terça-feira, 11 de novembro de 2014

OS CORPOS DO CRIME

1. Que dizer do rosto da atriz Renée Zellweger?


Explico ao leitor que passou férias na Lua: em noite de prêmios de Hollywood, Renée Zellweger apareceu no tapete vermelho. E o rosto não era o de Renée Zellweger. Tinha apenas uma vaga semelhança com o original, escondido sob golpes de bisturi e outras originalidades da cirurgia estética.

O caso circulou pelo mundo e o mundo, pasmo e levemente ofendido, perguntou: como é possível destruir um rosto e comprar outro para exibição pública?

Entendo a pergunta. Sobretudo quando falamos de uma atriz: destruir o rosto, ou seja, destruir a capacidade de o usar como matéria-prima de tensões e emoções, é um ato de vandalismo que desafia as leis da lógica.

Mas as causas da mudança em Renée não são difíceis de compreender. Feministas várias, indignadas com a indignação geral, acusaram a tirania falocêntrica de Hollywood de submeter as mulheres à ditadura da "juventude eterna". O bisturi pode desafiar as leis da lógica, sim. Mas ele se explica pelas leis trabalhistas.

Lamento, mas não mordo inteiramente. E prefiro olhar para a filmografia da senhora. Em 20 anos de carreira, que podemos dizer do caso Renée Zellweger?

Simples: a atriz não tem um único filme que possamos considerar "decente" (para usar um eufemismo).

E, nos filmes menos embaraçosos (como "Cold Mountain" ou "Cinderella Man"), o que espanta é a ausência de uma personalidade forte —uma "marca autoral", como se costuma dizer; ou como se costumava assistir nos filmes de Bette Davis, Audrey Hepburn ou Natalie Wood.

As personagens de Renée Zellweger são baças, monocórdicas —em uma palavra, "desinteressantes".

E se existe quem acredite que um ator interessante nem sempre nasce de uma pessoa interessante, eu discordo: terminei de ler a biografia de Laurence Olivier, escrita por Philip Ziegler, e o fascinante ator só é explicável pela fascinante pessoa que existia antes de entrar no palco. Só um ser humano completo (e complexo) vira um ator idem.

Tudo isso para dizer o quê?

Uma conclusão muito simples: quando você precisa mudar o exterior por capricho é porque não existe grande coisa no interior para começar.

2. A revista americana "Men's Health" elegeu o soldado Noah Galloway como "o corpo mais perfeito do mundo". Pormenor: Noah Galloway não tem um braço e não tem uma perna. Mas isso não impediu a revista de fazer capa com o veterano de guerra e coroá-lo com semelhante epíteto adônico.

Era George Orwell, creio, quem dizia que o mais difícil no mundo era enxergar a realidade que temos diante dos olhos. Orwell tinha razão. Porque Noah Galloway não tem "o corpo mais perfeito do mundo". Tem um corpo amputado, que só por covardia politicamente correta é possível classificar como "o mais perfeito do mundo".

Covardia e, pior que isso, uma desavergonhada falta de respeito pela deficiência física.

Ponto prévio: a deficiência física não tem nada de especial. É um fato moralmente neutro —como ser alto ou baixo, magro ou gordo, bonito ou feio.

Mas não é um fato esteticamente neutro: o Corcunda de Notre Dame não está no mesmo patamar de Gisele Bündchen. E afirmar que um corpo sem um braço e uma perna é "o mais perfeito do mundo" soa tão ridículo como coroar Dilma Rousseff como a mulher mais bela do Brasil.

O que parece "moderninho" e "despreconceituoso" resvala tristemente para o anedótico e para o insultuoso.

E, ironia maior, demonstra um desconforto com a própria ideia de deficiência física que se procura "normalizar" desesperadamente (e pateticamente) com delírios hiperbólicos de sentido inverso.

Porque esse é o problema eterno do pensamento politicamente correto: para proteger a "sensibilidade" das minorias, as brigadas preferem a falsificação constante da realidade. Essa falsificação é sempre mais ofensiva do que qualquer discriminação real.

O pessoal da "Men's Health" deveria saber que há deficiências maiores do que não ter braços ou pernas. Não ter cabeça, por exemplo, é mil vezes pior.
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

"CONSCIÊNCIA EM PAZ"

O lado ruim da vitória de Dilma Rousseff nestas eleições, para não ficar gastando latim depois da missa, é que Dilma Rousseff ganhou. O lado bom é que agora está garantido, sem margem de erro, que ela ficará no cargo só mais quatro anos; no dia 1º de janeiro de 2019 terá de ir embora. É um alívio. Desde o seu primeiro dia na Presidência sempre houve a possibilidade angustiante de que continuasse lá para um segundo mandato. Agora não há mais essa aflição. Ao contrário, cada dia de seu governo, a partir de janeiro próximo, será um dia a menos. Não se trata de ver a vida em cor-de-rosa; todo otimismo, quando se pensa um pouco, é uma forma de impostura, pois faz promessas sem garantia de entrega. Mas, no caso, o segundo mandato de Dilma será realmente o último – não é promessa, é o que manda a lei. Eis aí uma das vantagens da certeza: acaba com as esperanças, é verdade, mas também acaba com as dúvidas. Desde o último domingo, foi-se a esperança de que Dilma devolvesse já agora a cadeira de presidente. Em compensação, foi-se a dúvida sobre o montante ainda a saldar. Tudo considerado, a conta provavelmente está de bom tamanho – ou, numa adaptação livre da filosofia política do deputado Tiririca, muito melhor não fica.


Louvado seja o Senhor por essas pequenas graças. É claro que todo mundo tem o direito de esperar da vida pública bem mais do que uma simples notificação sobre o montante exato dos “restos a pagar”. Mas o que se vai fazer? É o que temos no momento. O Brasil, por decisão da metade e mais um pouco dos seus eleitores, foi mantido sob o comando de pessoas moralmente primitivas, que acabam de ser premiadas por levar a atividade política à fronteira do crime – e não têm nenhuma razão, portanto, para mudar de conduta. É perfeitamente possível que Dilma, o ex-presidente Lula e o PT tentem impor a partir de agora a ideia de que já houve o “plebiscito” entre o país do bem e o país do mal de que tanto falaram durante a campanha eleitoral. O país do bem, que consideram ser o deles, ganhou, e com isso deixa de ser legítimo discordar de suas decisões ou querer um Brasil diferente do seu. Dilma, é verdade, só pode ficar outros quatro anos, mas já está resolvido no comitê central dos vencedores que em 2018 Lula voltará para mais oito, e depois disso talvez nem seja preciso fazer eleição nenhuma. Acontece que as coisas não têm de ser obrigatoriamente assim – não enquanto a outra metade dos brasileiros acreditar que continua tendo direitos políticos e civis, e que não está condenada a aceitar esse país do futuro pronto.

Dilma anunciou que ia “fazer o diabo” para ganhar a eleição. Fez e ganhou; pode dar parabéns a si mesma, pois em toda a sua vida pública talvez nunca tenha cumprido com tanto rigor uma promessa. Mas não pode querer que o cidadão de vida limpa se torne cúmplice da fraude que ela própria, seu patrono e seu partido montaram para ganhar a eleição. Sua vitória não obriga ninguém a adotar uma moral parecida com a sua. Não transforma o errado em certo, nem faz com que seja uma pessoa melhor do que é. Também não muda os fatos. O zero de crescimento da economia em 2014 continuou sendo zero depois da contagem final dos votos. As provas de corrupção na Petrobras, já registradas pela máquina judiciária, não podem ser apagadas. Eleições servem unicamente para escolher quem vai governar. Não resolvem problemas, nem conferem aos ganhadores virtudes que não têm – e obviamente não querem dizer que os perdedores estejam errados, ou devam alguma penitência.

Dilma, Lula e o PT pregam que os não eleitores de Dilma são “nazistas”, ou um bando de “Herodes” babando para matar o Menino Jesus. Foi a sua obra-prima na campanha – e um demonstrativo perfeito de quantos escrúpulos têm. Lula e redondezas inventaram que o adversário era alcoólatra, drogado e vadio. Falsificaram até o dicionário, para colar nele a acusação de “agredir mulheres”. Ninguém precisa achar-se um Herodes só porque preferiu votar em Aécio. Justamente ao contrário, os 51 milhões de brasileiros que fizeram essa escolha continuam com o direito integral de dormir com a consciência em paz. É por aí que o jogo tem de seguir.
Por: J. R. Guzzo Publicado na Veja

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A DITADURA DA MILITÂNCIA

O PT, cuja essência é autoritária sempre requereu para si o monopólio do poder, da virtude e da verdade. Logrou ascender ao cargo mais alto da República na quarta vez depois da escalada persistente de Luís Inácio da Silva, cuja imagem cuidadosamente construída simbolizou o proletário para estar de acordo com a teoria de classes de Karl Marx. Ele nunca foi um proletário – homem pobre com família numerosa que só tem por bens sua prole – e sim, por breve tempo, esteve entre os metalúrgicos que compõem a elite do operariado.

