quarta-feira, 11 de março de 2015

A FUNÇÃO DOS ESPECULADORES


“Sem especulação não pode haver nenhuma atividade econômica alcançando além do presente imediato.” (Ludwig von Mises)

Poucas são as profissões tão repudiadas pelo senso comum como a especulação de ativos. No entanto, o principal motivo para esse preconceito reside na falta de conhecimento acerca das funções que a especulação exerce no mercado. No livroThe Government Against the Economy, George Reisman defende a livre economia, mostrando que é justamente a interferência do governo, especialmente através do controle de preços, que tanto mal gera para todos. Como não poderia faltar, há uma embasada defesa dos especuladores, explicando de forma didática o mecanismo de ajuste e equalização dos preços através da especulação.

Em primeiro lugar, podemos considerar os arbitradores de preços em termos geográficos, ou seja, aqueles indivíduos que buscam o lucro através de oportunidades que surgem pelo fato de o preço de um determinado produto estar elevado em um lugar e baixo em outro. Havendo livre mercado, essa diferença tende a desaparecer, restando somente o custo de transporte como diferencial de preços. Como Reisman coloca, “o preço do mesmo bem tende a ser uniforme pelo mundo todo exceto pelos custos de transporte entre os mercados”. Isso é evidente demais para demandar maiores explicações. Ainda assim, este princípio econômico é amplamente ignorado, inclusive por muitos economistas.

Reisman escreveu seu livro em 1979, e a crise do petróleo era o tema do dia. Seu livro busca justamente demonstrar como a crise proveniente do embargo árabe poderia ser infinitamente menor caso o livre mercado fosse respeitado nos Estados Unidos. Mas a tentativa do governo de controlar preços foi, na verdade, o grande catalisador da crise. Para entender isso, não é preciso muito mais conhecimento do que o princípio econômico exposto acima. Com o aumento no preço causado pelo abrupto corte nas vendas do petróleo árabe, rapidamente haveria uma infinidade de arbitradores buscando obter lucros extraordinários onde o preço fosse maior. Com o mercado funcionando livremente, o mundo todo absorveria o choque, e apenas a diferença nos custos de transporte iria ditar a diferença nos preços finais.

A analogia que Reisman usa é um recipiente de água com divisórias e vasos comunicantes. Quando água é retirada de uma parte do recipiente, o restante da água segue um curso natural, movendo-se de lugares com maior pressão para lugares com menor pressão. O impacto é diluído entre todas as divisórias do recipiente. Em vez de uma divisória absorver todo o impacto e ficar sem água, todas as divisórias perdem somente uma pequena parcela da água que tinham. O mesmo se aplica às commodities, com a oferta procurando lugares com maiores preços, num processo que vai equalizando os preços em todo o mundo. O embargo faria os preços em alguns lugares dentro dos Estados Unidos subirem, mas imediatamente haveria arbitragem, e o resultado final seria diluído pelo mundo todo, graças aos arbitradores em busca de lucro.

A mesma tendência de equalização se aplica no caso de preços no tempo. Eis onde surge o importante papel dos especuladores. A relação entre o preço presente e o preço futuro de umacommodity é que eles tendem a diferir não mais do que os custos de estocagem somados a uma taxa de lucro do capital que deve ser investido nessa estocagem. Os especuladores – lembrando que o verbo vem do latim e significa algo como “tentar enxergar o futuro com os dados presentes” – tentam antecipar os movimentos que vão ocorrer nos mercados. Agindo dessa forma, em busca de lucro, eles acabam diluindo as oscilações abruptas no tempo. A atividade dos especuladores serve então para transferir oferta de um período no qual ela é menos urgente, como indicado pelos preços menores, para um período no qual ela é mais necessária, como indicado pelos preços maiores.

Como exemplo, pode-se pensar no petróleo novamente. Antecipando algum tipo de escassez futura, pelo motivo que for, os especuladores irão comprar petróleo no presente e estocá-lo. Isso irá forçar seu preço para cima no momento atual, incentivando uma menor demanda. Em compensação, esse petróleo estocado terá que ser consumido algum dia, e nesse momento os preços serão pressionados para baixo, estimulando a demanda. Nesse sentido, a especulação leva ao ponto ótimo de consumo para uma oferta limitada. É importante lembrar que toda empresa que decide sobre estoque de produção está especulando também, pelo mesmo princípio que o especulador. Consumidores que adiam ou antecipam as compras estão especulando também.

Mas pelo fato da especulação transmitir os preços maiores esperados no futuro para o presente, ela é denunciada como a causa desses maiores preços. Aqueles que assim o fazem estão ignorando que os estoques acumulados no presente como resultado da especulação terão que ser usados algum dia, e neste momento irão necessariamente agir de forma a reduzir os preços. Além disso, se os especuladores errarem em suas estimativas, eles mesmos são quem pagam o preço, pois compraram o produto e investiram em sua estocagem pagando preços maiores, sendo que deverão vender a preços mais baixos, arcando com o prejuízo. Se, por outro lado, acertaram na previsão, apenas anteciparam uma mudança na relação entre a oferta e a demanda, suavizando seu impacto nos preços no tempo.

Está certo que em alguns casos mais raros, a própria expectativa dos especuladores pode afetar o futuro, como numa profecia auto-realizável. É o que George Soros chamou de “reflexividade” dos mercados. Mas os pilares de uma economia precisam ser de areia para que os especuladores possam mudar assim os fundamentos. Era o caso da Inglaterra quando o próprio Soros ganhou rios de dinheiro especulando contra sua moeda, artificialmente manipulada pelo governo. Foi também o caso da crise asiática, novamente vítima de erros dos próprios governos locais. Muito mais comum é os especuladores apenas anteciparem os fatos, tentando trabalhar em cima dos fundamentos em si. São esses que realmente importam. Em uma economia livre e saudável, com indivíduos racionais interagindo, a especulação só tem a agregar, através dessa arbitragem de preços. Negar isso é o mesmo que dizer que remédios testados não são desejáveis, pois em alguns casos raros podem acarretar em piora do doente, que já estava mesmo com um pé na cova.

Em resumo, essa é a mais importante função dos especuladores: a arbitragem de preços tanto geograficamente como no tempo, garantindo maior liquidez para os mercados, o que leva a sua maior eficiência. Aqueles que culpam os especuladores por uma alta nos preços presentes estão ignorando um princípio básico de economia. Estão confundindo correlação com causalidade. Estão, em suma, condenando um termômetro por mostrar a febre do doente. Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

segunda-feira, 9 de março de 2015

ERNESTO GEISEL: O TESTAMENTO POLÍTICO DE UM PRESIDENTE MILITAR


Alguém pode questionar: regime militar, mais uma vez? Quando nos surge algo novo sobre determinado período histórico, ou uma evidência nova de um fato que já conhecemos, é sempre positivo que enriqueçamos as abordagens. Isso se torna ainda mais importante se tratamos de uma das fases da história brasileira que mais despertam paixões políticas, seguramente a mais “manipulada” e distorcida, por grupos opostos, para favorecer determinadas narrativas que lhes interessam particularmente. Entre esses que não estão genuinamente desejando compreender os 21 anos de comando dos “generais”, costuma restar propositadamente uma lacuna mal preenchida: a análise do pensamento expresso pelos personagens que fizeram a história. Seja porque são, “obviamente”, “heróis”, seja porque são “vilões”, pouco se leva em conta o que disseram ou alegaram sobre o que faziam. Os pesquisadores Maria Celina D’Araujo e Celso Castro, da Fundação Getúlio Vargas, nos deixaram um verdadeiro tesouro, ao realizarem uma série de entrevistas com o presidente que começou a chamada “abertura gradual”, o penúltimo mandatário do regime militar: Ernesto Geisel.

Nessa coletânea de diálogos exclusivos, voluntariamente aceitos pelo ex-presidente, lançada em 1997 com o simples título “Ernesto Geisel”, o leitor pode visitar, pelos olhos do personagem, fatos marcantes de quase um século da história brasileira, desde os movimentos tenentistas revolucionários da República Velha até o governo Itamar Franco, passando pelo movimento de 64, os governantes que o antecederam no regime (Castelo, Costa e Silva, a junta militar e Médici), seu próprio mandato e a relação com o sucessor Figueiredo. É uma oportunidade preciosa de entender com mais amplitude aquele período, a partir de quem o realizou.

O que destacar desse testamento político e histórico? O mais importante é que, se os fatos já não fossem suficientes para comprovar isso, o discurso da esquerda de simplificar em demasia para confundir, associando o regime militar a ideias capitalistas liberais, cai totalmente por terra, nas palavras do próprio Geisel. O que nós temos diante de nós é uma figura de viés nacionalista em sentido econômico, com desconfiança profunda do capitalismo liberal e das privatizações. Às informações que já temos disseminadas em fontes variadas sobre seu governo ter sido campeão na criação de empresas estatais, vêm se juntar, pela leitura desta obra, suas próprias afirmações positivas sobre o assunto.

