quinta-feira, 9 de outubro de 2014

UCRÂNIA COMO TRAMPOLIM ESTRATÉGICO

O objetivo de Putin é tomar para si a indústria de defesa presente no leste ucraniano. Ele precisa de fábricas que construirão turbinas para seus submarinos e fábricas de mísseis balísticos em Dnepropetrovsk.


O Memorando de Minsk, que em teoria trouxe paz à Ucrânia, dá à Rússia um tempo de folga para que ela reagrupe, para futuras ações ofensivas, suas forças convencionais e clandestinas. Escrevendo direto da Criméia, um observador acredita que as forças russas movimentarão suas tropas em direção à Ucrânia quando o clima esfriar. Pelo menos um jornalista polonês acredita que os russos na verdade farão isso em questão de semanas. Previsivelmente nomeadas de República Popular de Lugansk e República Popular de Donetsk, esses dois territórios passaram a ser, de acordo com o memorando, enclaves russos permanentes instalados em território ucraniano. Será que a Rússia se satisfará com isso?

O que vimos anteriormente na Ucrânia foi uma série de insucessos russos que não se assemelham aos insucessos vistos de 1989 a 1991. Não, não, não devemos pensar em termos de uma retirada ou de uma ruína russa. Não é esse tipo de insucesso que vemos na Ucrânia. O que vemos é um insucesso russo ao tentar conquistar aquilo que se deseja no plano permanente, isto é, Odessa e uma grande porção do oriente ucraniano (além da Criméia). Devemos ter em mente que a política russa dos dias atuais não está baseada em enganar o Ocidente e fazê-lo acreditar que a Rússia é um país amigável. A atual política russa, que é uma política de teor bélico, lembra a política de Stálin nas décadas de 1930 e 40, quando o Exército Vermelho anexou o leste da Polônia, os Estados bálticos e invadiu a Finlândia. Nessa política não há qualquer pretensão de amizade com o Ocidente. Neste caso a hostilidade é aberta, francamente reconhecida, e acompanhada de efetivas manobras de tropas. Ou, como Putin supostamente vangloriou-se diante do presidente ucraniano: “Se eu quisesse, as tropas russas poderiam não apenas estar em Kiev em dois dias, mas também em Riga, Vilnius, Tallinn, Varsóvia ou também Bucareste”.

Com efeito, conforme reportagem do Daily Mail, Putin afirmou ter a habilidade de bloquear a tomada de decisões até mesmo no Conselho Europeu. Ele poderia até mesmo afirmar ter mais habilidades se ele estivesse inclinado a ser indiscreto, já que um departamento inteiro da KGB fora outrora inteiramente devotado ao gerenciamento de chefes de estado que eram agentes soviéticos. Pode-se imaginar que agora existam também subdepartamentos para o gerenciamento de burocratas do médio escalão. Sim, com efeito as tropas russas podem ir para muitos lugares. E elas irão, conforme o mundo verá.

No entanto, a Rússia foi rechaçada em sua primeira tentativa em território ucraniano. Para esclarecer, esse insucesso russo consiste em dizer que eles roubaram 1/5 do território em vez da totalidade dele (algo desse gênero). E assim, esse insucesso remonta ao dos anos 1939-40 na Finlândia. Não é um revés permanente. Não é nem mesmo uma verdadeira derrota, já que territórios foram conquistados; é apenas uma decepção por conta de ter conseguido menos do que se esperava. A intenção em 1939 era conquistar a Finlândia e tomar todo o país. Foram dadas às tropas russas instruções de conduta quando elas já estavam se aproximando da fronteira sueca. Evidentemente, a guerra não foi como se planejava. A Finlândia revidou e manteve sua independência (com alguma perda de território, assim como no caso atual da Ucrânia). Temos aí um tipo de paralelo que pode ser sugestivo.

Mas será que o Kremlin deixará a Ucrânia em paz?

Em 1940 a Finlândia conseguiu um acordo de paz não muito diferente do atual Memorando de Minsk. Algum território foi apartado, mas a Finlândia manteve-se independente. Há evidências de que após 1940, a Rússia soviética tinha intenção de re-invadir a Finlândia na primeira oportunidade que surgisse, mas eles acabaram sendo distraídos pelos nazistas. Em seu encontro em 1940 com o Ministro soviético de Relações Exteriores, Molotov, Hitler ficou perplexo e infeliz quando os soviéticos afirmaram propriedade sobre a Finlândia. Da mesma maneira, Moscou veio a fazer a mesma coisa nos dias de hoje em relação à Ucrânia (como se isso não tivesse implicações políticas no atual momento); sendo assim, é de se esperar um futuro ataque russo em terras ucranianas. Esperemos mais anexações e mais insurreições “separatistas”. Dado que todos os elementos da primeira ofensiva russa em 2014 não se solidificaram a ponto de produzir o resultado desejado, Moscou precisa apenas de tempo para inventar um novo plano (e para consolidar logo em breve suas alianças com China e Irã). Considerando também a política interna ucraniana, os agentes de influência são uma força multiplicadora que falhou nas recentes batalhas de desinformação, dado que não conseguiram sabotar totalmente as defesas ucranianas. Desta maneira, é necessário tempo para consertar os vários problemas para que tudo dê certo numa segunda ofensiva.