Conquistado o poder o PT se desfez do monopólio da virtude, pois se no Brasil a corrupção é histórica e endêmica, a militância petista dos altos cargos transformou seu partido no mais corrupto de toda nossa história.

Quanto ao monopólio da verdade evidenciou-se na prática ao contrário, ou seja, da propaganda enganosa às contabilidades criativas o governo do PT fez da mentira sua arma de sustentação e manutenção no poder. Nesta linha de conduta os petistas abusaram do contraditório, contradizendo o que antes afirmavam como o próprio Luís Inácio que se disse uma metamorfose ambulante.

Além do mais, petistas nunca erram sendo os outros são sempre os culpados. Em outra estratégia o governo dividiu para governar estimulando o ódio entre ricos e pobres e, num esdrúxulo recorte da luta de classes promoveu o embate entre brancos e negros, heterossexuais e homossexuais.

Na recente campanha que terminou com uma pequena diferença a favor de Rousseff a exacerbação da mentira teve contornos sórdidos e logrou transformar primeiro, Marina, depois Aécio, em monstros perniciosos que ao lado dos banqueiros matariam os coitadinhos dos pobres de fome e lhes tiraria todos os benefícios presenteados pelo pai Lula. Marina seria a vacilante, a homofóbica. Aécio o bêbado que batia em mulher. Essas e outras sandices eram difundidas incessantemente na propaganda eleitoral gratuita, em palanques onde Rousseff “fez o diabo” e Luís Inácio parecia necessitado de um exorcismo. Conforme a revista Veja, odiada por Lula e demais companheiros: “o PT distorceu fatos, falsificou a história e manipulou eleitoralmente a divulgação de informações, jogando o nível da disputa na lama”.

No seu discurso após ser reeleita, Rousseff lançou Luís Inácio ao chamá-lo duas vezes de presidente. Portanto, nem bem terminou uma campanha outra já começou como demonstração do projeto que visa á continuidade do PT no poder. Contudo, seria interessante considerar alguns fatos:

1º - Luís Inácio perdeu feio no seu berço político, São Paulo, onde não logrou eleger o terceiro poste. Perdeu no Rio de Janeiro, no Sul e em vários Estados. Seu partido, ainda que continue forte, perdeu deputados, senadores, governadores.

2º - O primeiro mandato da criatura, arrasador para a economia, tende a piorar neste segundo com aumento da inflação, da inadimplência, da queda da renda, do desemprego e do crescimento zero.

3º - O PT tanto utilizou o ódio como ferramenta de divisão social que conseguiu implantar esse sentimento na sociedade. Isto apareceu de modo inequívoco no comportamento antipetista que se alastrou praticamente pela metade dos eleitores durante a campanha, de modo nunca havido e que tende a continuar.

4º - O projeto golpista do governo de criação de comitês populares ou sovietes foi derrubado na Câmara, enquanto vai se armando no Congresso uma oposição que inclui parte do PMDB.

6º - Partidos estão se engalfinhando por ministérios e demais cargos e vai ser difícil contentar a todos, a menos que Rousseff acrescente mais ministérios aos 39 já existentes com as devidas repercussões negativas para os cofres públicos.

Disto se deduz que Luís Inácio e seu partido nunca enfrentaram tantas dificuldades. Entretanto, não se pode subestimar poderio petista. Para enfrentá-lo seria necessário o surgimento lideranças parlamentares de fato oposicionistas e a manutenção da lucidez antipetista na sociedade

Se tal não acontecer e o governo dominar o STF nos moldes bolivarianos, domesticar o Congresso e a sociedade não reagir, a ditadura da militância se instalará de vez através de uma constituição feita à sua imagem e semelhança, da censura aos meios de comunicação, de outras medidas autoritárias que implantem a sonhada democracia de massas. Ainda é tempo de não virarmos uma Venezuela e sistemas congêneres da América Latina. Todavia o perigo existe porque os embriões da falsa democracia já estão plantados no Brasil.
Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga. 
 Publicado no site: http://www.maluvibar.blogspot.com.br/

domingo, 9 de novembro de 2014

"AS LIÇÕES EM ATRASO DA PRESIDENTE"

Fazer mais do mesmo, como se estivesse completando quatro anos de sucesso, foi a grande promessa da presidente Dilma Rousseff na campanha eleitoral. Mas nesta semana ela se declarou disposta a cuidar do "dever de casa" para conter a inflação e ajeitar as contas públicas. Não contou como vai fechar os buracos do Orçamento nem como planeja atacar os focos inflacionários. Também se dispensou de explicar por que deixou de fazer a lição até agora.


Nenhum dos grandes problemas da economia brasileira surgiu em 2014. Nos 12 meses até outubro os preços ao consumidor subiram 6,59%. Com algum vento a favor, a taxa anual poderá ser um pouco menor, mas ainda estará perto de 6%, onde tem estado, invariavelmente, desde 2010. Neste ano, o superávit primário do setor público sumiu, no período de janeiro a setembro. Foi destruído pelo efeito combinado da estagnação econômica, de renúncias fiscais mal planejadas e de um aumento eleitoreiro de gastos. A gestão orçamentária pode ter sido pior que nos três anos anteriores, mas nunca foi boa nesse período. Quanto ao baixo crescimento, foi uma das marcas mais notáveis dos últimos quatro anos. O dever de casa foi sempre adiado.

O governo sempre tentou justificar a inflação elevada e o desarranjo orçamentário como se contribuíssem para a criação de empregos ou, no mínimo, para evitar demissões. Essas alegações podem ter convencido algumas pessoas, especialmente por causa da crise e do desemprego muito alto em várias economias desenvolvidas. Além disso, as comparações quase sempre favoreceram o Brasil. Isso se explica, em parte, pelo uso de um indicador incompleto, produzido mensalmente pelo IBGE em seis áreas metropolitanas. Dados muito mais amplos, produzidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, nova versão da Pnad, compõem um quadro muito menos favorável.

O levantamento tradicional do IBGE, nas seis áreas metropolitanas, mostrou neste ano taxas de desocupação variando entre 4,8% e 5%. O número de setembro foi 4,9%. Num universo muito maior, a Pnad Contínua apontou 7,1% de desemprego no primeiro trimestre e 6,8% no segundo. Este dado foi divulgado nesta semana. Mostrou uma melhora, sem dúvida, mas comprometeu, mais uma vez, as bravatas oficiais sobre a desocupação no Brasil e nos países avançados.

O desemprego brasileiro no segundo trimestre, 6,8%, foi maior que o registrado no mesmo período em 16 dos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A lista inclui, entre outros, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Áustria, México, Holanda, Chile e Nova Zelândia. Inclui também a maior economia do mundo, a americana, e a maior da Europa, a alemã, além do Reino Unido.

Entre abril e junho a desocupação na Alemanha ficou em 5,1% da força de trabalho. Nos Estados Unidos variou de 6,3% para 6,1%. Nos meses seguintes, o setor privado continuou criando postos de trabalho na economia americana. A primeira estimativa de outubro, publicada nesta sexta-feira, indicou uma taxa de 5,8%, menor até que a da pesquisa mensal conduzida pelo IBGE nas seis tradicionais áreas metropolitanas.

Vários desses países, mesmo entre os mais atingidos pela crise iniciada em 2008, crescem mais que o Brasil e exibem taxas de inflação muito menores.

Pelas novas estimativas da OCDE, publicadas nesta semana, a economia dos Estados Unidos deve crescer 2,2% neste ano, 3,1% no próximo e 3% em 2016. A da Alemanha, 1,3%, 1,1% e 1,8%. A da Coreia, 23,5%, 3,8% e 4,1%. A do México, 2,6%, 3,9% e 4,2%. A do Reino Unido, 3%, 2,7% e 2,5%. A do Brasil, 0,3%, 1,5% e 2%. Mesmo a da zona do euro, ainda afetada pela recuperação lenta e insegura da França e da Itália, deve exibir um resultado médio melhor que o do Brasil neste ano e pouco inferior nos dois seguintes: 0,8%, 1,1% e 1,7%.

Fora das bravatas oficiais, o Brasil perde, portanto, nas comparações com várias das maiores economias e com boa parte das industrializadas e emergentes (nem é preciso citar a China, com expansão estimada em 7,3%, 7,1% e 6,9% nos três anos). O Brasil exibe crescimento menor, inflação muito maior e desemprego mais alto, quando confrontado com esses países.

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, seu sucessor terá o desafio de substituir uma política anticíclica por uma de expansão. Esse palavrório explica boa parte do desastre brasileiro. A insistência numa política anticíclica, nos últimos anos, foi um enorme equívoco, porque os principais problemas do País estavam longe de ser cíclicos. O investimento era baixo antes da crise de 2008, continuou baixo e até encolheu no último ano.