Em seu “História do liberalismo brasileiro”, Antônio Paim referencia um autor chamado Wanderley Guilherme dos Santos, que, baseado em obra de Oliveira Viana, publicada em 1920, define o conceito de “autoritarismo instrumental”. Segundo Viana, o Brasil não seria uma sociedade liberal, e, para que se tornasse uma, demandaria um regime autoritário transitório que, à força, consolidasse as reformas necessárias. O discurso ideológico do regime militar – e aqui falo mesmo do regime, e não do movimento de 1964, já que são instâncias diferentes e exigiriam análises particulares minuciosas -, que se reflete em Geisel, evoluiu nessa direção. Em nenhum momento, os militares depois de Castelo Branco assumiram que uma ditadura indefinida seria o modelo ideal de governo para uma nação. Objetivamente, está claro que nem mesmo eles se atreviam a assumir que seu governo era uma ‘ditadura” – muito embora esteja claro que, tecnicamente, era um regime de exceção, por mais exageros que a esquerda aprecie pintar sobre o tema. A “Revolução” (termo que quase nunca é bom sinal) duraria apenas até que consolidassem suas reformas, que, pontua Geisel – atribuindo esse pensamento à chamada “linha dura” -, muitas vezes chegavam a ter a vagueza de um genérico “combate à corrupção”. Inegável que tivemos obras interessantes de infraestrutura, mas podemos dizer que “recebemos” daqueles regimes uma nação enfim avançada, com uma vocação liberal-democrática francamente estabelecida? Não me parece que o Brasil do PT confirme essa tese.

Do ponto de vista de sua classe de militares, Geisel diz que a desconfiança que havia para com Jango, o presidente deposto em 64, desde os tempos em que foi eleito vice de Jânio Quadros, vinha da ideia de que ele era “um homem fraco, dominado pelas esquerdas”, de “tradição vinda do getulismo com a política trabalhista”. Pessoalmente, estou de acordo com todas essas qualificações, no entanto Geisel avança em que se acreditava que o governo dele seria “voltado inteiramente para a classe trabalhadora, em detrimento do desenvolvimento do país”. O problema é que o conceito de Geisel acerca do desenvolvimento nacional não é muito diferente do conceito getulista. É um desenvolvimento conduzido, a mão de ferro, pelo próprio Estado. Um desenvolvimento que receia, por princípio, a “ordem espontânea” de que bem falava o economista austríaco Friedrich Hayek. Em matéria de Petrobras, a que nos preocupa tanto hoje e toma as manchetes de jornais, há um capítulo inteiro destinado à defesa de Geisel da manutenção do setor sob controle do Estado. Aí, ele apresenta o Brasil como um país vulnerável, em que o Estado deve ser o promotor e agente crucial do desenvolvimento. Geisel ataca diretamente o economista liberal Roberto Campos, que o acusava de ser “estatizante”, dizendo que a realidade brasileira exige que os governos se comportem dessa maneira e controlem fortemente o fluxo de capitais e recursos. Até mesmo a privatização das telecomunicações tinha sua oposição! “Como o país não tinha capitais próprios, como a iniciativa privada era tímida, às vezes egoísta, e não se empenhava muito no sentido do desenvolvimento, era preciso usar a poderosa força que o governo tem”, defendeu ele. Diante do cenário de crise, Geisel defendia que “ativar a economia, desenvolver o país”, para manter a segurança social era o atalho. Não queria tomar “medidas impopulares” que os “teóricos que nada produzem” alertavam serem necessárias. Precisamos lembrar quais foram as consequências para a economia do país do “altruísmo” do general? Por outra: não parece essa posição bastante familiar, se olharmos para o discurso do governo Dilma hoje? Que consequências isso trará para nós, atualmente?

Muito interessante notar que, manifestando-se sobre figuras com tendências realmente liberais ou conservadoras, na acepção que costumamos empregar, Geisel as via com receio evidente; ele chega a dizer que Carlos Lacerda, líder civil da UDN, o partido que tinha esse perfil na época, por exemplo, poderia se tornar, vejam só, “ditador”, caso chegasse à presidência da República. Incrível. Por acaso, o que os militares foram? Em que teriam sido superiores ou melhores, em gestão, ao governador da Guanabara, que deixou um legado tão notável às terras fluminenses?

Em termos de política externa, em vez da suposta postura de “capacho dos americanos”, tão constantemente atribuída pelas esquerdas a todos os presidentes militares, Geisel se ufana do que se chamava de “pragmatismo responsável”, sustentação de certa independência que motivou algumas importantes tensões com os americanos, em problemas que envolveram desde a polêmica nuclear, até acusações contra violações de direitos humanos pelo governo brasileiro. Acerca de suas posições sobre o regime político, Geisel defendia o presidencialismo, com centralização de poder nas mãos do líder máximo do Executivo, como modelo ideal para o Brasil, recorrendo sempre ao discurso de que nossas limitações e nossa “juventude” como nação nos impedem de dar voos mais altos, cabendo o parlamentarismo apenas a países mais avançados.

Começamos este artigo deixando claro que não devemos viver de maniqueísmos distorcidos. Com todas as reservas que temos a Geisel, reconhecemos que viveu em um tempo em que a tônica da política nacional era a disputa de diferentes formas de autoritarismo, com vozes liberais permanecendo quase sempre à margem da condução dos fatos. Sabemos, também, que comandou o país no meio de uma tensão entre forças mais radicais da “linha dura” militar e opositores estridentes, que nem sempre sabiam lidar com a situação delicada da melhor maneira ao exigirem as necessárias reformas de abertura. Necessárias, sim, porque, com todo respeito aos saudosistas do regime, um governo militar como aquele não é um modelo ideal de governo e não poderia realizar, persistindo indefinidamente, o Brasil que queremos. Articular-se pela abertura é, em teoria, algo bom, a despeito de erros que possam ter sido cometidos no processo.

Entretanto, o modelo de sociedade que Geisel parecia desejar ver no Brasil era tudo, menos liberal, na sólida expressão com que poderíamos sonhar. O que vemos na preciosa coletânea da Fundação Getúlio Vargas é alguém que enxergava o país como uma criança, que precisava de constante tutela de seus senhores – os governantes, o Estado – para conseguir avançar. Com uma imperfeita interrupção durante os governos tucanos, onde foram feitas privatizações que certamente desagradariam a Geisel, a Nova República que sucedeu Figueiredo tem mantido, na administração nacional, essa visão de um Estado grande a carregar consigo as esperanças de crescimento e justiça social. O petismo, supostamente representante do que haveria de mais avesso a Geisel, apresenta assustadoras semelhanças com o militar. Assustadoras, para quem não entende a história das ideias políticas no Brasil, e, com isso, desconhece o verdadeiro adversário cultural que deve enfrentar. Pois o que queremos é que a criança cresça e se torne adulta; para isso, deverá se libertar do agigantamento do tutor, e fortalecer em si a consciência do que é ser livre. Por Lucas Berlanza, publicado no Instituto Liberal

domingo, 8 de março de 2015

AS LEIS DA SELVA

Terroristas encapuzados atacam um jornal satírico francês. Matam dez jornalistas e dois policiais. Nos minutos seguintes, nas horas seguintes, nos dias seguintes, os sábios mentecaptos que ajudaram a criar o caldo relativista em que os fanáticos cresceram e prosperaram cumprem essas cinco leis (sem exceção):


1ª lei - Não importa se o sábio mentecapto é ateu, agnóstico ou crente. De joelhos, ele reza a todos os santos para que os autores da chacina não sejam muçulmanos. O ideal era que fossem judeus (de preferência israelenses) ou, vá lá, cristãos. Alguns dos sábios, apesar de praticarem ioga, não se importariam que o terrorismo fosse budista, só para variar: dois monges com os ensinamentos do Dalai Lama debaixo do braço matando toda a gente com um "mantra" assassino.

2ª lei - É oficial: os terroristas professam a religião islâmica e afirmam, orgulhosos, que mataram em nome do profeta. Os sábios mentecaptos sofrem um leve desmaio.

3ª lei - Reanimados com teses de doutorado instantâneas sobre "islamismo", os sábios mentecaptos começam a disparar que não é legítimo fazer qualquer identificação entre "islã" e "terrorismo". O fato de os terroristas terem expressamente usado o Corão e o nome do profeta para realizarem os seus massacres nem sequer deve ser mencionado. Somos nós, ocidentais, que confundimos as coisas, nunca eles.

4ª lei - Procurar causas exteriores para explicar o massacre. Pode ser o defunto George W. Bush. Ou então é a "islamofobia" que "marginaliza" os marginais. Alguns dos sábios mentecaptos chegam mesmo a comparar a situação de exclusão dos muçulmanos que hoje vivem na Europa com os judeus do gueto em plena 2ª Guerra Mundial. Compreende-se: os judeus eram enfiados em guetos pelos nazistas porque, como todos sabemos, alguns deles tinham por hábito plantar bombas ou matar civis em nome de uma interpretação radical da Torá.

5ª lei - Culpar as vítimas. No caso do jornal "Charlie Hebdo", as vítimas eram jornalistas, cartunistas e policiais. Todas elas têm culpas repartidas. Os policiais porque representam a face visível da repressão (aqui, o sábio mentecapto cita Zizek). Os jornalistas e os cartunistas porque excederam os "limites" e não mostraram "deferência" pela sensibilidade dos fanáticos.

Daqui a uns dias, daqui a uns meses, daqui a uns anos, quando surge novo massacre, o sábio mentecapto regressa à lei nº 1 e repete todos os passos com igual coerência.

Perante isso, qual deveriam ser as cinco leis que uma pessoa racional deveria exibir perante a chacina de Paris? Arrisquemos:

1ª lei - Reconhecer que existe uma desproporção entre atentados terroristas com caução islâmica e atentados terroristas motivados por outras questões (nacionalistas, étnicas etc.). Quando existe um atentado com os contornos do parisiense, é legítimo presumir que o terrorismo islamita está de volta.

2ª lei - Não desmaiar com o fato. Procurar entendê-lo: saber como e onde se radicalizaram os assassinos –na França ou no exterior? E, dependendo das respostas, saber como foi possível o florescimento de uma indústria de ódio dentro das portas ou como se permitiu a entrada nas fronteiras de quem aprendeu a lição fora delas.