Em termos militares convencionais, a Rússia parece estar reforçando seu poderio de várias maneiras. Lê-se que há uma tropa de 4.000 na Criméia. Há relatos de planos para insurreições separatistas em outras cidades ucranianas (como Zaporizhia) e o reforço das tropas russas na Transnístria e em Kaliningrado. As aeronaves militares russas têm testado o espaço aéreo norte-americano. De fato tudo parece-se mais com 1939 do que com 1989.

Outra vítima de 1939 foi a Polônia, de maneira que é natural que os astutos observadores poloneses tenham uma percepção melhor que a dos demais da situação. Recentemente perguntei a um jornalista polonês bem informado acerca da situação na Ucrânia:

NYQUIST: Estava imaginando se você pensa que o cessar-fogo será mantido na Ucrânia e se você tem idéia do porquê os russos decidiram destruir a própria posição econômica através da beligerância.

JORNALISTA POLONÊS: O cessar-fogo na Ucrânia é pura ficção. Em algumas semanas veremos uma retomada da luta. O objetivo de Putin é tomar para si a indústria de defesa presente no leste ucraniano. Ele precisa de fábricas que construirão turbinas para seus submarinos e fábricas de mísseis balísticos em Dnepropetrovsk. Ele precisa de 2.000 motores de helicópteros militares por ano; As fábricas russas podem construir apenas 50 por ano. Ele precisa desesperadamente dos suprimentos ucranianos. Se ele não saquear o equipamento dessas fábricas, todo o programa de rearmamento será adiado. Ele não liga para sanções. Ele pensa no conflito com os países do centro-leste europeu e para isso está lutando para conseguir as ferramentas para esse tipo de guerra. Além disso, seu plano estratégico é isolar a Ucrânia do Mar Negro.

NYQUIST: O que você diz sobre o que move Moscou é interessante. Eu me pergunto quais as chances você acredita existir de que o povo russo se desencante com Putin quando sentir em sua plenitude o impacto econômico da isolação internacional da Rússia. Ou eles simplesmente se tornarão violentamente anti-ocidentais e culparão a OTAN e a América pelos seus próprios problemas? Ou será que a idéia de restrições comerciais em relação à Rússia (ou por parte da Rússia contra os outros) será solapada por aqueles na Alemanha e em outros lugares que prefeririam não ter sanções efetivas?

JORNALISTA POLONÊS: Visitei Moscou em novembro de 2012 e testemunhei a “Marcha Russkiy” — uma grande manifestação de opositores russos anti-Putin e nacionalistas. Conversei com essas pessoas, e muitas delas diziam que Putin é um bandido comunista que está destruindo a nação. Havia alguns milhares de pessoas nessa manifestação — apertadas em uma pequena rua próxima à margem do rio Moskva (o único lugar que se permitiu que eles protestassem) — enquanto que a multidão era maior num concerto em que Putin estava presente. Mais tarde olhei a mídia russa, polonesa e ocidental. Todas elas estavam dizendo que o pessoal da “Marcha Russkiy” não passava de um bando de neonazistas sedentos de sangue e manifestando apoio a Breivik e Mitt Romney. A mídia russa estava dizendo que os manifestantes estavam cantando “Romney vpyeryod!” “Vai Romney, vai!”

NYQUIST: [Então essas pessoas não contam?]

JORNALISTA POLONÊS: Noventa por cento da sociedade russa é politicamente inativa — eles sofrem lavagem cerebral da TV ou não querem se colocar em perigo ao se envolver com a política. A parte mais ativa dessa sociedade é nacionalista e anti-Putin, apoiadores de [Alexei] Navalny, etc. Assim, Putin está inflamando o nacionalismo extremo, não apenas para consolidar sua posição e reunir a nação em volta de um ditador, mas também para roubar o apoio dos seus opositores. Penso que após a empolgação nacional esfriar, muitos russos se desencantarão com Putin. Eles apoiavam-no porque ele deu a eles “estabilidade econômica”. O fracasso nesse caso não levará a uma revolução, mas servirá de apoio aos rivais que Putin tem na “elite” (Penso que a GRU e Serguei Choigu estão tentando solapá-lo). A coisa mais interessante nisso é como essa luta pelo poder poderia influenciar a situação em países como a Polônia. Até imagino porque caras como o General Stanislaw Kozeij (o verdadeiro manipulador do Presidente Komorowski) estão dando apoio à presença militar americana na Polônia.