A estagnação industrial é consequência de velhos desacertos, agravados nos últimos anos, como tributação errada, infraestrutura deficiente, baixo índice de expansão e até de renovação da capacidade produtiva, escassez de mão de obra qualificada e até qualificável, e assim por diante. Não há nada de cíclico nesse quadro. Houve simplesmente a interrupção de mudanças importantes iniciadas nos anos 1990, como a abertura econômica, a integração internacional, a disciplina orçamentária, a melhora da gestão pública e a modernização produtiva. Em vez de avançar, o governo desperdiçou centenas de bilhões com má administração de recursos públicos, envolveu o Tesouro e o BNDES numa perigosa relação promíscua, favoreceu o capitalismo de laços, com políticas seletivas de apoio, e perdeu todo sentido de estratégia e de ação de longo prazo. Enquanto isso, outros emergentes continuaram crescendo e seus governos pelo menos tentaram políticas de modernização.

Abandonada a agenda de reformas, prevaleceram o populismo, o namoro constante com o autoritarismo, a apropriação partidária do Estado e a incompetência. Nenhum dever de casa será bem feito se essa herança for mantida.
Por Rolf Kuntz Publicado no Estado de SP

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

POLÔNIA, PRIMEIRA A DERROTAR O COMUNISMO SIMBOLIZA MUDANÇA NO LESTE EUROPEU

No dia 4 de abril de 1989, sete meses antes da queda do Muro de Berlim, os poloneses conseguiram algo inédito no então leste comunista: um acordo para eleições livres ao Parlamento, realizadas em junho daquele ano.


Foi o primeiro passo oficial para a iminente derrocada dos regimes controlados pelos soviéticos. A oposição venceu as eleições, e o comunismo começou a ruir.

Vinte e cinco anos depois, a Polônia é a sexta economia do continente e acaba de ver o seu ex-primeiro-ministro Donald Tusk ser eleito presidente do Conselho Europeu.
Editoria de arte/Folhapress


O Palácio da Cultura e da Ciência de Varsóvia, arranha-céu construído pelos soviéticos no centro da cidade, é um ser estranho em meio à transformação capitalista, apesar de lembranças daquele período, como prédios residenciais que ainda se destacam.

A Polônia se fortaleceu sobretudo porque entrou de vez no mercado da indústria internacional, atraiu investimento de multinacionais e tem a vizinha Alemanha como maior parceira comercial.

Seu PIB per capita mais que dobrou desde 1989 e já é de 65% do de países desenvolvidos da Europa. Prevê-se que atinja 80% até 2030.

"Há 25 anos, nenhum de nós ousou sonhar que as mudanças seriam tão profundas e positivas. A Polônia hoje é uma sociedade democrática, aberta, que deu um grande salto nas estruturas da União Europeia", disse à Folha o jornalista Adam Michnik, 68, um dos principais líderes da oposição na época.

Preso durante a ditadura comunista, Michnik integrou a famosa "round table", mesa-redonda entre governo e oposição realizada entre fevereiro e abril de 1989 para discutir uma saída para a pressão que crescia nas ruas.

PROFUNDO

"O colapso mais profundo do comunismo foi na Polônia. O regime foi um desastre para a nossa sociedade", ressalta ele, hoje editor da "Gazeta Wyborcza", um dos principais jornais locais. Mas nem todo o balanço é positivo.

Para Anna Materska-Sosnowska, professora de ciência política da Universidade de Varsóvia, em troca do desenvolvimento, o seu país experimentou algo não tão visível até 1989: a desigualdade social.

"A transformação econômica resultou numa estratificação social e aparente diferença nos padrões de vida, o que trouxe dificuldades", explica a professora.

A Polônia deu um passo decisivo em 2004, quando se tornou membro da União Europeia. De lá para cá, recebeu € 40 bilhões em investimentos do bloco, com foco na infraestrutura, recuperando-se dos efeitos negativos das reformas dos anos 90. Esperam-se ainda mais € 106 bilhões até 2020.

MIL ANOS

"A entrada na União Europeia deve ser considerada um dos mais importantes eventos em mais de mil anos de história da Polônia", afirma Grzegorz Gorzelak, professor de economia da Universidade de Varsóvia.

Em 2004, o desemprego bateu o recorde de 20%. Hoje está entre 8,5% e 9,5% –o mais recente índice registrou 8,7%, abaixo da média da UE.

A economia tem crescido próximo a 4% ao ano. A Polônia foi o único país do bloco a não entrar em recessão na crise de 2008 e 2009.

Diante desse cenário, a população resiste a apoiar a entrada na zona do euro. Prefere, por enquanto, manter a moeda local, o zloty, a arriscar fazer parte de uma área em constante crise.

Por: LEANDRO COLON, ENVIADO ESPECIAL A VARSÓVIA Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

DIÁLOGO OU SECESSÃO?

O PT ensinou bem o ódio político ao Brasil e agora poderá provar do próprio veneno

A presidente bolivariana reeleita abriu seu novo reinado falando em diálogo. Gato escaldado tem medo de água fria: seria este o mesmo tipo de diálogo oferecido à "Veja"?

Ou às depredações que a militância petista fez à Editora Abril?

Ou às mentiras usadas contra Marina Silva e Aécio Neves durante a propaganda política?
Ou às perseguições escondidas a profissionais de diversas áreas que recusam aceitar a cartilha petista, fazendo com que eles percam o emprego ou fiquem alijados de concursos e editais?

Sei, muitos ainda negam a ideia de que exista um processo de destruição da liberdade de pensamento no Brasil. Mas, uma das razões que fazem este processo ser invisível é porque a maior parte dos intelectuais, professores, jornalistas, artistas e agentes culturais diversos concorda com a destruição da liberdade de pensamento no Brasil, uma vez que são membros da mesma seita bolivariana.

O "marco regulatório da mídia", item do quarto mandato bolivariano, é justamente o nome fantasia para a destruição da liberdade de imprensa no país.

Diálogo? Sim, contanto que se aceite a truculência petista e seus abusos de poder. Deve-se responder a este diálogo com uma política de secessão. Não institucional (como nos EUA no século 19 entre o norte e o sul), não se trata de uma chamada à guerra, mas sim uma chamada à continuidade da polarização política.

A presidente ganhou a eleição dentro das regras e, portanto, deve ser reconduzida a presidência com soberania plena.

Mas nem por isso ela deve se iludir e pensar que representa o Brasil como um todo: não, ela representa apenas metade do Brasil. A outra foi obrigada a aceitá-la.

Precisamos de uma militância de secessão: que os bolivarianos durmam inseguros com o dia seguinte, porque metade do país já sabe que eles não são de confiança.

Que fique claro que a batalha foi ganha pelos bolivarianos, mas, a guerra acabou de começar, e começou bem.

O Brasil está dividido. Esta frase pode ter vários sentidos. O partido bolivariano venceu de novo, completando em 2018 16 anos no poder --o que já dá medo a qualquer pessoa minimamente inteligente ou sem má-fé política.

A divisão do Brasil hoje é fruto inclusive da própria militância bolivariana que insiste em falar em "nós e eles".

O fato da eleição para presidente ter sido decidida por alguns poucos votos a favor dos bolivarianos não implica que o lado derrotado veja a vencedora como sua representante legítima, ainda que legal.

O PT ensinou bem ao Brasil o que significa ódio político e agora corre o risco de provar do próprio veneno.

Falo de uma secessão simbólica, e que, creio, deve ser levada mais a sério pela intelligentsia (normalmente a favor do projeto bolivariano, mesmo que, às vezes, com sotaque e afetação francesa ou alemã).

Os intelectuais não estão nem aí pra corrupção. Seu novo slogan é "rouba, mas faz o social".

Não, não estou dizendo que aqueles que votaram contra o projeto bolivariano de domínio totalitário do país devam recusar institucionalmente o resultado das eleições.
Estou dizendo que devem levar a fundo uma política de recusa sistemática da lógica de dominação petista.

Os bolivarianos virão com sua "democratização das mídias", outro nome fantasia pra destruir a autonomia institucional, demitir gente "inadequada", tornar a mídia confiável aos projetos do "povo deles" --o único que aceitam. Na verdade, fazer da mídia refém do movimento MTSM (os "trabalhadores sem mídia").

Esta recusa deve ser levada a cabo nas salas de aula das escolas de ensino médio (onde professores descaradamente pregavam voto na candidata petista), nas universidades, nos bares, nos empregos, nas redes sociais.

Dito de outra forma: a polarização do debate deve continuar, e se aprofundar. Sem trégua. Do contrário, o PT ficará no poder mil anos.

Pacto institucional, governabilidade, vida normal dentro das instituições democráticas, sim.

Mas secessão política cotidiana em todo lugar onde algum bolivariano quiser acuar quem recusar a cartilha totalitária petista. 
Por Luiz Felipe Pondé   Publicado na Folha de SP

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

'PROJETO A CAMINHO DA DERROTA'

A presidente Dilma começou seu governo, em 2011, aparentando relativa independência frente ao seu criador, o ex-presidente Lula. Disse que daria à sua gestão um perfil administrativo e que não transigiria com a corrupção. Representava à época o figurino de gerentona e faxineira. Era tudo uma farsa, mera encenação para consumo dos ingênuos — e não faltaram os que acreditaram que a criatura era não só diferente do criador, como até, se fosse preciso, romperia politicamente com ele. Em quatro anos deixou um país com crescimento zero, um governo paralisado e marcado por escândalos de corrupção.