3ª lei - Existe uma relação entre "islã" e "terrorismo" que é estabelecida pelos próprios terroristas. Isso cria um problema à religião muçulmana e obriga os líderes religiosos a condenar enfaticamente quem comete tais "heresias". O xeque da mesquita de Lisboa, por exemplo, disse sobre o assunto: "Se eles não estão satisfeitos em viver num país liberal, podem emigrar e deixar-nos em paz". É a resposta de um homem corajoso e bom.

4ª lei - Não procurar causas exteriores ao massacre. Elas não existem. O que existe é um fanatismo semelhante aos totalitarismos do século 20: o mesmo ódio à liberdade e a mesma pretensão em submeter a sociedade a uma utopia de trevas.

5ª lei - As vítimas são vitimas. Se o islã ainda não teve a sua Reforma (e o seu Iluminismo), problema dele. O "Charlie Hebdo" usava ácido sulfúrico sobre cristãos, judeus, muçulmanos, hindus, animistas ou druídas. Se isso fere a "sensibilidade" dos crentes, eis o preço a pagar para quem deseja viver no século 21 –e não na Idade Média.
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

QUERO UMA ROSA VERMELHA

No dia 8 de março quero uma rosa vermelha para enfeitar meus cabelos e me deixar mais faceira. Uma rosa que perfume minha feminilidade, que me inspire a descobrir nos confins da humanidade o porquê de minha essência e os mistérios que abrigo ao conter a maternidade.

E neste dia que é meu, que me deram de presente, quero um vestido rendado todo branco, imaculado, onde possa colocar entre frisos e babados a rosa vermelha orvalhada das lágrimas de outras mulheres que nunca foram felizes. Quem sabe assim eu pudesse resgatar-lhes a alegria.

Ah, neste dia que é das Marias de todo jeito e feitio, umas pobres, outras ricas, outras brancas de luar, outras tisnadas de ébano e aquelas orientais com seus olhinhos de amêndoa assim puxados para trás, não quero nem discursos nem palestras, nem queixumes, nem lamúrias, nem cantilenas, nem nada que seja falso mesmo que seja um poema.

Só quero meu alvo vestido, a minha rosa vermelha e quero descer a ladeira de outros séculos passados. Olhar nas brumas distantes, afastar véus e cortinas e me entrever sinhazinha na casa colonial de chão de tábuas corridas, de janelas de treliça por onde a rua espiasse e logo reconhecesse o trajeto tricotado com os novelos da história das mulheres brasileiras.

Na verdade muito espiei a partir daquele quadrado tão restrito e acanhado, mas do qual eu avistava um divertido planeta de onde um dia viria de maneira infalível e num cavalo montado o meu príncipe encantado, o namorado escolhido e por meus pais adotado.
Agora me vejo senhora. Tenho um senhor meu marido que me deram aos treze anos e me valeu sobrenome e muitos filhos bonitos que nem me deram trabalho porque Quitéria cuidou, deu seu leite, seu amor, enquanto eu ficava na rede me abanando de calor, engordando com os doces que me trazia Quitéria e pensando no domingo.

Domingo, que belo dia! É dia de sair, é dia do passeio esperado, de ver o mundo lá fora, o sol brilhando no espaço e me esquentando por dentro do espartilho apertado. De ir à missa bem cedo, de ouvir no campanário a melodia dos sinos. E de me jogar de joelhos nos degraus do confessionário. Que coisa melhor é esta de poder contar meus mistérios ao bom Padre Eleotério? Nem tanto por meus pecados que não são tão graves, mas sim de desabafar, pois o senhor meu marido anda para lá de esquisito. Vira e mexe aparece com um novo afilhado. E esses meninos morenos que brincam com meus lourinhos pondo toda a casa-grande em tremendo burburinho de onde brotam meu padre? Que fazer com essa minha ingenuidade? 

“Faz nada não, minha filha. Isso é assunto de homem. Cuide de seus afazeres. Reze mais três rosários. Deus quis homem e mulher em destinos separados. O que o homem pode fazer nunca pense em repetir nem em seus sonhos sonhados, porque fazendo você Deus considera pecado”.

Agora venho de volta nessa ladeira do tempo subindo por cada século, sempre com a rosa vermelha e meu vestido rendado que arrasta pelo chão seus bordados delicados. A paisagem mudou. Vejo fábricas, lojas escritórios, lugares a fervilhar onde posso trabalhar se assim tiver vontade e o marido deixar. Vou a festas e teatros, além, é claro, da Igreja, onde rezo para Maria nossa rainha e padroeira. E a ela pergunto em vão: “Por que, minha Mãe, por que, ainda não veio permissão para a mulher receber bem mais alta educação?”
E a Santa a sorrir parecia me dizer: “Espera, minha filha, espera, que essas coisas hão de vir, mas nada vai lhe ser dado, é preciso conquistar, é necessário querer e sempre se paga um preço por aquilo a receber. Além do mais dobrará sua responsabilidade e muito cuidado com o que chamam de liberdade. Se dela não fizer bom uso, virá a liberalidade e isso jamais trouxe ao mundo a sonhada felicidade”.

Eis-me agora retornada das ladeiras da vida ao ponto de minha partida. Reparo, então, em coisas que antes não reparava. Há diplomas conquistados no universo feminino. E quantas mulheres vejo em cargos dos mais elevados. Por todas as partes estão, pois muito se obteve com trabalho e educação. Conquista, é bem verdade, que fez redobrar tarefas entre a chefia da empresa e as lides do fogão. 

Outras dão continuidade apenas à tradição e ainda espiam o mundo das janelas de treliça. Esperam pelo domingo e o dia da procissão. Desconfiam do marido se ele chega atrasado.
E existem muitas daquelas que em nome da liberdade trazida por novos tempos, apenas se aviltaram e mais se coisificaram sem perceber as coitadas que liberdade é uma coisa que deve ser bem usada.

Tampouco há liberdade no tolo palavreado cavado sobre o abismo do machismo e do feminismo. Nem na falta de cavalheirismo ou mesmo de romantismo tidos como obsoletos, mas cuja falta frustra, pois relações que se prezam vêm mesmo é do coração.
No dia 8 de março quero uma rosa vermelha, um vestido branco e rendado que arraste pelo chão um leque bem delicado, levemente perfumado, um amor e uma canção.
Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.

sexta-feira, 6 de março de 2015

O TRIUNFO DOS PORCOS

1. Todos os domingos, presto homenagem ao mundo lusófono. Como? Fazendo um churrasco aqui na Inglaterra, embora os meus vizinhos talvez não apreciem o gesto. Por causa do cheiro?


Não. Por causa das carnes. Os meus vizinhos são a Oxford University Press, que pelo visto tem problemas com "porcos", "salsichas" e outros produtos associados.

Em recomendação editorial aos seus autores, e sobretudo aos escritores de histórias infantis, a vetusta Oxford University Press aconselha que tais palavras sejam evitadas para não ofenderem muçulmanos e, vá lá, judeus. Segundo a empresa, os livros são vendidos em mais de 200 países. É preciso ter "sensibilidade" para respeitar a "sensibilidade" de culturas diferentes.

Eu, por mim, concordo e prometo moderar as minhas gulas suínas. Só não entendo por que motivo a editora se limita ao inocente porco. Em nome de uma agenda verdadeiramente multiculturalista, o pessoal da Oxford University Press deveria apagar dos seus livros tudo aquilo que ofende alguém, algures, em qualquer religião ou sociedade.

Porcos, sim. Mas também o uso abusivo de vacas (sagradas na Índia); marisco (que os judeus mais rigorosos condenam); e várias classes de peixes (que muitas tribos africanas não consomem).

Depois dos bichos, a empresa poderia avançar com iguais limpezas na sua literatura (apagando personagens homossexuais; cenas de sexo fora do casamento; casos de aborto ou eutanásia); nos seus livros científicos (Darwin seria o primeiro a ser jogado no lixo); e até nos manuais médicos (todos sabemos que a menstruação pode provocar explosões em Cabul ou Riad).

No final dessa purga, não sei quantos livros a Oxford University Press teria para vender. Mas, como dizem os eruditos, quantidade nunca foi qualidade.

2. Em Paris, dois homens encapuzados fizeram 12 mortos no ataque ao jornal "Charlie Hebdo". No fim, gritaram palavras heroicas em nome do profeta. Confrontados com esse episódio, qual a melhor palavra para descrever os dois autores do massacre?

Se o leitor pensou na palavra "terroristas", a BBC discorda: em entrevista ao jornal "The Independent", um dos diretores da casa afirmou que a palavra é um pouco "pesada" e que basta dizer "dois homens armados" para arrumar o assunto. Sem nenhuma carga pejorativa.

O sr. Tarik Kafala tem toda a razão. E o que é válido para Paris é válido para a Nigéria, onde o pessoal do Boko Haram continua a degolar "infiéis" com uma impressionante eficácia. Se uma pessoa começa a chamar "terrorista" a alguém só porque ele gosta de degolar "infiéis" em nome da sharia, eu pergunto com tristeza onde este mundo vai parar.

3. O ator Benedict Cumberbatch, que assina um papel estimável como o matemático Alan Turing em "O Jogo da Imitação", concedeu uma entrevista radiofônica onde lamentava a ausência de "coloured actors" ["atores de cor"] na indústria cinematográfica.

Desastre: no dia seguinte, os jornais vergastaram Cumberbatch pelo uso da expressão e ele, desolado, pediu desculpas pelo sucedido.

