do operário, trabalhador, sofrido. E pior, encontrou respaldo e legitimação por parte da intelectualidade tupiniquim, sempre com um sentimento de culpa não resolvido.

A posse - parte dos gastos paga pelo esquema do pré-mensalão, de acordo com depoimento de Marcos Valério ao Ministério Público - foi uma consagração. Logo a fantasia cedeu lugar à realidade. A mediocridade da gestão era visível. Como a proposta de governo - chamar de projeto seria um exagero - era inexequível, resolveram manter a economia no mesmo rumo, o que foi reforçado no momento da alta internacional no preço das commodities.

Quando veio a crise internacional, no final de 2008, sem capacidade gerencial e criatividade econômica, abriram o baú da História, procurando encontrar soluções do século 20 para questões do século 21. O velho Estado reapareceu e distribuiu prebendas aos seus favoritos, a sempre voraz burguesia de rapina, tão brasileira como a jabuticaba. Evidentemente que só poderia dar errado. Errado se pensarmos no futuro do País. Quando se esgotou o ciclo de crescimento mundial - como em tantas outras vezes nos últimos três séculos -, o governo ficou, como está até hoje, buscando desesperadamente algum caminho. Sem perder de vista, claro, a eleição de 2014, pois tudo gira em torno da permanência no poder por mais um longo tempo, como profetizou recentemente o sentenciado José Dirceu.

Os bancos e as empresas estatais foram usados como instrumentos de política partidária, em correias de transmissão, para o que chamou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, de "projeto criminoso de poder", quando do julgamento do mensalão. Os cargos de direção foram loteados entre as diferentes tendências do Partido dos Trabalhadores (PT) e o restante foi entregue à saciedade dos partidos da base aliada no Congresso Nacional. O PT transformou o patrimônio nacional, construído durante décadas, em moeda para obter recursos partidários e pessoais, como ficou demonstrado em vários escândalos durante a década.

O PT era considerado uma novidade na política brasileira. A "novidade" deu vida nova às oligarquias. É muito difícil encontrar nos últimos 50 anos um período tão longo de poder em que os velhos oligarcas tiveram tanto poder como agora. Usaram e abusaram dos recursos públicos e transformaram seus Estados em domínios familiares perpétuos. Esse congelamento da política é o maior obstáculo ao crescimento econômico e ao enfrentamento dos problemas sociais tão conhecidos de todos.

Não será tarefa fácil retirar o PT do poder. Foi criado um sólido bloco de sustentação que - enquanto a economia permitir - satisfaz o topo e a base da pirâmide. Na base, com os programas assistenciais que petrificam a miséria, mas garantem apoio político e algum tipo de satisfação econômica aos que vivem na pobreza absoluta. No topo, atendendo ao grande capital com uma política de cofres abertos, em que tudo pode, basta ser amigo do rei - a rainha é secundária.

A incapacidade da oposição de cumprir o seu papel facilitou em muito o domínio petista. Deu até um grau de eficiência política que o PT nunca teve. E o ano de 2005 foi o ponto de inflexão, quando a oposição, em meio ao escândalo do mensalão, e com a popularidade de Lula atingindo seu nível mais baixo, se omitiu, temendo perturbar a "paz social". Seu principal líder, Fernando Henrique Cardoso, disse que Lula já estava derrotado e bastaria levá-lo nas cordas até o ano seguinte para vencê-lo facilmente nas urnas. Como de hábito, a análise estava absolutamente equivocada. E a tragédia que vivemos é, em grande parte, devida a esse grave erro de 2005. Mas, apesar da oposição digna de uma ópera-bufa, os eleitores nunca deram ao PT, nas eleições presidenciais, uma vitória no primeiro turno.

O PT não esconde o que deseja. Sua direção partidária já ordenou aos milicianos que devem concentrar os seus ataques na imprensa e no Poder Judiciário. São os únicos obstáculos que ainda encontram pelo caminho. E até com ameaças diretas, como a feita na mensagem natalina - natalina, leitores! - de Gilberto Carvalho - ex-seminarista, registre-se - de que "o bicho vai pegar". A tarefa para 2013 é impor na agenda política o controle social da mídia e do Judiciário. Sabem que não será tarefa fácil, porém a simples ameaça pode-se transformar em instrumento de coação. O PT tem ódio das liberdades democráticas. Sabe que elas são o único obstáculo para o seu "projeto histórico". E eles não vão perdoar jamais que a direção petista de 2002 esteja hoje condenada à cadeia.

A década petista terminou. E nada melhor para ilustrar o fracasso do que o crescimento do produto interno bruto (PIB) de 1%. Foi uma década perdida. Não para os petistas e seus acólitos, claro. Estes enriqueceram, buscaram algum refinamento material e até ficaram "chiques", como a Rosemary Nóvoa de Noronha, sua melhor tradução. Mas o Brasil perdeu.

Poderíamos ter avançado melhorando a gestão pública e enfrentado com eficiência os nossos velhos problemas sociais, aqueles que os marqueteiros exploram a cada dois anos nos períodos eleitorais. Quase nada foi feito - basta citar a tragédia do saneamento básico ou os milhões de analfabetos.

Mas se estagnamos, outros países avançaram. E o Brasil continua a ser, como dizia Monteiro Lobato, "essa coisa inerme e enorme". Por: Marco Antonio Villa  
O Estado de S.Paulo - 31/12

2013, O ANO DA VOLTA AO PASSADO

O governo Lula beneficiou-se do ciclo de reformas institucionais lideradas por Fernando Henrique Cardoso que resultaram no aumento da produtividade e, assim, do potencial de crescimento da economia. A produtividade explica 88% da diferença de expansão do PIB nos dois períodos (1995-2002 e 2003-2010), da ordem de 2,3% e 4,1 %, respectivamente.


As reformas de FHC impressionam: Plano Real; privatização das telecomunicações e de rodovias; eliminação de restrições ao capital privado (nacional e estrangeiro), inclusive no petróleo; câmbio flutuante; metas para a inflação; modernização das normas cambiais; reestruturação de dívidas estaduais e municipais; Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF); e maior abertura da economia, para citar as principais. Tudo isso levaria tempo para frutificar.