Agora o figurino que está tentando vestir é o da presidente que deseja dialogar com os partidos e a sociedade. Mais uma farsa. Todo mundo sabe que Dilma não gosta de política. Nunca gostou. Na juventude transformou oposição à ditadura em confronto militar — com trágico resultado. Quando chefiou a Casa Civil do presidente Lula foi elogiada pelo estilo de durona. Era a mãe do PAC, uma tocadora de obras. A coordenação política governamental era tarefa do próprio Lula. Quando assumiu a Presidência, Dilma fez questão de demonstrar diversas vezes o absoluto desinteresse — até mais, enfado — pelas tarefas políticas. Ela não gosta de ouvir. Decide por vontade própria.

No discurso de comemoração da vitória, a presidente já deu sinais de como pretende governar nos próximos quatro anos. E insistiu na proposta de reforma política petista que, entre outras coisas, despreza o papel constitucional do Congresso. O governo elabora as mudanças e busca, via plebiscito, o apoio popular. Para o PT a negociação só interessa quando os opositores já entram derrotados e tem de aceitar as imposições petistas.

Dilma liderou a campanha eleitoral mais suja da história. No primeiro turno usou da mentira para triturar a candidatura de Marina Silva. Guardou para a fase final da campanha os ataques à honra de Aécio Neves. E tudo sem qualquer problema de consciência. Assim como Lula, Dilma passou a ter como princípio não ter princípio. O importante era ganhar. Quem fez o que ela fez na campanha tem condições morais de dialogar com a oposição?

Dificilmente a reforma política — ou qualquer outra reforma proposta pelo governo — vai ocupar espaço na agenda política. O escândalo do petrolão é de tal monta que poderá ter um (inicialmente) efeito destrutivo e saneador (caso as apurações forem até as últimas consequências). O encaminhamento das investigações comandadas pelo juiz Sérgio Moro já desnudou que o assalto dos marginais do poder à Petrobras é o maior caso de corrupção da história do Brasil. E vai atingir os três poderes da República chegando até, segundo depoimento do doleiro Alberto Youssef, o Palácio do Planalto.

A oposição acabou sendo arrastada a exercer o seu papel pelo eleitorado. A crise de identidade foi resolvida ainda durante a campanha eleitoral. Diferentemente das duas últimas eleições presidenciais, desta vez tivemos uma campanha mais politizada e com participação popular. Fracassou a interpretação de que as manifestações de junho de 2013 tinham sepultado a “velha política.” Pelo contrário, basta recordar as discussões nas redes sociais, o acompanhamento de toda a campanha, a excelente audiência dos debates televisivos, principalmente no segundo turno, e a permanência do interesse pela política após o 26 de outubro.

O cenário econômico é péssimo. Nem o doutor Pangloss diria que as coisas vão bem. O quadriênio Dilma conseguiu desorganizar as contas públicas, estourar a meta de inflação, colocar em risco a saúde das empresas e dos bancos estatais e paralisar a economia do país. E qualquer processo de negociação política é muito mais difícil nessa situação, pois o governo teria de ceder. E ceder faz parte da política, e Dilma odeia a política.

Na atual conjuntura aceitar o aceno do governo é jogar na lata de lixo 50 milhões de votos. De votos oposicionistas. De eleitores que estão indignados com o — usando a expressão do ministro Celso de Mello citada no julgamento do mensalão — projeto criminoso de poder petista. Não há desejo sincero de diálogo. As palavras de Dilma não correspondem aos fatos. O que dizer de uma presidente que demonizava a adversária imputando a pecha de defensora dos banqueiros e — dias após à eleição — aumenta a taxa de juros e convida um banqueiro para o Ministério da Fazenda? É esperteza ou falta de caráter?

O PT venceu a eleição presidencial mas está longe de caminhar para ter o controle dos três poderes — sonho acalentado pelo partido. Perdeu 20% das cadeiras da Câmara dos Deputados e no Senado manteve o mesmo número de assentos. Tudo indica que não terá a presidência de nenhuma das duas Casas no próximo biênio. E a melhoria qualitativa da bancada oposicionista deve criar situações embaraçosas para o governo — e não faltam temas para explorar. Por outro lado, a composição do Executivo federal terá de ser ainda mais partilhada com os partidos que dão sustentação ao governo, enfraquecendo o projeto petista. E se for aprovada a PEC da bengala ainda este ano, a presidente Dilma perderá a oportunidade de nomear, devido à expulsória, cinco novos ministros para o STF, acabando com o sonho petista — e verdadeiro pesadelo nacional — de transformar aquela Corte em um puxadinho do Palácio do Planalto.

Já estamos em 2015, um ano de 14 meses. Ano agitado, o que é bom para a democracia. E tudo que é bom para a democracia é ruim para o PT. Vamos ter muitas surpresas. O projeto autoritário petista caminha para a derrota política: são os paradoxos da História.
Por: Marco Antonio Villa Publicado em O Globo

terça-feira, 4 de novembro de 2014

PARTIDO DA RAZÃO

A passionalidade e a superficialidade de boa parte das discussões político-econômicas no Brasil são naturalmente acentuadas na disputa eleitoral. Definido o resultado, é importante controlar a paixão e trazer o debate o mais perto possível da razão. Quanto mais racional e factual ele for, melhor para todos.

Isso não significa a busca do consenso. O consenso de certa maneira é uma ilusão. Um político britânico, questionado há muitos anos se existia consenso em seu governo, respondeu que não -havia acordo ou então prevalecia a visão da maioria, que é a essência da democracia. Como no Brasil, apesar das críticas.

Enfrentamos desafios importantes. Saímos de um ciclo de crescimento acelerado ocorrido de 2003 a 2010, impulsionado pela estabilização econômica, pela disponibilidade de mão de obra, e pelo aumento da previsibilidade, que gerou aumento do crédito e do investimento.

Vivemos hoje um novo ciclo, com contenção de investimentos e com a demanda internacional reduzida, o que gera novos desafios.

Há, porém, um espaço enorme para acelerar o crescimento baseado nos investimentos, especialmente na infraestrutura, dada a demanda não atendida por transporte, energia e serviços que a gigantesca classe média incorporada ao mercado de consumo propicia.

Existem recursos disponíveis no mundo para isso devido à falta de boas oportunidades para investimentos que resulta da baixa demanda global. Temos condições de aproveitar essa janela de oportunidade com alternativas atraentes de investimento. Para atraí-los, serão necessários direcionamento claro, previsibilidade nos fundamentos econômicos e nas regras do jogo além de inflação na meta e dívida pública cadente.

Há vantagens em não haver consenso. Oposição é fundamental na democracia para promover um debate racional que vise soluções benéficas a todos. A polarização e a mobilização em torno dos candidatos e das propostas devem ser agora canalizadas para gerar salto de qualidade do debate público.

Os que defendem maior participação estatal na economia só obscurecem o debate quando acusam os de visão diferente de quererem destruir o governo para por o mercado no lugar. O mesmo ocorre quando os que defendem maior competição e liberdade para empreender acusam os defensores de maior ação governamental de planejarem a destruição do setor privado.

O Brasil já cresceu e evoluiu bastante. Que essa grande mobilização do processo eleitoral resulte positiva e produtiva, com maior participação no debate público e no processo democrático. 

Por: Henrique Meirelles Publicado na Folha de SP

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

CONFLITOS

A mãe de um garoto de cinco anos, arrumando a mala escolar dele, encontrou um brinquedo. Perguntou de quem era, e ele respondeu que havia encontrado na escola. A mãe decidiu devolver o brinquedo à escola sem nada dizer ao filho. Levou o brinquedo e, num momento em que ninguém estava olhando, colocou o objeto no espaço escolar.

Outra mãe, de uma garota de pouco mais de dez anos, vasculhou o celular da filha depois que ela foi dormir e viu conversas com conteúdo muito erotizado para a idade dela. Ficou sem saber que atitude tomar, já que havia descoberto isso mexendo no aparelho sem permissão.

O pai de um adolescente, desconfiado de que o filho estava usando maconha, desmontou o quarto dele em busca de vestígios da droga, num final de semana em que o jovem viajou. Encontrou. Quando o filho retornou, perguntou diretamente se ele usava a erva e –claro!– recebeu uma resposta negativa e indignada. O pai aceitou a resposta do filho, que o fez ficar sem ação.

Tomei esses três exemplo da vida real, entre tantos outros que conheço, para apontar que tem havido certo constrangimento de muitos pais na educação e na tutela dos filhos.

As reações comuns dos genitores dessas situações mostram que eles têm dificuldade de enfrentar os erros, os equívocos e as transgressões dos filhos. Por que será? Tenho algumas hipóteses.

Primeiramente, temos tido dificuldade de enfrentar conflitos. Conflito deveria ser positivo: diferenças de ideias, opiniões e comportamentos podem gerar novas alternativas, se o diálogo for a estratégia para administrar a situação. Mas temos confundido conflito com confronto. Confronto não admite diálogo, porque é a busca da supremacia de uma posição, ou seja: no confronto é preciso anular a opinião, ideia ou comportamento diferente.