Fez muito bem: de que vale defender as minorias quando tudo que importa é a correção das palavras?

Claro que, aqui entre nós, eu honestamente não sei que palavra teria sido mais apropriada para defender atores, digamos, que têm a pele, digamos, com um tom ligeiramente mais, digamos, inclinado para a direita na paleta cromática.

"Negros" seria imperdoável. "Pretos" seria um suicídio. "Pessoas de cor" seria erro semelhante -e, além disso, um pouco circense. "Afro-americanos" poderia deixar de fora os "afro-ingleses"-ou então partir do pressuposto, ofensivo e colonialista, que todos eles vieram da África.

A verdade é que, no meio da discussão, não encontrei uma única proposta capaz de garantir terreno livre. O que permite concluir que o melhor é não falar da discriminação que existe contra atores, digamos, você sabe. Esse silêncio, em rigoroso respeito pela etiqueta politicamente correta, será muito útil na luta pela igualdade de atores, digamos, enfim, desisto.

Razão tinha George Orwell, quando dizia que a tirania dos homens começa com a tirania das palavras. Sim, Orwell, aquele escritor que imaginou o mundo em que vivemos: um mundo dominado por porcos, por mais que isso custe à Oxford University Press.
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 5 de março de 2015

PAIS CHATOS

Vivemos num mundo das modas de comportamento. Por exemplo: pais chatos. Você me pergunta o que é um pai chato? Pode ser uma mãe chata também, mas quando é pai, é pior ainda. Explico logo o porquê.


Antes, um reparo: evidente que os pais devem se ocupar da educação dos filhos. Ponto. Mas tem limite. Quer ver?

Há anos, quando meus filhos estavam em idade escolar, fomos, minha mulher e eu, a algumas reuniões. Poucas, porque sempre achamos que pais deveriam ser educados e não frequentar muito essas reuniões porque os professores, no final do dia, já estão cansados de correr atrás de nossos pestinhas. Ah! Esqueci: hoje não se pode mais falar assim. Nossos "hiperativos".

Meus filhos estudaram numa dessas típicas escolas da zona oeste paulistana que custam R$ 3.000 por mês, ainda que professores preguem voto no PSOL e levem os meninos para acampamentos do tipo MST.

Lembro-me de uma reunião em especial em que uma mãe, sentada atrás de mim, enchia o saco da professora de história, conhecida por ser amada pelos alunos, porque ela achava que o programa de história deveria contemplar mitos (o assunto era história antiga) nos quais as mulheres fossem guerreiras "empoderadas" (a palavra já dá vontade de vomitar...). E, também, que deveriam dar menos espaço para gregos, romanos, hebreus e mais para outros povos.

A professora, coitada, educadamente, depois de uma dia inteiro de trabalho, tentava explicar à mãe chata que, em se tratando de história antiga ocidental, não se podia negar a importância dos gregos, romanos e hebreus. Os demais povos seriam contemplados (lembre-se: estamos falando de Antiguidade!), mas esses três eram essenciais (na Antiguidade!) para a matriz ocidental.

Outro tipo chato é aquele que acha que a escola deve ensinar os alunos a mexer em computadores e afins. Normalmente, o cara é engenheiro ou algo assim, mas acha que, porque tem um carro coreano grande e branco, pode ensinar padre-nosso ao vigário. Só gente mal informada acha que criança de classe média precisa de escola pra aprender a mexer em computadores e afins.

Mais um tipo é aquele participativo em todas as atividades da escola e que leva a sério quando, educadamente, a instituição convida os pais a serem mais "presentes no dia a dia da escola".

Esse é aquele tipo que se senta na primeira fila nas reuniões e fala o tempo todo. Quando acaba a reunião, lá pelas 22h, ele quer conversar com a professora enquanto ela pega a bolsa e se dirige para o seu carro.

Tipo muito interessado em saber como seu filho vai na escola, mas que na realidade quer falar de algo que ouviu falar numa dessas reuniões com gurus que falam sobre motivação em empresas, e acha que a professora deveria ler esse tal guru que ganha milhões ensinando bobagens sobre liderança. O mundo corporativo gasta milhões com gente fajuta.

Ou, quem sabe, pior ainda, aquele tipo que, em escolas de crianças muito pequenas, quer demonstrar sua condição de pai contemporâneo, disputando com as mães quem sabe mais sobre alimentação infantil.

Tem mais um hilário (entre tantos outros): os pentelhos que querem dizer para a coordenação que a escola deveria colocar disciplinas novas, como "biking". Eita mundinho chato, esse.

Estou devendo a você uma explicação de por que, normalmente, os pais assim acabam sendo mais chatos do que as mães.

Uma das novas modas de comportamento é a mania de homens quererem o tempo todo provar que entendem melhor de bebês do que as mães. Essas, coitadas, acabam cedendo à moda porque, além de quererem ou precisarem trabalhar, não podem negar ao marido a ilusão de ser um "pai contemporâneo". Outras, infelizmente, creem de verdade que o fato de os homens não poderem amamentar é uma injustiça social ou de gênero (o "gender gap").

Óbvio que existem pais que sabem lidar com filhos pequenos. E mães que não são lá tão obcecadas pelos filhos. Pena. Mas, na maioria esmagadora dos casos, devemos deixar que as mulheres cuidem dessa área, porque elas sabem há milênios o que significa carregar uma criança nesse mundo.
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

COMO TIRAR DINHEIRO DOS RICOS

Todo dia precisamos convencer alguém a colocar a mão no bolso e transferir dinheiro para o nosso bolso.


Única forma para que possamos nos sustentar e também às nossas famílias.

É um trabalho árduo, na realidade é a essência do trabalho.

Convencer um cliente a botar dinheiro em nossas mãos, espontaneamente.

Infelizmente alguns fazem isto roubando, mentindo que vão devolver com ganhos financeiros espetaculares, ou vão nos devolver no céu, e assim por diante.

Outros o fazem honestamente, oferecendo produtos ou serviços que o outro realmente quer e está disposto a pagar.

E muitos já descobriram que tirar dinheiro dos ricos é muito mais fácil do que tirar dinheiro dos pobres, simplesmente porque os ricos têm mais para gastar.

É o que já descobriram os artistas plásticos, pintores de arte moderna, decoradores, arquitetos, advogados, asset managers, e uma penca de profissionais.

Infelizmente o brasileiro está sendo induzido cada vez mais pelo governo e economistas, como este tal Thomas Piketty, a achar que a única forma de tirar do rico é pelo uso da violência.

Violência forçada por impostos cada vez maiores que ninguém obviamente quer pagar.

“Eu não vou pagar estes impostos, é dinheiro jogado fora, prefiro gastar a metade em projetos sociais perto da minha empresa.”

“Sentimos muito, se o senhor não pagar estes impostos será preso, e se tentar fugir da prisão temos ordens para atirar no senhor.”

Pessoas que acreditam na violência para tirar dos ricos e dar 10% aos pobres, como no Bolsa Família, são pessoas violentas por definição.

Assaltaram bancos no passado, financiam campanhas políticas com dinheiro roubado por corrupção, etc, etc.

E usarão da violência, como já usam há 500 anos.

Não estou falando do PT, mas de todos os políticos brasileiros.

Nunca vi governo brasileiro tentar convencer os ricos a doar espontaneamente para os pobres via ONGs e entidades beneficentes.

De 1997 a 2007, no site filantropia.org que eu criei, pela primeira vez no Brasil se catalogava as 400 maiores entidades filantrópicas com suas contas bancárias, que conectava automaticamente com a conta bancária do internauta.

Nenhum político ou membro do Ministro da Cultura, Cidades, Bem-Estar Social, Educação, jamais me procurou ou mostrou interesse.

Com a experiência que eu tinha escolhendo as melhores empresas brasileiras em Melhores e Maiores, da Revista Exame, criei o Prêmio Bem Eficiente para mostrar aos ricos nossas melhores ONGs, as mais eficientes, para que eles doassem espontaneamente e ajudassem a melhorar o Brasil.

Também nenhum político ou membro do Ministro da Cultura, Cidades, Bem-Estar Social, Educação, jamais me procurou ou mostrou interesse.

Nenhum jornalista de esquerda jamais sentou na plateia no dia da premiação, para aplaudir as pessoas que fazem o bem e que nunca são entrevistadas.

Mas Thomas Piketty, o economista do uso da violência, recebeu até capa da Veja.

Nenhum destes jornalistas que se dizem de direita como Reinaldo Azevedo, Miriam Leitão, Olavo de Carvalho, jamais mencionaram este prêmio, mostrando que era o caminho a seguir, muito menos aplaudiram.

Basta fazer um Google com “Prêmio Bem Eficiente”.

O Prêmio Bem Eficiente tem mais citações do que o prêmio Peter Drucker, que tem o mesmo objetivo.

Convidei o Presidente Fernando Henrique Cardoso para todas as 10 premiações, via meu amigo Nizan Guanaes, um dos patrocinadores do Prêmio.

E a resposta era: ele não vai a este tipo de evento, porque é área da esposa, convide Dona Ruth Cardoso.

Ela também nunca veio. 

Fiquei sabendo que ela achava “o prêmio elitista” apesar do terceiro setor ajudar 40 milhões de pessoas, mais do que o Bolsa Família.

Tentar convencer os ricos a doar espontaneamente, voluntariamente, sem o uso da violência, não é do feitio dos nossos marxistas e intelectuais.

A todos que a consideravam uma santa, lamento dizer que não era esta a minha impressão.

