quarta-feira, 30 de abril de 2014

CAIXINHA MÁGICA

Fatos. O que eu quero que me deem é isto: fatos. Não me venham com outra coisa; fatos, apenas fatos, são necessários na vida. Você só pode formar a mente de animais racionais através de fatos. Fatos: fora os fatos, nada será de utilidade alguma para ninguém, jamais.


Nos tempos duros da Inglaterra de 1850, esse era o evangelho do professor Thomas Gradgrind, personagem do romance Hard Times e destaque na prodigiosa galeria de tipos humanos criados pelo gênio de Charles Dickens. O professor Gradgrind, punido com um desses nomes que só o humor travesso de Dickens sabia inventar, é um personagem cômico — caricatura de uma Inglaterra que começava a se encantar com as estatísticas e com os esforços para explicar o mundo através de números, sem o contágio da imaginação nem emoções individuais, essas grandes criadoras de desordem na existência humana. Tudo bem. Mas a verdade é que às vezes faz falta “um homem de realidades” como Mr. Gradgrind. Sua presença talvez fosse útil para colocar um mínimo de ordem na babilônia mental que desorganiza o debate público no Brasil de hoje.

Sem os fatos, insistia o professor, não é possível definir as diversas coisas que existem neste mundo — requisito indispensável para separar o verdadeiro do falso. Essa trágica história da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobras é um exemplo perfeito do descaso pelos fatos. Desde que o escândalo veio a público, assiste-se a um embate em que tudo é dissecado, menos o que, no fim das contas, realmente interessa; é como a leitura de um prefácio maior que o livro. A presidente Dilma Rousseff estava certa ou errada em sua conduta quando presidia o Conselho de Administração da Petrobras, em 2006, ocasião em que a empresa comprou por 360 milhões de dólares a metade de uma refinaria que, no ano anterior, havia sido adquirida por cerca de 40 milhões pelos vendedores? Estava meio certa? Meio errada? Certa e errada ao mesmo tempo? De quanto é a sua culpa nesse desastre — 10%, 25%, 50%? E por aí se vai, com questões e mais questões, numa conversa inútil que talvez só acabe no dia do Juízo Universal.

A conversa é inútil porque não é preciso gastar um único neurônio com toda essa metafísica; basta ficar nos fatos e tudo se resolve em menos de um minuto. Com os fatos se chega à definição mais clara do que realmente aconteceu: aconteceu, em português corrente, a transferência de 360 milhões de dólares pertencentes à população brasileira para o bolso de uns vagos belgas, donos de uma certa Astra Oil, em troca de um ativo que um ano antes fora negociado por uma soma nove vezes menor. Com a definição, tornou-se possível separar num instante o verdadeiro do falso. Os fatos mostram que é verdadeiro afirmar: “A presidente Dilma Rousseff cometeu um desatino que ficará registrado na história nacional da incompetência”. Os mesmos fatos mostram que é falso afirmar qualquer outra coisa. É tudo muito simples. Dilma, após oito anos de um silêncio de cemitério, afirmou ao público brasileiro que não recebeu, na ocasião da compra, dados certos e completos por parte da direção executiva da estatal, o grupo que realmente cuida de suas operações — e que não teria dado sua aprovação ao negócio se soubesse direito as condições reais em que ele fora realizado. Fim da história: a presidente confessou que não sabia o que estava fazendo.

Discutir mais o quê, depois disso? Em sua desafortunada reunião, Dilma e os conselheiros da empresa receberam um cadáver; mas não perceberam isso, e não mandaram o defunto para o necrotério, nem chamaram a polícia. Na verdade, quem sempre soube de tudo, e escondeu, foi a direção executiva da Petrobras, toda ela ligada ao PT e à “base aliada” do então presidente Lula. Obviamente, como costuma acontecer nessas desgraças, se­guiu-se um filme de terror, no qual a cena mais emocionante foi a descoberta de que a Petrobras ainda tinha de pagar, pelo contrato, mais uns 800 milhões de dólares a esses admiráveis homens de negócio da Bélgica. Ao saber do desastre, ainda como ministra, Dilma não quis pagar. Infelizmente, suas ordens não valiam e continuam não valendo nada nos Estados Unidos; o caso foi para a Justiça americana, que deu razão à Astra Oil. Providências? Zero. Quando descobriu as cláusulas lesivas à empresa, em 2008, o que ela fez contra os responsáveis? Nada. E depois, como presidente da República? Nada. O ato final é a presente palhaçada do governo para impedir a investigação da história pelo Congresso.

Fiquemos nos fatos — e nessa caixinha mágica de Brasília, da qual saem tantas lições. No caso, aprendemos que o bom, no negócio da refinação, não é refinar petróleo — é vender refinarias para a Petrobras. Por: J. R. Guzzo Publicado na Veja

segunda-feira, 28 de abril de 2014

A QUEM INTERESSA?

Apesar do marketing ufanista para convencer eleitores incautos o governo Rousseff tem sido um retumbante fracasso. Na economia a herança maldita de Lula da Silva aparece claramente na fragilidade que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) detectou, apontando o Brasil como a segunda economia emergente mais vulnerável.


Bem antes, porém, a economia já cambaleava e tal situação não se deveu apenas a crise mundial, mas a incompetência do governo petista, sobretudo, às mágicas ineficientes do Mr. M ou Senhor Mantega, referendadas pela governanta. E para resumir a fragilidade econômica do gigante Brasil vale a pena citar O Estado de S. Paulo (13/02/2014):
“O crescimento econômico é baixo e o nível de atividade da indústria preocupante; os investimentos não fluem; a inflação está bem acima da meta há mais de três anos; a dívida bruta está alta demais; o rombo externo (déficit em conta corrente) está crescendo; as regras do jogo são frouxas e sujeitas a interferências; a reação do governo não é criar soluções definitivas.”

Diante deste quadro cresce o pessimismo dos empresários, as queixas e cobranças ligadas ao agronegócio, o afastamento dos investidores externos. Todos imaginam que em breve o Brasil será rebaixado pelas agências de classificação de risco o que vai piorar ainda mais a situação.

Acrescente-se o colapso do setor elétrico que ocasiona sérios transtornos e atinge a produção no campo, o que redundará no aumento dos preços de grãos, verduras, café, laranja. O povo vai pagar mais caro pelos alimentos e também na conta da energia que tem faltado, e que Rousseff havia prometido baixar. Contudo, nem o calor excessivo, raios, ou São Pedro castigariam assim o povo caso a ex-ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, tivesse iniciado as obras necessárias no setor e mantivesse a continuidade ou as finalizasse no seu governo.

Outros fatos desmoralizam o governo petista como a ajuda dada ao companheiro e déspota, Fidel Castro. Não me refiro só ao Porto Mariel, mas a importação de médicos cubanos reeditando o sistema de escravidão em pleno século 21. Como ocorreu na Venezuela os médicos começam a se evadir turvando a vitrine política de Rousseff e do ex-ministro da Saúde, Padilha, denominados na gíria de postes do Lula.

Não me deterei aqui em outros aspectos como promessas não cumpridas, péssima situação da Saúde e da Educação, falta de infraestrutura e muito mais. Prefiro me reportar à violência reinante que culminou com o assassinato do cinegrafista Santiago Andrade. Fosse um policial a vítima nada aconteceria, nem uma lágrima cairia dos olhos da ministra Maria do Rosário. Porém, o ato facinoroso atingiu uma classe forte e unida, a dos jornalistas e rapidamente os culpados foram presos.

O advogado dos black blocs, Jonas Tadeu Nunes, disse que “o garoto”, coisa que Caio Silva não é, não passa de um pobrezinho aliciado para promover baderna e o que mais se precisar por R$ 150,00, sendo que os aliciadores seriam partidos, vereadores, deputados, senadores, autoridades.

O advogado não declinou nomes, o que coube ao Caio. Dubiamente ele disse acreditar que partidos que levam bandeiras nos atos de incitamento as badernas são os mesmo que pagam aos vândalos, mas foi incisivo ao declinar o nome dos partidos, linhas auxiliares do PT: PSOL, PSTU, Frente Independente Popular (FIP), além de Elisa Quadros, codinome Sininho, a que apelou para o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) para que seu assessor e advogado libertasse Fábio Raposo, comparsa de Caio no assassinato do cinegrafista.

Então, a pergunta que não quer calar é: a quem interessa acobertar os aliciadores? Por que o governo, responsável pela segurança da nação e que deve estar minimamente informado sobre o que se passa, ainda não coibiu os chefões da baderna, da destruição, do assassinato?

Quanto aos sem-terra, que nas invasões a propriedades produtivas costumam matar animais, impedir funcionários de ir e vir, destruir máquinas e sedes, são uma espécie de red blocs, tentáculos do PT no campo.

Dia 12 deste, incitados por petistas, um exército vermelho tentou invadir o STJ, gritou palavras de ordem em frente da embaixada norte-americana e derrubou as grades do Palácio do Planalto diante de policiais que, mesmo com 30 dos seus feridos, cumpriram sua responsabilidade de proteção.

Então, me lembrei de Eldorado dos Carajás. Em 17 de abril de 1997, um pequeno grupo de policiais viu mais de mil sem-terra correndo em sua direção com pedras, paus e facões. Os policiais atiraram em legítima defesa e mataram 19 dos sem-terra. Dia 12, ao investir contra pequeno grupo de policiais postados diante de milhares de participantes, parece que os líderes petistas ansiavam por uma vítima dos chamados movimentos sociais, já que outra vítima dera errado.

A quem interessa tudo isso num ambiente de degradação econômica e social? Será que se pensa em estado de sítio, para lembrar outros tempos? É outra pergunta que não quer calar. 
Por: Maria Lucia Victor Barbosa   Do site: http://www.maluvibar.blogspot.com.br/


O COMUNISMO REAL

Essa é a definição real do comunismo: controle efetivo e total da sociedade civil e política, sob o pretexto de um “modo de produção” cujo advento continuará e terá de continuar sendo adiado pelos séculos dos séculos.


