sexta-feira, 31 de outubro de 2014

OS CINCO MITOS DO NARCISISMO

Você é narcisista? Um teste básico é: existe alguém no mundo que você ame mais do que a si mesmo?

Se a resposta for "sim", melhor para você. Se for "não", você é um pobre diabo, mas, provavelmente, tem algum livro idiota sobre autoestima no criado-mudo dizendo que você "tem direito de se amar acima de tudo".

Este "teste" é uma espécie de paródia da ideia de Santo Agostinho sobre a liberdade: se amamos, somos livres, porque escapamos da prisão que é nosso "eu".

Em 1979, Christopher Lasch lançava seu clássico "A Cultura do Narcisismo", abrindo uma tradição de aplicação do conceito de narcisismo (psicopatológico) de Freud à crítica da cultura e do comportamento.

De lá para cá, a coisa piorou, e tem gente mesmo dizendo que é melhor ser narcisista porque os neuróticos básicos vivem presos a ilusões bobas de amor e vínculos, e ao mal-estar eterno de não realizar nunca seu desejo plenamente porque temem a moral (e nem sabem direito qual é "seu" desejo mesmo). A cultura do narcisismo criou seus mitos de dignidade.

A professora de psicologia da San Diego State University, dra. Jean M. Twenge, tem duas pérolas (entre outros trabalhos) sobre a evolução do narcisismo em nossa cultura e nosso comportamento.

Em 2006, ela lançou o "Generation Me, Why Today's Young Americans Are More Confident, Assertive, Entitled -and More Miserable Than Ever Before" (numa tradução direta, "Geração Eu, Por que os Jovens Americanos de Hoje São Mais Confiantes, Assertivos, Conscientes de seus Direitos -e Mais Miseráveis do que Nunca").

Em 2009, ela volta à carga (junto com dr. W. Keith Campbell) com "The Narcissism Epidemic, Living in the Age of Entitlement" ("A Epidemia de Narcisismo, Vivendo na Era dos Direitos").

Aqui, o conceito essencial é "entitlement" ou "to be entitled to" (que aparece nos dois título acima) que poderíamos traduzir por "ter direitos de", no sentido de quando se diz "I am entitled to", significando "eu tenho o direito de".

A evolução estaria justamente no fato de que um miserável afetivo, incapaz de investir afetivamente ou intelectualmente no mundo, passou a ser o sujeito que se sente no direito a ter tudo. Esse sujeito é o tagarela, o bobo falante, das redes sociais.

Mas, no fundo, ele (ou ela, aliás; grande parte do debate de gênero hoje é somente narcisismo e histeria travestidos de análise da cultura e do comportamento) é um miserável, incapaz de sair de seu poço para contemplar os riscos da vida real.

Segundo nossos autores, existem cinco grandes mitos sobre o narcisista.

Primeiro mito: o narcisista tem muita autoestima. Em que pese o fato de que eu, pessoalmente, considero a expressão "autoestima" muito brega e acredito que nenhuma pessoa educada deveria usá-la, reconheço que a comparação com o narcisista, que os dois autores fazem, com a intenção de mostrar o quão ele é um miserável afetivo, funciona bem.

Alguém um pouco mais saudável é capaz de compromisso moral e vínculo afetivo no qual ele mesmo não é a única pessoa importante, coisa de que o narcisista é incapaz, atolado no pesadelo que é ser um "ser autossuficiente".

Mas pega bem posar de quem se ama muito num mundo bobo como o nosso.

Segundo mito: o narcisista tem baixa autoestima e, por isso, deve aprender a se dar valor. Não, ele "se acha". Professores que optam por "ensinar" autoestima para os alunos só ajudam a piorar a epidemia.

Terceiro mito: o narcisista é mais bonito e inteligente. Pelo contrário, o narcisismo é um traço de gente menos inteligente e que se acha feia.

Quarto mito: "algum" narcisismo é saudável. A pergunta é: saudável para quem? O narcisista é apenas aquele que foge quando o barco está afundando em nome de "seus direitos".

Quinto mito: o narcisismo é apenas outro nome para vaidade física. Não, é pior. É também materialista, mimado, agressivo quando criticado e incapaz de vínculo afetivo real.

Enfim, talvez um outro possível teste seja ver o quanto você usa a expressão "tenho direito de" ("I am entitled to") no seu dia a dia.

Essa expressão é uma das marcas da babaquice chique de nosso tempo. 

Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

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