Tanto é que FHC terminou com o maior índice de rejeição justamente no Terceiro Setor, e como previ, garantiu a eleição do Lula.

Não estou discutindo aqui o fim dos impostos, nem a ausência do Estado.

Estou simplesmente alertando que nenhum governo, jornalista e intelectual brasileiro têm defendido a ajuda espontânea como uma forma de resolver os problemas sociais. É sempre pelo uso da violência, por mais e mais impostos “distributivos”.

Só que a filantropia escolhe melhor os projetos, avalia melhor, desperdiça menos, é mais satisfatória para o doador, e não tem o objetivo de manter um povo dependente do Estado.
Algo para se pensar. Por: Stephen Kanitz

quarta-feira, 4 de março de 2015

A TRAGÉDIA GREGA DE HOJE

Suspeito que Yanis tenha sido influenciado pelo fato de que somente trabalhou na vida numa faculdade de Economia.


O professor de Economia guindado a ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, considerado o melhor indicado para negociar com os 400 bancos para quem a Grécia está devendo, saiu com esta pérola, aliás artigo, “Como me Tornei um Marxista“.

Triste começo para uma negociação, e um rápido caminho para a saída da Grécia do euro, que muitos acham que será mais um retrocesso para a Grécia, Portugal, Espanha e Itália, que poderiam ser os próximos.

Poderia até ser o fim do euro, e o começo de mais uma crise europeia.

Yanis se diz marxista porque segundo Marx:

” i) labour as a value-creating activity that can never be quantified in advance.”

Traduzindo, Marx e Yanis, que também nunca estudou Administração, acham que como não dá para determinar qual a contribuição de cada funcionário em termos de adição de valor ao produto, todos numa empresa deveriam ganhar a mesma coisa.

Muito conveniente para os funcionários menos competentes, mas a lógica não é exatamente convincente. Como os economistas ainda não sabem medir certas coisas, todos nós vamos receber igualmente.

Eu suspeito que Yanis tenha sido influenciado pelo fato de que somente trabalhou na vida numa faculdade de Economia.

Num curso de quatro anos eles não conseguem até hoje determinar o valor de contribuição de cada professor de Economia ao valor final do economista formado.

Por isto, na visão marxista, o professor de Derivativos deve ganhar a mesma coisa que o professor de História Econômica. “Nada mais justo.”

Pelo jeito, Yanis e certamente Karl Marx, nunca perceberam porque os professores de História são muito melhores do que os professores de Derivativos.

E que os melhores professores de Derivativos deixam de ser professores e vão trabalhar em banco, em vez de dar aulas.

E os professores de Derivativos que de fato dão aula são péssimos, e seus alunos fazem mega bobagens que geram crises mundiais de tempos em tempos.

Mas para Yanis, uma única observação de uma ideia maluca basta, e vamos generalizar para toda a Grécia e todo o mundo, via luta de classes.

Só que existe esta preocupação em Administração, a de dar a cada profissão o valor justo de sua contribuição final.

Até eu já dei duas destas matérias na USP, Controladoria e Contabilidade Divisional.

Temos também Administração por Resultados, Contabilidade por Responsabilidade, enfim tem muita discussão “marxista” possível, mas que não é feita nos nossos círculos marxistas.

São métodos perfeitos?

Não, mas dar o mesmo salário para todos os professores de Economia de um mesmo departamento incentiva o corpo mole, a falta de inovação nas matérias e até o parasitismo social.

Quem é aluno de uma faculdade de Economia sabe quantos economistas de dois séculos atrás são ensinados como sendo atuais hoje em dia.

Por que alguém deveria se esforçar em melhorar suas aulas num sistema marxista onde o salário é determinado pelas horas que você permanece na faculdade?

Esta é a visão de um ministro atual de Estado.

Mas a pior frase do seu artigo foi porque ele se tornou marxista.

“My personal nadir came at an airport.

Some moneyed outfit had invited me to give a keynote speech on the European crisis and had forked out the ludicrous sum necessary to buy me a first-class ticket. 

On my way back home, I was making my way past the long queue of economy passengers, taking the Fast Track lane.”

Yanis deu uma palestra de graça porque não poderia ser remunerado fora da escola, que era ilegal.

O provável banco, “endinheirado”, decidiu então pelo menos lhe dar um bilhete de primeira classe, que dá o direito ao Fast Track, e evita as longas filas de imigração da classe econômica.

“Aí percebi que estava sendo contaminado pelos privilégios do capitalismo.”

Que ingênuo este Yanis!

Dar palestras de graça para não ser pego pela faculdade não é capitalismo.Eu dou palestras e sempre negocio pagar minha passagem. Eu também não me incomodo com filas e prefiro a grana da primeira classe no meu bolso, e vou de econômica. Yanis poderia ter feito o mesmo, mas ele não fez.As filas são devido à ineficiência do Estado na imigração, não do capitalismo.Não deveria ter fila para a classe econômica nem para ninguém, mais uma vez nada a ver com capitalismo.Classe econômica sem filas requer mais funcionários públicos, mais custos, e assim seria uma classe menos econômica.No socialismo as filas são uma constante porque o objetivo é reduzir custos, e o tempo de um socialista na fila não é considerado por Marx e Yanis um custo social, mas é.Receber uma passagem de graça e dar uma aula de graça é típico do socialismo, não do capitalismo.No capitalismo tudo é transparente, “quanto você quer para dar uma palestra para os clientes do nosso banco, na Alemanha?”, e ponto final. Você se preocupa com hospedagem e passagem, faz parte do meu core business como palestrante, não do banco.

Ao contrário do que muitos de vocês estão pensando havia vários cursos de Administração na época de Karl Marx, um até em Paris, fundado por Jean-Baptiste Say.

E existem milhares de escolas de Administração, e livros de Administração que este Yanis, agora ministro das Finanças da Grécia, poderia ter cursado.

Mas não o fez.

Prefere arruinar a Grécia ainda mais porque odeia os bancos para quem fornece palestras de graça, filas na imigração geradas pelo Estado, pagamentos adicionais pelos empresários para não ficar na fila, e que não sabe negociar e cobrar pelas palestras que faz.

Um ministro que agora terá que negociar bilhões de dólares, certamente será um desastre.
Por: Stephen Kanitz

A DEMOCRACIA CONTRA O AJUSTE FISCAL

Na campanha eleitoral, Dilma Rousseff garantiu que não daria um "cavalo de pau" em sua desastrosa política econômica. Logo depois, convocou Joaquim Levy para promover um severo ajuste fiscal. Na campanha, acusou Aécio Neves e Marina Silva de cercarem-se de "banqueiros" para conspirar contra as "conquistas do povo". Agora, como parte do ajuste concebido por seu "banqueiro", dirige ao Congresso um pacote de cortes de benefícios trabalhistas e previdenciários. Num editorial (15/2), a Folha pede que, em nome da credibilidade das finanças nacionais, o Congresso aprove o arrocho. A mensagem subjacente é que a política pode ser o reino da irresponsabilidade, com a condição de que a economia seja o da responsabilidade. Ou, em outra versão, que a função patriótica dos parlamentares é arcar com os custos do estelionato eleitoral praticado pela presidente.


Em nota oficial, o PT condenou os cortes almejados pelo governo. Em princípio, isso significa que o Congresso é chamado a convalidar o pacote contra os votos do principal partido governista. Há algo de divertido nessa ideia, que forma o núcleo oculto do editorial. O PMDB e os demais partidos da base, junto com o PSDB e os outros partidos de oposição, exerceriam o "patriotismo" de aprovar medidas impopulares, enquanto o PT seria oportunamente "derrotado", mas permaneceria na trincheira da defesa do "povo". Há um modo melhor de virar a democracia pelo avesso?

Dilma jamais admitiu a falência da política econômica de seu primeiro mandato. No discurso da segunda posse, cantou as delícias do país de suas fantasias, lançou a culpa pela recessão no cordeiro sacrificial da crise externa e reiterou as acusações contra a malvada oposição "neoliberal". Seus auxiliares esclareceram que Levy é um desvio de rota circunstancial, um curativo na ferida exposta, não o sinal de uma mudança de rumo. O BNDES prepara um socorro de US$ 3,5 bi à Sete Brasil. A Petrobras continua sob a direção de um "companheiro". Por qual motivo os parlamentares devem se associar à política da negação, que articula uma austeridade sem reformas de fundo?

Ontem, o governo dizia que os benefícios trabalhistas e previdenciários representavam um patrimônio intocável de conquistas sagradas do povo. Hoje, argumenta que o pacote de cortes destina-se a corrigir desvios, evitando fraudes. Ficamos sabendo, portanto, que os governos lulopetistas iludiram o país durante 12 anos, que a gerente implacável conviveu pacificamente com os abusos ao longo de todo o seu mandato –e que os patriotas do Planalto descobriram, repentinamente, as malversações de dinheiro público bem na hora do inadiável aperto das contas! Por que os parlamentares têm o dever de colocar suas assinaturas no pé da página desse discurso farsesco?

Não estamos em guerra ou sob o impacto de alguma catástrofe natural. O Brasil ainda se encontra longe do abismo da inadimplência que ronda a Argentina e a Venezuela. O apelo à "salvação nacional", pilar subterrâneo do editorial da Folha, é mais um sintoma da erosão de sentido da linguagem política nessa era de lulopetismo. Os governantes que recorrem à mentira para alcançar triunfos eleitorais devem pagar o preço de suas escolhas. Os parlamentares trairão seus eleitores se oferecerem um cheque em branco para Dilma, trocando o pacote do arrocho pelas tradicionais prebendas na administração pública. No lugar disso, têm a oportunidade de exigir que o governo comece a reconhecer a verdade, condição indispensável para enfrentar a crise.