Não existe família sem conflitos, sejam eles reconhecidos ou não. Não é possível educar sem conflitos, porque educar supõe desagradar aos filhos, e isso gera conflitos.

Há outra questão importante: hoje, os pais precisam mais do amor dos filhos do que estes deles. Em tempos em que o prefixo "ex" impera, os adultos precisam da garantia de uma relação afetiva até que a morte os separe, e a ligação entre pais e filhos é essa possibilidade.

Não é possível forjar o caráter dos filhos sem reconhecer os erros que eles cometem –muitas vezes sem saber– e trabalhá-los. Não é possível educar uma criança se ela constata que é mais esperta que seus pais e outros adultos.

Alguém acha que as crianças dos exemplos não perceberam e avaliaram a posição de seus pais em relação ao que fizeram? No mínimo, concluíram que podem fazer seus pais de bobos. Como, então, se deixar educar por eles?

Ser mãe e pai exige coragem, potência, credibilidade, firmeza. Os filhos precisam saber, de antemão, que seus pais estão atentos a tudo o que fazem. Nenhum filho merece que a mãe ou o pai tente descobrir, às escondidas, o que eles fazem, onde vão, o que falam, escutam e veem. Também não é possível respeitar a privacidade de um mais novo que ainda não soube conquistá-la.

Para transmitir aos filhos a moral, a ética e as virtudes priorizadas, é preciso ter autoridade, que é construída no dia a dia. O comportamento dos pais dos exemplos que citei os desautoriza perante os filhos. Aí, fica bem mais difícil educar. 
 Por: Rosely Sayão Publicado na Folha de SP

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

OS CINCO MITOS DO NARCISISMO

Você é narcisista? Um teste básico é: existe alguém no mundo que você ame mais do que a si mesmo?

Se a resposta for "sim", melhor para você. Se for "não", você é um pobre diabo, mas, provavelmente, tem algum livro idiota sobre autoestima no criado-mudo dizendo que você "tem direito de se amar acima de tudo".

Este "teste" é uma espécie de paródia da ideia de Santo Agostinho sobre a liberdade: se amamos, somos livres, porque escapamos da prisão que é nosso "eu".

Em 1979, Christopher Lasch lançava seu clássico "A Cultura do Narcisismo", abrindo uma tradição de aplicação do conceito de narcisismo (psicopatológico) de Freud à crítica da cultura e do comportamento.

De lá para cá, a coisa piorou, e tem gente mesmo dizendo que é melhor ser narcisista porque os neuróticos básicos vivem presos a ilusões bobas de amor e vínculos, e ao mal-estar eterno de não realizar nunca seu desejo plenamente porque temem a moral (e nem sabem direito qual é "seu" desejo mesmo). A cultura do narcisismo criou seus mitos de dignidade.

A professora de psicologia da San Diego State University, dra. Jean M. Twenge, tem duas pérolas (entre outros trabalhos) sobre a evolução do narcisismo em nossa cultura e nosso comportamento.

Em 2006, ela lançou o "Generation Me, Why Today's Young Americans Are More Confident, Assertive, Entitled -and More Miserable Than Ever Before" (numa tradução direta, "Geração Eu, Por que os Jovens Americanos de Hoje São Mais Confiantes, Assertivos, Conscientes de seus Direitos -e Mais Miseráveis do que Nunca").

Em 2009, ela volta à carga (junto com dr. W. Keith Campbell) com "The Narcissism Epidemic, Living in the Age of Entitlement" ("A Epidemia de Narcisismo, Vivendo na Era dos Direitos").

Aqui, o conceito essencial é "entitlement" ou "to be entitled to" (que aparece nos dois título acima) que poderíamos traduzir por "ter direitos de", no sentido de quando se diz "I am entitled to", significando "eu tenho o direito de".

A evolução estaria justamente no fato de que um miserável afetivo, incapaz de investir afetivamente ou intelectualmente no mundo, passou a ser o sujeito que se sente no direito a ter tudo. Esse sujeito é o tagarela, o bobo falante, das redes sociais.

Mas, no fundo, ele (ou ela, aliás; grande parte do debate de gênero hoje é somente narcisismo e histeria travestidos de análise da cultura e do comportamento) é um miserável, incapaz de sair de seu poço para contemplar os riscos da vida real.

Segundo nossos autores, existem cinco grandes mitos sobre o narcisista.

Primeiro mito: o narcisista tem muita autoestima. Em que pese o fato de que eu, pessoalmente, considero a expressão "autoestima" muito brega e acredito que nenhuma pessoa educada deveria usá-la, reconheço que a comparação com o narcisista, que os dois autores fazem, com a intenção de mostrar o quão ele é um miserável afetivo, funciona bem.

Alguém um pouco mais saudável é capaz de compromisso moral e vínculo afetivo no qual ele mesmo não é a única pessoa importante, coisa de que o narcisista é incapaz, atolado no pesadelo que é ser um "ser autossuficiente".

Mas pega bem posar de quem se ama muito num mundo bobo como o nosso.

Segundo mito: o narcisista tem baixa autoestima e, por isso, deve aprender a se dar valor. Não, ele "se acha". Professores que optam por "ensinar" autoestima para os alunos só ajudam a piorar a epidemia.

Terceiro mito: o narcisista é mais bonito e inteligente. Pelo contrário, o narcisismo é um traço de gente menos inteligente e que se acha feia.

Quarto mito: "algum" narcisismo é saudável. A pergunta é: saudável para quem? O narcisista é apenas aquele que foge quando o barco está afundando em nome de "seus direitos".

Quinto mito: o narcisismo é apenas outro nome para vaidade física. Não, é pior. É também materialista, mimado, agressivo quando criticado e incapaz de vínculo afetivo real.

Enfim, talvez um outro possível teste seja ver o quanto você usa a expressão "tenho direito de" ("I am entitled to") no seu dia a dia.

Essa expressão é uma das marcas da babaquice chique de nosso tempo. 

Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O PROBLEMA DE 1939

"É extremamente difícil para um psicólogo acreditar no valor de qualquer ideologia social baseada em premissas psicológicas simplificadas."

Andrew M. Lobaczewski, em 'Ponerologia: psicopatas no poder'.

Em 1939, os países ocidentais, ao avaliar vis-à-vis a situação da Alemanha nazista e da Rússia comunista, erraram tão horrorosamente nos seus prognósticos que, para dizer a verdade, a guerra que se seguiu foi muito pior que a política do apaziguamento, pois esta última tinha como fim ganhar o tempo necessário para se preparar para a guerra. Como acabou por acontecer, os Aliados ocidentais declararam guerra quando não deviam e quando não estavam fortes o bastante, ajudando assim a criar a aliança germano-soviética que subjugou a Polônia, a França e mais alguns outros países. O Ocidente subestimou a força militar alemã e escolheu o pior momento possível para desafiar Hitler. Se eles tivessem esperado apenas mais um ano eles estariam fortes o bastante para não sofrerem derrotas.

A mesma lógica se aplica hoje. A Rússia vem sofrendo revezes econômicos. Talvez seja possível criticar a administração Obama por não enviar armamento pesado para a Ucrânia; mas, e depois, se essas armas causassem um efeito alarmista sobre o povo russo? Putin então poderia usar esse fato como justificativa para desencadear uma perigosa sequência de ações? Pode-se até argumentar que uma OTAN agressiva seria justificativa para a paranoia anti-Ocidental de Putin. Devemos neste caso aprender a verdadeira lição de 1939, especialmente considerando que nossas forças estão num nível muito baixo e que guerra não é o que queremos.

Em relação a isso, há toda razão para acreditar que não entendemos apropriadamente a situação estratégica. A China está com a Rússia ou é neutra? A OTAN é forte ou são apenas aparências? O poderio militar americano está no mesmo nível dos velhos padrões ou estamos enfraquecidos? As pessoas presumem que os Estados Unidos são invencíveis. Contudo, recentemente o governo americano admitiu que a Rússia tem mais ogivas nucleares que os Estados Unidos. E ainda nem contamos as ogivas nucleares chinesas.

Continuando as coisas como estão, penso que os russos estão planejando ações futuras para quando a temperatura esfriar. Outra insurreição pode estar em perspectiva, sendo que ela será seguida por uma intervenção militar maciça. Todavia, há outro enredo se desenvolvendo. Estão até sugerindo que a Rússia admitiu a derrota na Ucrânia. Há até rumores de que Putin está sendo colocado de lado e, por conseguinte, perdendo sua posição como líder russo. É o caso de perguntar se virá por aí outra NEP ou outro ciclo de “democratização russa”. Isso seria, claro, uma notícia boa, não fosse a certeza de voltarmos a cair no velho padrão de relaxamento em relação aos perigos — o velho hábito do pensamento utópico, que se baseia em premissas psicológicas ingênuas.