O PT foi contra a maioria dessas reformas. Duvidou do Plano Real, mobilizou multidões contra a privatização da Telebras, questionou a LRF no Judiciário e tachou de neoliberais os avanços institucionais. No governo, mais amadurecido, Lula teve a coragem de manter as mudanças que condenava. Por isso, pôde colher os frutos dos plantios anteriores e da emergência da China como o principal parceiro comercial do país. O maior crescimento permitiu expandir as políticas sociais, incluindo aumentos reais do salário mínimo. Lula se consagrou como grande presidente, ainda que os escândalos em áreas do governo possam turvar esse brilho.

Nos seus dois primeiros anos, Lula continuou o ciclo de reformas de FHC: nova Lei de Falências, reforma do Judiciário e inovações no sistema financeiro. Estas ampliaram o acesso ao crédito a milhões de brasileiros, inclusive para a casa própria. De 2005 em diante, tudo parou. Muitos de seus companheiros nunca aceitaram a política econômica. Depois da crise mundial de 2008, foram despertadas idéias contrárias, que estavam adormecidas pelo êxito econômico e pelo pragmatismo de Lula. Iniciou-se crescente intervenção estatal na economia e partiu-se para a reedição de políticas do passado, notadamente as do govemo Geisel (1974-1979).

A confusa intervenção no mercado de energia elétrica escancarou o DNA autoritário e antilucro do governo

No governo Dilma, tais idéias triunfaram de vez. A taxa de juros baixou na marra, o regime cambial deixou de ser flutuante, o cumprimento da meta de superávit primário passou a depender de malabarismos financeiros e artifícios contábeis. O Banco Central (BC) se tornou tolerante à inflação e o controle de preços da gasolina – que fragiliza a Petrobras e os produtores de eta- nol – voltou à cena. A famigerada “conta movimento”, pela qual o BC supria o Banco do Brasil de recursos e constituía canal para subsídios generosos, foi ressuscitada, agora via Tesouro e BNDES. Entre 2008 e 2012, os aportes ao BNDES saltaram de 15 bilhões de reais para 270 bilhões de reais, e o acumulado deve aumentar em 2013. O protecionismo reapareceu. A confusa intervenção no mercado de energia elétrica escancarou o DNA autoritário e antilucro do governo. O foco principal da política econômica é o estímulo à demanda, um equívoco (o problema está na oferta, sobressaindo a baixa competitividade da indústria).

A nova política econômica era reivindicada por lideranças empresariais e por economistas. Dizia-se que o investimento e o PIB cresceriam com uma combinação de juros baixos, câmbio desvalorizado, crédito subsidiado e proteção à indústria. Não funcionou. Desconsiderou-se a relevância da produtividade, que despencou por causa da paralisia das reformas. O intervencionismo excessivo criou incertezas que inibem o investimento. O potencial de crescimento caiu. A expansão do PIB em 2012 pode ficar abaixo de 1%. Para 2013, as previsões otimistas do ministro da Fazenda (crescimento de 4%) podem não se confirmar (mais uma vez).

O desempenho medíocre de 2012 não mudou as convicções do governo. Basta, diz-se. paciência para esperar os efeitos positivos das medidas na taxa de investimento – que cai há cinco trimestres seguidos e pode cair novamente no trimestre em curso – e no crescimento do PIB. Dilma tem legitimidade política e instrumentos para dobrar a aposta na estratégia, cuja validade será testada em 2013. Esperemos e torçamos para que dê certo. Eu tenho cá minhas dúvidas. Por: Mailson Ferreira Da Nóbrega  Fonte: revista “Veja”

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

HOMENS-FORMIGA

O meio urbano de nossas cidades mostra uma desoladora angustia de espaços. Um instinto de formiga move o povo e como tal carregam coisas. É no metrô que esse instinto de formiga mais se revela: todos com mochilas às costas. E antenas implantadas pelos celulares comunicam. Enormes edifícios para apartamentos minúsculos. Angústia desoladora de espaços. Inferno claustrofóbico. Homens-formiga escalam alto. Ruas de carros não cabem gente; ruas de gente não têm carros. Multidões caminham sem rumo sob o peso do seu destino. Pombal projetado para homens, os edifícios modernos. Horrenda arquitetura do fim dos tempos. Pobreza de espaço e de beleza. Prisão! Arquitetura do fim dos tempos nessa angústia de espaços, devoradora de dignidade, de felicidade, de bem viver. Prisão! Espaço minúsculo para numerosos ocupantes. Vida projetada no nada espacial, exíguo metro quadrado para muitos. Dormir por turnos e comer também. Até cemitérios aéreos na forma de pombal fizeram. Consistência aeroespacial. Corpos que se elevam para espíritos de gravidade prisioneiros. Cadáveres que se elevam para espíritos que não podem subir. Prisioneiros dos pombais. Espírito de gravidade que não sai do pó da terra. Homens-massa. Multidões sem rumos. Zumbis habitantes de pombais. Angústia desoladora de espaços. Anel de ferro dos presos à terra. Prisão! Prisão vitalícia na angústia desoladora de espaço. Do berço ao túmulo. Claustrofobia indolor. Arquitetura de perdição. Almas mortas. Na arquitetura de pombal não cabe a liberdade. Não cabe amor. Talvez sexo. Não cabe família, nem filhos. Homens sós. Formigas atomizadas. Horror! POR NIVALDO CORDEIRO

CAVEAT EMPTOR




“Mais regras e mais letras miúdas não farão muito para impedir o próximo Bernie Madoff”, diz Henriques. O mundo das regulamentações é um mundo de ilusões – a promessa de proteção sem a realidade.


No livro The Wizard of Lies: Bernie Madoff and the Death of Trust escrito por Diana K. Henriques, conhecemos a história de um corretor de ações e conselheiro financeiro que cometeu a maior fraude financeira na história dos EUA. Próximo ao fim do livro de Henriques, na página 341, ela escreve: “Com a habilidade de desbaratar até os mais sofisticados investidores institucionais, Bernie Madoff revelou o quão diabolicamente difícil as coisas são para as regras protegerem o público no século XXI.”

O sistema de mercado é baseado na confiança. Como tal, sempre será vulnerável ao abuso dessa mesma confiança. Não se pode ter mercado, não se pode ter investimento – não se pode ter capitalismo – sem confiança. Na verdade, não se pode ter confiança sem o inevitável abuso dela. Não se engane. O mundo é um lugar perigoso e há pessoas ruins nele. Não importa o quão cuidadosamente protejamos nossas apostas, no final sempre se dependerá da confiança.

Uma das ilusões criadas pela regulamentação governamental é a de que as regras podem, de algum modo, “tornar” os investimentos mais confiáveis. “Se a história de Madoff não prova nada mais,” escreve Henriques, “ela prova que as regras estão no mundo dos sonhos, um mundo que é muito diferente do mundo dos sonhos em que vivem os investidores.”

Segundo Henriques, as boas regulamentações “acreditam no ceticismo” enquanto “a maioria dos investidores almeja simplicidade”. As boas regulamentações acreditam nas “letras miúdas do contrato” enquanto os investidores “jamais leem as letras miúdas – jamais”. De acordo com Henriques, em Washington todos estão se concentrando nas regulamentações e nas letras miúdas. No mundo real, ou o investidor confia no investimento ou ele não confia. Todas as letras miúdas do mundo e todas as regras do rei não podem te proteger.

O regime de divulgação integral do investimento gerou muitas letras miúdas e muitas regulamentações. Diz Henriques que as regras de proteção não valem a pena porque elas não “refletem o modo pelo qual os investidores atuais tomam suas decisões”. Década após década os americanos desfrutaram de proteção e prosperidade. Esse desfrute esteve estabelecido há tanto tempo que a proteção parecia assegurada. Supomos que nossos investimentos estão seguros, que nosso fundo de pensão está seguro, que o governo assegura tudo e que aqueles que aplicam as regras têm poderes sobre-humanos. 

Nossas suposições estão erradas e são baseadas na duradoura prosperidade americana. Estivemos seguros por décadas e os investimentos foram lucrativos. Não é sempre essa a regra na história. Como explicou o economista Vilfredo Pareto, uma moeda romana investida a 4% ao ano por volta da época de Cristo valeria hoje mais do que o peso da Terra em ouro. Portanto, como qualquer um pode ver, a história não foi segura para os investidores. Para impedir que essa moeda romana se elevasse a um absurdo valor, houve muita pirataria e muitos saques ao longo dos séculos. O número de pessoas confiáveis é contrabalanceado por trapaceiros e criminosos. O erro no caso de Madoff, segundo Henriques, foi o erro dos investidores “até pedirem letras miúdas, mas não lê-las”. 

O senso comum não nos diz para não colocar seu dinheiro em algo que você não pode entender? Uma alta taxa de retorno não significa alto risco? E quanto a colocar todos os seus ovos em uma cesta? Conforme Henriques explica:“ eles não perceberam que ninguém deveria ter em mãos todo o dinheiro das pessoas simplesmente porque eles confiavam nele ou porque alguém que eles admiravam confiava nele.” E mesmo assim, completa Henriques, “no entanto, isso é o que milhões de pessoas fazem. Não consultamos as letras miúdas para decidir se podemos confiar em alguém. Consultamos nossos amigos, parentes e colegas de trabalho... e, em última análise, nossos instintos.

Mas qual é o QI dos seus instintos?

“Mais regras e mais letras miúdas não farão muito para impedir o próximo Bernie Madoff”, diz Henriques. O mundo das regulamentações é um mundo de ilusões – a promessa de proteção sem a realidade. Pois na realidade, todos somos responsáveis por nós mesmos, pois não há substitutos para ler para nós, pensar ou fazer análises cuidadosas em nosso favor. A questão da confiança está aí para que cada investidor lide com ela. É uma questão que requer inteligência, sabedoria, esforço e juízo. POR JEFFREY NYQUIS

Nota do tradutor:
O título faz referência a uma expressão latina cuja tradução é “cuidado, comprador”. Nesse termo fica implícito que a responsabilidade é do comprador – e não do vendedor – de descobrir se há algo de errado com o que ele está comprando.

Tradução: Leonildo Trombela Júnior


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

MISES E A FAMÍLIA


O escritor, poeta e filósofo G.K. Chesterton dizia que a família era uma instituição anarquista. Com isso, ele queria dizer que não é necessário nenhum decreto do estado para que ela venha a existir. Sua existência flui naturalmente de realidades constantes na natureza do homem, sua forma sendo aperfeiçoada pelo desenvolvimento de normas sexuais e pelo avanço da civilização.

Essa observação é consistente com a brilhante discussão sobre a família feita por Ludwig von Mises em sua magistral obraSocialism, publicada em 1922. Por que Mises abordou a família e o casamento em um livro de economia que refutava o socialismo? Ele entendeu — ao contrário de muitos economistas de hoje — que os oponentes da sociedade livre e voluntária têm um projeto amplo que geralmente começa com um ataque a essa instituição que é a mais crucial de qualquer sociedade.

"Propostas para transformar as relações entre os sexos há muito vêm de mãos dadas com planos para a socialização dos meios de produção", observa Mises. "O casamento deve desaparecer junto com a propriedade privada... O socialismo promete não apenas o bem-estar — riqueza para todos —, mas também a felicidade universal no amor."

Mises observou que o livro de August Bebel (alemão fundador do Partido da Social Democracia Alemã), Woman Under Socialism, um canto de glória ao amor livre publicado em 1892, foi o tratado esquerdista mais lido de sua época. Esse elo entre socialismo e promiscuidade tinha uma proposta tática. Se você não acreditasse no engodo de uma terra prometida onde a prosperidade surgiria magicamente, então você ao menos podia ter a esperança de que haveria uma libertação da maturidade e da responsabilidade sexual.