O fracasso de Dilma 1, multiplicado pelo escândalo na Petrobras, abriu uma fresta para a entrada de uma lufada de ar puro na câmara de nossa democracia. O nome desse ar despoluído é a promessa de independência do Congresso. O voto sobre o corte de benefícios será o primeiro teste real dessa promessa.
Por: Demétrio Magnoli Publicado na Folha de SP

terça-feira, 3 de março de 2015

VILLA, PONDÉ E CLAUDIO ABRAMO DEBATEM A EXPECTTIVA PARA 2015

A FUNÇÃO DOS ESPECULADORES


“Sem especulação não pode haver nenhuma atividade econômica alcançando além do presente imediato.” (Ludwig von Mises)

Poucas são as profissões tão repudiadas pelo senso comum como a especulação de ativos. No entanto, o principal motivo para esse preconceito reside na falta de conhecimento acerca das funções que a especulação exerce no mercado. No livroThe Government Against the Economy, George Reisman defende a livre economia, mostrando que é justamente a interferência do governo, especialmente através do controle de preços, que tanto mal gera para todos. Como não poderia faltar, há uma embasada defesa dos especuladores, explicando de forma didática o mecanismo de ajuste e equalização dos preços através da especulação.

Em primeiro lugar, podemos considerar os arbitradores de preços em termos geográficos, ou seja, aqueles indivíduos que buscam o lucro através de oportunidades que surgem pelo fato de o preço de um determinado produto estar elevado em um lugar e baixo em outro. Havendo livre mercado, essa diferença tende a desaparecer, restando somente o custo de transporte como diferencial de preços. Como Reisman coloca, “o preço do mesmo bem tende a ser uniforme pelo mundo todo exceto pelos custos de transporte entre os mercados”. Isso é evidente demais para demandar maiores explicações. Ainda assim, este princípio econômico é amplamente ignorado, inclusive por muitos economistas.

Reisman escreveu seu livro em 1979, e a crise do petróleo era o tema do dia. Seu livro busca justamente demonstrar como a crise proveniente do embargo árabe poderia ser infinitamente menor caso o livre mercado fosse respeitado nos Estados Unidos. Mas a tentativa do governo de controlar preços foi, na verdade, o grande catalisador da crise. Para entender isso, não é preciso muito mais conhecimento do que o princípio econômico exposto acima. Com o aumento no preço causado pelo abrupto corte nas vendas do petróleo árabe, rapidamente haveria uma infinidade de arbitradores buscando obter lucros extraordinários onde o preço fosse maior. Com o mercado funcionando livremente, o mundo todo absorveria o choque, e apenas a diferença nos custos de transporte iria ditar a diferença nos preços finais.

A analogia que Reisman usa é um recipiente de água com divisórias e vasos comunicantes. Quando água é retirada de uma parte do recipiente, o restante da água segue um curso natural, movendo-se de lugares com maior pressão para lugares com menor pressão. O impacto é diluído entre todas as divisórias do recipiente. Em vez de uma divisória absorver todo o impacto e ficar sem água, todas as divisórias perdem somente uma pequena parcela da água que tinham. O mesmo se aplica às commodities, com a oferta procurando lugares com maiores preços, num processo que vai equalizando os preços em todo o mundo. O embargo faria os preços em alguns lugares dentro dos Estados Unidos subirem, mas imediatamente haveria arbitragem, e o resultado final seria diluído pelo mundo todo, graças aos arbitradores em busca de lucro.

A mesma tendência de equalização se aplica no caso de preços no tempo. Eis onde surge o importante papel dos especuladores. A relação entre o preço presente e o preço futuro de umacommodity é que eles tendem a diferir não mais do que os custos de estocagem somados a uma taxa de lucro do capital que deve ser investido nessa estocagem. Os especuladores – lembrando que o verbo vem do latim e significa algo como “tentar enxergar o futuro com os dados presentes” – tentam antecipar os movimentos que vão ocorrer nos mercados. Agindo dessa forma, em busca de lucro, eles acabam diluindo as oscilações abruptas no tempo. A atividade dos especuladores serve então para transferir oferta de um período no qual ela é menos urgente, como indicado pelos preços menores, para um período no qual ela é mais necessária, como indicado pelos preços maiores.

Como exemplo, pode-se pensar no petróleo novamente. Antecipando algum tipo de escassez futura, pelo motivo que for, os especuladores irão comprar petróleo no presente e estocá-lo. Isso irá forçar seu preço para cima no momento atual, incentivando uma menor demanda. Em compensação, esse petróleo estocado terá que ser consumido algum dia, e nesse momento os preços serão pressionados para baixo, estimulando a demanda. Nesse sentido, a especulação leva ao ponto ótimo de consumo para uma oferta limitada. É importante lembrar que toda empresa que decide sobre estoque de produção está especulando também, pelo mesmo princípio que o especulador. Consumidores que adiam ou antecipam as compras estão especulando também.

Mas pelo fato da especulação transmitir os preços maiores esperados no futuro para o presente, ela é denunciada como a causa desses maiores preços. Aqueles que assim o fazem estão ignorando que os estoques acumulados no presente como resultado da especulação terão que ser usados algum dia, e neste momento irão necessariamente agir de forma a reduzir os preços. Além disso, se os especuladores errarem em suas estimativas, eles mesmos são quem pagam o preço, pois compraram o produto e investiram em sua estocagem pagando preços maiores, sendo que deverão vender a preços mais baixos, arcando com o prejuízo. Se, por outro lado, acertaram na previsão, apenas anteciparam uma mudança na relação entre a oferta e a demanda, suavizando seu impacto nos preços no tempo.

Está certo que em alguns casos mais raros, a própria expectativa dos especuladores pode afetar o futuro, como numa profecia auto-realizável. É o que George Soros chamou de “reflexividade” dos mercados. Mas os pilares de uma economia precisam ser de areia para que os especuladores possam mudar assim os fundamentos. Era o caso da Inglaterra quando o próprio Soros ganhou rios de dinheiro especulando contra sua moeda, artificialmente manipulada pelo governo. Foi também o caso da crise asiática, novamente vítima de erros dos próprios governos locais. Muito mais comum é os especuladores apenas anteciparem os fatos, tentando trabalhar em cima dos fundamentos em si. São esses que realmente importam. Em uma economia livre e saudável, com indivíduos racionais interagindo, a especulação só tem a agregar, através dessa arbitragem de preços. Negar isso é o mesmo que dizer que remédios testados não são desejáveis, pois em alguns casos raros podem acarretar em piora do doente, que já estava mesmo com um pé na cova.

Em resumo, essa é a mais importante função dos especuladores: a arbitragem de preços tanto geograficamente como no tempo, garantindo maior liquidez para os mercados, o que leva a sua maior eficiência. Aqueles que culpam os especuladores por uma alta nos preços presentes estão ignorando um princípio básico de economia. Estão confundindo correlação com causalidade. Estão, em suma, condenando um termômetro por mostrar a febre do doente.Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

segunda-feira, 2 de março de 2015

'O TAMANHO DO ESTRAGO AINDA PODE SURPREENDER'

Quem gosta de inflação pode ficar sossegado, porque a festa ainda vai longe, pelo menos segundo os especialistas do setor financeiro. Os preços continuarão subindo bem acima da meta oficial de 4,5% até o fim do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, de acordo com o mercado. Em 2018 a taxa anual ainda estará colada, ou quase, em 5%. Essa projeção aparece em tabela exibida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a uma plateia de empresários e analistas em Nova York, na quarta-feira. As expectativas, disse ele, estão de novo convergindo para a meta. De fato, estão.


A primeira barra do quadro, correspondente a 2015, passa ligeiramente de 7%. A segunda fica em cerca de 5,5% e as duas seguintes, na vizinhança de 5%. Convergem, sim, mas muito devagar. Apesar disso, dirigentes do Banco Central continuam prometendo atingir a meta no próximo ano. Os slides apresentados em Nova York terminam com a promessa de trabalho duro de preparação para 2016. O último quadro, sem tabelas ou gráficos, é uma foto de regata na Guanabara.

A exposição começou e terminou com fotos de um Brasil muito mais bonito que o do noticiário do dia a dia. As primeiras imagens apresentadas foram as de estudantes em vários tipos de escolas, acompanhadas de um gráfico sobre o aumento de alunos em faculdades, 60% entre 2006 e 2014. Nenhuma palavra, é claro, sobre a qualidade do ensino, sobre os erros de prioridades, sobre o desempenho dos brasileiros em testes internacionais, nem sobre os atrasos de pagamentos devidos a escolas, a prefeituras e a professores, noticiados nesta sexta-feira pelo Estado.

Antes dos barquinhos, a plateia viu muita coisa feia, como a devastação das contas públicas nos últimos quatro anos e a crescente promiscuidade, a partir de 2008, entre o Tesouro e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Além disso, ouviu promessas de correção dos erros acumulados com teimosia e muita arrogância a partir do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Tudo foi apresentado com suficiente clareza, embora de forma diplomática. A dimensão do estrago, no entanto, foi mostrada apenas parcialmente. Talvez nem o ministro tenha uma ideia clara do tamanho dos danos causados ao País em tantos anos de irresponsabilidade, incompetência e ocupação predatória da administração federal – ministérios, órgãos subordinados e companhias estatais. Mas o auditório, tanto em Washington quanto em Nova York, estava razoavelmente informado, por exemplo, sobre a devastação da Petrobrás e muito interessado nas consequências da pilhagem.