As pessoas que governam a Rússia têm uma psicologia criminosa. Não são pessoas “normais” e nós jamais devemos considerá-las tais. O governo russo não possui freios e contrapesos. Não há verdadeira separação de poderes, não há a força das leis. E essa é a circunstância a qual o poder corrompe e corrompe absolutamente. Essa é a circunstância que tem de mudar na Rússia se o resto do mundo quiser ter paz. E essa é a circunstância que, uma vez mudada, teria como maior beneficiado o povo russo.

Mas como conquistaremos essa mudança? Sob estas circunstâncias, a mudança pode vir apenas por meio de uma amostra de benevolência salvaguardada por uma política justa porém firme. O povo russo não é nosso inimigo, mas sim nosso potencial aliado. Eles querem a mesma coisa que queremos, ou seja, paz. Assim, se o gás natural é usado por Moscou como arma para intimidar a Europa, a coisa a se fazer é estender uma mão amiga para encorajar a solidariedade da OTAN, porquanto a estratégia mais visível da Rússia consiste em dividir a Europa da América por meio da pressão econômica.

O regime criminoso em Moscou também irá, no fim, ameaçar o bem estar americano, pois a KGB acredita que o conforto é o nosso ponto fraco. Faz sentido, portanto, atacar-nos economicamente. Como todos sabem, o dólar é vulnerável e nossa economia está estagnando. Um ciberataque contra os grandes bancos, ou um ataque terrorista, poderia ferir seriamente a economia americana. O que faríamos então para recuperar nossa prosperidade? Cortar nossos laços com a Europa? Nos fecharmos em uma redoma? O pesquisador polonês Andrew Lobaczewski observou que “Em geral [...] particularmente em sociedades hedonistas, as pessoas possuem uma tendência a buscar refúgio na ignorância ou em doutrinas ingênuas. Algumas pessoas até sentem um certo desprezo pelas pessoas que sofrem.”

A América não deve ter desprezo pelas pessoas que sofrem. Logo em breve estaremos entre os sofredores. É assim que nos salvamos e é assim que as nações se salvam.
Por: Jeffrey Nyquist
Tradução: Leonildo Trombela Junior


quarta-feira, 29 de outubro de 2014

SEPARATISMO É CONVERSA DE CRETINOS - NÃO IMPORTA SE VERMELHOS OU AZUIS

Essa conversa sobre separatismo no Brasil é asquerosa, é revoltante. Foi inventada por Lula, e, claro!, os porta-vozes do PT na imprensa logo aderiram à tese, atribuindo a adversários do PT o rancor separatista.

Ainda voltarei ao assunto, sim. Não! Não foram Norte e Nordeste que deram a vitória a Dilma porque há lá, se me desculpam a tautologia, muitos nortistas e nordestinos. A questão é de outra natureza: está relacionada à pobreza, que se concentra, como se sabe, no Norte e Nordeste do país — onde, de fato, está o maior número de pessoas atendidas pelo Bolsa Família. A questão é bem mais séria. Um programa social, que tem apenas o condão de tirar as pessoas da miséria e da indigência social e econômica, transformou-se numa máquina de produzir votos — e isso, sim, é imoral.

A população pobre, além de vítima das circunstâncias, não pode agora ser responsabilizada por um resultado eleitoral que eu também acho ruim para o Brasil. Vou escrever sobre tudo isso com mais vagar. De imediato, acho que é hora de a gente rechaçar essas teses de Nordeste contra Sudeste, não importa quem a advogue, sejam os petistas, obedecendo à orientação de Lula, sejam os seus adversários.

Aliás, Lula, ele mesmo, deveria ter vergonha de investir nessa história: afinal, é um nordestino que se tornou a maior liderança nacional no Sudeste. Durante um bom tempo, diga-se, ele despertava temores extremos justamente na população do… Nordeste!

Rebatam essa besteira. Esse negócio de falar em separatismo é um atentado à inteligência, ao bom senso e até à decência. Voltarei a esse assunto neste blog e falarei a respeito na minha coluna de amanhã, na Folha.

Quem fala em separar o Sudeste e o Sul do resto do Brasil, lamento!, não entendeu nada. Ao contrário: precisamos é somar esforços com os pobres do Brasil, do Nordeste ou não, para que eles se libertem da caridade que hoje os escraviza e os torna alvos fáceis do terrorismo de um partido político.

Por Reinaldo Azevedo  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O FARDO DO HOMEM NEGRO

A Universidade de Oxford está preocupada: o ano acadêmico já começou por aqui e 20 mil estudantes africanos chegam para o início das aulas. Tradução: riscos de contágio pelo vírus ebola são uma possibilidade. Remota, mas real.


Perante essa preocupação dos ingleses, a resposta óbvia seria afirmar que o Ocidente é um poço de hipocrisia, que só treme de medo quando a morte dos pobres se aproxima das suas margens.

Existe até um cartum, da autoria do notável ilustrador português André Carrilho (divagação pessoal: o André foi o autor da capa do meu primeiro livro de crônicas), que tem feito sucesso nas redes sociais do mundo inteiro.

Descrição: vemos vários doentes com ebola deitados em suas camas. Todos eles são negros. Todos, com a exceção de um branco. E é sobre o doente branco que as câmeras da mídia concentram as suas luzes.

Mensagem óbvia: se o ebola não tivesse chegado à Espanha ou aos Estados Unidos, as matanças na África continuariam na doce paz do anonimato. Como, aliás, sempre continuaram desde a década de 1970.

Acontece que o meu colega André Carrilho está errado. Ou, pelo menos, parcialmente errado.

É um fato que o ebola assusta os brancos. É um fato que o Ocidente rico e tecnologicamente avançado já deveria ter prestado atenção a essa doença letal. Se o mundo encolheu com os prodígios da "globalização", não é preciso ser um gênio para imaginar que, cedo ou tarde, o bicho pintaria no hemisfério Norte.

O problema é que a estupidez, a ganância e a mendacidade do hemisfério Sul não ajudam a nenhuma ajuda.

Em artigo devastador para o "New York Times" —um jornal que está longe de qualquer simpatia direitista—, o enviado a Serra Leoa escreve uma carta de desespero e estupefação ante o espectáculo lúgubre que tem à frente dos olhos.

Adam Nossiter, eis o nome, começa por falar dos líderes comunitários do país que, no início, negaram a presença da doença e permitiram que ela alastrasse sem freio.

Depois, quando os corpos começaram a tombar, os mesmos líderes atribuíram o fato aos efeitos da bruxaria (um clássico). Provavelmente, tentaram travar o vírus com o feiticeiro local fazendo as suas macumbas. Curiosamente, não resultou.

Mas a cultura de ocultação não ficou por esses líderes tribais. Como escreve o mesmo jornalista, existe um abismo criminoso entre o que acontece no terreno e a resposta "oficial" do governo, que continua sentado sobre os US$ 40 milhões de ajuda internacional para combater eficazmente o flagelo.

Pois sim. No terreno, continua a faltar tudo: ambulâncias, medicamentos, equipamentos. E os 30 veículos da ONU, prontos a entrar em ação, continuam parados na capital Freetown porque a burocracia, como sempre, não perdoa.

Em vez desses veículos, circulam pelas estradas uns caminhões rudimentares, dirigidos por beneméritos nativos, que viajam até aos confins e transportam os mortos para as suas sepulturas. Infelizmente, os responsáveis pelos enterros ameaçam greve —dia sim, dia não— por falta de pagamento.

Não admira que, perante o caos, as estatísticas governamentais de Serra Leoa não sejam "fiáveis" (para usar um eufemismo): às segundas, quartas e sextas, não há mortos para ninguém; às terças e quintas, a coisa pode chegar aos cem. Só Deus sabe o que acontece no fim de semana.

Moral da história?

Sim, as luzes da mídia estão sobre o homem branco. Mas isso também se explica porque regimes autoritários e cleptocratas transformam os seus cidadãos em fantasmas invisíveis.

Se a mídia não olha para os doentes negros é porque eles não existem nas estatísticas dos seus próprios países.

Ou, melhor dizendo, eles só existem porque há jornalistas ocidentais dispostos a viajar ao inferno para contar. E, claro, porque existem também médicos e enfermeiros ocidentais que arriscam a vida (e encontram a morte) para salvar esses fantasmas.

Ironia: o fardo do homem branco é carregar hoje às costas o fardo do homem negro.

Por: João pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O CHAMADO A SALVAR O MUNDO

Hoje vou propor duas teses. Mas, antes, diria aos inteligentinhos que, como vamos falar de coisa séria (os jovens, uma gente que prezo muito), eles, os inteligentinhos, devem ir pegar sua merenda balanceada e brincar no parque, e deixar a gente grande conversar.


Muitos leitores me perguntam o que seria um inteligentinho. Explico: quando você diz "não existe almoço de graça", o inteligentinho diz que você disse que "os mais pobres não têm direito à felicidade". Quando você diz que "as mulheres não suportam homens fracos", a inteligentinha diz que você disse que "as mulheres devem ficar em casa lavando louça". Em suma: mentem.

A primeira tese é que temos estragado a cabeça dos mais jovens há cerca de quarenta anos. Inventamos essa coisa de que eles "devem mudar o mundo"(uma invenção da publicidade dos anos 60 pra vender jeans, com a nobre e sincera intenção de gerar empregos), e isso atrapalha bastante a vida deles.