NYQUIST: Recentemente, um ex-general do SBU [Serviço Secreto Ucraniano] chamado Alexander Skipalski explicou que “A Rússia opera por meio de redes de agentes que nem sempre sabem que estão trabalhando para a Rússia”. Mesmo confirmando a extensão dessas redes em Kiev e o verdadeiro grau de controle ao qual a Rússia desfruta (apesar de tudo), Skipalski não conseguia entender a razão da invasão russa à Ucrânia e as provocações separatistas. Por que irritar toda a Europa ao desencadear uma guerra sangrenta na Ucrânia? Por que colocar a Europa contra a Rússia? Por que aceitar tantos riscos quando a Ucrânia estava em condições de se recuperar facilmente? Que país não poderia ser tomado desde dentro pelos métodos de infiltração, chantagem, subversão e desinformação que os russos usam? Motores de helicópteros militares: quem mais compraria da Ucrânia? Certamente os russos manter-se-iam os principais consumidores desse tipo de mercadoria ucraniana. Por que então criar um sentimento anti-russo e tornar verdadeiros nossos medos ao invadir a Ucrânia com soldados russos? Por que anexar uma grande porção de um país que sempre cooperou com você, e que precisa continuar, por um conjunto de razões? Isso tudo trata-se de fábricas em Donbas ou estaria a Rússia buscando um pretexto para uma guerra maior? Se nenhuma agressão maior está no campo de intenções, parece ser o caso de dizer que Moscou perdeu o controle de Kiev e já vê a capital ucraniana orbitando a Europa Ocidental.

JORNALISTA POLONÊS: Os russos estão sondando a reação ocidental. [A verdadeira questão é:] O quanto eles podem fazer sem começar um confronto total? A Ucrânia é um ponto importante no calendário russo (assim como a Tchecoslováquia era importante para o calendário de Hitler, dado que a maioria dos tanques alemães usados eram tanques checos, feitos na fábrica da Skoda). A Ucrânia é um trampolim para outros planos. Putin está se convencendo de que a OTAN não travará uma guerra para defender os Estados bálticos, assim como Hitler estava convencido de que o Reino Unido e a França não declarariam guerra à Alemanha por causa da Polônia. De acordo com Illarianov, os russos começaram os preparativos para a invasão na Ucrânia em 2008 — muito antes da Revolução em Maidan. O conceito de Novorosya nasceu em 2003 — antes da Revolução Laranja. A guerra econômica contra a Geórgia começou em 2002 — antes da Revolução Rosa. Quanto ao General Koziej, não o considero um imbecil ordinário ou um agente de baixo escalão. Ele é um comandante do grupo de poloneses que comandam a Polônia pós-comunista, assim como Putin é o comandante da contraparte russa.

Ao apresentar minha conversa com o jornalista polonês, não posso deixar de citar algo dito pelo Ministro de Relações Exteriores, V. Molotov, para o Ministro de Relações Exteriores lituano no dia 30 de junho de 1940, e que tem um tipo de reminiscência que lembra o pensamento moscovita atual: “Estamos agora mais do que nunca convencidos de que nosso brilhante camarada Lênin não errou quando ele afirmou que a Segunda Guerra Mundial nos proporcionaria a possibilidade de tomar o poder na Europa, assim como fizemos com a Rússia após a Primeira Guerra Mundial. Por essa razão, você deveria começar agora a introduzir o sistema soviético no seu povo, pois no futuro ele dominará toda a Europa”. [ver S. Myllyniem, Die baltische Krise 1938-1941, Stuttgart 1979, pp. 118, 126.]

Há outra citação de Molotov que também se encaixa bem e que foi dada dia 1 de agosto de 1940: “Tivemos muitos sucessos, mas não temos intenção de nos satisfazer com o que já conquistamos [i.e. a anexação dos Estados bálticos, do leste polonês e do leste finlandês]. Para que possamos garantir sucessos cruciais no futuro, devemos sempre ter em mente as palavras de Stálin. Devemos manter toda a nação em um estado de mobilização, de preparação para um ataque militar, para que assim nenhum ‘acidente’ ou truque dos inimigos estrangeiros possa encontrar-nos despreparados. Se continuarmos a ter isso em mente... então nada que acontecer poderá nos surpreender, e assim teremos ainda mais vitórias gloriosas para a União Soviética”.

A natureza provocativa dos recentes exercícios nucleares russos deve ser vista sob essa ótica. A Rússia está pressionando e deve ficar vigilante para que alguém não a pressione de volta com um ataque nuclear. Conforme aprendeu amargamente Moscou da sua experiência, a questão da guerra preventiva não é infrutífera. Não era uma questão infrutífera para Hitler em 1940 quando ele leu as afirmações de Molotov numa reunião do gabinete de segurança, ou quando foram enunciadas as exigências russas em um encontro pessoal dele com Molotov. Hoje ouvimos as observações de Putin, mas evidentemente nossos líderes não são loucos como Hitler. Não haverá uma invasão da Rússia ou um primeiro ataque nuclear ordenado por Washington. Em vez de Hitler, temos Obama; até onde os russos sabem, ele é um doce; sim, um anti-Churchill (para colocar de maneira clara).

De fato, é hora de pressionar!

Por: Jeffrey Nyquist


Tradução: Leonildo Trombela Junior




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