Esses efeitos já têm sido calculados por economistas do setor financeiro, muito antes de qualquer palavra do governo sobre o assunto. Segundo técnicos do Bank of America Merrill Lynch, o escândalo da Petrobrás poderá custar 0,86 ponto porcentual de crescimento econômico, por causa da importância da empresa, direta e indireta, nos investimentos.

A estimativa da Capital Economics, de Londres, parece, à primeira vista, menos pessimista – uma perda de crescimento de cerca de 0,5 ponto de porcentagem, segundo informou a Agência Estado. Mas os problemas gerados pela crise da estatal poderão ir muito além dos investimentos vinculados a seus programas e do contágio financeiro de construtoras e fornecedoras de equipamentos e insumos. A Petrobrás é uma das empresas mais endividadas do mundo, seu fluxo de caixa foi seriamente prejudicado nos últimos anos e já se discute, no mercado, a hipótese de um socorro financeiro bancado pelo Tesouro. Nesse caso a situação fiscal se agravará, o conserto das contas públicas ficará mais difícil e o crédito do País poderá ser afetado mais uma vez.

Esses temores surgem – e foram manifestados também por participantes dos encontros nos Estados Unidos – quando o ministro da Fazenda e seus colegas de equipe tentam reconstruir a credibilidade do governo federal, arrasada nos últimos anos, e estimular a confiança de investidores e financiadores na economia brasileira.

Não se trata de levá-los a apostar num bom desempenho em 2015. Ninguém sequer menciona essa hipótese. No mercado financeiro, a mediana das projeções indicou uma retração econômica de 0,42% na pesquisa Focus do dia 13, divulgada pelo Banco Central no começo da semana seguinte. A variação estimada para o produto industrial ficou em menos 0,43%. A inflação esperada para o ano chegou a 7,27%. Nesse caso a inflação cheia está associada em boa parte à correção de preços congelados politicamente e também aos efeitos da seca e da escassez de energia. As estimativas de produção embutem, portanto, aumentos de custos e dificuldades adicionais para a indústria e para a recuperação a partir de 2016.

Não se trata de problemas ocasionais ligados a eventos incontroláveis ou dificilmente previsíveis. O efeito inflacionário da correção de preços e o impacto sobre os custos são consequências de erros acumulados em muitos anos. Esses erros incluem as falhas na política de infraestrutura e a incompetência no acompanhamento e na coordenação de projetos. Centrais prontas para produzir energia, mas inúteis por falta de sistemas de transmissão, exemplificam essa incompetência. As obras são privadas e tocadas sob a responsabilidade de consórcios, mas são componentes de planos e programas oficiais.

É preciso levar esses dados em conta para formar uma ideia mais precisa do estrago deixado como herança para a nova equipe governamental. No caso da Petrobrás, os danos vão obviamente muito além dos bilhões desviados, do endividamento, dos problemas de caixa e da perda de valor de mercado. Incluem todos esses problemas e mais os efeitos sobre muitas outras empresas e sobre o próprio governo. Ao lotear o Estado e abrir espaço para a pilhagem, os ocupantes do poder foram incompetentes até para avaliar a possível extensão dos custos de sua política. Até eles devem estar surpresos. 
Por: Rolf Kuntz Publicado no Estadão

PALESTRA DO LIVRO O JARDIM DAS AFLIÇÕES

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

O CRIME DESORGANIZADO

Vale ainda, hoje mais do que nunca, aquilo que escrevi há quase duas décadas: “A única diferença entre a educação brasileira e o crime organizado é que o crime é organizado”


Em qualquer estudo erudito, o passo primeiro e indispensável é descobrir o status quaestionis, isto é, a evolução histórica das discussões sobre o assunto desde os tempos mais remotos até o seu estado atual. Essa investigação, por sua vez, toma como pano de fundo a visão mais abrangente possível da história das idéias em geral.

Só assim o estudioso fica sabendo onde está, em que ponto do diálogo erudito ele entrou na conversa, a quem está se dirigindo e em que lugar do mapa civilizacional está plantando a sua contribuição, se chega a tanto a sua interferência no caso.

Um exemplo característico é a História da Literatura Ocidental, em que Otto Maria Carpeaux, após narrar com mestria exemplar a evolução dos estilos, dos temas e dos gêneros, encerra o livro com uma revisão das principais histórias – e teorias da história -- da literatura, para situar a sua obra no devido contexto temporal e marcar a diferença específica que norteou o seu projeto de escrevê-la.

Só quando um escritor, um historiador, um cientista social ou um filósofo tem essa visão abrangente e consegue situar-se a si próprio dentro dela é que se pode dizer que ele sabe do que está falando. É ela, mais que qualquer outro fator, que marca a diferença entre o profissional e o amador, entre o estudioso sério e o palpiteiro assanhado.

O primeiro a enfatizar esse requisito dos estudos superiores foi Aristóteles, que iniciava sistematicamente as suas investigações por uma revisão das “opiniões dos sábios” sobre o tema em questão.

Essas opiniões, naturalmente, não eram somente respostas diversas dadas a uma mesma pergunta, mas diferentes maneiras de articular a questão mesma, de modo que a sua simples exposição histórica adquiria o sentido dramático de uma formulação dialética do problema em todos os seus aspectos incomensuráveis e contraditórios.

Desde então os recursos para a realização dessa tarefa evoluíram de tal modo, com o advento do sistema bibliográfico internacional, das traduções em massa, da indexação científica e da informação computadorizada, que hoje ninguém mais pode alegar, como desculpa para deixar de cumpri-la, a dificuldade de acesso às fontes.

Status quaestionis e contexto histórico são tão importantes para qualquer investigação em história, ciências humanas, letras e filosofia, que em grande parte dos casos o simples esforço de adquiri-los já traz, implícita, a solução do problema a ser investigado.

Não há exercício melhor nem mais indispensável para o adestramento da inteligência nas grandes questões da cultura, da política, da história e assim por diante.

Também não é preciso dizer que esse é o aspecto mais negligenciado na educação universitária brasileira.

Sem temor de errar, testemunho que, em três décadas de atividade pedagógica destinada substancialmente a uma platéia de estudantes e diplomados das universidades brasileiras, nunca, nem uma única vez, encontrei um aluno que viesse com um conhecimento histórico suficiente da evolução da sua própria área de estudos acadêmicos.

O indício material mais evidente desse estado de coisas era a sua ignorância completa e rasa de autores fundamentais cujas obras e idéias haviam marcado o trajeto evolutivo da disciplina supostamente estudada nos seus cursos universitários. Estudantes de Direito que nunca tinham ouvido falar de Icilio Vanni, Georges Rippert ou Igino Petrone – às vezes nem de Rudolf von Jhering, porca miséria!

Bacharéis em filosofia que nas minhas aulas ouviam pela primeira vez mencionar Louis Lavelle, Xavier Zubiri, Bernard Lonergan, Vladimir Soloviev ou Félix Ravaisson; cientistas sociais para os quais nada significavam os nomes de Pitirim Sorokin, Thorstein Veblen, Luigi Sturzo ou Othmar Spann; mestrandos em literatura brasileira – brasileira, vejam só! -- que nada sabiam de José Geraldo Vieira, Alphonsus de Guimaraens Filho, Cyro dos Anjos ou Amando Fontes.

Todos esses faziam até bela figura em comparação com os alunos de psicologia, para os quais sua disciplina pouco ou nada mais continha além de psicanálise e behaviorismo...

Mas os estudantes, é claro, não seriam tão incultos assim se não tivessem aprendido a sê-lo com seus professores.

Outro dia tive, por internet, uma discussão com um professor de física que brandia contra mim a autoridade de Ernst Mach, sem nem de longe se dar conta de que meus argumentos, no episódio, repetiam quase ipsis litteris os desse autor, do qual assim ele provava não saber absolutamente nada além do nome.

Nada digo das dúzias de colegas dele, todos eles senhores doutores, que, vendo-me questionar as noções newtonianas de “espaço absoluto” e “tempo absoluto”, saíram alardeando que eu negava a lei da gravidade: muitos acrescentam, à devota incultura, o mais perfeito analfabetismo funcional.

Esse estado de coisas manifesta-se de três maneiras principais:

(1) Os estudantes repetem a palavra de seus professores semiletrados como se fosse a autoridade do consenso universal. Quando confrontados a alguma idéia desconhecida, mesmo que tenha alguns séculos de idade ou que seja banal e corrente no exterior, escandalizam-se como crentes devotos repentinamente expostos a uma heresia intolerável.

(2) Reforça-os nessa atitude o prestígio de uns poucos autores, não raro de importância periférica, lidos fora de todo contexto histórico e sem pontos de comparação, cuja palavra é tomada, pelo simples fato de ser recente, como se fosse o cume insuperável da evolução humana, ainda que seja a cópia de alguma idéia milenar ou uma tolice já refutada há séculos.

(3) Apegam-se às crenças correntes no seu campo especializado de estudos como se fossem universalmente explicativas, como se não existissem outras ciências e outras perspectivas capazes de, articuladas ou uma a uma, esclarecer melhor o assunto em debate.

Somados, esses três fenômenos reduzem a produção soi disant científica das nossas universidades a uma caricatura disforme que não exerce, no quadro do mundo civilizado, senão a função de um anti-exemplo grotesco e patético, cuja escassez de citações na bibliografia internacional reflete menos o desprezo dos estrangeiros do que a sua caridosa recusa de contemplar a miséria alheia.