Nos dicionários e na cabeça do povinho semi-analfabeto das universidades, a diferença entre capitalismo e comunismo é a de um “modo de produção”, ou, mais especificamente, a da “propriedade dos meios de produção”, privada num caso, pública no outro. Mas isso é a autodefinição que o comunismo dá a si mesmo: é um slogan ideológico, um símbolo aglutinador da militância, não uma definição objetiva. Se até os adversários do comunismo a aceitam, isto só prova que se deixaram dominar mentalmente por aqueles que os odeiam – e esse domínio é precisamente aquilo que, no vocabulário da estratégia comunista, se chama “hegemonia”.

Objetivamente, a estatização completa dos meios de produção nunca existiu nem nunca existirá: ela é uma impossibilidade econômica pura e simples. Ludwig von Mises já demonstrou isso em 1921 e, após umas débeis esperneadas, os comunistas desistiram de tentar contestá-lo: sabiam e sabem que ele tinha razão.

Em todos os regimes comunistas do mundo, uma parcela considerável da economia sempre se conservou nas mãos de investidores privados. De início, clandestinamente, sob as vistas grossas de um governo consciente de que a economia não sobreviveria sem isso. Mais tarde, declarada e oficialmente, sob o nome de “perestroika” ou qualquer outro. Tudo indica que a participação do capital privado na economia chegou mesmo a ser maior em alguns regimes comunistas do que em várias nações tidas como “capitalistas”.

Isso mostra, com a maior clareza possível, que o comunismo não é um modo de produção, não é um sistema de propriedade dos meios de produção. É um movimento político que tem um objetivo totalmente diferente e ao qual o símbolo “propriedade pública dos meios de produção” serve apenas de pretexto hipnótico para controle das massas: é a cenoura que atrai o burro para cá e para lá, sem que ele jamais chegue ou possa chegar ao prometidíssimo e inviabilíssimo “modo de produção comunista”.

No entanto, se deixaram a iniciativa privada à solta, por saber que a economia é por natureza a parte mais incontrolável da vida social, todos os governos comunistas de todos os continentes fizeram o possível e o impossível para controlar o que fosse controlável, o que não dependesse de casualidades imprevisíveis mas do funcionamento de uns poucos canais de ação diretamente acessíveis à intervenção governamental.

Esses canais eram: os partidos e movimentos políticos, a mídia, a educação popular, a religião e as instituições de cultura. Dominando um número limitado de organizações e grupos, o governo comunista podia assim controlar diretamente a política e o comportamento de toda a sociedade civil, sem a menor necessidade de exercer um impossível controle igualmente draconiano sobre a produção, a distribuição e o comércio de bens e serviços.

Essa é a definição real do comunismo: controle efetivo e total da sociedade civil e política, sob o pretexto de um “modo de produção” cujo advento continuará e terá de continuar sendo adiado pelos séculos dos séculos.

A prática real do comunismo traz consigo o total desmentido do princípio básico que lhe dá fundamento teórico: o princípio de que a política, a cultura e a vida social em geral dependem do “modo de produção”. Se dependessem, um governo comunista não poderia sobreviver por muito tempo sem estatizar por completo a propriedade dos meios de produção. Bem ao contrário, o comunismo só tem sobrevivido, e sobrevive ainda, da sua capacidade de adiar indefinidamente o cumprimento dessa promessa absurda. Esta, portanto, não é a sua essência nem a sua definição: é o falso pretexto de que ele se utiliza para controlar ditatorialmente a sociedade.

Trair suas promessas não é, portanto, um “desvio” do programa comunista: é a sua essência, a sua natureza permanente, a condição mesma da sua subsistência.

Compreensivelmente, é esse mesmo caráter dúplice e escorregadio que lhe permite ludibriar não somente a massa de seus adeptos e militantes, mas até seus inimigos declarados: os empresários capitalistas. Tão logo estes se deixam persuadir do preceito marxista de que o modo de produção determina o curso da vida social e política (e é quase impossível que não acabem se convencendo disso, dado que a economia é a sua esfera de ação própria e o foco maior dos seus interesses), a conclusão que tiram daí é que, enquanto estiver garantida uma certa margem de ação para a iniciativa privada, o comunismo continuará sendo uma ameaça vaga, distante e até puramente imaginária. Enquanto isso, vão deixando o governo comunista ir invadindo e dominando áreas cada vez mais amplas da sociedade civil e da política, até chegar-se ao ponto em que a única liberdade que resta – para uns poucos, decerto – é a de ganhar dinheiro. Com a condição de que sejam bons meninos e não usem o dinheiro como meio para conquistar outras liberdades. Ao primeiro sinal de que um empresário, confiado no dinheiro, se atreve a ter suas próprias opiniões, ou a deixar que seus empregados as tenham, o governo trata de fazê-lo lembrar que não passa do beneficiário provisório de uma concessão estatal que pode ser revogada a qualquer momento. O sr. Silvio Santos é o enésimo a receber esse recado.

É assim que um governo comunista vai dominando tudo em torno, sem que ninguém deseje admitir que já está vivendo sob uma ditadura comunista. Por trás, os comunistas mais experientes riem: “Ha! Ha! Esses idiotas pensam que o que queremos é controlar a economia! O que queremos é controlar seus cérebros, seus corações, suas vidas.”

E já controlam.

(Publicado no Diário do Comércio.)
* * *
No mundo das idéias abstratas, o único que em geral os doutrinários conservadores e tradicionalistas conhecem, Putin deve ser louvado por sua resistência às "políticas de gênero". Mas louvor e censura são apenas expressões de um estado de ânimo subjetivo. Não creio ter o direito de manter os leitores atentos aos caprichos da minha alminha. Imagino que eles esperem de mim alguma ciência, alguma análise da realidade objetiva. E, na realidade objetiva, a virada conservadora de Putin, coexistindo com a reabilitação de Stálin e a ocupação da Criméia, é apenas uma peça no complicado esquema estratégico eurasiano. Para Putin como para o seu guru Alexandre Duguin, a moral religiosa tradicional só vale porque é um elemento de propaganda anti-ocidental entre outros. No século XIX a Rússia já prometia salvar o mundo da corrupção ocidental. O eurasianismo bebe nessa fonte como bebe no marxismo, no nazismo, no islamismo etc. etc.
Por: Olavo de Carvalho http://olavodecarvalho.org


QUANDO OS CONSERVADORES ADOTAM O ERRO

Pat Buchanan tornou-se um companheiro de viagem e idiota útil.


Ele não pode – e nem poderia – ver que as mentiras de Moscou evoluíram para engolir tanto a direita quanto a esquerda.

O desertor Konstantin Preobrazhensky avisou que a religião conservadora se tornou fio condutor da subversão russa.

Blaise Pascal escreveu que o homem é repleto de erros. “Esse erro é natural”, explicou Pascal, “infausto e indelével. Nada mostra a ele a verdade; tudo o engana”. Em linhas similares, Frederico o Grande disse: “O homem foi feito para o erro. O erro entra em sua mente naturalmente e nós descobrimos apenas algumas verdades após muito esforço”. Os conservadores são especialmente culpados de errar quando se trata da União das Repúblicas Socialistas Soviética, Rússia e o comunismo. Para entender as complexas realidades subjacentes, deve-se primeiro descobrir o caráter enganoso da própria coisa. Um comunista é um ser humano com o poder de uma pessoa. Como outros humanos políticos, ele não muda suas crenças com a mesma frequência que troca de roupa. Ele não desiste facilmente e se torna de repente um capitalista. Por outro lado, é totalmente normal para um comunista se disfarçar de capitalista. Lênin fez isso na década de 1920 e Stálin fez seus arranjos com o capitalismo na década de 1940. Houve uma “coexistência pacífica” nos anos 1950 sob Krushchev, um détente sob Brezhnev e a perestroika com Gorbachev; E hoje, em Moscou, Vladimir Putin finge ser um cristão. Quem seria ingênuo o bastante para acreditar nesta última ilusão? Dentre todos, essa pessoa é Patrick J. Buchanan, que escreveu um artigo intitulado "Deus agora está do lado da Rússia?"

Nessa coluna, Buchanan cita uma passagem de um discurso do presidente Putin: “Muitos dos países euro-atlânticos afastaram-se das suas raízes, inclusive dos valores cristãos”, disse o ditador russo. “Buscam-se as políticas que colocam no mesmo patamar uma família cheia de crianças com uma dupla homossexual; a fé em um Deus e a crença em Satã. Esse é o caminho da degradação”. Buchanan então pergunta se vimos algum líder ocidental “falar desta forma recentemente (?)”. É evidente que não vimos. Buchanan então conclui que “na guerra cultural pelo futuro da humanidade, Putin está armando firmemente a bandeira russa ao lado do cristianismo tradicional”. Ai de mim! Isso certamente seria verdadeiro, caso as palavras fossem sempre usadas para fazer referência direta à realidade. Entretanto, os ditadores russos mentem de maneira tão promíscua e tão copiosa, que não podemos tomar o que eles dizem pelo valor de face.

Buchanan parece ignorar tudo isso – e parece ignorar também a realidade pós-soviética. Como praticamente todos analistas, ele não leu muito, tampouco pensou em profundidade acerca do assunto Rússia. Como vários outros nomes famosos de décadas anteriores, Buchanan tornou-se um companheiro de viagem e idiota útil. O idiota útil é aquele que inconscientemente promove a propaganda russa sob a ingênua suposição de que Moscou é uma força do bem. Todavia, Moscou não é uma força do bem. A Rússia é um regime baseado em mentiras – e Buchanan caiu nelas. Como isso é possível? Buchanan pertence aos conservadores, um grupo que se fragmentou e degenerou ao longo dos anos. William F. Buckley pode ter sido a figura representante dessa tendência fragmentária e degenerativa. Foi Buckley quem iniciou um racha entre os setores conservadores e conservadores antissemitas, sendo que Buchanan (dentre outros) caiu na conta dos segundos de acordo com Buckley. Talvez Buckley tenha detectado em Buchanan uma ambivalência a respeito do hitlerismo; um tempo depois, inclusive, Buchanan expressou a opinião de que a América provocou o Japão antes de Pearl Harbor e que a guerra contra Hitler foi trágica e fútil. A mesma análise agora é aplicada por Buchanan para se referir à Rússia e Putin. Buchanan acredita que o Ocidente está pressionando a Rússia para começar uma Terceira Guerra Mundial. Ele não vê de forma alguma o lado da Rússia. Ela está defendendo a cristandade, diz ele. Ela está defendendo todos aqueles valores que a América abriu mão, tais como a santidade da família. Buchanan esquece que o próprio Putin se divorciou recentemente e que a Rússia foi o primeiro país na história a permitir o aborto sob todas as circunstâncias, tendo o maior número de abortos por mulher em idade fértil do mundo em 2010. Buchanan esquece também que a Rússia é um grande centro internacional do crime organizado, prostituição e tráfico de drogas. Como noticiou a CNN, a pornografia infantil é legal na Rússia, de modo que o país se tornou um abrigo de pedófilos. Moscou não é nem de longe a Brilhante Cidade de Deus que Buchanan quer fazer parecer. É a metrópole da enganação. Moscou apóia os revolucionários comunistas africanos e latino-americanos até hoje.

Como um esquerdista da Guerra Fria, Buchanan também não tem qualquer conhecimento prévio de estratégia, não faz ideia como opera a KGB, como funcionam as “medidas ativas” ou quão profundamente penetrado está o Ocidente de redes de agentes russos. Ele não sabe que a Guerra Fria nunca acabou e que muitos dos desertores disseram isso publicamente. Ele de alguma forma se esqueceu que a Rússia é o único país que pode destruir os EUA em menos de uma hora. Por que eles mantiveram essa capacidade destrutiva e por que se aliaram com a China vermelha? Ele não pensa nisso. Ao acreditar que era verdadeiro o colapso soviético ele confundiu a apresentação do fato com o próprio fato, a aparência com a essência. Um nome não é uma coisa, é apenas seu rótulo. Remover o rótulo soviético não foi um colapso. Foi uma mudança. Um nome foi colocado em lugar do outro, mas a realidade subjacente continuou a mesma. Como ele pôde deixar passar isso? Eis que a respeito da análise de Buchanan, estamos perante um entendimento surpreendentemente materialista do mundo. Na entrevisão de Buchanan, não há um fantasma na máquina – nenhuma teleologia ou ideologia na Grande Besta. Ele não leva em consideração a alma do negócio, pois ele concentra sua atenção nas aparências externas. Para ele, o discernimento se tornou impossível porque ele não sabe detectar as revelações do espírito. Toda a loucura mecanicista newtoniana está em Buchanan, cuja fé cristã não interpenetrou seu intelecto secular. A realidade interna do comunismo e seu significado religioso sempre estiveram além do seu entendimento. Para ele o que vale é o rótulo – um rótulo sem uma realidade subjacente. Sendo assim, tão logo o rótulo foi removido, ele se tornou incapaz de rastrear as futuras maquinações da coisa em si. Para Buchanan, nunca houve um coração ou alma comunista para se considerar. O comunismo, como sistema de crenças, era um mero epifenômeno. O verdadeiro comunismo era uma aparência externa, insignificante internamente. Não tendo discernimento espiritual ele não pôde vislumbrar o empedernido coração da elite soviética. Ele não pode – e nem poderia – ver que as mentiras de Moscou evoluíram para engolir tanto a direita quanto a esquerda. Ele não pode ver que o mal é sempre parte interna e não uma função das expressões externas. Portanto, Buchanan foi engalfinhado pela retórica de Putin. Ele caiu nas novas mentiras que substituíram as velhas.

Quanto a nossa corrupção interna, alguém se lembra que os movimentos radicais gays e feministas eram liderados por comunistas aliados a Moscou? Mas não, é impossível que alguém tenha pretendido levar a cabo uma revolução sexual. É impossível que algum inimigo estivesse tentando enfraquecer nossa moral para fins estratégicos. Graças a Freud, passamos a acreditar no inconsciente a tal ponto que esquecemos completamente de acreditar nas intenções conscientes – especialmente as intenções russas ou comunistas. Embora muitos desertores tenham tentando nos avisar dos planos de longo prazo de Moscou – e desertores mais recentes continuam a fazê-lo – não estamos prontos para acreditar que temos tal tipo de inimigo; isto é, um inimigo com um plano de longo prazo recheado de intenções mortais. Um plano real de longo alcance significaria a continuidade política. Tal continuidade é inimaginável a pessoas que não leram a história. Novamente eu digo: Buchanan não percebe que há uma alma na máquina russa, e almas possuem intencionalidade. Assim, se estivéssemos prestando atenção aos sinais que as ações representam, veríamos que Lênin continua desenterrado. Veríamos que a Rússia e a China estavam se armando enquanto a América estava engajada numa “guerra contra o terror”. Veríamos que a Rússia ainda apoia regimes comunistas e insurgências na África e América Latina. Uma Rússia puramente nacionalista não teria razão para fazer qualquer uma dessas coisas. Apenas se o núcleo soviético tiver se mantido por baixo de uma “mudança de placas” podemos explicar os comportamentos observados. 

Buchanan esqueceu que a Força Estratégica de Mísseis Soviéticos continua em seu lugar, com a única diferença que agora tem uma placa escrita “Federação Russa” no lugar. A troca de um rótulo pelo outro foi superficial; os comunistas já fizeram esse truque antes com Lênin e sua Nova Política Econômica nos anos 1920. Agora a história se repete. Temos documentos do arquivo soviético (nas mãos de Vladimir Bukovsky) mostrando que o “colapso” do comunismo foi parte de um plano (exatamente como o Major da KGB, Anatoliy Golitsyn, havia avisado). Temos o testemunho de outros ex-oficiais da KGB como Victor Kalashnikov, Konstantin Preobrazhensky e Sergei Tretyakov, que também avisaram acerca da contínua subversão russa. Preobrazhensky não apenas avisou que a religião conservadora se tornou fio condutor da subversão russa, mas ele também insistiu que os “oligarcas” capitalistas russos eram testa de ferro da KGB que foram simplesmente elevados ao status de bilionários pela agência. Além disso, seja qual for a extensão da auto ocultação do falso colapso, sabemos que o núcleo comunista oculto continuou a reforçar seus objetivos. Isso é absolutamente certo, levando-se em conta o que podemos ver hoje. A política russa foi política soviética desde o primeiro dia. Subversão e revolução, preparações para a guerra e propaganda antiamericana continuaram mesmo quando Putin estava apertando a mão de George W. Bush e tentando ser prestativo após o 11 de setembro. Até mesmo George W. Bush não acredita mais na honestidade ou sinceridade de Putin, conforme ficou evidente no livro de memórias de Bush onde ele conta sua própria ingenuidade ao lidar com o ditador russo. Mas como alguém disse uma vez, “um imbecil nasce a cada minuto”. O imbecil de hoje é Patrick Buchanan. Apenas espero que ele acorde para a verdade a tempo de ajudar. 
Por: POR JEFFREY NYQUIST http://jrnyquist.com/
Tradução: Leonildo Trombela Junior


domingo, 27 de abril de 2014

BRAZIL, THE COUNTRY OF THE FUTURE - "BRASIL, O PAÍS DO FUTURO"

A DERROTA DE DILMA E O CORISCO

Alguns números da pesquisa Datafolha acenam com a possibilidade de derrota de Dilma. Nem tanto porque o eleitorado já descobriu a oposição, mas porque ainda não a descobriu. Só 1% dos entrevistados desconhecem Dilma –índice que chega a 25% com Aécio e a 42% com Eduardo Campos. Conhecem a presidente "muito bem" 57% –mas só 17% dizem o mesmo do tucano e 8% do peessebista. Não obstante, a rejeição ao trio é de 33%. É óbvio: muitos não votam em Dilma porque sabem quem é ela. Outros tantos não votam em Aécio e Campos porque não sabem quem são eles. E há 72% que querem um governo diferente deste que aí está. Os números perturbaram mais os "Teóricos da Metafísica do Corisco" do que os petistas.


Quem são esses? É aquela gente que recita a música de Sérgio Ricardo de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha: "Mais fortes são os poderes do povo", atribuindo a Lula e a seu PT o monopólio da representação popular. Tais analistas ainda não entenderam –ou a repudiam– a essência do regime democrático, que não se desdobra numa única direção nem num único sentido. Ao contrário: onde quer que a democracia tenha se fortalecido, o poder é pendular, ora pra lá, ora pra cá, em modelos, na prática, bipartidários. A eventual derrota de Dilma não implica uma regressão. O resultado, qualquer que seja ele, se garantidas as regras, fortalece o regime que permite a disputa e que, ora vejam!, forneceu ao PT as condições para derrotar seus adversários em 2002. O aspecto mais virtuoso de uma eleição é a conservação das instituições, não a agenda vitoriosa. Pinta-se um poste para que ele possa ser velho, não para que pareça novo. É Chesterton, não Azevedo.

Mas quê... Bastou o fantasma da derrota assaltar a "Metafísica do Corisco", e começou o coro "volta, Lula!". Rui Falcão fez duas ameaças a Dilma. Indagado sobre a irreversibilidade da sua candidatura, mandou ver: "Irreversível, só a morte". Toc, toc, toc. Se a Soberana quiser, tenho arruda aqui. Deve pôr um galhinho atrás da orelha e rezar três ave-marias. A presidente, que já chamou Nossa Senhora de "deusa" –pondo fim ao monoteísmo cristão–, não vai repudiar a heterodoxia. A gente também é meio macumbeiro, né? Em entrevista à Folha, o mesmo Falcão falcoou: "Mas a candidata continua liderando, continua ganhando no primeiro turno, por que você vai mudar?". Ele estabeleceu as condições para que continue candidata.

Lula, claro!, está mais assanhado do que lambari na sanga. Em entrevista à autointitulada, e sincera, categoria dos "blogueiros sujos", avisou que não será candidato, o que corresponde a dizer que o seria se quisesse. Dilma é o estorvo tolerado pela gerência. Um dos, vá lá, entrevistadores ainda sugeriu que, só para confundir os adversários, ele não fizesse tal anúncio: "Deixa eles pensarem...". Seguidores são sempre mais estúpidos do que seu líder. Os abduzidos, na hipótese de que não sejam sicários, são úteis porque, ao emprestar à causa as suas certezas absolutas, podem fazer o trabalho sujo como se fosse missão. A crença cega é a morte da convicção.

Lula volte a disputar se quiser –o problema seria o que fazer com o cadáver adiado de Dilma, para juntar (Deus me perdoe!) Falcão com Fernando Pessoa. O que acho asquerosa é a ilação de que pleito sem ele não é verdadeiramente democrático. Nos meus estudos sobre o regime militar, esbarrei na pena de então solertes defensores da ditadura –e hoje não menos solertes teóricos do "corisquismo"– a justificar assim o Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, que cassava mandatos e suspendia direitos políticos por até dez anos: era "a revolução que legitimava o Parlamento, e não o Parlamento, a revolução". É plágio do Marx de "O 18 Brumário", mas tudo bem.

Pois é... Cinquenta anos depois, em abril de 2014, chega a ser escandaloso ter de lembrar que é a democracia que legitima Lula, não Lula, a democracia. 
Por: Reinaldo Azevedo Publicado na Folha de SP


sábado, 26 de abril de 2014

OS GIGOLÔS DA MEMÓRIA

Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964


A lembrança dos 50 anos da queda de João Goulart ocupou amplo espaço na imprensa. Nenhum outro acontecimento da história do Brasil foi tão debatido meio século depois do ocorrido. Para um otimista, isto poderia representar um bom sinal. Afinal, o nosso país tem uma estranha característica de esquecer o que ocorreu ontem. Porém, a reflexão e o debate sobre 1964 e o regime militar acabaram sendo dominados justamente por aqueles que conduziram o país à crise da república populista e que negaram os valores democráticos nos anos 1960-1970.

A tendência à hagiografia mais uma vez esteve presente. João Goulart foi transformado em um presidente reformista, defensor dos valores democráticos e administrador capaz. Curiosamente, quando esta narrativa é cotejada com relatos de assessores, como o ministro Celso Furtado, ou de um amigo, como o jornalista Samuel Wainer, cai por terra. Furtado, em entrevista à revista “Playboy” (abril, 1999) disse que Jango “era um primitivo, um pobre de caráter”. Wainer relatou que “uma vez por mês, ou a cada dois meses, eu visitava os empreiteiros e recolhia suas doações, juntando montes de cédulas que encaminhava às mãos de João Goulart. (…) Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e 1964. Não fiquei.” (“Minha razão de viver”, p. 238).

Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964. A quebra da hierarquia militar incentivada pelo presidente da República é sabidamente conhecida. A gravidade da crise econômica e a inépcia governamental em encontrar um caminho que retomasse o crescimento eram mais que evidentes. O desinteresse de Jango de buscar uma solução negociada para o impasse não pode ser contestado: é fato. O apego às vazias palavras de ordem como um meio de ocultar a incompetência político-administrativa era conhecido. Conta o senador Amaral Peixoto, presidente do Partido Social Democrático, que em conversa com Doutel de Andrade, um janguista de carteirinha, este, quando perguntado sobre o projeto de reforma agrária, riu e respondeu: “Mas o senhor acredita na reforma agrária do Jango? No dia em que ele fizer a reforma agrária, o que vai fazer depois?” (“Artes da política”, p.455)

Também causa estranheza a mea culpa de alguns órgãos de imprensa sobre a posição tomada em 1964. A queda de Jango deve ser entendida como mais um momento na história de um país com tradição (infeliz) de intervenções militares para solucionar crises políticas. Nos 40 anos anteriores, o Brasil tinha passado por diversas movimentações e golpes civis-militares. Basta recordar 1922, 1924, Coluna Prestes, 1930, 1932, 1935, 1937, 1938, 1945, 1954, 1955 — tivemos três presidentes da República e dois golpes no mês de novembro – e 1961.

Jogar a cartada militar fazia parte da política. E nunca tinha ocorrido uma intervenção militar de longa duração. Esperava-se um governo de transição que garantisse as eleições de 3 de outubro de 1965 e a posse do eleito em 31 de janeiro de 1966. Esta leitura foi feita por JK — e também por Carlos Lacerda. Os dois principais antagonistas da eleição que não houve imaginavam que Castello Branco cumpriria o compromisso assumido quando de sua posse: terminar o mandato presidencial iniciado a 31 de janeiro de 1961.

JK imaginou que Castello Branco era o marechal Lott e que 1964 era a repetição — um pouco mais agudizada — da crise de 1955. Errou feio. Mas não foi o único. Daí a necessidade de separar 1964 do restante do regime militar. Muitos que foram favoráveis à substituição de Jango logo se afastaram quando ficou patente a violação do acordado com a cúpula militar. Associar o apoio ao que se imaginava como um breve interregno militar com os desmandos do regime que durou duas décadas é pura hipocrisia.

Ainda no terreno das falácias, a rememoração da luta armada como instrumento de combate e vitória contra o regime foi patética. Nada mais falso. Nenhum daqueles grupos — alguns com duas dúzias de militantes — defendeu em momento algum o regime democrático. Todos — sem exceção — eram adeptos da ditadura do proletariado. A única divergência é se o Brasil seguiria o modelo cubano ou chinês. Não há qualquer referência às liberdades democráticas — isto, evidentemente, não justifica o terrorismo de Estado.

A ação destes grupos os aproximaram dos militares. Ambos entendiam a política como guerra — portanto, não era política. O convencimento, o respeito à diversidade, a alternância no governo eram considerados meras bijuterias. O poder era produto do fuzil e não das urnas. O que valia era a ação, a força, a violência, e não o discurso, o debate. Garrastazu Médici era, politicamente falando, irmão xifópago de Carlos Marighella. Os extremos tinham o mesmo desprezo pelo voto popular. Quando ouviam falar em democracia, tinham vontade de sacar os revólveres ou acionar os aparelhos de tortura.

Em mais de um mês não li ou ouvi qualquer pedido de desculpas públicas por parte de ex-militantes da luta armada. Pelo contrário, se autoproclamaram os responsáveis pelo fim do regime militar. Ou seja, foram derrotados e acabaram vencedores. Os policiais da verdade querem a todo custo apagar o papel heroico da resistência democrática. Ignoraram os valorosos parlamentares do MDB. Alguém falou em Lysâneas Maciel? Foi ao menos citado o senador Paulo Brossard? E a Igreja Católica? E os intelectuais, jornalistas e artistas? E o movimento estudantil? E os sindicatos?

Em um país com uma terrível herança autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a importância dos valores democráticos.
Por: Marco Antonio Villa Publicado no site: http://www.marcovilla.com.br/




sexta-feira, 25 de abril de 2014

DO LOBISOMEM À LENDA URBANA DA GERENTONA

Lobisomens, vampiros, assombrações e mulas sem cabeça podem ter apavorado muita gente durante séculos, mas a nenhuma dessas figuras foi atribuído um desastre econômico. Nem mesmo a personagem histórica de Vlad III, príncipe da Valáquia, também conhecido como conde Drácula, o Empalador, foi associada ao descalabro fiscal, à estagnação produtiva, a um surto inflacionário ou à demolição de alguma empresa estatal. Ao contrário: era respeitado pela devoção à sua terra, pela coragem e pela severidade na punição dos crimes cometidos por seus, digamos, companheiros. Muito natural, portanto, ver o mundo mais uma vez curvar-se diante do Brasil, primeira economia, e das grandes, submetida a demolição por uma personagem lendária, a administradora Dilma Rousseff, às vezes descrita como gerentona.


O criador dessa lenda pode ter sido um gozador, mas a piada foi levada a sério por uma porção de incautos e até espalhada como verdade por muitos meios de comunicação. Os fatos claramente negaram o mito nos últimos três anos e três meses. Ainda continuam negando, a cada nova revelação sobre as consequências da política econômica - as perdas da Eletrobrás e da Petrobrás, por exemplo, e os estragos no Tesouro. O espetáculo poderia até ser engraçado, mas tem custado bilhões e ninguém sabe quanto ainda poderá custar.

A persistência da inflação, uma das derrotas mais notáveis da política econômica, virou assunto de um complexo estudo comparativo divulgado nesta semana pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O trabalho inclui a análise de números de 26 países com regime de metas. O tema é especialmente importante, informa-se logo na apresentação, porque a persistência eleva o custo, em termos de produto, do esforço para levar a inflação até a meta.

Em outros países, incluídos vários emergentes, a alta de preços arrefeceu e os repiques se tornaram menos fortes depois de implantado o regime. O Brasil tem sido uma exceção e o trabalho é encerrado com a indicação de algumas explicações possíveis. Uma delas é a permanência de uma forte indexação. Outra hipótese aponta para uma baixa confiança dos participantes do mercado na eficácia da política monetária - ou na disposição das autoridades monetárias responder adequadamente aos choques de preços. Uma resposta forte é indispensável para conter os efeitos de segundo round desses choques e limitar, portanto, seus desdobramentos.

O presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, chamou a atenção precisamente para essa função da política, ao mencionar, em depoimento no Senado há poucos dias, o choque dos preços agrícolas e a necessidade de restringir seus efeitos ao curto prazo. O aumento de juros anunciado na quarta-feira, depois da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), deve ser parte desse esforço. Mas esse foi o nono aumento a partir de abril de 2013 e, até agora, o remédio parece ter sido insuficiente - mesmo levando em conta o efeito retardado da política de juros. De toda forma, o longo período de afrouxamento da política monetária, entre o fim de agosto de 2011 e abril do ano passado facilitou o recrudescimento da inflação. Mas a presidente Dilma Rousseff encontrou nessa política uma chance para se vangloriar de haver derrubado os juros no Brasil. Foi mais um numa longa série de erros.

O relaxamento dos juros foi apenas um dos equívocos da política anti-inflacionária. Os demais foram cometidos sem a participação do BC. O novo prejuízo da Eletrobrás, R$ 6,3 bilhões em 2o13, é mais uma consequência da administração tsunâmica implantada pela presidente Dilma Rousseff no governo federal. A contenção de tarifas imposta às empresas de eletricidade custou e continua custando um dinheirão ao Tesouro e às empresas do setor.

Os R$ 8 bilhões previstos no Orçamento da União para compensar as empresas serão insuficientes e será necessário levantar dinheiro de outras fontes. Além disso, será preciso elevar os preços para os consumidores nos próximos dois anos, porque o represamento das tarifas serviu somente para maquiar a inflação e apenas multiplicou os problemas. O aumento das contas em 2015 deverá ficar entre 8% e 9%, segundo noticiou o Estado.

Não está clara, no entanto, a arrumação necessária para compensar o estrago acumulado. Falta levar em conta, entre outros, um detalhe publicado na sexta-feira pelo Valor. Segundo cálculo apresentado por dois minoritários do Conselho de Administração da Eletrobrás, a empresa deixou de arrecadar R$ 19 bilhões em 2013. A perda resultou do esquema imposto pelo governo em dezembro de 2012, quando foram definidas as normas para renovação das concessões.

No caso da Petrobrás, ainda falta uma boa estimativa dos danos acumulados na gestão petista. A lista dos erros é enorme e inclui a compra das instalações de Pasadena, a construção da refinaria Abreu e Lima e as perdas causadas pelo controle de preços, mas esta lista é provavelmente muito incompleta. Uma boa CPI poderia ajudar no esclarecimento das perdas e de como ocorreram, mas o governo tem feito - e deverá fazer - um enorme esforço para impedir a elucidação de uma das histórias mais escandalosas da política brasileira.

Incompetência é apenas parte da explicação do desastre das estatais, do estrago nas contas públicas, da persistência da inflação, da estagnação econômica e dos erros cometidos na política industrial. A gestão de baixa qualidade reflete igualmente uma certa forma de ocupação da máquina governamental. O PT ocupou, loteou e usou o governo, em seus vários níveis, como se, por direito de conquista, se houvesse apropriado legitimamente desse aparelho. Se nada mais puderem fazer, os cidadãos inconformados talvez possam ainda recorrer a um expediente: perguntar se a tão falada função social da propriedade vale também para a máquina transformada em patrimônio privado pelo grupo instalado no poder.
Por: ROLF KUNTZ - O Estado de S.Paulo Jornalista


quinta-feira, 24 de abril de 2014

A POLICIA, O BEM E O MAL

Pode ser uma coisa que muita gente acha desagradável ouvir, e por isso é melhor dizer logo, para não gastar o tempo do leitor com prosa sem recheio. É o seguinte: os brasileiros fariam um grande favor a si mesmos se tomassem a decisão de ficar, com o máximo de clareza e na frente de todo mundo, a favor da polícia. Isso mesmo: a favor da polícia, e da ideia de que cabe exclusivamente a ela, numa democracia que queira continuar viva, o direito de usar a força bruta para manter a ordem, cumprir a lei e proteger o cidadão. Tem, também, a obrigação legal de fazer tudo isso. Algum problema? É exatamente assim em todos os regimes democráticos. Eis aí, na verdade, uma afirmação evidente em si mesma; pode ser entendida sem a menor dificuldade após um minuto de reflexão. Mas estamos no Brasil, e no Brasil o que parece ser um círculo, por exemplo, é muitas vezes considerado um triângulo, ou um quadrado, ou qualquer outra coisa que não seja o diabo do círculo.


No momento, justamente, passamos por um desses surtos de tumulto mental. Segundo o entendimento de boa parte daquilo que se considera o “Brasil pensante”, “civilizado” ou “moderno”, nosso grande problema não é o crime, mas a polícia. Parece bem esquisito pensar uma coisa dessas, num país com mais de 50 000 assassinatos por ano e índices de criminalidade que estão entre os piores do mundo. Onde esses pensadores estão vendo o problema de que tanto falam? Vai saber. Os verdadeiros mistérios desse mundo não são as coisas invisíveis, e sim as que se podem ver muito bem. No caso, o que se pode ver com a clareza do meio-dia é a fé automática de boas almas e mentes num mandamento que ouvem desde crianças: o criminoso brasileiro é sempre “vítima das desigualdades sociais”, e o policial está errado, por princípio, quando usa a força contra ele. Seu dever, como agente do Estado, seria tratar os bandidos como cidadãos que precisam de ajuda, para que tenham oportunidade de entender por que não deveriam matar, roubar, estuprar e assim por diante. Será que esse jeito de pensar é alguma tara que nos sobrou do regime militar, quando polícia e liberdade eram coisas opostas? De novo: não se sabe.

Praticamente todos os dias há exemplos claros desse curto-circuito geral na capacidade de separar o certo do errado. O cidadão é assaltado, brutalizado, ferido ─ e no dia seguinte lê, ouve ou vê mais uma reportagem denunciando a polícia por algum erro, real ou imaginário. Ainda há pouco, o país teve oportunidade de testemunhar políticos, intelectuais e “celebridades” em geral, com a colaboração maciça da mídia, colocando a polícia no banco dos réus por reprimir bandos de marginais que vão para a rua decididos, treinados e equipados para destruir. Segundo essas excelentes cabeças, a polícia cria um “clima de violência” e de “provocação” que “força os ativistas” a se defenderem “previamente”. Para isso, veem-se obrigados a incendiar bancas de jornal, destruir carros, quebrar vitrines de loja e por aí afora. Esse tipo de julgamento vai se tornando mais e mais aceitável no Brasil de hoje. Deve ser maior do que se pensa o número de pessoas que não querem ter a tranquilidade de sua fé perturbada por fatos ou por conhecimentos; além disso, cabeças em que não há ideias são sempre as mais resistentes a deixar alguma ideia entrar nelas. Quanto à imprensa, rádio e TV, acreditem: o que mais gostam de fazer é falar as mesmas coisas, pois se sentem mais seguros quando um repete o outro e todos atiram nos mesmos alvos. Alguém já viu, por exemplo, algum jornalista arrasando o técnico do Olaria?

Não há sete lados nesse debate. Só há dois, um que está a favor da lei e o outro que está contra ─ e aí o cidadão precisa dizer qual dos dois ele realmente apoia. O primeiro é a polícia. O segundo é o que leva o crime para a rua. A única pergunta relevante, num país que tem uma Constituição em vigor, é: de que lado você está? Não vale dizer “depende”, ou declarar-se a favor da ordem, desde que a tropa se comporte com altos níveis de civilidade, seja muito bem-educada, fale inglês e não bata nunca em ninguém, nem cause nenhum incômodo físico a quem esteja jogando coquetéis molotov na sua cara, ou sacando armas contra ela. A questão real é apoiar hoje a polícia brasileira que existe hoje ─ não dá para chamar a polícia da Dinamarca, por exemplo, para substituir a nossa, ou tirar a PM da rua e só chamá-la de volta daqui a alguns anos, quando estiver suficientemente treinada, preparada e capacitada a ser infalível. É mais do que sabido que a polícia do Brasil tem todos os vícios registrados no dicionário, de A a Z. Mas, da mesma maneira como não é possível fechar todos os hospitais públicos que funcionam mal, e só reabri-los quando forem uma maravilha, temos de conviver com a realidade que está aí. É indispensável transformá-la, mas não dá para exigir, já, uma corporação armada que precise ter virtudes superiores às nossas.

A polícia, por piores que sejam as condutas individuais dos seus agentes e seus níveis de competência, é uma peça essencial para manter a democracia no Brasil e impedir a tirania daqueles que só admitem as próprias razões. É a polícia, na verdade, o que a população brasileira tem hoje de mais concreto na garantia de seus direitos. Alguém pode citar alguma força mais eficaz para impedir que o Congresso, o STF e o próprio Palácio do Planalto sejam invadidos, metidos a saque e incendiados? A PM está do lado do bem ─ goste-se ou não disso. No mundo das realidades, é ela a principal defesa que o cidadão tem para proteger sua vida, sua integridade física, sua propriedade, sua liberdade de ir e vir, o direito à palavra e tudo o mais que a lei lhe assegura. A autoridade policial já erra o suficiente quando falha ao cumprir quaisquer dessas tarefas. Não faz nexo criticá-la nas ocasiões em que acerta.

Não serve a nenhum propósito útil, igualmente, dar conforto ao inimigo ─ o que nossa elite pensante, como dito anteriormente, faz o tempo todo. O inimigo não vai deixar de ser seu inimigo; você não ganhará sua admiração, nem será deixado em paz. É um desafio à lógica, neste sentido, achar que delinquentes teriam a licença de armar-se para assegurar seu direito de “legítima defesa” contra a repressão policial. A lei brasileira, com todas as letras, diz que só a polícia tem o direito de portar armas, e de utilizá-las no combate ao crime e na defesa do cidadão ─ salvo em casos excepcionais, que exigem licença específica. Dura lex sed lex, claro. Mas não é só uma questão legal. Tra­ta-se de simples sensatez. No caso dos atos de protesto ─ qual o propósito de levar para a rua mochilas com bombas incendiárias, estiletes, barras de ferro e outros artefatos desenhados unicamente para machucar? Por que alguém precisaria de qualquer dessas coisas para expressar suas opiniões em praça pública?

O Brasil vem se acostumando nos últimos anos à ideia doente de que mostrar simpatia diante da delinquência e hostilidade diante da polícia é uma questão de princípio ─ uma atitude socialmente avançada e politicamente progressista. Quem não pensa assim é visto como um homem das cavernas, extremista e inimigo da democracia. Mas é o contrário: opor-se ao crime e apoiar a polícia é ficar a favor da liberdade. Está na moda denunciar, com apoio da caixa de amplificação da imprensa, delitos como a “pregação do ódio”, “apologia do crime” ou “incentivo ao racismo”. Esse mesmo tribunal, entretanto, aplaude como uma forma superior de cultura popular os rappers que pregam abertamente, em suas músicas, o assassinato de policiais. Há alguma coisa muito errada nisso aí. Está na hora de deixar claro: é falso acusar de “histeria” e outros pecados mortais quem não acredita, simplesmente, que no Brasil de hoje existe algum assaltante que rouba e mata porque está com fome ou tem de sustentar sua família; o que há é gente que quer satisfazer todos os seus desejos sem ter de trabalhar ou de respeitar o direito alheio. Em Cuba, regime-modelo para nosso governo, são chamados de sociopatas e enterrados na cadeia mais próxima, sem que a “sociedade” seja chamada a “debater” coisa nenhuma.

Deus não precisou da ajuda dos brasileiros para criar o Brasil. Mas, como diria Santo Agostinho, só poderá nos salvar se tiver o nosso consentimento. 
Por: J. R. Guzzo Publicado na Veja

quarta-feira, 23 de abril de 2014

UMA NINFO NO TRABALHO

O que você faria, minha cara leitora, caso tivesse uma amiga ninfo por perto ou uma colega ninfo no trabalho? Diria que considerar uma mulher ninfomaníaca é opressão patriarcal e deixaria ela viajar com seu marido?


O filme "Ninfomaníaca", volumes 1 e 2, de Lars von Trier, parece dizer que o cineasta dinamarquês decidiu por encerrar seu percurso melancólico com um enquadramento mais psicológico.

No "Anticristo" e em "Melancolia", o universo dramático girava tanto em torno do mundo psicológico (claramente desqualificado no "Anticristo", materializado no marido psicólogo bobo), quanto do teológico e cosmológico.

Do jardim do Éden no "Anticristo" a um planeta chamado Melancolia (no filme que recebe seu nome) em rota de colisão com a Terra, o cineasta dava objetividade (teológica e cosmológica) ao que poderia ser compreendido como "apenas" um estado subjetivo.

Em "Ninfomaníaca", esta vastidão parece se reduzir ao drama de Joe e sua infância traumática (pai amoroso e fraco, mãe "cold bitch"), objeto para uma "simples" sessão de terapia. Mas, não nos enganemos, a devastação que a compulsão de Joe causa vai muito além das "manias" de uma paciente tarada. O espectro social de sua condição levanta inúmeros temas que avançam e definem, por exemplo, diferenças entre Lars von Trier e Marquês de Sade, seu "parceiro" em termos de concepção cosmológica de mundo nos dois filmes anteriores.

Em Sade a natureza é cruel e nos cria para nos devorar, nos fazer sofrer, e goza em nos matar (relembrando conteúdos gnósticos e maniqueus do velho cristianismo nascente nos primeiros séculos de nossa era, com exceção da sacanagem por que esses cristãos estranhos eram um purinhos).

Lars von Trier se afasta do Sade político (a perversão em Sade é "republicana") e dessa chatice de dizer que sexo é política porque a repressão sexual seria política. Sade idealiza o sexo como libertação e, como ele, toda a baboseira da revolução sexual posterior. Von Trier não idealiza o sexo e vê a perversão como tédio da repetição. Ele já se afastara da política quando sua heroína no "Anticristo" abandona sua tese de doutorado em que defendia a hipótese de que bruxas más eram mulheres reprimidas pelo patriarcalismo. Para ela, que sabe que preferiu gozar a salvar o filho (pecado quase repetido por Joe), a crueldade está nela como em toda a mãe natureza.

Em "Ninfomaníaca" ele volta a tirar sarro de quem acha (como o confessor-virgem-traidor para quem Joe conta sua história) que Joe seja uma vítima social de repressão patriarcal. Nossa heroína até tenta se esconder atrás disso para se safar da baixaria que era sua terapia em grupo, mas não cola nem por dois minutos. Em Joe a perversão não é revolucionária nem republicana.

Von Trier se aproxima mais da crítica que faz Kierkegaard, dinamarquês como ele, do "estágio estético" da vida, aquele pautado pela busca da sensação como sentido para vida. A vida para o gozo do corpo define nossa existência contemporânea marcada pelo tédio do desejo. Joe é nossa profetisa.

E aqui voltamos à pergunta que fiz acima: que tal uma amiga ninfo perto de seu marido ou namorado?

Joe tem problemas no trabalho porque quer dar para todos os homens. Para homens incapazes, uma ninfo é uma bênção do céus. Sua chefe a intima a fazer terapia, ela vai para salvar sua carreira, mas não dá muito certo. E aí chegamos a um dos tópicos mais interessantes da sociologia do sexo que faz o cineasta.

Uma ninfo que não respeita a regra básica de não seduzir todos os homens a sua volta torna a vida insuportável; portanto, a liberdade sexual pura e simples (sem entrar na questão do sofrimento psicológico dela, que é óbvio) é inviável. Só gente semiletrada podia pensar, como se pensou um dia, que o sexo livre nos liberta. A proibição do sexo livre, inclusive, evita torná-lo entediante, como é para Joe.

A sociedade é baseada em você crer que a colega de trabalho não vai dar pra todo mundo na empresa, mesmo que você seja uma inteligentinha gostosa contra a repressão do sexo. A sociedade do desejo é um engodo.
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

TOLERÂNCIA TEM LIMITE

Os jornais dão destaque às discussões e preocupações com as taxas de inflação. É assunto relevante. Quanto maior a expectativa da sociedade em relação à inflação futura, maior a taxa de juros necessária para que a inflação volte à meta de 4,5%.


Para manter a inflação controlada, os bancos centrais procuram equilibrar a oferta e a demanda, evitando superaquecimento da economia que pressione os preços ou deficiências de demanda que gerem recessão ou inflação abaixo da meta. No Brasil, é preciso compreender bem o regime de metas de inflação adotado para entender sua dinâmica e o que pode e deve ser feito.

A política monetária de um país, por exemplo, não consegue afetar preços de produtos cotados internacionalmente (commodities) ou controlar aumentos extemporâneos de alimentos causados por uma seca. A alta desses produtos é chamada de choque primário de oferta. Há maneiras distintas de separar as altas geradas por choques de oferta dos demais aumentos de preços para a tomada correta de medidas de política monetária.

O Fed (BC dos Estados Unidos) usa o núcleo da inflação, que exclui preços de alimentos e energia. No Brasil, a experiência aponta que a medida mais adequada é a do núcleo de inflação com exclusão de alimentos e preços administrados pelo governo, não diretamente afetados pela política monetária. Essa medida traz a vantagem adicional de eliminar a tentação dos governantes de influenciar a política monetária com controle de preços. Nesse sistema, não há limite de tolerância. O núcleo da inflação deve estar em torno da meta central.

O Brasil, no entanto, adotou em 1999 um sistema de metas que mede a chamada inflação cheia. Ela inclui alimentos, commodities e preços administrados pelo governo, com adoção de um intervalo de tolerância para acomodar choques primários de oferta. Mas a tolerância tem limite de dois pontos percentuais -ou seja, 6,5 % de inflação máxima e 2,5% de mínima.

Quando a inflação se mantém estável perto do topo por período longo, cresce o risco de um choque de oferta mais forte (como o provocado por secas ou outras intempéries) levar a inflação a estourar o teto da meta. Independentemente do sistema, os BCs devem combater os efeitos desses choques sobre outros preços para evitar que contaminem toda a economia.

Finalmente, com o retorno das discussões sobre a inflação no Brasil, é notável a volta também da discussão sobre o papel dos juros no seu combate. A teoria e a prática no mundo inteiro já eliminaram, porém, qualquer dúvida de que o instrumento mais eficaz para o controle da inflação é o manejo da taxa básica de juros do BC, mas isso é tema de uma próxima coluna.
Por: Henrique Meirelles Publicado na Folha de SP


terça-feira, 22 de abril de 2014

TUDO É VAIDADE

Qual a pergunta mais idiota que é possível ouvir quando temos uma biblioteca generosa? Exato, leitor: "Você já leu tudo isso?"


Engolimos em seco. Respiramos fundo. E depois explicamos, pela décima, centésima, milésima vez que uma biblioteca não é uma coleção de livros lidos. As bibliotecas são feitas de livros que lemos no passado, que consultamos no presente e que um dia, talvez, leremos no futuro. Ou que alguém lerá por nós.

Mas existe uma situação mais constrangedora no mundo das bibliotecas: quando descobrimos que uma parte delas nem sequer são constituídas por livros.

Aconteceu uma noite: fui convidado para um jantar em casa de um conhecido literato português. E, deambulando pela casa, encontrei uma estante com livros.

Ou, pelo menos, eu pensava que eram livros. Ao remover um deles, reparei que a coleção era mero enfeite, feito de lombadas e nada mais. O meu anfitrião presenciou o funesto momento. Ninguém disse palavra. Nunca mais fui convidado para jantar algum.

Ficou a lição: a posse dos livros começa por ser vaidade. Só residualmente é uma questão intelectual.

E é exatamente por isso que nunca comprei a febre triunfal dos e-books. Sim, tenho um bicho desses: um Kindle rudimentar, onde recebo jornais, revistas e os livros que desejo ler de imediato com uma ganância que arruína qualquer possibilidade de enriquecimento pessoal.

Mas todas as notícias apontam para o mesmo cenário: o negócio dos e-books brochou em 2013 e é provável que não recupere mais. A Barnes & Noble não está contente com o seu Nook e há rumores de que tenciona desistir do negócio. A Sony não tem dúvidas: desistiu mesmo. E até o Kindle já conheceu melhores dias. Como explicar o naufrágio?

Sociólogos diversos falam na saturação do mundo digital: a novidade de ontem virou rotina hoje e está morta amanhã. Outros, mais românticos, lembram que o livro tradicional não tem concorrência no "plano dos afetos" (grotesca expressão): quando o objeto é em papel, podemos tocá-lo, cheirá-lo. Eventualmente comê-lo.

E a seita dos economistas reduz tudo a meras contabilidades: segundo o "New York Times", os e-books levaram a uma queda no preço dos livros tradicionais (70% na Amazon, em alguns casos), o que reconciliou os leitores com o objeto físico.

É possível que tudo isso tenha dado seu contributo. Mas a razão mais funda para o desinteresse nos e-books está na vaidade humana: os livros, para a maioria, são objetos decorativos de afirmação pessoal e social.

Um Kindle pode armazenar milhares de obras que obtemos instantaneamente (e, com certos títulos clássicos, gratuitamente). Mas serão sempre milhares de obras escondidas no interior de um minúsculo aparelho —e não exibidas com orgulho nas estantes da sala, para impressionar as visitas.

No Kindle, é possível ler e apenas ler. Não é possível mostrar que se lê —uma diferença fundamental. Ora, sem essa dimensão fálica de espetáculo público, os e-books estariam sempre condenados.

Ou, então, condenados a servirem uma ilustre minoria para quem o livro, antes de ser objeto de estatuto social, é sobretudo a fonte mais preciosa que existe de conhecimento e lazer. O problema é que uma minoria, logicamente, não justifica um negócio global.

Se os e-books desejam sobreviver, talvez a solução passe por transformar livros tradicionais em livros digitais —mas um de cada vez, como se fossem CDs ou DVDs.

Tenho a certeza que milhares de kindles na estante da sala teriam um sucesso social que o solitário Kindle jamais será capaz de atingir.

P.S. - Parece que o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) errou ao afirmar, na sua pesquisa, que quase dois terços dos brasileiros toleram a violência sexual contra mulheres de minissaia. Não são 65% os tolerantes; são "apenas" 26%.

Em condições normais, saber que um quarto dos brasileiros continua a tolerar a brutalidade contra mulheres não alteraria o essencial do meu artigo da passada semana. Mas como acreditar em qualquer número do Ipea depois desse "flop" homérico?

Por mim, talvez fosse mais útil fazer outra pesquisa e tentar saber quantos brasileiros gostariam de espancar, não as suas mulheres —mas os pesquisadores e responsáveis do Ipea. Tenho a certeza que os números seriam novamente alarmantes. E, dessa vez, verdadeiros.
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP


segunda-feira, 21 de abril de 2014

O Ódio no Brasil -- Leandro Karnal

SAÍDA A FRANCESA

São fascinantes as guinadas e os dilemas do governo do Partido Socialista francês.


Enquanto diversos países europeus adotaram políticas de austeridade depois da crise para recuperar capacidade de crescimento em bases mais estáveis, a França ficou no meio do caminho.

No ano de 2012, com a eleição do presidente socialista François Hollande, o governo francês adotou uma política pró-crescimento que, na prática, significou menor austeridade fiscal, tentando fazer um ajuste mais suave via, por exemplo, aumento de impostos dos mais ricos.

Não funcionou. A França não voltou a crescer nas taxas almejadas, e os socialistas perderam as eleições municipais no mês passado.

Agora que os países austeros crescem com mais vigor, Hollande, empurrado pela derrota nas urnas, anuncia guinada liberal. Promete austeridade e políticas de aumento da produtividade e do nível de eficiência da economia. No ato seguinte, ele nomeia um premiê defensor dessas políticas. Mas, para aplacar a ira da esquerda do partido, nomeia ministros da Economia e das Finanças com visões contrárias àquela orientação.

É fácil entender a relutância francesa.

Expansão de gasto público, num primeiro momento, traz grande aprovação entre os beneficiados. E não há dúvida de que a injeção de recurso público eleva o consumo e a atividade econômica.

Mas o aumento da despesa pública tem limitações importantes. Quando o consumo cresce mais do que a oferta (produção), esse gasto pressiona a inflação, como vemos no Brasil. E se a arrecadação não acompanha o crescimento das despesas, o endividamento do Estado aumenta, o que reduz o crescimento com o passar do tempo.

A partir de certos patamares, o custo da dívida pública cresce, o que faz o Estado sugar uma parcela cada vez maior da poupança do país para financiá-la. Isso compromete o consumo e os investimentos e ainda cria incerteza sobre a capacidade do Estado de se financiar e investir.

É por isso que outros países europeus, referendados pelos eleitores, preferiram a austeridade, como Alemanha, Espanha, Portugal e Irlanda.

Esses países conjugaram austeridade fiscal com o que de fato são políticas de crescimento, isto é, políticas que aumentem a produtividade, como redução da burocracia e da complexidade fiscal, incentivos ao investimento e reformas trabalhistas para baratear a produção.

A nação francesa, agora, parece buscar esse caminho, apesar da forte oposição ideológica de setores do Partido Socialista.

Para nós, no Brasil, a observação desse cenário europeu é de extrema utilidade.
Por: Henrique Meirelles Publicado na Folha de SP


O QUE FIZERAM COM A DEMOCRACIA?

Uma análise do discurso político atual, comparando-o com o de 50 anos atrás, traz-nos surpresas interessantes. Dentre elas chama atenção a valorização da palavra “democracia” no discurso atual. 50 anos atrás, a democracia como a entendemos era atacada pela esquerda como “democracia burguesa”, contraposta a uma “democracia proletária”, ironicamente presente no nome de muitos países comunistas. A República Democrática Alemã era a Alemanha comunista, enquanto a capitalista era República Federal da Alemanha, por exemplo. O Estado de direito não era valorizado no discurso público; o próprio Jango dizia, sem pejo, que as reformas socializantes que propunha seriam feitas “na lei ou na marra”.


Ao longo dos governos militares – que se percebiam, aliás, como democráticos, por contarem com parlamento (enquanto não estava fechado) e Judiciário independentes –, contudo, a oposição consentida fez seu o termo “democracia”, em contraposição a “ditadura”.

Hoje, a julgar pelo discurso e só pelo discurso, a democracia seria considerada um dos valores básicos do país. Mas o que é realmente democracia? Examinando-se a prática, não apenas o discurso, de nossos governantes atuais (os mesmos que desprezavam a “democracia burguesa” 50 anos atrás), vemos que, se o sentido do termo não é mais exatamente o que se lhe era dado pelas “democracias proletárias” genocidas do século passado, tampouco corresponde ele a uma busca prática de respeitar a vontade popular.

Ao contrário: é considerado “democrático” que o Estado possa ter acesso a dados pessoais dos cidadãos (como os dados de navegação de internet, segundo o Marco Civil), sem necessidade de autorização judicial. É considerado “democrático” tentar calar a oposição, a ponto de ameaçar cortar verbas de uma rede de tevê para que demita ou afaste comentaristas de oposição. É considerado “democrático” distribuir cargos e verbas como se não houvesse amanhã para comprar os votos de partidos inteiros. É ainda igualmente “democrático” aprovar leis abertamente contrárias à vontade popular, à moral e aos bons costumes, seja como ativismo de um Judiciário aparelhado, seja como “normas técnicas” e outros eufemismos.

E, finalmente, é “democrático” aparelhar completamente, até a medula, o Estado, de forma tal que, ainda que surja um candidato de oposição e arranque a Presidência da República das garras do PT, a máquina do Estado continuará por muito tempo trabalhando em prol deste partido.

“Democracia” tornou-se uma palavra mágica, sem sentido próprio. Será que isso é “democrático”?
Publicado no jornal Gazeta do Povo. Por: Carlos Ramalhete é professor.


domingo, 20 de abril de 2014

OS FANÁTICOS DO SECULARISMO

Abomino as demências relativistas que defendem todas as culturas, por mais abjetas que sejam, simplesmente porque são "diferentes".


Mas o meu problema não é apenas com o relativismo. Sinto igual asco com o dogmatismo fanático de quem deseja esmagar qualquer diferença com uma única concepção da Verdade e do Bem.

Um caso talvez ajude a entender o meu asco. Nas últimas eleições municipais em França, a extrema-direita teve votação expressiva: a Frente Nacional de Marine Le Pen, depois de conquistar três cidades em 1995, conseguiu agora 11 prefeituras.

A crise econômica da Europa; o medo dos "imigrantes" que roubam trabalho aos nativos; e uma vetusta tradição autoritária de direita na pátria da "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" talvez expliquem esses tristes resultados. Que começam agora a mostrar as suas garras.

Em entrevista recente, Marine Le Pen garantiu que nas cidades onde a Frente Nacional saiu vitoriosa, as escolas terão cardápios únicos, independentemente das restrições alimentares (e religiosas) dos alunos.

Por outras palavras: quando houver porco, os alunos judeus e muçulmanos têm como única opção não almoçar. Ou, melhor ainda, tapar o nariz, violar a consciência e engolir o bicho sem protestar ou vomitar. Justificações para essa intolerância absurda e boçal?

Ironicamente, Marine Le Pen usa um argumentário tipicamente jacobino: porque a religião não pode entrar na esfera pública e, claro, porque é preciso salvar o secularismo da pátria.

Vamos por partes. Nenhuma democracia liberal sobrevive se deixar crescer no seu seio um código cultural e legal que ameace essa mesma democracia liberal. Se um país ocidental aceitar os preceitos da "sharia" (lei islâmica), permitindo que uma mulher muçulmana alegadamente adúltera seja apedrejada até à morte, isso significa o fim do Estado de Direito.

Só que confundir esse perigo com a recusa de alunos judeus e muçulmanos comerem porco não é apenas uma desonestidade intelectual; é uma violência moral que envergonha as democracias liberais. Exatamente como seria uma vergonha se um aluno cristão e profundamente crente fosse obrigado a comer carne de porco em plena Sexta-feira Santa.

Acreditar que o futuro do secularismo está no prato das cantinas escolares é não entender o que significa o secularismo.

E nesse quesito não é apenas Marine Le Pen que chafurda na ignorância. Os seus opositores de esquerda também cometem o mesmo erro ao defenderem uma visão secularista que se faz pelo apagamento radical de qualquer manifestação religiosa em público.

Não vale a pena lembrar os autores clássicos sobre a matéria, como Émile Durkheim, para quem a expressão pública de uma religião é parte da liberdade religiosa que uma democracia liberal deve proteger e garantir.

Basta apenas dizer que a separação entre Estado e Igreja não significa o apagamento da Igreja. Significa apenas que o poder político se rege por princípios laicos, e não religiosos.

Conceder a Deus o que é de Deus e a César o que é de César (ironicamente, um preceito bíblico) é uma mera questão de organização do poder político - e não, como Marine Le Pen e os seus irmãos jacobinos imaginam, colocar César na casa, na dieta e até na consciência de cada um.

Na sua defesa hipócrita e analfabeta do secularismo francês, o que Marine Le Pen e os seus irmãos jacobinos fazem é elevar um princípio político a uma nova forma de religião.

Os Torquemadas do secularismo são os piores inimigos do secularismo.

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Dicionário de Português*:

CINATTI, Rui - O poeta Ruy Cinatti (1915 - 1986) não precisa de grandes apresentações para os portugueses: é seguramente um dos maiores poetas do país no século 20.

Menos conhecido é o Cinatti antropólogo, que na década de 1940 partiu para a colônia de Timor-Leste como secretário do primeiro governador da ilha e aí encontrou a geografia física e emocional para muitos dos seus escritos.

Esses escritos podem ser lidos agora em "Timor-Amor" (Gryphus, 230 págs.), a primeira colectânea de Cinatti no Brasil superiormente organizada e prefaciada por Vasco Rosa. Resumindo, o livro é uma longa declaração de amor ao território e ao seu povo. Uma declaração feita de explorações botânicas, diários íntimos e versos de uma arrasadora e espiritual beleza:

"Hei-de esquecer-me de tudo

que me prende ainda ao futuro.

Hei-de ser, como não fui,

um homem fora do mundo."

O brasileiro Sérgio Vieira de Mello, a quem o livro é dedicado "in memoriam", teria certamente gostado da mais bela homenagem literária que conheço ao país onde ele viveu os seus últimos dias. 
Leitores vários escrevem-me com regularidade, perguntando por livros ou autores portugueses que merecem edição e leitura no Brasil. Este "Dicionário de Português", a partir de hoje, irá procurar responder a todos eles. Com livros, sim, mas também com artes, lugares e prazeres que valem a pena deste lado do Atlântico. 
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP


sexta-feira, 18 de abril de 2014

OS ÚLTIMOS DESEJOS DA KOMBI / VOLKSWAGEN

DEBANDADA DE EMPRESÁRIOS NA FRANÇA: AGREDIR OS RICOS É PUNIR OS POBRES!

Se quiserem saber por que o Brasil não cresce em linha com o seu potencial, leiam o texto abaixo.


O socialista Hollande assumiu o governo francês com uma retórica contra os ricos. Socialistas tendem a acreditar que riqueza é algo estático, que economia é um jogo de soma zero e que, portanto, o pobre é pobre porque o rico é rico. O resultado é uma hostilidade aos ricos e criadores de riqueza em potencial, o que apenas prejudica os pobres.

À época, os liberais já diziam que essa mentalidade iria afugentar os empresários e piorar a situação econômica da França, já em frangalhos. Não deu outra. Em reportagem publicada no NYT e traduzida pela Folha, há relatos de vários empreendedores que se mudaram de lá e não pretendem voltar. Seguem alguns trechos:

“Muitas pessoas indagam: ‘Por que você saiu da França?’”, disse Santacruz, 29. “Minha resposta é que a França tem problemas demais. Há uma sensação de desânimo que parece estar aumentando. A economia vai mal, e, se você quiser progredir ou abrir seu próprio negócio, o ambiente não é bom.”

Um êxodo de empresários e de jovens está em curso, em um momento no qual a França mais precisa deles. O país teve baixo crescimento econômico nos últimos cinco anos, tendendo à estagnação, e aumento do índice de desemprego, atualmente em cerca de 11%.

Empresários ricos também estão partindo. Enquanto novatos reclamam das dificuldades para abrir um negócio, os que o conseguiram dizem que a sociedade estigmatiza o sucesso financeiro. A eleição do presidente François Hollande, membro do Partido Socialista que certa vez declarou: “Não gosto dos ricos”, não ajudou a desfazer essa impressão.
[...]
Segundo o Ministério de Relações Exteriores, cerca de 1,6 milhão dos 63 milhões de cidadãos da França vivem fora do país, e até 60% desse montante saíram a partir de 2000. Milhares estão indo para Hong Kong, Cidade do México, Nova York, Xangai e outras cidades. Aproximadamente 50 mil franceses moram no Vale do Silício, e 350 mil estão radicados no Reino Unido. Muitos dizem que provavelmente não voltarão.

Tudo isso é um tanto óbvio para os liberais, é o resultado esperado quando o governo ataca aqueles que criam riqueza. Mas a esquerda não entende isso, ou por ignorância, ou dominada pela inveja que prefere destruir os mais ricos em vez de ajudar os mais pobres.

Qualquer governo que pretende ajudar os mais pobres deve tratar bem os mais ricos e, acima de tudo, os empreendedores, os criadores de mais riqueza em potencial. O ambiente de negócios deve ser o mais amigável possível, com baixos impostos, tributação simplificada, confiança nas regras do jogo, segurança jurídica e física, sólidas instituições, e respeito à meritocracia, ou seja, haverá perdedores e vencedores no processo competitivo, e tais resultados devem ser respeitados.

Foi Ayn Rand, a filósofa e novelista russa, quem melhor resumiu a questão. Em um discurso sobre o dinheiro, ela coloca na boca de seu personagem: “Não espere que eles [empresários] produzam, quando a produção é punida e a pilhagem recompensada”. Diz Rand:

“Quando você perceber que para produzir precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você; quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em autossacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada”. 

Como a França de Hollande comprova uma vez mais, o jeito mais fácil de se criar pobreza é agredir os ricos. Quer melhorar a vida dos mais pobres? Então é bom começar a tratar bem os mais ricos…

Rodrigo Constantino Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

O SAMBA-DA-PRESIDENTA-DOIDA

Existe a revisão virtuosa da história. À medida que se descobrem novos documentos, que se apela a saberes não convencionais para as ciências humanas, que se estudam fontes de narrativas antes consideradas fidedignas, o passado pode ganhar novo contorno em benefício da precisão. É o oposto do que está em curso nestes dias, nos 50 anos do golpe militar de 1964. A memória histórica foi abolida em benefício da memória criativa e judiciosa. Dilma se tornou a personagem-símbolo desse saber que se erige como nova moral. Na solenidade de privatização do aeroporto do Galeão, resolveu apelar a Tom Jobim e citou o "Samba do Avião". Segundo disse, a música ligava o Brasil de hoje ao do passado ao "descrever" a chegada ao país dos brasileiros que voltavam do exílio, depois da anistia, "após 21 anos".


É o samba-da-presidenta-doida. A música é de 1962, o golpe foi desferido em 1964, e a Lei da Anistia é de 1979, quando os exilados, então, começaram a voltar –15 anos, portanto, depois do golpe, não 21. A canção faz uma evocação lírica do Rio; nada a ver com protesto. Ao contrário até: o narrador revela aquele doce descompromisso bossa-novista: "Este samba é só porque/ Rio, eu gosto de você"... Não havia nada de programático a ser interpretado: "A morena vai sambar" queria dizer que a morena iria sambar. Sugiro um estudo aos teóricos do Complexo Pucusp: o mal que o golpe fez à cultura metafórica brasileira.

Na semana passada, lembrei que, em 1987, em vez de reciclar os ódios ao Estado Novo, inaugurado em 1937, o Brasil cuidava do futuro e vivia o processo constituinte, aprovado pela Emenda nº 26, de 1985, que tinha a anistia de 1979 como pressuposto. "Anistia" que, por fatalidade da língua, tem a mesma raiz de "amnésia" e significa, para todos os efeitos da política e do direito, "esquecimento". Por óbvio, isso não impede que se procure a verdade, coisa que não cabe a um ente do Estado. Por natureza, ele irá justificar a ordem de compromissos que o instituiu.

Assim, uma comissão oficial da verdade, lamento!, é mentirosa "ab ovo". Nem o governo negro da África do Sul se negou a apurar atos protagonizados por adversários do apartheid. A do Brasil, contrariando a lei que a instituiu, já deixou claro que sua vocação é demonstrar que o Lobo Mau era mau e que os Chapeuzinhos Vermelhos eram bons.

Num pequeno discurso, Dilma reconheceu, oblíqua e envergonhadamente, a Lei da Anistia e, de novo, elogiou os que tombaram. Na sua lista não estão as 120 pessoas (no mínimo) assassinadas por grupos terroristas, inclusive os de que ela fez parte. Ai de quem se atrever a lembrar, no entanto, os crimes sinistros de poetas da morte como Lamarca e Marighella! Passa a ser tratado por alguns cronistas –que têm de opinião arrogante o que exibem de orgulhosa ignorância– como sócio e partícipe da tortura. Transformam supostos adversários em caricaturas para que fique fácil vencê-los –no boteco ao menos. Fazem com a história o que Dilma fez com o "Samba do Avião". Como responder? Jogando no seu colo o corpo despedaçado de Mário Kozel Filho ou o crânio esmagado de Alberto Mendes Júnior? Nem sabem do que falo. Não dá para entrar nesse jogo rasteiro.

Não pretendo voltar ao golpe neste espaço –a menos que ache necessário. O que hoje desperta o meu interesse é essa esquerda que se ancora numa falsa gesta do passado para assaltar o futuro, como evidenciam as lambanças na Petrobras e o esforço suarento do petista André Vargas para explicar o lobby no Ministério da Saúde em favor de um doleiro –assunto que vai se tornar ainda mais rechonchudo. O que me mobiliza é fazer a sociologia dessa "burguesia do capital alheio", ainda a minha melhor expressão para definir essa gente. Na quarta, um desenhinho animado da presidente, em sua página oficial no Facebook, dava "um beijinho no ombro" para "us inimigo". Uma "Dilma Popozuda" é evidência de arrogância e descolamento da realidade, não de graça. Dilma Bolada está no comando. Por: Reinaldo Azevedo Publicado na Folha de SP