Os socialistas propunham um mundo no qual não haveria impedimentos sociais ao ilimitado prazer pessoal, com a família e a monogamia sendo os primeiros obstáculos a serem derrubados. Esse plano funcionaria? Sem chance, disse Mises: o programa socialista para o amor livre é tão impossível quanto o programa para a economia. Ambos vão contra as restrições inerentes ao mundo real.

A família, assim como a estrutura da economia de mercado, não é um produto de políticas; é um produto da associação voluntária, tornada necessária por realidades biológicas e sociais. O capitalismo reforçou o casamento e a família porque é um arranjo que depende do consentimento e do voluntarismo em todas as relações sociais.

Assim, tanto a família quanto o capitalismo compartilham as mesmas fundações institucionais e éticas. Ao tentar abolir essas fundações, os socialistas iriam substituir uma sociedade baseada nos contratos por uma baseada na violência. O resultado seria o total colapso social.

Quando os social-democratas Sidney e Beatrice Webb viajaram para a União Soviética, uma década após o lançamento do livro de Mises, eles relataram uma realidade diferente. Eles encontraram mulheres liberadas do jugo da família e do casamento, vivendo vidas felizes e realizadas. Era uma fantasia tão grande — na realidade, uma fantasia sangrenta — quanto suas alegações de que a sociedade soviética estava se tornando a mais próspera da história.

Atualmente, nenhum intelectual mentalmente são defende o total socialismo econômico; mas uma versão diluída do programa socialista para a família é a força-motriz de várias das políticas sociais mais afamadas mundo afora. Essa agenda anda de mãos dadas com a restrição da economia de mercado em outras áreas.

Não é coincidência alguma que a ascensão do amor livre tenha acompanhado a ascensão e o completo desenvolvimento do estado assistencialista. A ideia da emancipação da necessidade de trabalhar (e de poupar e de investir) e da emancipação de nossa natureza sexual tem origem em um mesmo impulso ideológico: superar as realidades estabelecidas da natureza. Como resultado, a família sofreu — exatamente como Mises previu que aconteceria.

Embora os defensores da família e os proponentes do capitalismo devessem estar unidos em um único programa político visando a esmagar o estado intervencionista, eles tipicamente não estão. Os defensores da família, mesmo os conservadores, frequentemente condenam o capitalismo financeiro como uma força alienadora, e defendem políticas irrefletidas como tarifas, monopólios sindicais e programas de renda mínima para pessoas casadas.

Ao mesmo tempo, os adeptos da livre iniciativa demonstram pouco interesse em relação às genuínas preocupações dos defensores da família. E ambos não parecem interessados nos ataques radicais à liberdade e à família que políticas governamentais como leis do trabalho infantil, escola pública, seguridade social, altos impostos e medicina socializada representam. Na visão de Mises, essa cisão é deletéria.

"Não é nenhum acidente que a proposta de se tratar homens e mulheres como sendo radicalmente iguais, de ter o estado regulando as relações sexuais, de colocar crianças em creches públicas e garantir que filhos e pais permaneçam quase que desconhecidos uns para os outros tenha se originado com Platão", que em nada se importava com a liberdade.

Também não é nenhum acidente que essas mesmas propostas hoje em dia sejam defendidas por pessoas que não têm a mínima consideração pela família e pelas leis econômicas.

Lew Rockwell é o presidente do Ludwig von Mises Institute, em Auburn, Alabama, editor do website LewRockwell.com, e autor dos livros Speaking of Liberty e The Left, the Right, and the State
Tradução de Leandro Roque

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

O QUE DEU ERRADO NO BRASIL EM 2012 E O QUE ESTÁ POR VIR

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O artigo a seguir foi extraído do um boletim informativo mensal escrito para a empresa VOGA.

De acordo com as mais recentes estimativas, a economia brasileira deve apresentar um crescimento do PIB de não mais do que 1% em 2012. Os números recentemente divulgados para o terceiro trimestre surpreenderam negativamente o governo, o qual, segundo as palavras do próprio ministro Guido Mantega, havia previsto um crescimento anualizado de 2% — e tudo isso apenas três dias antes de o IBGE divulgar seus dados. 

Com efeito, o pavoroso histórico de Mantega em prognosticar os números da economia solapou sua credibilidade a tal ponto, que a revista britânica The Economist abandonou seu notório entusiasmo em relação ao Brasil e sugeriu a Dilma que demitisse Mantega de seu cargo na Fazenda.

Dado que os prognósticos para o PIB de 2013 também foram revisados para baixo, é de se pensar: o que houve com a famosa "decolagem" da economia brasileira celebrada pela própria The Economist na capa de sua edição de 12 de novembro de 2009? Por que a economia brasileira teve um ano tão ruim?
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Alguns argumentam que a culpada de tudo é a crise financeira mundial. Mas, se é assim, então como é que outras economias emergentes estão crescendo muito mais rápido que o Brasil? Similarmente, poderíamos argumentar que o acentuado crescimento da economia brasileira em 2010 deveu-se a uma pujante economia global, certo? Seria a atual situação culpa da China e seu mais vagaroso crescimento? Muito difícil e ilógico, pois o superávit comercial do Brasil em relação à China é de apenas 0,6% do PIB. Logo, ao contrário do que se imagina, as dificuldades brasileiras não devem ser procuradas no exterior. Os problemas brasileiros são domésticos. E Brasília está no epicentro desta situação aflitiva.

A julgar a quantidade e a frequência de novas medidas anunciadas pelo governo em 2012, um estrangeiro imaginaria que o Brasil está enfrentando uma severa crise. O governo concedeu vários incentivos fiscais para seus setores favoritos, os impostos sobre empréstimos estrangeiros foram meticulosamente manipulados, o Banco Central interveio seguidamente no mercado de câmbio, a taxa oficial de inflação — o IPCA — foi manipulada por meio de alterações nas alíquotas de impostos que incidem sobre vários produtos, os preços vigentes em vários setores sofreram interferência estatal, a dívida e o déficit público foram "controlados" por meio de criativos mecanismos contábeis, os bancos públicos foram obrigados a expandir o crédito para satisfazer interesses políticos, as importações foram restringidas, as exportações foram subsidiadas, empresas estatais e privadas operaram sob ordens diretas da Fazenda (Petrobras e Vale, para ficar nas principais), e, finalmente, as tarifas de energia elétrica foram reduzidas por decreto. Todas essas medidas representam apenas um vislumbre da hiperatividade exercida pelo atual governo brasileiro sobre a economia.

Uma das principais consequências de toda esta interferência estatal na economia é a incerteza que ela gera. Investir nesse cenário requer não apenas uma ótima dose de julgamento empreendedorial, mas também de percepção política, de modo que um empreendedor deve estar plenamente apto a adivinhar o que o governo fará a seguir. Não deveria ser nenhuma surpresa, portanto, a estagnação da economia, uma vez que o investimento é uma das principais variáveis que derrubou o PIB do terceiro trimestre. 

A persistente inflação de preços

No artigo de maio, havíamos dito que havia uma grande chance de o Banco Central conseguir atingir a meta do IPCA (4,50%) ao final deste ano. Hoje está claro que essa previsão foi incorreta. 

O problema é que subestimamos completamente a capacidade do Banco Central de inflacionar a oferta monetária. Embora a expansão do crédito esteja arrefecendo, a impressora sob o comando do senhor Alexandre Tombini está operando em alta rotação. Literalmente. Desde maio de 2012, a quantidade de papel-moeda em poder do público vem crescendo firmemente a uma taxa anual superior a 10%. Nos últimos 15 anos, a média de crescimento desta variável foi de 15%. Poucos bancos centrais no mundo conseguem igualar este recorde.

E o que os números oficiais nos dizem? Uma semana após o IBGE ter publicado os desanimadores números do PIB, o IPCA de novembro foi divulgado: 0,60%, o que totalizou um aumento de 5,53% nos últimos 12 meses. Outra grande frustração para o governo.

Talvez o maior perigo em potencial trazido pela atual tendência inflacionária esteja na chamada Lei de Goodhart — assim nomeada em homenagem a Charles Goodhart, ex-assessor do Banco Central da Inglaterra —, a qual diz que uma vez que um indicador social ou econômico adquire status de meta de política econômica, ele perde o conteúdo informativo que outrora o qualificara a servir como meta. Em outras palavras, tão logo um indicador é escolhido para mensurar a eficácia de políticas sociais e econômicas, ele irá perder todas as informações significativas que ele fornece, pois o governo irá manipulá-lo como mais lhe aprouver.

Boa parte das reduções de impostos adotadas este ano afeta diretamente o IPCA. O mesmo vale para o preço da eletricidade, que possui um peso considerável no índice de inflação oficial. Adicionalmente, e nada surpreendentemente, o senhor Mantega já começou a questionar o IBGE a respeito de seus números para o PIB. De fato, parece que Charles Goodhart tinha razão.

Com a taxa SELIC permanecendo em 7,25% por um bom período de tempo, e com os agregados monetários (base monetária e M1) crescendo aproximadamente 10% ao ano, será necessária muita engenhosidade para trazer o IPCA para mais perto de sua meta de 4,50% em 2013.

Taxa de juros, crédito e bancos públicos

Sei que a questão do crédito bancário já foi abordada extensivamente em outros artigos, mas como o governo simplesmente não consegue deixar se intrometer neste setor, é impossível evitar comentar o quão equivocada é esta política e o quão perigosa ela pode ser para a saúda da economia, pública e privada. Em abril, chamamos atenção para a reestatização do crédito que estava sendo implementada. Desde então, tal tendência não foi revertida. Muito pelo contrário: dada a perseverança do governo em pressionar os bancos estatais a oferecerem empréstimos baratos e abundantes, a quantidade de crédito sob controle estatal será rapidamente a metade do crédito total no país. Adeus "economia de mercado".

O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal estão adquirindo novas fatias de mercado, especialmente no ramo de empréstimos ao consumidor, ao passo que os bancos privados seguem relutantes em se curvar às exigências do governo e reduzir ainda mais seus spreads. Enquanto os empréstimos dos bancos privados para os consumidores cresceram 6% em 12 meses, os bancos estatais aumentaram seus empréstimos em quase 30% durante este mesmo período.

Ainda em meados do ano passado, antecipamos que o BB e a CEF necessitariam, mais cedo do que os analistas imaginavam, de uma injeção de capital do governo, caso contrário sua alavancagem e seu índice de Basileia piorariam. Em setembro, o Tesouro anunciou que ambas as instituições ganhariam R$8 e R$13 bilhões respectivamente, em capital híbrido cujos termos "seriam decididos pelo Ministro da Fazenda em uma data posterior".

Não obstante, mesmo com todas estas medidas extraordinárias para aumentar os empréstimos e reduzir os spreads, esta fonte de (insustentável) crescimento está atualmente exaurida. As famílias brasileiras estão fortemente endividadas. Graças aos pequenos prazos concedidos aos empréstimos e às altas taxas de juros cobradas, os brasileiros comprometem mais de 20% de sua renda disponível para o serviço de suas dívidas, praticamente o dobro da média americana. Isso explica parcialmente por que o crédito vem crescendo a um ritmo mais moderado, não obstante todos os esforços do governo; a demanda por empréstimos não pode ser estimulada magicamente. Portanto, do lado da demanda, o governo parece incapaz de reativar o PIB.

E quanto ao lado da oferta? Pode o investimento fazer o PIB crescer, como fez em 2010? Sim, isso é possível, mas à custa de uma alocação de capital totalmente errônea e insustentável, descolada da genuína demanda — mais especificamente, à custa de investimentos ruins. Vamos explicar.

Durante a última década, houve três momentos em que a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) cresceu a uma taxa muito mais alta do que a de sua média de 5,4% ao longo dessa mesma década: em 2007, quando chegou ao seu até então pico de 13,9%; em 2008, quando foi de 13,6%; e finalmente em 2010, quando chegou a incríveis 21,3%. Esta foi a primeira vez desde a introdução do real em que a FBCF aumentou mais de 20% — resultado direto das taxas de juros historicamente baixas e da generosa caridade do BNDES para com as grandes empresas. Em outras palavras, uma precificação errada do capital estimulou uma profusão de investimentos no Brasil.

Na maioria dos países, as taxas de concessão de crédito tendem a andar em simultâneo com o crescimento nominal do PIB. "A maneira de entender isso", escreveu Jim Walker, fundador e presidente da Asianomics Ltd., "é que a taxa de crescimento do PIB (renda) deve ser suficiente para sustentar o serviço da dívida. Ela é também um sinal para os produtores: o capital não é gratuito".

Gillem Tulloch, analista da Forensic Asia, empresa irmã da Asianomics, explica que "uma taxa de juros livre de risco é geralmente similar à taxa de crescimento nominal do PIB, o qual é um bom substituto para a taxa de crescimento dos lucros". Assim, em economias em que "há menos repressão financeira", conclui Tulloch, "o crescimento nominal do PIB e a taxa de juros livre de risco geralmente são similares".

No Brasil, um bom mensurador para o custo do capital é a taxa do CDI (Certificados de Depósito Interbancário — taxa de juros para empréstimos interbancários, os quais são lastreados por títulos do Tesouro). Durante a maior parte da década, as taxas do CDI se mantiveram bem acima do crescimento nominal do PIB (gráfico 1), o que implicava um alto custo para o capital. O pequeno prazo de maturação da dívida pública (gráfico 2) e as altas expectativas inflacionárias certamente contribuíram para este fenômeno.

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Gráfico 1

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Gráfico 2


O que os anos de 2007, 2008 e 2010 têm em comum é que, durante a maior parte deste período, as taxas do CDI foram menores que a taxa de crescimento nominal do PIB (gráfico 1), o que sugere que o capital estava precificado abaixo do seu real valor de mercado. O pequeno boom econômico daqueles anos produziu a consequente estagnação de 2011 e 2012.

Portanto, considerando-se a tépida atividade econômica, pergunta-se: como exatamente o governo está tentando fazer o investimento voltar à sua trajetória de crescimento? Exato, você acertou. Estimulando novas rodadas de crédito abundante e barato. Precificar o capital a um valor abaixo do de mercado é a política oficial do governo. 

O grande elefante na loja de porcelana

Já mencionamos a injeção de capital no BB e na CEF. Agora temos de abordar o grande elefante na loja de porcelana: o BNDES. Desde 2009, como parte do anticíclico Programa para a Sustentação do Investimento (PSI), o Tesouro transferiu quantias colossais de dinheiro para o banco de desenvolvimento. De início, tudo seria apenas temporário. No entanto, a cada ano, o programa foi sendo prolongado. Em 2013, já é esperado que o BNDES irá receber mais R$100 bilhões do governo. Isso não é mixaria. Atualmente, os empréstimos concedidos pelo BNDES representam um quinto do crédito total no país. E o que é ainda mais perturbador é o fato de que o Tesouro Nacional tem sido a principal fonte de financiamento para o BNDES, e suas concessões de crédito têm sido direcionadas majoritariamente para as indústrias favoritas do governo, empresas grandes que não teriam dificuldades para obter crédito no mercado.

Para intensificar os problemas, o capital está sendo precificado a valores cada vez menores. Em 2013, a taxa de juros para os empréstimos subsidiados estará entre 3 e 5%, em termos nominais. Isso significa taxas de juros reais negativas. Ou seja, o governo está basicamente pagando as grandes empresas para que elas peguem dinheiro emprestado. Outros programas federais constitucionalmente obrigatórios estão oferecendo empréstimos a uma inacreditável taxa de 2,5%. Em suma, o capital é realmente gratuito — quando concedido pelo governo, é claro.

Voltando à nossa pergunta sobre o PIB, pode o investimento fazer com que ele cresça a uma taxa maior em 2013? É claro que pode. Mas com o capital sendo concedido a custo quase zero, investimentos errôneos e insustentáveis serão a consequência natural. Algumas empresas serão claramente beneficiadas, talvez setores inteiros; mas isso não pode fazer com que toda a economia fique mais rica. Portanto, embora o investimento privado possa aumentar em 2013, isso ocorrerá à custa de menores investimentos em conjunto com a liquidação de investimentos ruins em um período posterior. É impossível precificar erroneamente o capital e ao mesmo tempo evitar as necessárias correções na estrutura de produção da economia. 

Infelizmente, as consequências de longo prazo destas políticas não serão limitadas ao setor privado: as finanças públicas do Brasil dificilmente passarão incólumes.

A situação fiscal do governo, ao contrário das alegações, não está nada em ordem

A tendência é bastante clara: a dívida líquida do Brasil em relação ao PIB tem estado em declínio ao longo dos anos. Guido Mantega e sua equipe não se cansam de ostentar os números (gráfico 3). Mas o que eles nunca mencionam são os créditos concedidos pelo Tesouro ao BNDES e a outros bancos estatais, que chegam a quase R$400 bilhões, praticamente 25% do total da dívida líquida. Quando se leva estes números em consideração, a dívida líquida em relação ao PIB sobe de 35,2% para 44,1%.
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Gráfico 3


No entanto, alguns podem argumentar que, dado que tais empréstimos são um ativo do governo, seria perfeitamente justificável levá-los em consideração no cálculo. Certo? 

Errado.

Além do custo fiscal trazido pelas taxas caridosamente subsidiadas pelo Tesouro, o BNDES pega dinheiro emprestado do governo (o Tesouro emite títulos para conseguir este dinheiro) a um período médio de amortização de mais de 30 anos. Não, não houve nenhum erro de digitação aí. São realmente trinta longos anos. Paralelamente, a dívida pública possui um prazo médio de duração de quatro anos. Consequentemente, o governo tem de refinanciar esses R$400 bilhões a cada quatro anos para poder dar continuidade às extravagâncias do BNDES, e ele tem de repetir este processo mais sete vezes antes de o banco de desenvolvimento começar a devolver ao Tesouro seus primeiros centavos.

O BNDES certamente já deixou sua marca na história do sistema bancário mundial. Ele alcançou o nirvana almejado por qualquer banqueiro: toma empréstimos a prazos extremamente longos, concede empréstimos de maturação bastante curta, e, em todo este processo, aufere altos lucros oriundos de um spread positivo.

Do lado do Tesouro, embora a dívida líquida apresente trajetória declinante, a dívida bruta segue crescente, e já chegou aos 60% do PIB. Mas ninguém do governo se incomoda com este coeficiente. Tudo o que importa é que a dívida líquida está visivelmente em um caminho cintilante. Para entender melhor a absurdidade desta métrica, considere isso: caso o Tesouro transferisse R$1,5 trilhão para o BNDES, a dívida líquida do Brasil em relação ao PIB iria instantaneamente cair para zero. Esperemos que o senhor Mantega jamais leve este exemplo hipotético a sério.

Por outro lado, há um quesito que ele poderia levar bastante a sério: a meta do superávit primário (gráfico 4), o qual, diga-se de passagem, também vem apresentando um declínio contínuo. Só que, neste caso, isso não é um bom sinal. Desde a introdução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o governo astutamente aprovou uma legislação que o permite "descontar" os investimentos do PAC do cálculo do superávit primário sempre que se tornar claro que a meta não será alcançada. Em 2012, mesmo após ter recorrido a este subterfúgio, o Tesouro dificilmente irá alcançar a meta de 3% de superávit primário em relação ao PIB. Por sorte, a acentuada redução da taxa SELIC está aliviando o custo dos juros sobre a dívida pública, fazendo com que o déficit nominal em relação ao PIB se mantenha relativamente estável em 3%.
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Gráfico 4


No entanto, o verdadeiro déficit jamais é mencionado. Quando levamos em conta a necessidade de se refinanciar a dívida, isto é, a dívida que deve ser rolada em um dado período, o déficit real sobe para estonteantes 18,2% do PIB, um nível apenas ligeiramente menor do que aquele que levou os PIIGS ao seu calvário (para mais detalhes sobre este processo, ver este artigo). Ao contrário destes problemáticos países europeus, o Brasil já paga uma alta taxa de juros sobre sua dívida, o que o permite rolar com mais facilidade suas obrigações vincendas. Pelo menos por ora.

Mas como os atuais incentivos fiscais irão impactar as finanças do governo nos anos vindouros? Nem mesmo o governo se arrisca a dizer. Não nos entenda mal, somos sempre a favor de uma redução na carga tributária. No entanto, não da maneira improvisada como ela foi feita neste ano. Ademais, reduzir as receitas do Tesouro sem uma concomitante redução nos gastos é uma política extremamente perigosa.

O que ainda está por vir

Há uma outra tendência preocupante que poucos economistas estão abordando: a acumulação de empréstimos feitos por bancos estatais para entidades federais e estaduais, bem como para governos estaduais.

Uma fonte fundamental para a inflação monetária dos anos 1980 e 1990, os hoje extintos bancos estaduais regionais tinham de ser constantemente socorridos pelo Banco Central em decorrência de seus temerários empréstimos para os governos estaduais e para suas respectivas estatais, operação esta que equivalia a criar dinheiro e desperdiçá-lo. Com enorme frequência, tal operação significava emprestar para seu próprio acionista — os respectivos estados.

Com as reformas estruturais dos anos 1990, estes bancos foram ou liquidados ou privatizados, e a quantidade de empréstimos que podiam ser tomados por governos estaduais foi limitada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, reduzindo essa questionável prática a um mínimo. Mas isso já mudou. Tendo crescido a uma taxa de 50% em relação ao ano passado, já há um total R$100 bilhões concedidos via empréstimos ao setor público. Há algum banco privado bancando este risco? Duvidoso. Para ser mais exato, bancos estatais são responsáveis por nada menos que 98% do dinheiro emprestado ao setor público.

E tem mais. Guido Mantega recentemente aprovou um aumento da tolerância fiscal para a maioria dos estados, permitindo que eles pegassem mais empréstimos e aumentassem o investimento público. Trata-se de uma clara violação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Consegue ouvir os passos do elefante? Consegue ouvir as porcelanas sendo destroçadas? Não há mais necessidades de os estados recorrerem ao setor privado; o BNDES irá financiar a farra creditícia.

Podemos agora finalmente responder à pergunta sobre se o investimento irá elevar o PIB do próximo ano. Francamente, cremos que sim. Tanto o investimento privado quanto o público tende a crescer. O primeiro devido à sub-precificação do capital; o último em decorrência da nova e confortável relação com os bancos estatais. No entanto, a qualidade destes investimentos é uma questão totalmente à parte.

Para onde estamos indo

A menos que ocorra uma súbita e acentuada alteração de rota, a economia brasileira não está indo para um caminho de desenvolvimento sólido. Falando mais claramente, o governo está se intrometendo em tudo. As reformas macroeconômicas feitas com a introdução do Plano Real foram as mínimas necessárias para permitir algum desenvolvimento econômico. Agora já voltou a ficar claro que existem muitos gargalos. O custo Brasil não pode ser resolvido por meio de microgerenciamentos da economia. Adicionalmente, ao suprimir o mecanismo de preços em vários setores, desde eletricidade até petróleo, passando por telecomunicações, o governo está apenas provocando escassez quando tudo o que ele mais quer é abundância.

Certamente não é nossa crença que a estabilidade macroeconômica e o crescimento do PIB brasileiros observados ao longo dos últimos 15 anos se devem majoritariamente a um boom no setor de commodities, liderado pela China. Para surfar a onda gerada por um boom nas commodities, nossa prancha de surfe tem de estar em bom estado. Foram precisamente as reformas estruturais feitas nos anos 1990 e no início da década de 2000 que garantiram um sólido fundamento para a estabilidade, a qual, no final, permitiu que o país se beneficiasse de uma economia global em franco crescimento.

No entanto, desde o advento da presidência de Lula, nenhuma reforma estrutural foi feita. E não há nenhuma reforma estrutural na agenda do atual governo. Com o risco de soarmos repetitivos, insistimos que as reformas macro — legislação trabalhista, tributária, previdenciária etc. — são essenciais para garantir um crescimento econômico sólido e sustentável.

Considerando a visão de mundo de Dilma e de seu partido, em conjunto com suas aparamente altas taxas de aprovação, é de se temer que Guido Mantega e sua equipe econômica continuem insistindo nestas políticas fracassadas. Lentamente, porém resolutamente, o PT está solapando os fundamentos da estabilidade econômica implementados durante o governo FHC.

Não obstante, o Ministro da Fazenda prometeu manter sua postura keynesiana, e dar continuidade à política de fornecer mais estímulos à economia. O que ele parece não entender é que tudo o que a economia mais precisa é da remoção dos desincentivos ao investimento, e não de mais intervenções para tentar remediar as fracassadas intervenções passadas.

Se seu investimento só é viável com empréstimos concedidos a juros de 2,5%, e sob generosas condições, então seu investimento não é viável em termos normais. E se ele não é viável, é porque ou não há demanda para seus produtos ou a carga tributária faz com que ele não seja lucrativo. Se a carga tributária é a culpada, então está claro por que o investimento não é tão alto quanto o governo gostaria que fosse. Tornar empreendedores viciados em crédito barato e farto não irá curar essa indisposição. Tampouco seria uma solução racional fazer o governo empreender faustosos investimentos públicos. Tal medida representaria apenas o desperdício de recursos escassos e a alocação errônea e insustentável de capital. Falando nisso, a um ano e meio do início da Copa do Mundo de 2014 e com várias obras de infraestrutura ainda com considerável atraso, 2013 promete ser um ano repleto de devassidão com o dinheiro dos pagadores de impostos.

Muitos podem dizer que esta visão é "pessimista". Mas não é. Se o governo alega que irá reduzir as tarifas de eletricidade e ao mesmo tempo fazer com que a energia seja abundante por meio da imposição de controle de preços, deveríamos nos ajoelhar e rezar pedindo para que "desta vez funcione"? Ou você entende as consequências das políticas públicas e passa a agir correspondentemente, ou você ingenuamente se entrega à esperança de que, por algum motivo inaudito, o resultado desta vez será diferente.

Mas ainda é possível permanecer otimista em relação a qualquer setor que ainda não tenha sido tocado pelo governo. O desafio, no entanto, é descobrir qual seria esse oásis econômico no Brasil.

Fernando Ulrich formado em administração de empresas pela PUC-RS, concluiu em julho de 2010 o programa de mestrado em economia austríaca comandado por Jesús Huerta de Soto em Madri, Espanha.  Atualmente trabalha no mercado financeiro. 

SEJAMOS PRAGMÁTICOS

Tão logo surgiram as primeiras notícias do mais recente massacre de crianças nos Estados Unidos, começaram as pressões para a revisão da lei de controle de armas. O presidente Obama, por exemplo, em discurso emocionado, disse que algo precisava ser feito com urgência para evitar futuros episódios semelhantes e conclamou o Congresso a discutir a questão “sem ideologias”. Portanto, sejamos pragmáticos. 

Quem quer que pretenda analisar os fatos e as possíveis soluções de forma racional e objetiva precisa, antes de mais nada, colocá-los em perspectiva. Muito embora massacres como aquele sejam cruéis e chocantes, é necessário relativizá-los para saber até que ponto uma ação política restritiva das liberdades individuais, francamente conflitante com alguns princípios constitucionais fundamentais da nação americana, seria realmente necessária, urgente e efetiva. 

Vejamos então alguns dados empíricos relevantes. No livro "Risco: a Ciência e a Política do Medo", o jornalista canadense Dan Gardner calculou que a probabilidade de um estudante americano ser assassinado na escola era praticamente irrisória - menos de 1 em 1,5 milhão. Muitos sequer imaginam, mas nos últimos 30 anos morreram, em média, três vezes mais pessoas atingidas por raios nos EUA do que vítimas de atiradores possessos – 51 a 18 por ano. 

Diante desses números, a pergunta lógica é: vale à pena fazer alguma coisa para tentar reduzir ainda mais as chances desses massacres, tendo em vista os eventuais efeitos colaterais indesejáveis dessas medidas? Em outras palavras, será que o tratamento não seria pior que a doença? Calcula-se que existam na América 310 milhões de armas não militares nas mãos dos cidadãos (mais de uma arma por cabeça), enquanto o índice de homicídios praticados por tais armas é de cerca de 4 para cada 100.000 pessoas, com tendência fortemente declinante nas últimas décadas. Não se sabe quantos crimes são evitados, todos os dias, por conta do farto arsenal mantido pela população ordeira, mas a lógica nos induz a pensar que tirar do cidadão a prerrogativa de legítima defesa só dará mais vantagem e confiança aos bandidos. Senão, vejamos: 

No Brasil, o acesso a uma arma, pelo menos legalmente, é muito difícil, quase impossível. Apesar disso, o índice de homicídios por armas de fogo está na casa dos 20 para cada 100.000 habitantes ou 5 vezes o padrão americano. Chacinas por aqui também não faltam, vide São Paulo nos últimos meses. A experiência brasileira demonstra, portanto, que dificultar a aquisição legal de armas não é sinônimo de segurança, muito pelo contrário. 

Sejamos pragmáticos: alterar a constituição de um país, em vigor de forma eficaz há mais de 2 séculos, por conta de alguns casos isolados, ainda que chocantes, não é uma decisão sensata. Políticas públicas não devem ser ditadas no calor das emoções, simplesmente para apaziguar os ânimos mais exaltados, até porque boa parte das pessoas não conhece as estatísticas ou vislumbra os possíveis efeitos colaterais de certas políticas. O clamor público, quase sempre irracional ou manipulado ideologicamente, nunca foi bom conselheiro. 
Por: João Luiz Mauad, O GLOBO