Na mais otimista e rara das hipóteses, encontramos trabalhos escolares quase aceitáveis, que mostram alguma leitura atenta da bibliografia citada mas nada acrescentam ao já arqui-sabido, exceto os erros de gramática, cuja presença nesses escritos é praticamente infalível.

Acrescente-se a esse panorama deprimente o fanatismo político onipresente, fruto ele próprio da ignorância, que reage com exclamações histéricas e ameaças de morte a qualquer argumento adverso mal compreendido, ao mesmo tempo que clama por “diversidade”, “tolerância” e “respeito às idéias divergentes”, sem notar nessa dupla atitude a mais leve contradição – um fenômeno que ultrapassa as fronteiras do puro desastre cultural e entra em cheio no terreno da psicopatologia coletiva.

É de espantar que tantos estudantes, sem jamais ter pensado nos seus deveres de estado ou na dívida de gratidão que têm para com quem paga os seus estudos, gastem tempo e energias preciosas na busca de toda sorte de prazeres fúteis e ainda considerem que é obrigação do Estado fornecer-lhes, de graça, os meios para a satisfação das suas fantasias sexuais mais pueris e grosseiras?

Quando se sabe que todo esse festival de ignomínias é sustentado com o dinheiro suado do trabalhador brasileiro, chega a ser espantoso que tantos observadores se revoltem com a corrupção de políticos e administradores, sem notar que, pelo tamanho e pela constância das suas atividades, a maior máquina de exploração do povo neste país é aquilo que, com otimismo delirante, continua a chamar-se de “educação”.

Vale ainda, hoje mais do que nunca, aquilo que escrevi há quase duas décadas: “A única diferença entre a educação brasileira e o crime organizado é que o crime é organizado.”

Por: Olavo de carvalho Do site: http://www.dcomercio.com.br

A DOÇURA COMO VIRTUDE

Muita gente já observou e comentou a respeito do clima tenso e até violento dos comentários na internet. Um xinga de cá, outro devolve num tom acima de lá. Um texto opinativo suscita desafetos e serve de motivo para ataques a quem o escreveu. Uma posição política não partidária dificilmente passa ilesa, e assim por diante.


Acontece que esse clima duro, agressivo e hostil que encontramos na rede tem se manifestado também nos relacionamentos interpessoais na realidade. Em muitas empresas, funcionários reclamam da maneira áspera com que são tratados por colegas e chefes, e também dos gritos que ouvem quando cometem alguma falha ou deslize. Nunca se soube de tantos gritos, palavrões e choros em ambientes organizacionais.

Nos relacionamentos impessoais -os que ocorrem nos espaços públicos entre pessoas que não se conhecem- acontece a mesma coisa. O trânsito, talvez, seja o exemplo mais didático sobre tal clima. Até parece que motoristas e pedestres são inimigos entre si e uns dos outros e, em estado de guerra, andam sempre armados e prontos para rebater o que consideram desaforo. Uma única barbeiragem ou indecisão é suficiente para provocar uma saraivada de impropérios.

Os relacionamentos pessoais e afetivos também têm sofrido dessa dureza na convivência: amigos se destratam por motivos banais e demoram para perdoar uns aos outros; casais, quando enfrentam conflitos e desavenças, perdem o controle de seus impulsos e usam tom e palavras que provocam intenso sofrimentos a ambos.

E nas famílias -claro!- isso se repete. Muitas mães e pais que vivem declarando amor incondicional aos filhos, quando precisam usar a firmeza para dar uma bronca, chamar a atenção ou mesmo cobrar algo deles, perdem a delicadeza e se tornam demasiadamente ásperos. Entre as crianças percebemos com clareza o resultado dessas lições que elas têm aprendido com os adultos: à medida que crescem, cresce também a hostilidade que manifestam a seus pares na convivência. Tem faltado doçura nos relacionamentos interpessoais e no trato com as crianças.

A doçura é uma virtude. Ela, portanto, pode -e deve- ser ensinada. Não é grande, porém, o número de pais que se ocupam com os ensinamentos de virtudes a seus filhos. Muitas, hoje, são confundidas com fraqueza e, por esse motivo, muitos pais hesitam em ensiná-las aos filhos. A própria doçura é uma delas! Já ouvi um pai reclamar com o filho de pouco mais de nove anos por ele não ter respondido em tom agressivo a uma provocação de um colega, dizendo: "Você tem sangue de barata!".

É possível ensinar o que for preciso aos filhos com doçura. Mesmo em situações estressantes -quando os filhos desobedecem, transgridem, agridem, desrespeitam, fazem manha, birra e tudo o mais que eles sabem muito bem fazer- é possível ter e manter a calma, o que possibilita que o que for preciso ser dito seja feito com suavidade e doçura. Mesmo os pais que se identificam como "muito chatos" com os filhos ou bem rigorosos na educação que praticam podem manifestar ternura em seus atos.

As reclamações sobre os estilos dos relacionamentos nesse mundo são tantas, que muitos pais tentam proteger seus filhos, colocando-os em verdadeiras "redomas" que, no entanto, se arrebentam quando os filhos chegam à adolescência. Talvez seja mais efetivo se esforçarem, com o uso e o ensinamento das virtudes -hoje, da doçura em especial- para que essa realidade mude.
Por: Rosely Sayão Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

50 RISOS PARA GREY

Saio de casa para assistir a "Cinquenta Tons de Cinza", fenômeno na Inglaterra e, claro, no globo inteiro. E então imagino: uma sala lotada com centenas de senhoras de meia-idade, dispostas a conhecer o amado Grey que despertou nelas todos os sonhos esquecidos, reprimidos, adormecidos.


Primeiro choque: sábado à tarde e a sala está quase vazia. Segundo choque: o público presente é composto de adolescentes que vieram em grupo para provar a natureza transgressiva da história. Terceiro choque: eu sou provavelmente o espectador mais velho da sala.

A situação exige medidas drásticas. Sento-me junto a duas amigas, tiro o bloco de notas do bolso e depois, sorrindo, ofereço uma desculpa: "Trabalho". Elas sorriem de volta -e murmuram: "Pois, pois". Afundo na cadeira.

O filme vale a pena. Mas somente se você, leitor, for a uma sala com adolescentes. Eles são o coro perfeito para o que sucede na tela: por cada cena de sexo, por cada gemido, por cada açoite- e a gargalhada é geral.

Entendo. Essa é a geração que, na internet, encontra pornografia "hardcore" instantânea e grátis. As cenas "transgressivas" de "Cinquenta Tons de Cinza" são, para eles, brincadeira de crianças. Literalmente.

Uma das amigas, aliás, comentou com a outra: "Parece que estão brincando aos médicos e pacientes." Anotei o comentário. O sadomasoquismo do filme é tão perverso que também eu descobri ter começado a praticá-lo ainda na infância. Quando a professora da escola primária usava a régua para corrigir os meus erros de matemática.

Mas de que trata "Cinquenta Tons de Cinza"? Não li o livro. Comprei-o. Dez páginas depois, reparei que passara as últimas cinco com pensamentos intrusivos ("cortar as unhas", "comprar leite", "marcar almoço com"). Desisti.

De modos que: avancei para o filme no mesmo estado da protagonista Anastasia. Em estado virgem.

Esse é o primeiro momento surreal do filme: quando sabemos que Anastasia permanece ignorante em matéria de flores e abelhas. (O segundo momento é quando ela confessa uma paixão literária por Thomas Hardy.)

A inocência dura pouco: depois de conhecer Grey, o milionário propõe-lhe um contrato para que ela seja o seu brinquedo sexual. Não li o contrato, mas passei alguns minutos a fantasiar o que aconteceria se o dito cujo fosse parar a tribunal por incumprimento de uma das partes.

Imaginei discussões legais ("segundo o artigo 2º da cláusula 5ª a sra. Anastasia comprometia-se a receber seis chibatadas, e não apenas quatro"), tudo sob o olhar reprovador do juiz. Mas divago.

No fim, Anastasia está cansada das tareias porque ama Grey. E Grey, incapaz de amar, prefere continuar com as tareias. Um clássico: expectativas divergentes sempre foram um veneno nas relações.

De regresso a casa, consulto bibliografia secundária para compreender o apelo que "Cinquenta Tons de Cinza" teve na imaginação feminina. E descubro, em artigos que parecem cópias uns dos outros, que a história virou fenômeno porque incontáveis mulheres suspiravam por homens como Grey: alguém capaz de usar o cinto para muito mais do que simplesmente segurar as calças.

No fundo, a história seria uma denúncia dos machos "flácidos" (digamos assim) que a cultura feminista promoveu. "Dureza" e "firmeza", eis os quesitos básicos para as mulheres do século 21.

Nada a dizer, tudo a respeitar. Mas, se um pouco de violência é aquilo que falta em muitos lares, a única coisa que se lamenta é a falta de comunicação entre os casais. Se o livro contribuir para mais abertura e mais equimoses, substituindo pontos de ruptura por pontos de sutura, a autora E.L. James já terá dado seu contributo para o amor pós-moderno.

Infelizmente, o filme talvez não esteja à altura do livro. Porque olhando para a figura de Grey -para o seu patético embotamento afetivo- é duvidoso acreditar que aquilo é príncipe que se apresente para qualquer donzela arfante.

Pelo contrário: as suas fragilidades são tão absolutamente efeminadas que nunca sabemos se ele vai entrar em cena de chicote -ou de fraldas.

Fosse eu o autor da história e teria salvado a relação entre Anastasia e Grey. Bastaria que a primeira conquistasse o coração do segundo oferecendo-lhe o conforto de uma chupeta. Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP