segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

SEXO E DINHEIRO, FUTEBOL E BORRACHA: O ANO DO REDESCOBRIMENTO DO BRASIL

“Os brasileiros têm os dois pés no chão… E as duas mãos também.” Desde quando as primeiras caravelas dos europeus atracaram no Brasil, mais de cinco séculos atrás, muitos narradores tentaram compreender e descrever o caráter de nosso povo. Navegadores, jesuítas, piratas, garimpeiros, naturalistas, traficantes de escravos, aventureiros, filósofos, antropólogos, escritores: cada um deles tentou explicar aos seus semelhantes os traços marcantes do Brasil e do nosso povo pitoresco. Pouquíssimos conseguiram.

2014 será o ano da redescoberta do Brasil. Cronistas oriundos dos lugares mais improváveis irão atravessar o oceano e por seis meses, precisamente até o final da Copa do Mundo, 13 de julho, irão encher seus desinteressados e desinformados compatriotas com notícias sobre o Brasil. Recomenda-se a todos que renunciem imediatamente a qualquer tentativa de originalidade e passem a plagiar despudoradamente o mais feroz dos nossos humoristas, Ivan Lessa, que foi capaz de resumir a essência da nossa espécie em uma única frase: “Nós temos os pés no chão e as mãos também.”

Se Ivan Lessa, o nosso Apuleio, se destacou pela capacidade de revelar nossa natureza quadrúpede – os jumentos verde-amarelos – o historiador Paulo Prado, muito antes dele, deve ser lembrado por uma façanha igualmente relevante: ele diagnosticou nossa psique patologicamente melancólica. O seu “Retrato do Brasil”, com o subtítulo “Um ensaio sobre a tristeza brasileira” de 1926, é ainda hoje um guia insuperável para orientar os observadores menos afeitos às questões nacionais. A introdução não deixa dúvidas: “Em uma terra radiante, vive um povo triste”. Os brasileiros não são normalmente associados a estados de humor mais depressivos. Na verdade, é exatamente o oposto: somos festejados em todo o mundo pela nossa ritmada e ensurdecedora despreocupação, pelos nossos modos festivos e lascivos. Mas a tristeza mencionada por Paulo Prado não é fruto de uma angústia existencial, reflexiva, leopardiana; antes, é o resultado da própria luxúria. Sexo, sexo, sexo. Na nossa história não existe mais nada. O Brasil será sempre e só isso: o lugar onde o homem é livre para se comportar como “um bode em um cercado cheio de cabras, sem ideais, sem preocupações estéticas, políticas, intelectuais e artísticas.”

Nas primeiras páginas de “Retrato do Brasil”, carregadas com um pesado e obsoleto sentido de moralidade, Paulo Prado cita o testemunho de Américo Vespúcio sobre os costumes lascivos dos nossos antepassados: “Eles têm tantas esposas quanto queiram, o filho vive com sua mãe, o irmão com a irmã, a prima com seu primo, e todo homem com a primeira que aparece.” Em 14 de junho de 2014, após o jogo entre Itália e Inglaterra, um padeiro de Castelfranco Veneto, em visita à cidade de Manaus, próximo de onde estava Américo Vespúcio quinhentos anos atrás, poderá repetir as impressões do navegador italiano, usando as mesmas palavras daquele. O sexo, portanto, é o primeiro fator para explicar a nossa tristeza atávica, segundo Paulo Prado. Post coitum animal triste. Mas há um segundo fator não menos importante: a ganância. Enquanto a carnalidade selvagem estrangulou nossas escassas capacidades mentais, a ganância contaminou o nosso precário equilíbrio social. O Brasil foi fundado por bodes gananciosos e sem escrúpulos, dispostos a qualquer ignomínia a fim de conseguir acumular a maior quantidade possível de dinheiro o mais rápido possível e depois voltar com os despojos às suas terras de origem. Os ecos dessa gênese saqueadora são ouvidos ainda hoje na vida cotidiana. De fato, mais que os cinquenta mil assassinatos cometidos todos os anos – em 2013 foram assassinadas mais pessoas no Brasil que na Síria, e será assim também em 2014 –, o que realmente desconcerta é a aceitação resignada desse massacre permanente, como se fosse um elemento inevitável da natureza.

Mas a ganância descrita por Paulo Prado não produz apenas a ruína social: ela também produz frustração pessoal. Porque quase nunca é recompensada. Ciclicamente, o Brasil teve saltos de desenvolvimento e de dinheiro fácil, durante os os quais foi aclamado como o novo Eldorado, mas todos acabaram em poucos anos. Em nossa história tivemos o ciclo da madeira, o ciclo da cana-de-açúcar, o ciclo do ouro, o ciclo da borracha. Todos acabaram, deixando apenas desolação. Recentemente, houve um novo momento de euforia econômica em relação ao Brasil: o ciclo das commodities.

A opulência criada pela bolha das matérias-primas foi representada na capa da The Economist, que em novembro de 2009, estampou a imagem da estátua do Cristo Redentor decolando como um foguete em direção a um futuro magnífico. Quatro anos depois, a mesma revista precisou se retratar, mostrando o Cristo Redentor despencando tragicamente rumo ao chão, enquanto o título indaga: “o Brasil desperdiçou tudo?” Ao longo da história, o Brasil sempre passou desapercebido, uma espécie de apêndice da humanidade, um adendo estranho e inútil. Tudo vai mudar em 2014. Até meados do ano, o país será analisado e debatido por uma multidão de incautos cheia de opiniões equivocadas a nosso respeito. Então vamos submergir uma vez mais. Em outubro serão realizadas as eleições presidenciais, mas essas não interessam a ninguém, nem mesmo aos brasileiros. Apesar de a cúpula do seu partido ter sido presa por corrupção há alguns meses, Dilma Rousseff vai ganhar de novo, porque os eleitores estão acostumados há séculos com bodes gananciosos e desprovidos de escrúpulos. Então, para nossa sorte, 2014 vai terminar sem deixar vestígios. Como disse Ivan Lessa: “A cada quinze anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos quinze anos.”

domingo, 2 de fevereiro de 2014

MUDAR, COM O PÉ NO CHÃO E VISÃO DE FUTURO

As pesquisas eleitorais estão a indicar que os eleitores começam a mostrar cansaço. Fadiga de material. Há 12 anos o lulopetismo impõe um estilo de governar e de se comunicar que, se teve êxito como propaganda, demonstra agora fragilidade. Toda a comunicação política foi centralizada, criou-se uma rede eficaz de difusão de versões e difamações oficiais pelo País afora, os assessores de comunicação e blogueiros distribuem comunicados e conteúdos a granel (pagos pelos cofres públicos e empresas estatais) e se difundiu o "Brasil maravilha", que teria começado em 2002. Ocorre que a realidade existe e às vezes se produz o que os psicólogos chamam de "incongruências cognitivas". Enquanto os efeitos das políticas de distribuição de renda (criadas pelos tucanos) eram novidade e a situação fiscal permitia aumentos salariais sem acarretar consequências negativas na economia, tudo bem. O cântico de louvor da propaganda encontrava eco na percepção da população.


Desde as manifestações de junho passado, que pegaram governo, oposição e sociedade de surpresa, deu para ver que nem tudo ia bem. A insatisfação estava nas ruas, a despeito das melhorias inegáveis do consumo popular e de alguns avanços na área social. É que a própria dinâmica da mobilidade social e da melhoria de vida e, principalmente, o aumento da informação geram novas disposições anímicas. As pessoas têm novas aspirações e veem criticamente o que antes não percebiam. Começam a desejar melhor qualidade, mais acesso aos bens e serviços e menos desigualdade.

O estopim imediato da reação popular foram os gastos da Copa, o custo do transporte, a ineficiência, a carestia e a eventual corrupção nas obras públicas. Ao lado disso, a péssima qualidade do transporte urbano, da saúde, da educação, da segurança, tudo de cambulhada. Nada é novo, nem a reação provocada por esse mal-estar se orientou, de início, contra um governo específico ou um partido. Significou o rechaço de tudo o que é autoridade. Na medida em que o governo federal reagiu propondo "pactos", que não deslancharam, e vestiu a carapuça, a tonalidade política mudou um pouco. Mas o rescaldo dos protestos - e não esqueçamos que eles têm causas - foi antes a criação de um vago sentimento mudancista do que um movimento político com consciência sobre o que se quer mudar.

Os donos do poder e da publicidade perceberam a situação e se aprestam a se apresentar com máscaras novas. Só que talvez a população queira eleger gente com maior capacidade organizacional e técnica, que conheça os nós que apertam o País e saiba como desatá-los. Essa será a batalha eleitoral do ano em curso. O petismo, solidário com os condenados do mensalão a ponto de coletar "vaquinhas" para pagar as dívidas deles, porá em marcha seus magos para dizer aos eleitores que são capazes da renovação.

E a oposição? Terá de desmascarar com firmeza, simplicidade e clareza truque por truque do adversário e, principalmente, deverá mostrar um caminho novo e convencer os eleitores de que só ela sabe trilhá-lo. Os erros da máquina pública, seu custo escorchante, a incompetência política e administrativa estão dando show no dia a dia. As falhas aparecem nas pequenas coisas, como na confusão armada a partir de uma simples parada da comitiva presidencial em Lisboa, e nas mais graves, como o inexplicável sigilo dos gastos do Tesouro para financiar obras em "países amigos". Isso abriu espaço, por exemplo, para o futuro candidato do PSDB dizer, com singeleza: "Uai, pena que a principal obra da presidente Dilma tenha sido feita em Cuba, e não no Nordeste, tão carente de infraestrutura". Sei que há razões estratégicas a motivar tais decisões. Mas na linguagem das eleições o povo quer saber "quanto do meu foi para o outro". E disso se trata: em quem o eleitor vai confiar mais para que suas expectativas, seus valores e interesses sejam atendidos.

Daí que a oposição deve concentrar-se no que aborrece o povo no cotidiano, sem desconhecer os erros macroeconômicos, que não são poucos.

Quanto à insegurança causada pela violência e pelo banditismo, é preciso reprimi-los e está na hora de o PSDB apresentar um plano bem embasado de construção de penitenciárias modernas, inclusive algumas sob a forma de parcerias público-privadas, como foi feito em Minas Gerais. É o momento para refazer a Lei de Execuções Penais e incentivar os mutirões que tirem das prisões quem já cumpriu pena, como também pôr fim, como está fazendo São Paulo, às cadeias em delegacias e, ainda, incentivar os juízes à adoção de penas alternativas.

Não será possível, sem negar eventuais benefícios de mais médicos, mostrar que a desatenção às pessoas, as filas nos hospitais, a demora na assistência aos enfermos, nada mudou? E que isso se deve à incompetência e à penetração de militantes partidários na máquina pública?

Por que não mostrar que o festejado programa Minha Casa, Minha Vida tem um desempenho ruim quando se trata de moradias para a camada de trabalhadores também pobres, mas cuja renda ultrapassa a dos menos aquinhoados, teoricamente atendidos pelo programa? Sobra uma enorme parcela da população trabalhadora sem acesso à casa própria, tendo de pagar aluguéis escorchantes.

Isso para não falar de um estilo de governo mais simples, mais honesto, que diga a verdade, mostre os problemas e não se fie no estilo "Brasil maravilha". De um governo mais poupador de impostos, reduzindo-os para todos e não apenas para beneficiar as empresas "campeãs" ou "estratégicas". As oposições precisam ser mais específicas e mostrar como reduzirão os absurdos 39 ministérios, como eliminarão o inchaço de funcionários e fortalecerão critérios profissionais para as nomeações. Também chegou a hora de uma reforma política e eleitoral. Não dá para governar com 30 partidos, dos quais boa parte não passa de legenda de aluguel.

Em suma, está na hora de mudar e quem tem a boca torta pelo cachimbo da conivência com a corrupção, o desperdício e a incompetência administrativa, por mais que faça mímica, não é capaz dessa proeza. O passado recente teve suas virtudes, mas se esgotou. Construamos um futuro de menos arrogância, com realismo e competência, que nos leve a dias melhores.
Por: Fernando Henrique Cardoso Sociologo, foi presidente da republica O Estado de S. Paulo


VOI CHE ENTRATE...

O mundo televisivo em nada em atrai. Para começar, exceção feita do Globo News, não assisto televisão nacional. A TV paga tampouco atrai muito. Me resumo a filmes e mesmo assim a vida não é fácil. Se em cada cem filmes exibidos você encontra cinco ou seis que valham a pena ser vistos, dê-se por contente.

A bem da verdade, já curti a mediocridade audiovisual. Em certa época, dediquei alguns minutos na madrugada para assistir às pregações dos pastores. Mas logo cansei. Não que pretendesse ouvir suas baboseiras. O que me fascinava era ver aqueles templos imensos lotados, com quatro mil, cinco mil ou mais pessoas, sem que se veja uma só cadeira vazia, todos fanatizados por um discurso estúpido e obviamente desonesto. Gosto de ver quando a câmera foca rostos. Pessoas de boa aparência, com traços até mesmo inteligentes, hipnotizadas pela lábia precária do pastor.

É meu modo de entender melhor o mundo. Vivo em um pequeno universo rarefeito, de poucos amigos, todos cultos e inteligentes. Corro o risco de achar que o mundo é mais ou menos assim. A televisão então me mostra, sem que eu precise sair de casa, a verdadeira face dessa pobre humanidade. Os pastores, sem nenhum pudor, ensinam como preencher cheques e boletos bancários.

Os tais de pastores evangélicos, que há muito deviam estar na cadeia, controlam, isto sim, cadeias de televisão. Não administram religiões, mas caça-níqueis. Isso sem falar no exercício ilegal da medicina. Em cada emissão televisiva, os milagres superam de longe o número de milagres que Cristo realizou em toda sua vida. Ocorrem em cadeia industrial, ao ritmo de dois ou três por minuto. O pastor até parece entediar-se com a freqüência dos mesmos e descarta rapidamente o miraculado que tem nos braços para abraçar o seguinte.

Ultimamente, em função de minhas auxiliares, tenho a televisão como música de fundo. Para elas, o silêncio é tortura. Como não posso pensar em torturar quem me serve, libero a mediocridade. De qualquer forma, as notícias que tenho da televisão, eu as leio em jornal.

Desde há muito as novelas ocuparam, para o brasileiro médio – e nem tão médio assim – o lugar antes destinado à literatura. A novela mostra o personagem como ele é, coisa que no livro só se deduz. A ação, cinematográfica, é mais rápida e dispensa palavras. Melhor ainda, a novela dispensa esse terrível esforço mental, o ato de ler. Neste sentido, é até espantoso que no Brasil ainda se leiam livros.

Assim sendo, foi pelos jornais que tomei conhecimento deste fato insólito – e certamente de grande significado histórico – o beijo gay culminando o final de uma novela. Pelo que se lê, é um marco na história da cultura nacional e seria algo inevitável na evolução do gênero. Milhões de basbaques se plantaram frente à tela para ver dois barbados trançando os bigodes. Haja apreço pela vulgaridade neste país nosso.

Nada tenho contra homossexualismo, quem me acompanha sabe muito bem disso. Sempre defendi toda e qualquer opção sexual, desde que não implique violência. Assim sendo, os barbados que se beijem à vontade. O que me espanta é ver um país todo esperando pela cena. 

Ainda há pouco, falando das badernas que a imprensa houve por bem chamar de rolezinhos, eu dizia não ver futuro brilhante neste país nosso. Uma boa amiga tentava me dar um pouco de esperança: “talvez com outras gerações, daqui a uns trinta anos...”

Ora, pelo andar da carroça, não vejo esperança nem daqui a um século. A ignorância, em vez de recuar, se multiplica. A Veja da semana passada, com o pretexto de uma reportagem sobre a periferia, faz uma extensa ode ao funk. Que o funk seja o hino de quatorze milhões de brasileiros, como afirma a pesquisa, isto até se entende. Em uma cultura que vive pregada à televisão, aos BBBs da vida e demais programas de auditório, não espanta. O que causa espécie é ver uma revista que se pretende séria dando um enfoque simpático à indigência nacional. Isso sem falar em rock e futebol.

Pelas circunstâncias que vivo, andei vendo trechos da programação da Globo aos domingos. Meu Deus – nestas horas viro místico! – nunca imaginei que a estupidez e a ausência de qualquer pingo de inteligência fossem tamanhas. Que esperar de uma nação que senta e baba diante de tais programas?

Comentei há pouco um filme de meus dias de juventude, Les Amants, de Louis Malle. O filme é de 1958, é obra das mais castas, mas causou repulsa no país todo, por uma cena na qual Jean-Marc Bory, no papel de Bernard, desce os lábios pelo corpo de Jeanne Moureau, a musa da época. 

A cena é tão sutil que, nos dias de hoje, ninguém pensaria em sexo oral. A única sugestão do gesto nefando é a cabeça de Bory que some da tela, enquanto a mão de La Moureau faz um leve gesto, que poderia significar tanto desconforto quanto prazer. Mas o público viu bem mais longe.

A cena terminava aí. Ao ser exibido em Porto Alegre, já nos anos 60, um grupo de espectadores criou a Turma do Apito. No momento da cena, a turma apitava em protesto ao gesto abominável. Isso que a câmera não descia nem mesmo até os seios! A Turma do Apito, talvez intuindo o próprio ridículo, se manteve sempre no anonimato. Hoje, meio século depois, quando sexo oral é praticamente obrigatório em qualquer filme que trate de relações homem/mulher, é difícil conceber que haja quem espere como novidade dois marmanjos se beijando. É difícil conceber, mas eles existem aos milhões. 

Que se pode esperar desta miséria humana?

Por: Janer Cristaldo Do site: http://cristaldo.blogspot.com.br/

ALGUNS CONSELHOS PARA AQUELES QUE GENUINAMENTE QUEREM AJUDAR OS POBRES


Se você está preocupado com a 'justiça social' e quer genuinamente ajudar os pobres a subir na vida de maneira permanente e independente, há alguns procedimentos que você pode seguir.

Sua primeira e imprescindível obrigação para com os pobres é: não se torne um deles e não faça com que outros se tornem um deles. Será muito mais difícil ajudar pessoas pobres se você ou seu vizinho se tornar pobre. Assim como você não deve se tornar pobre, você também não deve defender políticas que levem ao empobrecimento de ricos na crença de que isso levará ao enriquecimento dos pobres. Para o pobre, não interessa se foi você ou o seu vizinho que empobreceu por meio de medidas do governo; a situação dele não melhorará. Um rico empobrecido não cria um pobre enriquecido. A economia não é um jogo de soma zero.

Não sendo pobre, você tem uma escolha: você pode dar o peixe para os pobres comerem ou você pode lhes arrumar um emprego e ensiná-los a pescar o peixe por conta própria — isto é, ensiná-los a serem seres humanos produtivos.

O que nos leva à sua segunda obrigação: se você quer ensinar os pobres a serem independentes e capazes de se auto-ajudar, comece dando o exemplo ainda dentro de sua própria casa. Crie seus filhos de maneira austera. Filhos independentes e não-mimados se tornam mais produtivos, mais solícitos, mais realistas e menos propensos a roubar ou a ser desonestos. No futuro, seu filho poderá servir de exemplo comportamental para aquelas pessoas que você está preocupado em ajudar.

Dado que todos vivemos no mesmo planeta (e não há como fugir dele — vivos), todos enfrentamos o mesmo problema sobre como alocar recursos escassos da maneira mais eficiente possível do modo a satisfazer desejos cada vez maiores (já são quase 7 bilhões de pessoas na terra). Há duas maneiras de se alocar recursos: 1) por meio da força, ou seja, por meio de decretos e coerções governamentais; ou 2) voluntariamente, por meio do sistema de preços fornecido pelo mercado. 

Esta segunda maneira é mais duradoura e, logo, preferível para ser adotada com o intuito de sustentar a vida de um enorme número de pessoas. Por isso, é também sua obrigação explicar às pessoas — principalmente aos seus amigos igualmente sedentos por 'justiça social' — como funciona uma economia de mercado e por que apenas ela pode criar a maior quantidade possível de bens e serviços para os mais pobres, melhorando seu padrão de vida. Todo e qualquer sistema econômico socialista sempre culmina em escassez e em racionamento de recursos, exatamente o contrário do que você quer para os mais pobres.

Sua terceira obrigação para com os pobres é dar bons exemplos, de modo que eles se sintam estimulados a emular seu sucesso. Não minta, não roube, não trapaceie e não tome dinheiro das pessoas, tampouco utilize o governo para fazer isso por você. Não enriqueça por meio de políticas governamentais. Não aceite dinheiro nem privilégios do governo — dado que o governo nada cria, tudo o que ele lhe dá foi adquirido coercivamente de terceiros (na esmagadora maioria dos casos, contra a vontade de seus legítimos proprietários), uma medida que gera apenas ressentimento destes pagadores de impostos. Uma civilização que é erigida sobre o roubo e sobre privilégios não pode ser duradoura. Dê o exemplo não contribuindo para o perpetuamento deste arranjo.

Em um futuro muito próximo, será cada vez mais difícil para um indivíduo preservar sua riqueza. Governos falidos ao redor do mundo — consequência econômica inevitável de estados assistencialistas e inchados — estarão sedentos para confiscar quaisquer ativos remanescentes em uma desesperada tentativa de prolongar sua sobrevivência (mas sempre em nome do "bem público"). Os direitos individuais serão abolidos em nome do 'bem comum' e várias leis serão criadas com o intuito de tornar ilegal qualquer medida que vise a proteger a riqueza dos indivíduos mais ricos — e aí sim veremos uma verdadeira caça às bruxas.

Algumas pessoas acreditam que poderão evitar problemas caso voluntariamente entreguem seu dinheiro para o governo (ou peçam para que o governo o tribute). Pode ser, mas o fato é que durante a hiperinflação da França nos anos 1790, os ricos que não fugiram foram decapitados. Talvez a França tenha sido um caso extremo, mas a história mostra que sempre que os ricos foram pilhados por políticos populistas, os resultados não foram bonitos. Portanto, não empreste sua retórica e nem dê seu apoio a políticos ou movimentos políticos que defendam o confisco direto da riqueza dos mais ricos. Além de os pobres nunca terem sido beneficiados por tais medidas (algo economicamente impossível), você estará apenas aumentando o número de pobres.

Portanto, sua quarta obrigação para com os pobres é assegurar parte da sua riqueza para as gerações futuras. Dado que você genuinamente quer ajudar os pobres, acumule o máximo possível de ativos, trabalhe bastante e produza muita riqueza durante seu tempo de vida. Ao produzir riqueza, você não apenas estará empregando pessoas e enriquecendo-as também, como estará produzindo para toda a humanidade uma maior quantidade de bens e serviços. É assim que você fará com que as pessoas subam na vida. 

Caso prefira o assistencialismo puro, você também tem a opção de distribuir toda a sua riqueza quando se aposentar ou quando morrer. Quanto mais riqueza você produzir, mais você poderá distribuir. Você tem liberdade de escolha. Em vez de folgadamente defender o esbulho da riqueza alheia, crie você próprio a sua riqueza e então a distribua para os pobres — ou, melhor ainda, empregue-os neste processo de criação de riqueza.

Durante este processo, você terá de saber manter seus ativos a salvo do perigo, evitando que sejam confiscados pelo governo ou que simplesmente sejam esbanjados e dissipados. É neste quesito que você terá seus maiores problemas, muito embora várias famílias já tenham demonstrado ser possível manter sua riqueza ao longo de gerações. Sua riqueza provavelmente estará na forma de ativos produtivos que são difíceis de serem movidos de um país para o outro. Isso tornará mais difícil se proteger do governo doméstico, que estará ávido para confiscar sua riqueza quando ele precisar do dinheiro. Conclusão: você terá de diversificar seus ativos ao redor do mundo, de modo que, quando o governo de um país se tornar muito ganancioso (sempre para ajudar os pobres), você terá outra base de operações da qual operar. Isso irá garantir que você se mantenha fiel à sua primeira obrigação para com os pobres. Quem disse que é fácil concorrer com o amor do governo pelos pobres?

Caso continue preferindo ensinar a pescar em vez de dar o peixe, sua quinta e última obrigação para com os pobres é legar em herança sua riqueza para alguém (ou para um grupo de pessoas) que irá dar continuidade ao seu trabalho de fazer deste mundo um lugar melhor para os pobres viverem, com uma maior produtividade e uma mais eficiente alocação de ativos. Esta poderá ser a tarefa mais difícil de todas. 

Ser caridoso com a riqueza dos outros é uma delícia. Arregaçar as mangas e produzir por conta própria aquilo que você quer ver distribuído já é um pouco mais trabalhoso. Mas seu amor genuíno aos pobres servirá de estímulo todas as manhãs. Boa sorte!

Por: Hans F. Sennholz (1922-2007) o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos. Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou. Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997. Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.

Tradução de Leandro Roque

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A MANEIRA COMO AJUDAMOS AS PESSOAS NÃO AJUDA AS PESSOAS


A maior forma de caridade, argumentou o filósofo judeu Maimônides, ainda no século XII, ocorre quando a ajuda dada permite ao ajudado se tornar auto-suficiente.

No entanto, os sistemas de caridade estatal vigentes ao redor do mundo — eufemisticamente chamados de 'sistemas de bem-estar social' — geraram o efeito oposto: eles na realidade criaram dependência. Logo, é urgente repensar a maneira como estamos atualmente delegando ao estado a tarefa de ajudar as pessoas.

Irei aqui sugerir algo que muitos poderão considerar perturbador e desconcertante: o bem-estar social e todas as variedades de assistencialismo seriam mais eficazes, mais variados, mais difundidos e mais baratos se não houvesse nenhum envolvimento estatal.

As pessoas instintivamente pensam que, sem um programa assistencialista gerido pelo estado, os pobres e os necessitados não seriam cuidados e, consequentemente, seriam deixados à míngua. Com esta inaceitável perspectiva em mente, as pessoas consequentemente se tornam fervorosas em sua defesa de algum programa assistencialista estatal, ainda que possam porventura apresentar reservas à maneira como tal programa esteja sendo gerido pelo estado. 

Antes de nos aprofundarmos, gostaria de fazer a seguinte sugestão: sugerir que o assistencialismo estatal não está funcionando e que ele deveria ser abolido não é a mesma coisa que sugerir que os pobres e necessitados não devem receber cuidados. Com efeito, é justamente o oposto.

A assistência é algo complicado — e não é apenas o assistido o que importa

O fornecimento de serviços assistenciais é um processo delicado, complicado e imprevisível. Em algumas ocasiões, simplesmente dar dinheiro pode realmente levar o assistido ao caminho da auto-suficiência; em outras, não. Dar dinheiro pode gerar uma redução temporária de seu sofrimento, mas frequentemente gera uma maior dependência e uma menor auto-suficiência. 

Em determinadas ocasiões, uma abordagem estritamente local é tudo de que se necessita; em outras, uma abordagem mais prática passa a ser essencial; já em outras, é necessária uma abordagem puramente psicológica ou emocional; e há também ocasiões em que se deve buscar algo que seja mais específico às circunstancias particulares de cada indivíduo. Por fim, há também ocasiões em que todo o necessário é apenas dar o proverbial "tapinha nas costas". Diferentes circunstâncias requerem diferentes abordagens e diferentes formas de assistência.

A dignidade do assistido também tem de ser considerada. Ser alvo da caridade alheia pode ser algo degradante e humilhante. Em algumas ocasiões, o anonimato pode ser necessário; em outras ocasiões, não.

Tendo tudo isso em mente, a seguinte pergunta se torna inevitável: como pode alguém realmente pensar que é viável criar um programa de assistencialismo estatal que seja feito de cima para baixo, e imaginar que tal programa irá satisfazer todas essas necessidades distintas e variáveis, de maneira consistente?

E a coisa se complica ainda mais. Até agora, falamos apenas do assistido. Temos de falar também do doador, do "filantropo". Ele também tem de ser considerado.

Compaixão, assistência e caridade são atitudes humanas essenciais. Elas fazem parte da natureza humana. Assim como as pessoas precisam receber, elas também devem dar. Assim como as pessoas precisam ser ajudadas, elas também devem ajudar. Basta apenas ver o olhar de satisfação das crianças quando elas recebem algo para comprovar a evidência desta afirmativa. Mesmo aquele que talvez tenha sido o mais brutal e sanguinário traficante da história, Pablo Escobar, era conhecido por ser um prolífico filantropo. Ele construiu vários abrigos, igrejas e escolas em sua cidade natal, Medellín, e o fez em uma escala insuperável até mesmo para o governo colombiano.

No processo caritativo, o filantropo também tem suas necessidades. Em algumas ocasiões, ele quer anonimato; em outras, ele quer reconhecimento. Há ocasiões em que ele quer estar envolvido de alguma maneira com o assistido; e há ocasiões em que ele prefere não ter envolvimento nenhum.

No entanto, quando a caridade se torna um programa estatal compulsório, as necessidades do filantropo nem sequer são consideradas. Sua renda é confiscada via impostos e fim de papo. O filantropo não tem nenhuma voz ativa; ele simplesmente não pode especificar a maneira como o dinheiro que ele ganhou e que lhe foi tomado deve ser gasto. Para piorar, o filantropo é, na maioria das vezes, moralmente contra os programas que seus impostos financiam.

A tributação é um ato de doação forçada que destrói a satisfação altruísta que as pessoas normalmente sentem quando fazem doações voluntárias. Ajudar os outros e compartilhar com eles um pouco do que temos é parte de nossa humanidade. No entanto, em um mundo em que o governo se arvorou a responsabilidade de cuidar dos pobres e necessitados, essa compaixão foi removida. Como resultado, o estado hoje detém um quase-monopólio da compaixão.

Com efeito, a coisa é ainda mais bizarramente específica: a esquerda defensora de um estado assistencialista inchado e generoso detém hoje o monopólio da compaixão. Qualquer um que não concorde com o conceito de um estado assistencialista inchado e generoso é imediatamente tido como insensível e egoísta.

Como o estado destrói a propensão filantropa das pessoas

Quando você é obrigado a pagar impostos para o governo para que ele forneça serviços assistencialistas (ou mesmo educação e saúde) para os necessitados, a sua capacidade de pagar por estes mesmos serviços para você e para sua família é reduzida, pois agora você tem menos dinheiro. Após uma parte da sua renda ser confiscada via impostos, torna-se mais difícil para você bancar a escola de seus filhos, seu plano de saúde e seu aluguel. E se torna ainda mais difícil você ser caridoso para com terceiros, o que significa que tal tarefa será delegada com ainda mais intensidade ao estado. Pior ainda: o próprio fato de você agora ter menos dinheiro significa que você provavelmente também dependerá do estado para determinados serviços. Isso faz com que a rede de dependência cresça cada vez mais.

No que mais, se o estado está fornecendo auxílio para os necessitados com o seu dinheiro, então você inevitavelmente se sentirá absolvido da responsabilidade moral de ajudar os outros necessitados.

Simultaneamente, o assistencialismo estatal, além de ser inflexível, é caro. As burocracias que administram os programas de redistribuição de renda sempre são ineficientes e dispendiosas. Mais ainda: elas são propensas à corrupção e ao rentismo (pessoas que manipulam o sistema para ganhos políticos e para proveito próprio).

Se você analisar o que ocorreu ao longo das últimas décadas com itens como tecnologia, alimentação e vestuário — necessidades humanas essenciais que, em grande parte, não são fornecidas pelo estado —, verá que houve uma queda dramática nos preços (mensurados em termos de horas de trabalho necessárias para se adquirir a mesma quantidade de cada item) e uma sensível melhora na qualidade dos produtos. A concorrência reduziu os custos. No entanto, no campo assistencialista, não houve tal melhoria. Por que não? Porque, graças ao quase-monopólio estatal, não há concorrência nesta área.

A ideia de haver concorrência para serviços caritativos é ofensiva para muitas pessoas. Mas é necessário haver concorrência se a intenção for melhorar a qualidade e reduzir os custos.

O maior gasto em nossas vidas não é, como muitos acreditam, nossa casa ou a educação de nossos filhos. Nosso maior gasto é com o governo. E tal gasto não deve ser mensurado apenas em termos de carga tributária, mas também em termos de regulamentação, de burocracia, de infraestrutura decadente e de serviços pelos quais temos de pagar em dobro, pois os que o estado fornece com nossos impostos são lastimáveis (como saúde, educação e segurança). Sendo assim, imagine um mundo com um estado mínimo. Repentinamente, este gasto desnecessário seria removido. Sem o custo do estado, teríamos agora mais capital para investir e gastar. As pessoas genuinamente estariam no poder. Nossa capacidade de ajudar os necessitados seria aumentada.

Em um mundo sem estado, ou com um estado genuinamente mínimo, nossa responsabilidade moral em ajudar os outros seria repentinamente restaurada. Mais ainda, seria aumentada. Simultaneamente, e graças à concorrência, a ajuda que queremos e podemos oferecer seria mais barata, mais variada e de melhor qualidade. Organizações estariam competindo entre si para oferecer mais ajuda a um preço menor. E mesmo organizações que visam estritamente ao lucro estariam propensas a fazer isso porque, no mínimo, seria bom para a imagem delas.

Qual seria o resultado? Auxílios caritativos a custos mais baixos, auxílios caritativos mais eficazes, auxílios caritativos mais variados, mais difundidos e mais flexíveis, que poderiam satisfazer necessidades específicas. Em suma, uma rede caritativa de maior qualidade e que estimulasse algum retorno dos auxiliados em termos de qualificações profissionais.


Você diz que, sem o estado assistencialista, os pobres e necessitados seriam deixados à míngua? Pois eu digo que eles serão tratados em um padrão muito mais elevado do que aquele que vigente hoje.

Por: Dominic Frisby  jornalista e autor do livro Life After the State

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

COVARDIA CHIQUE

Sabemos todos das críticas comuns ao capitalismo. Injustiça social, viramos mercadoria. Sonhamos com um mundo no qual todos terão praia sem trânsito, com areia e água igual para todos. Mulheres e homens se amariam sem ciúmes e também amariam outros animais e plantas de forma igualitária e com respeito. Um mundo no qual todos viveriam numa mistura de Islândia e França, com clima italiano. 


Vulcões não engoliriam civilizações, tsunamis não invadiriam a terra, jacarés respeitariam os direitos humanos. Mulheres não desejariam mais de um vestido, homens não teriam medo da impotência. Todos integrados num sistema autorregulativo de paz e amor. Críticas de uma mente infantil. 

A melhor crítica à sociedade de mercado foi feita por seu maior defensor, Adam Smith (século 18). Tradutor de Rousseau, Smith discutiu com ele a corrupção do caráter causada pelo sociedade comercial. 

Rousseau entendia que a corrupção era política e seria resolvida com remédios políticos: revolução, destruição da cultura e técnica, frutos do mundo baseado em trocas comerciais, uma nova pedagogia que deixasse a harmonia e beleza da natureza humana inata se manifestar de novo na sua integração com a harmonia e beleza da natureza a nossa volta. E, assim sendo, de novo, voltaríamos ao mundo no qual o homem acordaria, caçaria de manhã, almoçaria ao meio-dia, escreveria um livro à noite, sem um tsunami ou inveja sequer. 

Para Smith, a corrupção é moral, e não política. Interessante ver como aquele para quem a sociedade comercial era um trunfo humano a ser preservado, será o mesmo homem para quem o risco dessa mesma sociedade será muito mais difícil de curar do que para nosso filósofo da vaidade, Rousseau. 

Smith temia que a sociedade de mercado causasse um enfraquecimento das virtudes heroicas. A perda dessas virtudes (coragem, disciplina e força), causada por uma vida baseada na produção de riquezas materiais e consequente riqueza de bens imateriais (hoje materializados em leis luxuosas sobre direitos, desejos e liberdades numa sociedade baseada em escolhas individuais contra sociedades que esmagam esta escolha sob a bota de modelos coletivistas tradicionais, religiosos ou marxistas), apareceria na covardia generalizada e no vício do bem-estar, material e imaterial. 

Se a URSS tivesse ganho a Guerra Fria, seriamos todos pobres e ninguém teria esses luxos materiais e imateriais. O capitalismo deixou todo mundo frouxo. 

Logo, o enriquecimento produz homens e mulheres covardes em larga escala porque produz demandas de luxo generalizado. 

Para Smith, o homem moderno poderia vir a ser um covarde viciado em seus pequenos luxos. No entendimento do nosso iluminista escocês (o iluminismo britânico é infinitamente mais sofisticado do que o francês, o único ensinado no Brasil tacanho de nosso dia a dia), somos capazes de benevolência e empatia (ou simpatia), e buscamos uma certa imparcialidade em nossos julgamentos morais por percebermos como ela é importante para o convívio racional. 

Entretanto, a virtude heroica da sociedade de mercado, pensava ele, era a autonomia, não a pura kantiana, mas a capacidade de assumirmos nossas decisões morais na vida alimentada por nosso desejo de sermos donos de nossa vida material, na medida do possível. 

Ele bem sabia o quão duro é ser assim. Sempre foi. Mas a corrupção do caráter, baseada nos ganhos materiais e imateriais do bem-estar, nos tornaria uns frouxos. E isso aconteceu. E esta frouxidão se materializa numa demanda interminável de facilitação da própria vida. 

Logo, vamos exigir a abolição do trabalho como direito. Ganhar a vida com o suor do rosto sem garantia de retribuição será considerado contra os direitos humanos. 

O novo crescimento do socialismo rosa-choque, inclusive em lideres como Obama, é fruto dessa corrupção. Smith previu as bases para o surgimento do pensamento de Marx e Gramsci: a corrosão do caráter causada pelo enriquecimento das sociedades e suas demandas de supressão das condições reais da vida como dor, luta e trabalho sem garantias. Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

DOIS PESOS E DUAS MEDICDAS

Não sou religioso, só frequento templos vazios. Tampouco considero o ateísmo prova de maior inteligência ou coragem intelectual. Dias atrás, nesta coluna, ataquei as dimensões picaretas das religiões.

Por que digo isso? Porque hoje em dia, em épocas de exigências de pureza ideológica (no mundo da cultura vivemos um fascismo descarado dos bonzinhos, baseado em difamação de quem não frequenta as ideias que eles frequentam), se faz necessário apresentar algumas "credenciais" quando se vai tratar de um assunto delicado que pode ofender a sensibilidade totalitária dos bonzinhos. Quando ofendidos, os bonzinhos passam à gritaria, principalmente nessa masmorra escura que são as redes sociais.

Apesar de não ser religioso, conheço o suficiente de algumas religiões para saber que muitas delas carregam um saber de valor inestimável, fato este que escapa a muitos dos críticos banais das religiões. Você identifica um ignorante quando ele diz que a Bíblia é um livro opressor.

Dito isso, vamos ao que interessa. Há alguns anos, um cartunista dinamarquês passou por poucas e boas quando fez piadas com Maomé. Lembro-me de muitos dos bonzinhos defenderem o direito dos muçulmanos de se ofenderem com a piada e jogarem a atitude do cartunista no saco indiferenciado do preconceito ocidental contra o Islã.

Fico feliz que no Brasil ainda se possa fazer humor com as religiões e que quem faz piada com Jesus (que acho um cabra-macho, mas não acho que seja Deus) possa fazê-lo, ganhar dinheiro com isso e não ser ameaçado de morte. Ou, quem sabe, perder o emprego. Pedir a cabeça de alguém é um pedido comum dos bonzinhos quando leem algo com que não concordam.

Acho que o humor deve ser livre porque ele é uma das dimensões por meio das quais o espírito humano sobrevive, se alimenta e reflete sobre sua condição. Não partilho da ideia de que o humor seja uma forma menor de cultura. Por isso, discordo da tentativa de qualquer grupo, religioso ou não, de querer barrar ou processar quem quer que seja por ter feito piada do que for.

Mas me pergunto uma coisa: por que alguns acham politicamente incorreto fazer piadas com negros, índios, gays e nordestinos (e julgam justificados processos legais contra quem faz tal tipo de piada), mas julgam correto fazer piada com os ícones do cristianismo?

Claro, quem pratica esse tipo de critério, com dois pesos e duas medidas, é gente boazinha e com opiniões corretas. Defendem a própria liberdade, mas negam imediatamente a liberdade de quem os aborrece. O nome disso é incoerência. A democracia só vale para quem nos irrita, mas os bonzinhos não pensam assim.

Não me surpreende a incoerência dos bonzinhos, porque o que faz alguém ser bonzinho hoje é a falta de caráter. Ser do "partido dos bonzinhos" hoje dá dinheiro, ganha editais, cargos no governo, fotos em colunas sociais, convites e prêmios culturais. Identificar um bonzinho hoje em dia como resistente ao poder é uma piada e tanto! Eles estão no poder até no RH das empresas e na magistratura.

Os cristãos têm todo o direito de ficar bravos com as piadas com Jesus (que aliás, costumam ser ótimas). Mas, acho "engraçado" (já que estamos falando de humor) alguém não perceber que vivemos num mundo em que tirar sarro de cristão pode, mas de outros grupos não. Por quê?

Fácil: porque ninguém precisa ter "cojones" para tirar sarro de cristão. No mundo da cultura, falar mal de religião (menos da indígena, afro e budista) é bater em bêbado na ladeira.

Proposta: que tal tirar sarro das pautas dos bonzinhos? Tipo fazer piada com as "jornadas de junho". Ou da moçadinha que quer salvar o Ártico. Ou de gente que vive falando mal da polícia, mas treme de medo e chama a polícia logo que sente sua propriedade privada em risco. Ou do movimento estudantil. Ou de intelectual que glamoriza os "rolezinhos". Ou das feministas. Ou de ateus militantes. Ou do exército da salvação PSOL e PSTU. Ou de quem diz que bandidos são vítimas sociais.

É isso aí: que tal fazer piadas com os preconceitos dos bonzinhos? Missão impossível? Por: Luiz Felipe Pondé Folha de SP

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O TEXTO E AS VERSÕES

A leitura é um fenômeno complexo, imerso na cultura. Entre o leitor e o texto, existe a mediação do contexto: expectativas, conceitos, interesses, ideologias. Aquilo que vale para qualquer texto, vale mais para um cujo tema inscreve-se em campos de forte polarização política. Duas cartas publicadas no Painel do Leitor (13/1) trazem versões da coluna que publiquei há uma semana ("O arco, a flecha e o avião"). De certo modo, elas exprimem as posições antagônicas de uma polêmica envenenada pelo preconceito.

"Em sã consciência ninguém, em pleno século 21, quer viver despido, morar em palhoças, consumir frutas silvestres", escreveu Abdias F. Filho, elogiando uma coluna imaginária. O binômio barbárie/civilização, fundamento da carta, tem raízes na teoria da evolução cultural, que serviu como pilar de legitimação "científica" da expansão imperial europeia. O "homem branco", segundo a tese imperialista célebre, carregava o "fardo" de civilizar os "povos primitivos" –e, portanto, estava moralmente autorizado a submetê-los e tirar-lhes a terra.

A Antropologia moderna evidenciou a falácia científica do cotejo valorativo de culturas, ensinando que os elementos de uma cultura possuem significado genuíno apenas no interior de seu próprio contexto e contribuindo para convencer as democracias a reconhecer os direitos dos povos autóctones. Desde Cândido Rondon e dos irmãos Villas-Bôas, a sociedade brasileira começou a aprender que a proteção do direito dos índios de "viver despido", "morar em palhoças" e "consumir frutas silvestres" é um sinal do avanço civilizatório nacional. Essa é a base política e moral da demarcação das terras indígenas.

Combatendo um inimigo conveniente, mas inventado, Dorivaldo de Oliveira acusou-me de ecoar as vozes dos que querem "as terras indígenas para suas fazendas" e o consequente desaparecimento dos índios "na massa sem rosto dos demais pobres do país". A crítica ao que não está escrito ou sugerido tem o alvo preciso de obscurecer o objeto da crítica da coluna: a "racialização" da política indígena.

"Quem é índio?", indaguei. Como se depreende de sua frase sobre os Tenharim, Dorivaldo acredita que a identidade indígena é uma propriedade imanente, inalterável, imune ao fluxo de mudanças provocado pelo contato com a sociedade nacional. Sob o influxo desse credo essencialista, o governo adotou um padrão uniforme de demarcação de terras indígenas exclusivas, hermeticamente isoladas, cuja consolidação exige a remoção compulsória de todos os não índios que nelas vivem. "Desintrusão" é o termo oficial aplicado à expulsão de posseiros, lavradores familiares e agricultores estabelecidos há décadas em terras indígenas recém-homologadas. Mais apropriado seria classificar isso como limpeza étnica.

Sim: os índios –todos os índios, inclusive os "evangélicos motorizados", que residem "em casas de madeira com eletricidade"– têm direito à terra. Contudo, exceto em casos excepcionais, tal direito não precisa ser exercido por meio de operações de limpeza étnica que anulam os direitos de tantos meio brancos, meio pretos, meio índios falsamente rotulados como "intrusos". Por qual razão índios em contato sistemático com a sociedade envolvente e lavradores com direitos de propriedade ou posse tradicional não podem compartilhar as novas terras indígenas em vias de demarcação?

Atrás da carta de Abdias, pulsa o integracionismo sintetizado no diagnóstico da ala mais anacrônica dos ruralistas: "muita terra para pouco índio". Atrás da carta de Dorivaldo, pulsa o fundamentalismo das ONGs racialistas, que pregam a "reetinização" dos índios e se beneficiam da fabricação de conflitos étnicos. As posições polares nutrem-se mutuamente, algo que ficou patente na "guerra de Humaitá". As duas estão bem representadas na coalizão governista. Faz sentido. 
Por: Demétrio Magnoli Folha de SP


O ARCO, A FLECHA E O AVIÃO

Dois índios nus, pintados de urucum, arcos retesados, apontam suas flechas para o avião que os fotografava. A força magnética daquela imagem, divulgada em 2008, deriva de suas ressonâncias culturais, que tocam nos nervos do binômio natureza/civilização, o núcleo pulsante da narrativa romântica ocidental. Eis a Amazônia, sussurra uma voz dentro de nós. A voz está errada. Aqueles índios isolados existem, mas a Amazônia é outra coisa: o fruto do encontro entre ondas migratórias recentes e indígenas deslocados por quatro séculos de colonização. O conflito étnico em Humaitá, ponta emersa de tensões explosivas e difusas, decorre da decisão política de rejeitar a história em nome do mito.


Esqueça a lenda do paraíso isolado: a economia-mundo englobou a Amazônia no sistema de intercâmbios globais desde que Manaus tornou-se um porto de navios oceânicos, no anoitecer do século 19. Esqueça a lenda dos "povos da floresta": a Amazônia foi ocupada por pioneiros do Nordeste e do Centro-Sul em dois ciclos sucessivos, entre 1880 e 1920 e de 1942 em diante. Esqueça a lenda das tradições imemoriais: as festas folclóricas da região, surgidas décadas atrás, refletem as extensas mestiçagens entre os colonos e deles com os povos autóctones. A pureza está na foto, o vislumbre de uma relíquia, um instantâneo vestigial. Os Tenharim, conta-nos o repórter Fabiano Maisonnave, são evangélicos, moram em casas de madeira com eletricidade, deslocam-se em motos, torcem pelo Flamengo e pelo Corinthians. Por que traçar uma fronteira étnica intransponível separando-os dos demais habitantes de Humaitá?

Quem é índio? De acordo com o Retrato Molecular do Brasil, de Sérgio D. Pena, 54% dos "brancos" da Região Norte apresentam linhagens maternas ameríndias. O Censo 2010 registrou taxas espantosas de crescimento anual da população indígena do Acre (7,1%), de Roraima (5,8%) e do Amazonas (4,1%), interpretadas pelo IBGE como "etnogênese" ou "reetinização": o resultado de mudanças em massa na opção de autodeclaração étnica estimuladas pelas políticas raciais. Na Amazônia, redefinir-se como indígena tornou-se uma estratégia destinada a obter segurança fundiária, cotas preferenciais e privilégios extraordinários (como o de cobrar pedágios em rodovias federais). Os caboclos amazônicos, que são meio-índios, reagem declarando-se inimigos dos índios. Aí estão as raízes políticas da "guerra de Humaitá".

Quem é índio? Telma Tenharim, mulher do cacique cuja morte acendeu a faísca das violências em Humaitá, "uma mulher miúda com poucos traços indígenas", é filha do primeiro branco que teria entrado em contato com o grupo, nos anos 1940. Segundo a clássica definição de Darcy Ribeiro, índio é o indivíduo "reconhecido como membro por uma comunidade pré-colombiana que se identifica etnicamente diversa da nacional" e, ainda, "considerado indígena pela população brasileira com quem está em contato". A política indígena oficial, capturada por ONGs racialistas e entidades missionárias, é uma pedagogia de "reetinização" que se nutre das carências sociais e fabrica o conflito étnico.

"Em nenhum momento a gente falou que meu pai foi assassinado. A gente viu que ele caiu da moto." As palavras de Gilvan, filho do cacique morto, confirmam as conclusões da perícia policial, mas contrastam com o texto do coordenador regional da Funai, Ivã Bocchini, postado no blog do órgão, que sugeria a hipótese de assassinato. O cacique "era como um chefe de Estado", escreveu Bocchini, exigindo que "seja apontada a verdadeira causa da morte" e celebrando "a luta do povo Tenharim".

Um "chefe de Estado" com o arco retesado e a flecha apontada para o avião dos intrusos "brancos": nessa imagem falsa, construída pelas políticas estatais de raça, encontram-se as sementes do ódio entre caboclos-índios e índios-caboclos. 
Por: Demétrio Magnoli Folha de SP

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

MÉRITO? NÃO É AQUI

Velhos marinheiros dos sete mares contam até hoje, geralmente em voz baixa, a história do Flying Dutchman. Não é uma história confortável. O Flying Dutchman, ou Holandês Voador, levantou âncora das docas de Amsterdã em 1751, rumo a Java, e depois de uma tormenta no Cabo da Boa Esperança nunca mais foi visto; naufrágio com perda total da carga e da tripulação, publicou-se nos boletins marítimos da época. O grande problema é que, alguns anos depois, o navio holandês foi visto outra vez, velejando a todo o pano, o leme firme, como se estivesse rumando para um lugar preciso, e com a mais perfeita ordem no tombadilho; não era, de jeito nenhum, um barco que tinha afundado e depois, por algum fenômeno natural, voltado à tona. Outro problema, já bem maior, é que não havia nenhum ser vivo (ou morto) ali dentro. Os tripulantes do barco que tinha feito a descoberta subiram a bordo e minutos depois, aterrorizados, chisparam de volta a seu navio e sumiram no horizonte. Desde então a lenda insiste que o Flying Dutchman continua aparecendo nos oceanos, sempre em noites de tempestade; é a famosa “nau sem rumo”. Foi cometida a bordo, explicam os velhos marujos, alguma abominação prodigiosa, tão horrível que nem o demônio tem coragem de tocar no assunto. Tudo o que se sabe é que o navio foi amaldiçoado ─ e a alma de seus tripulantes condenada a navegar eternamente pelo mar sem fim.


E se em lugar de Flying Dutchman falassem de “um país chamado Brasil”? Em 1º de janeiro de 2003, sob o comando do almirante de esquadra Lula da Silva, ele levantou ferros do Lago Paranoá falando em vencer mares nunca dantes navegados e em edificar um novo reino social. Hoje, onze anos após a partida e já sob o comando da imediata Dilma Rousseff, a nau continua a procurar o reino que tinha prometido. Ao contrário do barco holandês, o navio brasiliense está abarrotado de gente; só de ministros são quase quarenta, e contando os subs, mais os subs dos subs, a coisa vai para a faixa dos milhares de tripulantes. Mas está na cara que os fantasmas do Flying Dutchman levam o seu barco muito melhor que os humanos de Dilma; pelo menos sabem o que estão fazendo.

Já o nosso navio ─ bem, é certo que algo deu fabulosamente errado com ele. Não navega para lugar nenhum. A tripulação não sabe distinguir proa de popa, e acha que o contrário de bombordo é mau bordo. A nau não perdeu o rumo ─ na verdade, nunca chegou a saber que rumo era esse. Como poderia saber alguma coisa, se a esta altura da viagem o presidente do Senado, Renan Calheiros, ainda requisita um avião militar para levá-lo de Brasília ao Recife, onde foi implantar 10 000 fios de cabelo numa clínica para carecas? O problema, é óbvio, não está com Renan; ele é assim mesmo. O problema é de quem manda nos aviões ─ a cadeia de comando da Aeronáutica, que só em 2013 já deixou o senador lhe passar a perna duas vezes.

Nesta última, foi ao extremo de soltar uma nota oficial dizendo que não iria avaliar “o mérito” da viagem, e que sua função se limita a fornecer “a aeronave” solicitada. Como assim? Se os senhores brigadeiros não avaliam o mérito ─ e a legalidade ─ de seus próprios atos, que raio estão fazendo nos seus postos? Estamos falando da Força Aérea Brasileira, santo Deus. A lei diz que os aviões da FAB só podem ser utilizados por autoridades em atos de serviço, questões de segurança e emergência médica. Em qual caso se encaixariam, aí, os 10 000 fios de cabelo do senador?

A lei diz também que desrespeitar essa norma é “infração administrativa grave”, passível de punições “civis e penais”. O comandante da FAB que serviu de piloto particular para Renan poderia perfeitamente ter pedido ao senador, com toda a educação, que lhe fizesse uma curta descrição por escrito, assinada embaixo, contando que serviço iria fazer no Recife ─ “mera formalidade, doutor, só isso””. Por que não agiu assim? Porque tem certeza, como toda a tripulação, de que está numa nau sem rumo onde cumprir a regra só dá confusão.

O navio Brasil está precisando de muita coisa. Uma delas é um oficial macho, que tenha entre os seus valores a decência comum, e que um belo dia diga algo assim: “Sinto muito, Excelência, mas a lei me impede de atender à sua solicitação”. Iríamos ver, aí, quem entre os seus superiores hierárquicos teria a coragem de prendê-lo por “insubordinação”, enquanto Sua Excelência ficaria livre, contando vantagem do tipo “comigo ninguém brinca”. Nesse dia abrirá falência o Táxi Aéreo FAB ─ e nosso navio, talvez, comece a encontrar seu rumo.

Publicado na edição impressa de VEJA

Por: J. R. GUZZO

BRASIL PERDE 14 POSIÇÕES EM RANKING DE LIBERDADE ECONÔMICA

O Brasil perdeu 14 posições no ranking de liberdade econômica da Heritage Foundation, centro de pesquisa americano de orientação conservadora que faz esse levantamento há 20 anos.


O país aparece na 114ª posição, em um grupo de 178 classificados. Em 2013, o Brasil ocupava a 100ª colocação.

Na avaliação do instituto, o país é considerado "mostly unfree" (quase limitado) em relação à liberdade econômica. No relatório divulgado ontem, a nota do Brasil foi de 56,9 pontos, uma queda de 0,8 em relação à avaliação feita no ano passado (57,7).

O indicador avalia dez fatores qualitativos e quantitativos agrupados em 4 pilares: eficiência regulatória, abertura comercial e financeira, tamanho do Estado (arrecadação e gastos do governo) e legislação (em que se analisa o combate à corrupção e o direito à propriedade).

A coleta de informações foi feita no período entre o segundo semestre de 2012 e o primeiro de 2013.

A Heritage afirma que o Brasil havia avançado no ranking na primeira metade dos anos 2000 para a categoria "moderadamente livre" (países com nota acima de 60 pontos). Mas desde 2007 retrocedeu de status.

"A ausência de progresso na direção de uma maior liberdade econômica desencorajou o crescimento do setor privado e impede que a economia cresça segundo seu potencial".

VIZINHOS

Segundo James Roberts, analista do instituto, o Brasil aparece mais próximo de países como Venezuela e Argentina no ranking, do que de Chile e Colômbia. Os dois primeiros foram considerados "repressed" (limitados), em relação à liberdade econômica.

Já Chile e Colômbia encabeçam a lista dos mais bem avaliados da América Latina. Entre 29 países avaliados da região, o Brasil ficou em 20º colocado.

Ele citou uma frase publicada pelo jornal "The Wall Street Journal", atribuída a um especialista brasileiro não identificado, que diz: "o Brasil está virando a Argentina, a Argentina está virando a Venezuela e a Venezuela está se transformando no Zimbábue".

"Mesmo o México saltou à frente neste ano, o Brasil recuou e provou mais uma vez que não consegue se desfazer das políticas nacionalistas e protecionistas que têm atrasado o seu potencial econômico por gerações", afirmou Roberts.

Ele criticou o aumento dos gastos sociais do governo, considerados por ele como "excessivos e insustentáveis". E condenou a primazia da Petrobras na exploração de recursos naturais. Na sua opinião, a estatal é pouco eficiente e afeita às decisões políticas do governo.

"O crescimento econômico sustentável e o aumento da produtividade podem ser alcançados de forma mais eficaz, com reformas focadas na liberdade econômica, como privatizações, a liberalização do ambiente regulatório e harmonização da tributação de Estados e da União", disse Roberts. Publicado na Folha de SP

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

A FUNÇÃO SOCIAL DOS LUCROS


Lucros são cruciais para um sistema capitalista. A existência de lucros informa se uma determinada empresa está utilizando seus fatores de produção de forma efetiva e eficaz.

Frequentemente vemos e ouvimos pessoas afirmarem que a obtenção de lucros é evidência da ganância e da cobiça do ser humano, e que isso é algo moralmente condenável. Deixando as questões puramente econômicas de lado, a realidade é que a obtenção de lucros não pode, por si só, ser classificada de ganância. O fato de uma determinada empresa ser lucrativa, por si só, não nos diz nada de moralmente relevante. Afinal, lucro é simplesmente o nome que a contabilidade atribui a uma situação em que a receita é maior que os custos. 

Em outras palavras, uma empresa que aufere lucros está simplesmente vivenciando uma situação em que o dinheiro que entra em seu caixa é maior do que o dinheiro que ela gasta para cobrir todos os seus custos, principalmente com materiais, imóveis, mão-de-obra e impostos. 

O contrário de lucro é prejuízo. Uma empresa que esteja perdendo dinheiro — isto é, gastando mais do que recebe — não pode sobreviver por muito tempo. E sua falência significará o desemprego de várias pessoas. Portanto, sob circunstâncias normais, lucros não apenas são uma condição necessária para o sucesso e a continuidade de um empreendimento, como também são moralmente justos, pois garantem a renda e o emprego de várias pessoas.

No entanto, há sim distorções neste arranjo, e tais distorções sempre são criadas pelo governo. Por exemplo, o governo pode conceder privilégios a determinadas empresas, seja por meio de subsídios, seja por meio de protecionismo, seja por meio de agências reguladoras que fecham o mercado e protegem as empresas da concorrência externa. Em todos estes casos, um empreendimento está sendo privilegiado à custa dos consumidores e pagadores de impostos, e seus lucros não são moralmente defensáveis.

Porém, algo deve ser enfatizado: este arranjo protecionista e mercantilista só pode existir e se manter se outras empresas não protegidas pelo governo estiverem apresentando lucros. Em outras palavras, o governo só pode socorrer e ajudar empresas ineficientes — empresas que não apresentariam lucros em situação de concorrência de livre mercado — se outras empresas da economia estiverem auferindo lucros, os quais serão tributados e utilizados para financiar tanto o aparato regulatório quanto os subsídios para as empresas ineficientes. 

Portanto, a sustentação de arranjos protecionistas — algo bastante caro àquelas pessoas contrárias ao livre mercado — depende inteiramente da existência de lucros capitalistas em outros setores da economia.

É óbvio que, quanto mais intenso e volumoso for este arranjo protecionista, mais inquietações ele gerará entre os genuínos empreendedores. Quanto mais privilégios o governo conceder a pessoas e empresas não-lucrativas, mais as pessoas e empresas lucrativas e eficientes começarão a questionar por que afinal estão trabalhando tanto. Simplesmente não é justo trabalhar duro e ver seus proventos serem confiscados para sustentar incapazes. 

Uma empresa não ser lucrativa é sinal de que algo está errado com ela: talvez seus métodos de produção sejam ineficientes, ou suas despesas gerais estejam excessivamente altas, ou seus produtos precisam passar por uma renovação, ou quaisquer outras inúmeras deficiências. Um apoio estatal a esta empresa irá simplesmente suprimir todo e qualquer incentivo para se aprimorar, postergando reformas necessárias para colocar a empresa novamente no caminho da sanidade econômica.

A história é repleta de exemplos de empresas ineficientes e problemáticas que foram socorridas pelo governo. Atualmente, várias grandes empresas são protegidas e privilegiadas pelo governo. Isso representa um triplo golpe contra o público consumidor: ele se torna privado dos benefícios que uma empresa mais eficiente, operando sob livre concorrência, traria para o mercado; ele é obrigado a abrir mão de parte de seu dinheiro, via impostos, para ajudar compulsoriamente as finanças destas empresas ineficientes; e, ainda pior, ele é obrigado a pagar mais caro por produtos de pior qualidade. Afinal, não fosse o protecionismo, os subsídios e a cartelização do mercado implementados pelo governo, haveria mais opções de produtos, tanto importados quanto produzidos no mercado interno pela livre concorrência.

Já em um livre mercado, não obstruído por privilégios e protecionismos estatais, empresas lucrativas são aquelas que descobriram uma maneira de criar e de fornecer produtos e serviços a preços altos o suficiente para cobrir seus custos, mas baixos o suficiente para fazer com que os consumidores os considerem atraentes. Uma empresa lucrativa, em outras palavras, é aquela que prospera criando e entregando bens de valor.

Neste arranjo, lucros e prejuízos são ferramentas que possibilitam entender a saúde de uma empresa. Lucros indicam que os recursos estão sendo utilizados sabiamente por uma empresa; prejuízos sugerem que eles estão sendo alocados de forma ineficaz. Embora lucros e prejuízos não sejam o elemento essencial de uma empresa, eles são indicadores cruciais de quão efetivamente as necessidades e desejos dos consumidores estão sendo atendidos.

Dado que vivemos em um mundo de escassez — o que significa que nada existe em abundância —, os desejos humanos sempre serão maiores do que a oferta de recursos necessários para se atender a todos estes desejos. Isso significa que é extremamente necessário haver na sociedade algo que direcione racionalmente a alocação destes recursos escassos. Algo ou alguém tem de informar se a água será utilizada majoritariamente para ser bebida ou para irrigar lavouras, e se o minério de ferro será utilizado para se fabricar automóveis ou para se produzir tratores. O mesmo raciocínio se aplica a todos os recursos sociais. Mesmo o tempo, que também é um recurso escasso, requer alguma ferramenta que estimule sua alocação sensata.

Uma solução já tentada para esse problema da alocação de recursos escassos foi a de controlar centralizadamente todas as decisões tomadas no mercado, bem como todos os recursos existentes no mercado. Esta é exatamente a estratégia defendida pelo socialismo em suas variadas formas. Como a humanidade aprendeu amargamente, um dos problemas com essa estratégia de alocação de recursos é que ela concentra enormes poderes em poucas mãos. Poder excessivo tende a estimular coisas sórdidas na natureza humana. 

Mas há um outro problema com essa estratégia: o problema do conhecimento. Mesmo que a elite política que eventualmente estivesse no controle da economia fosse moralmente perfeita, ela ainda assim seria incapaz de coletar todas as informações necessárias para alocar de maneira eficaz e racional todos os recursos humanos e materiais. Adicionalmente, há também o problema da impossibilidade do cálculo econômico em uma economia em que os bens de capital não são propriedade privada. Se os meios de produção pertencem exclusivamente ao estado, não há um genuíno mercado entre eles. Se não há um mercado entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos. Se não há preços, é impossível fazer qualquer cálculo de preços. E sem esse cálculo de preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica — o que significa que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser planejada.

Estes três problemas obstruíram e reverteram todas as economias centralmente planejadas da história.

Felizmente, há uma estratégia alternativa para a alocação de recursos escassos: a rede de preços que emerge naturalmente quando compradores e vendedores efetuam trocas voluntárias no mercado. Neste arranjo, as leis da economia entram em cena. Uma redução de preço para um determinado bem sinaliza uma relativa abundância; pessoas podem comprar mais daquele bem. Já um aumento de preço sinaliza uma relativa escassez, obrigando as pessoas a pouparem mais caso queiram adquirir aquele bem. 

Por meio deste sistema, em que os preços dos bens e serviços estão constantemente em fluxo, os consumidores podem equilibrar suas necessidades em relação à disponibilidade dos vários bens e podem saber a qualquer momento qual a quantidade de cada bem que eles podem comprar e utilizar. Já os produtores, por sua vez, podem saber em qual quantidade um bem deve ser produzido e vendido. Os preços nos ajudam a determinar se um bem ou serviço está sendo desperdiçado — e, por isso, não deveria estar sendo produzido —, ou se ele é amplamente desejado — e, por isso, deveria ter sua produção aumentada. 

Por exemplo, quando empreendedores descobriram como prospectar, armazenar, refinar e utilizar petróleo, o produto se tornou mais barato do que o óleo de baleia. Consequentemente, a participação do óleo de baleia no mercado desabou e, com isso, houve menos pressão para se matar baleias em busca de sua gordura.

O lucro também pode ser entendido como um tipo de preço que emite sinais. Auferir lucro indica que uma empresa está realizando suas tarefas de uma maneira que um determinado segmento do público consumidor aprova — não apenas conceitualmente, como em opiniões coletadas por uma pesquisa, mas principalmente por meio da decisão voluntária de abrir mão de seu suado dinheiro em troca dos bens e serviços fornecidos por esta empresa. Já os prejuízos informam aos empreendedores, proprietários e administradores que eles têm de realizar ajustes em seu processo produtivo. Caso contrário, será melhor se dedicar a outros objetivos, desta forma fazendo com que recursos sociais não sejam desperdiçados. 

Desta forma, os sinais emitidos pelos lucros e prejuízos atendem a uma insubstituível função econômica. A lucratividade serve como uma força motivadora, mas também — e ainda mais importante — sinalizam um trabalho bem-feito.

Por último, um adendo moral: as obrigações sociais das empresas não se resumem a fornecer bens e serviços de maneira lucrativa. As empresas têm também de atuar honestamente, honrando seus contratos, servindo aos consumidores com ética e estando sempre atentas às dimensões morais do processo empreendedorial. O sistema de preços não assegura magicamente um comportamento moral. Para dar um exemplo doloroso mas bastante realista, o sistema de preços em uma sociedade depravada pode sinalizar que o mais valioso uso de mulheres jovens oriundas de famílias pobres é transformá-las em prostitutas. A confusão surge quando as pessoas veem tais perversidades e erroneamente concluem que abolir o livre mercado irá magicamente resolver esse problema de alguma forma. 

Uma pequena reflexão já basta para revelar o erro desta lógica. Adotar uma economia controlada e planejada não revoga a lascívia e o egoísmo do coração humano. Esses vícios, ao contrário, irão prosperar e se tornar ainda mais intensos. A diferença é que agora eles serão alimentados e protegidos por algum braço armado do estado — com o problema adicional de que as famílias mais pobres terão agora ainda menos alternativas econômicas, pois a economia controlada retirou de seu alcance vários empreendimentos moralmente preferíveis.

Embora o sistema de preços em uma economia livre não forneça uma fundação moral para a sociedade, e embora ele também não remova automaticamente as oportunidades para ganhos imorais, ele facilmente supera todas as formas de socialismo no que diz respeito a fornecer opções morais e socialmente beneficentes para se escapar da pobreza.

Por: Robert Sirico  fundador e presidente do Acton Institute. Padre e mestre em teologia, ele também é membro da Mont Pèlerin Society, da Academia Americana de Religião e da Philadelphia Society, além de ser conselheiro do Instituto Cívico de Praga.

O "FUNDAMENTALISMO DO INVESTIMENTO" E AS ARMADILHAS DA CARIDADE


Quer me empobrecer? Dê-me uma Ferrari. Sério. Só não me deixe vendê-la ou trocá-la. As despesas com impostos, seguro, revisão, peças e manutenção generalizada seriam tão altas que limpariam minha conta bancária.

Propriedade é responsabilidade. Temos a ideia de que receber equivale a enriquecer. Mas dar um passivo não é a mesma coisa que dar um ativo. E muitas vezes o passivo se passa por ativo.

Quando Gana se tornou o primeiro país africano a ganhar sua independência do Reino Unido em 1957, "toda a nação parecia compartilhar de um entusiasmo quanto ao desenvolvimento econômico", conta William Easterly em O Espetáculo do Crescimento. Como economista do Banco Mundial, Easterly morou em Gana no final dos anos 1960, depois que o governo havia criado o maior lago artificial do mundo para alimentar a represa Akosombo, construída com dinheiro dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido. Essa hidrelétrica iria prover energia suficiente para movimentar toda uma indústria de alumínio. Como explica Easterly:

A nova fundição de alumínio iria processar óxido de alumínio vindo de uma nova refinaria que, por sua vez, iria processar bauxita de novas minas. Ferrovias e uma nova planta de soda cáustica iriam completar um dinâmico complexo industrial.

Sabe quantas vezes você bebeu de latas metálicas produzidas em Gana sem nem se dar conta? A não ser que você ande bebendo de latas de ouro, nunca. Quinze anos mais tarde, em 1982, "não existe mina de bauxita nem refinaria de alumínio, nem planta de soda cáustica nem ferrovias", notava o economista ganense Agyei Frempong,

As pessoas que moram perto do lago, incluindo as 80 mil que tiveram suas casas velhas inundadas, sofriam de doenças transmitidas pela água, como a cegueira do rio, ancilostomíase, malária e esquistossomose.

Os economistas chamam de fundamentalismo do capital acreditar que basta um país montar um parque industrial e construir infraestrutura para que a economia cresça e floresça.

Crescimento econômico depende da acumulação de capital, é verdade, mas adicionar aviões sem aumentar o número de pilotos não aumenta o poder de uma força aérea. Pode até enfraquecê-la se, para evitar a depreciação das aeronaves, aumentam-se os gastos com manutenção.

Não-economistas podem ser acusados de uma crença parecida, o fundamentalismo do investimento: se a gente jogar dinheiro num problema, o problema desaparece. Quantas vezes você mesmo não pensou dessa maneira? "As pessoas não têm acesso a atendimento médico, aumente o investimento em saúde." "Os alunos não estão aprendendo a ler e a escrever, tem que aumentar o investimento em educação."

Os investimentos não são iguais. Uma das tragédias do século XX foi a quantidade de ajuda externa despejada na África subsaariana enquanto a região ficava mais e mais pobre. Assim como as notas em testes padronizados nos Estados Unidos não melhoraram apesar do aumento contínuo de investimento público em educação.

Um dos problemas é combinar com propriedade os investimentos. Uma escola com apenas uma sala de aula não será capaz de ensinar mais e melhor contratando uma dúzia de professores. Assim como uma escola com apenas um professor não fará muito progresso construindo uma dúzia de salas de aula. 

Mas escolas não têm apenas salas e professores, e nem salas e professores são iguais. Melhoras na educação dependem de uma combinação fantástica de fatores existentes e a serem criados, que vão do papel (ou dos pixels) do livro texto à localização geográfica e ideológica da escola. Não é qualquer investimento que gera crescimento. Você não dobra o tamanho de um bolo dobrando a quantidade de apenas um ingrediente.

Diferente de receitas culinárias, o grande bolo da civilização humana não vem com uma lista de ingredientes e medidas prontas a serem copiadas. Cabe ao empreendedor a missão de analisar a demanda para ver quais combinações de investimentos e em que dosagem as pessoas precisam. Vários desses investimentos irão fracassar, alguns irão suceder. É desse processo competitivo de tentativas e erros que aprendemos como transformar capital em educação, saúde, moradia, lazer etc.

Propostas mais próximas do capitalismo para os pobres preferem subsidiar a demanda e deixar a oferta nas mãos dos empreendedores. O dinheiro gasto com contratação e salário de professores, com construção e manutenção de escolas, seria mais bem aplicado se fosse transferido diretamente para alunos pobres. Suas famílias teriam assim o poder de consumo para escolher qual escola oferece a melhor educação. E as escolas passariam a competir para melhor investir nesses alunos.

O fundamentalismo do investimento ainda é capaz de gerar um efeito culatra. Empresas pagam empregados de acordo com seu desempenho a fim de castigar a ineficiência e aumentar a produtividade dos seus funcionários. Governos que financiam agências e escolas de acordo com sua necessidade estão castigando o desenvolvimento das capacidades e recompensando a multiplicação de necessidades. Quanto pior for o desempenho das escolas, maior será sua necessidade e, portanto, mais acesso ela terá a verbas públicas.

Depois que as ambições industriais de Gana deram errado, o país passou a receber mais ajuda externa, não menos. Nos anos 1970, os ganeses estavam passando fome.

Por: Diogo Costa  presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York. Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com

OS DONOS DA VERDADE

Um dos fenômenos mais interessantes (e perigosos) da atualidade brasileira é a incapacidade dos atores políticos, inclusive jornalistas engajados, de aceitar a possibilidade de que os adversários possam eventualmente ter razão, ou no mínimo tenham boas intenções. O objetivo do debate, aparentemente, não é provar suas teses, mas demonstrar que as do adversário estão erradas ─ de preferência, por estar ele vendido ou mal-intencionado; nem vencer a discussão, mas tentar desmoralizar o adversário. E, quando o objetivo não é atingido, bate a fúria e parte-se para o insulto.

É a atitude basicamente antijornalística; mas não faz mal, o importante, como no caso das torcidas organizadas de times de futebol, é brigar. É matar e morrer pelas cores de seus políticos favoritos; é negar aos infiéis até o direito a ter uma posição própria. Se não é vermelho é azul, pronto; e é triste ver jornalistas se comportando como os burros e cavalos da Animal Farm (a Revolução dos Bichos, de George Orwell), batendo os cascos no chão e gritando em uníssono slogans como “quatro pernas bom, duas pernas ruim”.

Isso vale para militantes histéricos dos dois partidos que até agora polarizaram o debate político brasileiro, o PSDB e o PT. Petista se recusa a discutir dólares na cueca, tucano se recusa a discutir investigações sobre cartel de metrô e trens urbanos; petista jura que o Supremo perseguiu os mensaleiros (mesmo considerando-se que Dilma e Lula nomearam oito ministros em onze, e que outros dois foram nomeados por presidentes que apoiam o Governo), tucano gostaria de ver os mensaleiros presos submetidos a um regime mais rígido ─ celas subterrâneas, talvez, e nada de luxos como tomar banho de sol no pátio da prisão.

É pena; o Brasil é mais complexo, mais multifacetado, politicamente muito mais rico do que faz supor esse dualismo barato de seitas inimigas. Isso incomoda os xiitas e os xaatos, que insultam ministros do Supremo, desrespeitam aliados de até há pouco tempo como Eduardo Campos (PSB, ex-aliado dos petistas) e Gilberto Kassab (PSD, ex-aliado dos tucanos), referem-se unicamente com palavrões a cidadãos de cujas ideias discordem. Aliás, não usam unicamente palavrões: usam também expressões como “kkkkk” e “uahuahuahuahua” que devem querer dizer alguma coisa. Não é a primeira vez que o país entra nesse clima de divisão, de guerra sectária, de disputa futebolística; e, se conseguir ultrapassá-lo sem importantes perdas políticas, será a primeira vez em que isso acontece.

Quanto aos meios de comunicação, que pena! As portas estão abertas para o Fla x Flu, mas a mais eficiente arma jornalística tem sido abandonada: a reportagem. O antigo secretário nacional da Justiça do Governo Lula, delegado Romeu Tuma Jr., publicou um livro em que há uma série de denúncias contra a administração de que fez parte. Boa parte dessas denúncias têm como testemunhas exclusivas o próprio autor do livro e seu falecido pai, o delegado Romeu Tuma, e não há como verificá-las. Mas um bom número de acusações pode ser comprovada ou desmentida por bons repórteres, que disponham de tempo e recursos.

Até agora, este colunista não soube de nenhum grande veículo de comunicação, desses que dispõem de pessoal competente e de bons recursos, que esteja pesquisando o que foi publicado no livro. Outro livro, recém-publicado pelo repórter Rubens Valente, tem como temas o banqueiro Daniel Dantas e a Operação Satiagraha. Espera-se que neste caso o livro não fique à mercê de opiniões favoráveis e desfavoráveis: que os jornalistas busquem boas fontes e deixem claro com fatos quem tem e quem não tem razão, e em que pontos.

Publicado no Observatório da Imprensa

Por: CARLOS BRICKMANN