A propósito, não estou sendo irônico quando digo que a publicidade é sincera. Aliás, no mundo dos idiotas do bem, a publicidade é um dos últimos redutos de sinceridade.

"Salvar o mundo" obriga aos mais jovens terem opiniões sobre tudo, principalmente sobre coisas complexas como economia (quando só conhecem a mesada ou a grana do estágio e não são responsáveis por nada de fato), relacionamento homem-mulher (quando acabaram de entrar no "mercado dos sofrimentos afetivos" e mal sabem o que é amar no mundo real), geopolítica (quando muito, se tem dinheiro, fazem intercâmbio na Austrália ou viajam via ONGs superlegais para fazer trabalho social em Madagascar por três meses antes da pós em Nova York).

E, o mais importante: esses jovens cheios de "causas pra mudar o mundo" fogem da obrigação de arrumar o quarto se escondendo atrás de discursos sobre o mundo, construídos por professores de história ou filosofia cuja única glória é pregar para adolescentes entediados com um mundo que é sempre cinza e confuso. Além, claro, do tédio com o casamento sem saída dos seus pais.

Muitas vezes, esse jovens chamados à jihad light, elegem causas de butique como "libertar os animais do jugo dos carnívoros", seguindo o filósofo Peter Singer e seu conceito de "especismo", cunhado no livro "Animal Liberation", feito sob medida pra estudantes de classe média alta nova-iorquinos e paulistanos. Gente muito "democrática" que gostaria de colocar fora da lei o menu dos outros. A busca da pureza ainda vai nos matar a todos.

Mas, chama a atenção a forma muitas vezes violenta, ainda que num primeiro momento marcada apenas pela violência verbal, das manifestações desses jovens chamados às formas de jihad light.

Sabe-se que muitos dos jovens ocidentais que têm aderido a grupos fundamentalistas são recrutados pelas redes sociais e seu chamado a "mudar o mundo". O tédio assola essa moçada que ganha mesada dos pais ou do Estado.

Eis minha segunda tese de hoje: é um erro achar que haja uma distância gigantesca entre os aderentes da jihad light e da hard (sendo esta a que os leva a violência explícita), do ponto de vista dos afetos confusos deste tédio jovem.

No caso específico dos meninos, um detalhe deve nos chamar atenção na adesão crescente ao chamado "para mudar o mundo" dos grupos religiosos fundamentalistas do Oriente Médio.

Muitos meninos, equivocadamente, penso eu, sentem que não há espaço pra eles num mundo civilizado em que a masculinidade é vista como sintoma social a ser suprimido via a transformação de todo e qualquer comportamento masculino em "machismo".

Muitos meninos temem acabar a vida cuidando de bebês e tendo que parecer meninas para poderem existir.

Acho isso um equívoco, mas negar a existência do fato (que os meninos estão se sentindo acuados por um mundo que os quer feminilizar a todo custo) é outro equívoco.

Os jovens aderentes aos grupos fundamentalistas violentos são movidos pelos mesmos sentimentos dos nossos jovens que querem salvar o mundo: a busca da pureza na vida. É hora de pararmos de mandar esses meninos e meninas salvarem o mundo.

Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

sábado, 25 de outubro de 2014

VOCÊ ACREDITA?

Você acredita? Gráfico do Ibovespa Futuro mostra quem será o próximo presidente - InfoMoney 
Veja mais em: http://www.infomoney.com.br/mercados/analise-tecnica/noticia/3653498/voce-acredita-grafico-ibovespa-futuro-mostra-quem-sera-proximo-presidente

IGNORANTES DO BEM

A nova elite vermelha não protagonizou casos de corrupção. Ela criou, sob a propaganda da bondade, um sistema de corrupção

O Sudeste decidirá a eleição presidencial mais disputada da história recente. E o Rio de Janeiro poderá ser o fiel da balança. O fator decisivo para esse resultado será a famosa tradição carioca de ser oposição — que ultimamente tem se transformado em oposição a favor.

Os ânimos estão exaltados, mas é o destino do país que está sendo decidido palmo a palmo. Demarcada a fronteira da estupidez, ninguém precisa se envergonhar de ser aguerrido. E ninguém precisa se envergonhar do voto que escolher. A não ser que esse voto esteja baseado em premissas hipócritas. Aí é o caso de se envergonhar.

Boa parte do eleitorado carioca resolveu fazer poesia numa hora dessas. Na falta de miragem nova, muita gente boa embarcou na toada de que a disputa entre Dilma e Aécio é um confronto esquerda x direita — a esquerda sendo o bem, e a direita o mal, claro. Muitos repetem até que é uma espécie de reedição do embate Lula x Collor. Só três hipóteses podem explicar a defesa dessa tese: distração, ignorância ou desonestidade.

Em 1989, o Brasil tinha sua primeira eleição direta para presidente depois da ditadura. Collor era identificado com as elites que sustentaram o regime militar. O voto contra Collor, portanto, era um voto contra o autoritarismo. O que as crianças do balneário não querem perceber é que esse filme passou há um quarto de século. E o autoritarismo mudou de lugar.

Arrancado do poder por corrupção, Collor hoje apoia Dilma. Mas isso é o de menos (por incrível que pareça). Dilma e todo o PT apoiam, desinibidamente, os condenados pelo escândalo do mensalão. É como se os presidentes das associações de medicina apoiassem Roger Abdelmassih, o devorador de gestantes. Dilma Rousseff, a candidata do bem contra o mal, apoia pelo menos meia dúzia de governos autoritários na América do Sul e no Oriente Médio, oferecendo-lhes até colaboração econômica — com o dinheiro dos progressistas que votam no PT contra o autoritarismo. Quando Mahmoud Ahmadinejad massacrou manifestantes de oposição, Lula socorreu o ditador iraniano declarando que aquilo era normal, como “briga entre flamenguistas e vascaínos”.

Os progressistas com alma de oposição têm todo o direito de votar em Dilma. Só não fica bem fingirem que estão votando contra as elites reacionárias e autoritárias, sentindo-se humanos e sensíveis. O que há de mais reacionário, autoritário, insensível e desumano no país hoje é o assalto ao Estado brasileiro. Não só o do mensalão, mas o da fraude que o governo Dilma instituiu na contabilidade pública: maquiagem dos balanços para esconder déficits e gastar mais — com uma máquina sem precedentes que acomoda os companheiros e simpatizantes.

Quem são hoje, 25 de outubro de 2014, as elites que se organizam para sugar o que é do povo? Não, meu caro progressista do bem, não dá mais para você olhar no espelho e dizer que é a “direita conservadora” — ou qualquer desses apelidos feios para quem não usa a estrelinha vermelha. A elite egoísta e predadora hoje é essa que você ajudou a vitaminar, achando que estava votando num livro de García-Marquez, numa canção de Chico Buarque ou num poema de Neruda. Traficaram o seu romantismo, caro eleitor de esquerda, e o transformaram na maior indústria parasitária que este país já viu.

O doleiro acaba de revelar que Dilma e Lula sabiam do esquema de saque à Petrobras. O que você fará diante disso, caro progressista do bem? Colocará para tocar um disco de Mercedes Sosa? Ou fechará os olhos e ficará repetindo para si mesmo que casos de corrupção existem em todos os governos? Não, meu caro, a nova elite vermelha não protagonizou casos de corrupção. Ela criou, sob a propaganda da bondade, um sistema de corrupção.

O mensalão foi montado dentro do Palácio do Planalto pelo principal ministro de Estado, fazendo uma transfusão de dinheiro público para o partido do presidente. O tesoureiro desse partido, condenado e preso, foi sucedido por outro tesoureiro que está no centro do escândalo do petrolão. Esse outro, João Vaccari Neto, é o homem forte da campanha de Dilma Rousseff. Será que o doleiro ainda precisa lhe dizer, prezado e orgulhoso eleitor de esquerda, que todos os seus heróis sabiam de tudo? Ou mais claramente: que eles arranjaram um jeito esperto de transformar a política em meio de vida?

São 12 anos de erosão nas contas públicas, o que qualquer economista sério atesta. Gastança sem critério (ou com os critérios acima descritos) que travam o crescimento e geram inflação. Traduzindo: empobrecimento. O país resiste com seu fôlego próprio, mas não há programa assistencial que compense: todos perderão.

O PT está tomando providências: some com os indicadores que fazem mal à sua propaganda — como acaba de fazer com os dados do Ipea sobre a miséria. É a mesma tecnologia da contabilidade criativa. Uma usina de versões, que faz a presidente da República atolar em sua própria fala ao vivo. Um vexame, caro eleitor do bem, um show de impostura.

Exija respeito pela sua escolha na urna. Mas procure um jeito honesto de se orgulhar dela.

Por: Guilherme Fiuza é jornalista  Publicado em O Globo



A BOLSA E A VIDA

Conceitualmente, O Bolsa Família não nasceu com Lula, nem com FHC, mas no laboratório político do Banco Mundial. O "objetivo abrangente" de redução da pobreza, proclamado em 1991 por Lewis Preston, presidente do banco, seria alcançado por meio de políticas focadas de transferência de renda. Era uma resposta estratégica ao pensamento de esquerda, concentrado em reformas sociais, e um programa de ação para o ciclo aberto pela queda do Muro de Berlim. FHC a adotou sem o entusiasmo dos conservadores, encarando-a como um emplastro civilizatório que não substituiria iniciativas fortes do Estado nas esferas da educação e da saúde. Lula não só a abraçou como serviu-se dela para ancorar eleitoralmente seu sistema de poder.


Quando Lula fulminou o Bolsa Escola com o epíteto de "bolsa esmola", operava no registro tradicional do pensamento de esquerda. Na hora da chegada ao poder, sob a inspiração de José Graziano da Silva, perseverou naquele registro e lançou o Fome Zero, que não era um programa de transferência de renda. Graziano analisara de modo realista os rumos da formação do complexo capitalista do agronegócio, em duas obras significativas, publicadas na década de 1980, mas sonhava com o florescimento de uma agricultura familiar autônoma. No esquema do Fome Zero, sob o amparo estatal, pequenos produtores locais forneceriam os alimentos para a mesa dos pobres. O Bolsa Família surgiu dos escombros do Fome Zero.

O experimento utópico do Fome Zero nem decolou. No início, seus escassos críticos sofreram o bombardeio ideológico de acadêmicos de esquerda encantados com o lulismo. Contudo, depois de 388 dias de inércia, Lula demitiu Graziano do Ministério Extraordinário e promoveu o giro pragmático que conduziria à unificação dos programas de transferência de renda de FHC (a "bolsa esmola") no Bolsa Família. Naquele momento, cessaram as resistências de esquerda à estratégia conservadora de combate à pobreza e, no lugar delas, emergiu o coro dos contentes, a proclamar a aurora de uma nova era.

Lula descobriu uma virtude político-eleitoral da expansão das transferências diretas de renda: o impulso ao consumo popular (de material de construção, eletrodomésticos e celulares) propiciava-lhe a chance de congelar a agenda de reformas na educação e na saúde públicas. O Bolsa Família tornou-se o núcleo de um conjunto de políticas focadas que abrangem, notadamente, o crédito consignado e as bolsas do ProUni. Nas eleições, o espectro da supressão dos benefícios monetários passaria a figurar como linha de ataque permanente do PT contra qualquer adversário. Simplificado ao extremo, o tema tão decisivo do combate à pobreza convertia-se em monopólio de um partido.

Os tucanos sentiram o golpe, girando em círculos à procura de uma resposta. Desorientados, chegaram a ensaiar, nos piores momentos, a reprodução da primitiva réplica original de Lula. O prumo começou a ser reencontrado por Aécio Neves, que anunciou o compromisso de entalhar o programa na pedra da lei, fazendo-o "política de Estado, não de governo". Transferir o Bolsa Família do campo minado da disputa partidária para o das políticas públicas nacionais será um passo adiante, do ponto de vista da disputa eleitoral democrática. Mas, do ponto de vista conceitual, ainda estaríamos atrás do patamar atingido no governo FHC.

"Vemos as filhas do Bolsa Família transformarem-se nas mães do Bolsa Família", alertou Eduardo Campos meses antes de sua morte trágica, para indagar: "Queremos vê-las transformando-se em avós do Bolsa Família?". O círculo da pobreza e da dependência não pode atravessar gerações, sob pena de darmos razão ao Lula ancestral que clamava contra o "bolsa esmola". Já é tempo de avançar além da receita do Banco Mundial, rumo à qualificação dos direitos sociais universais. A bolsa não é a vida. 

Por: Demétrio Magnoli Publicado na Folha de SP

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

POLÍTICA, CORRUPÇÃO E PIZZA

Dito de forma direta, o que quero dizer hoje é: ninguém está nem aí para corrupção em política. Nenhum estrato social. Nem rico, nem pobre, nem culto, nem artista, nem inteligentinho. Pega bem dizer que se está, mas é pura afetação de salão. Coisa de burguês. A prova é que com ou sem Petrobras, no final, será servida uma grande pizza.

Escândalos se acumulam (e não me refiro apenas aos bolivarianos atualmente no poder), mas ninguém está nem aí. Justificativas sustentam toda e qualquer defesa de políticos ou partidos corruptos ou suspeitos de corrupção. A democracia tem uma dimensão circense e as eleições são seu clímax.

Sim, são afirmações céticas. O senso comum pensa que ser cético é duvidar da existência de Deus. Isso é ceticismo de criança. Qualquer um duvida da existência de Deus. Quem se leva muito a sério por isso é que é meio bobo.

E a razão pra ninguém estar nem aí para corrupção é que nossa relação com a política não é racional, como dizem que é. Somos mais facilmente racionais quando compramos pão francês do que quando pensamos em política. "Consciência política" é tão fetiche quanto "carma".

Não existe essa tal de consciência política, mas sim simpatias, empatias, interesses, taras, fanatismo que travestimos de "consciência política".

A única racionalidade possível na política é a de Maquiavel, que continua sendo o filósofo da política mais sério até hoje: a razão da política é a conquista e manutenção do poder a qualquer custo.

Desde o século 18 e a falsa afirmação de que a política redimirá o mundo (pecado do suíço Rousseau), abriu-se um novo "mercado" das mentiras políticas: aquele que diz que a política pode ser "ética".

A democracia tem uma vocação para a retórica, já dizia Platão. Mas, reconheçamos, não há regime melhor. Nela, o circo das "escolhas éticas" se acumulam ao sabor do marketing e das justificativas do que preferimos.

Não votamos racionalmente. Votamos porque (na melhor das hipóteses) algum candidato ou partido concorda, mais ou menos, com a "pequena" teoria de mundo que temos.

Alguns de nós tem mais tempo e condição de trabalhar suas "pequenas" teorias. Outros vão a seco e votam em quem eles acham que vai aumentar o poder de compra deles (dane-se a corrupção) ou quem mais se encaixa na visão de "um mundo melhor" (maior fetiche da política dos últimos 250 anos) deles (dane-se a corrupção).

Se acreditamos que a economia seja uma ciência do comportamento humano que deve levar em conta coisas como "quem tem o que todo mundo quer ganha mais" tendemos a crer que devemos levar em conta as "leis de mercado". Quem crê que devemos "buscar formas mais humanas de produção e igualdade" não crê nas "leis de mercado", mas sim que elas foram inventadas pelos que gostam de explorar os mais fracos.

Mas, como a democracia é um regime baseado numa economia do ressentimento, quem crê em "leis de mercado" é malvado e quem afirma que elas podem ser negadas se quisermos fazer o mundo melhor é visto como gente legal.

Se acho um candidato "fodão", arrumo razões pra votar nele. Se acho que o Brasil precisa de um modo de vida "x", arrumo alguém que pareça concordar comigo. Se acho o candidato alguém comprometido com a "justiça social", ele pode até roubar. Se busco santos, direi: o Brasil precisa de um choque de sinceridade na política.

A crença de que exista racionalidade na política é tão necessária para a maioria das pessoas hoje quanto Deus é necessário para uma porrada de gente. Os não-religiosos creem que olham o mundo de modo mais racional porque não acreditam num ser invisível entre tantos outros. Mas, acreditar que exista uma coisa chamada "consciência política" é também um ato de fé.

Suecos votam para garantir seu tempo livre. Americanos para defender seu quintal. Argentinos por masoquismo. Franceses para garantir a aposentadoria. Ingleses já não sabem se são pós-cristãos ou neomuçulmanos.

E brasileiros votam porque querem mais Estado nas suas vidas. Mais Bolsa Família e mais bolsa empresário. Em mil anos rirão de nossa fé na democracia.' 

Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

BOLSA FAMÍLIA - O ENGODO DO SÉCULO


Quem paga o bolsa família são os próprios nordestinos.










Quem paga o bolsa família é o próprio beneficiado. O engodo do século.

Não é o Sudeste que paga o bolsa família do Nordeste, como a direita vive espalhando.

Não são os “esforçados” que pagam o sustento dos “preguiçosos” como muitos do PSDB estão afirmando.

Quem paga o bolsa família são os próprios nordestinos.

E não são os nordestinos ricos, são os nordestinos pobres.

Aliás são os próprios beneficiários do bolsa família. Trata-se do golpe de marketing do século, que a imprensa tucana sequer divulga.

Basta ler a lei que criou o bolsa família.

LEI No 10.836, que cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências.

§ 3o Serão concedidos a famílias com renda familiar mensal per capita de até R$ 120,00, o benefício variável no valor de R$ 18,00.

Só que quem recebe R$ 120,00 paga 40% de impostos, a carga tributária, ou seja R$ 48,00, em IPI, ICMS, INSS, etc…

E o governo devolve R$ 18,00 destes R$ 48,00 e se gaba de tê-los tirado da pobreza.

Mentira.

O governo os levou R$ 30,00 mais próximos da pobreza.

Brilhante! 

Por: Stephen Kanitz