quarta-feira, 11 de março de 2015

A FUNÇÃO DOS ESPECULADORES


“Sem especulação não pode haver nenhuma atividade econômica alcançando além do presente imediato.” (Ludwig von Mises)

Poucas são as profissões tão repudiadas pelo senso comum como a especulação de ativos. No entanto, o principal motivo para esse preconceito reside na falta de conhecimento acerca das funções que a especulação exerce no mercado. No livroThe Government Against the Economy, George Reisman defende a livre economia, mostrando que é justamente a interferência do governo, especialmente através do controle de preços, que tanto mal gera para todos. Como não poderia faltar, há uma embasada defesa dos especuladores, explicando de forma didática o mecanismo de ajuste e equalização dos preços através da especulação.

Em primeiro lugar, podemos considerar os arbitradores de preços em termos geográficos, ou seja, aqueles indivíduos que buscam o lucro através de oportunidades que surgem pelo fato de o preço de um determinado produto estar elevado em um lugar e baixo em outro. Havendo livre mercado, essa diferença tende a desaparecer, restando somente o custo de transporte como diferencial de preços. Como Reisman coloca, “o preço do mesmo bem tende a ser uniforme pelo mundo todo exceto pelos custos de transporte entre os mercados”. Isso é evidente demais para demandar maiores explicações. Ainda assim, este princípio econômico é amplamente ignorado, inclusive por muitos economistas.

Reisman escreveu seu livro em 1979, e a crise do petróleo era o tema do dia. Seu livro busca justamente demonstrar como a crise proveniente do embargo árabe poderia ser infinitamente menor caso o livre mercado fosse respeitado nos Estados Unidos. Mas a tentativa do governo de controlar preços foi, na verdade, o grande catalisador da crise. Para entender isso, não é preciso muito mais conhecimento do que o princípio econômico exposto acima. Com o aumento no preço causado pelo abrupto corte nas vendas do petróleo árabe, rapidamente haveria uma infinidade de arbitradores buscando obter lucros extraordinários onde o preço fosse maior. Com o mercado funcionando livremente, o mundo todo absorveria o choque, e apenas a diferença nos custos de transporte iria ditar a diferença nos preços finais.

A analogia que Reisman usa é um recipiente de água com divisórias e vasos comunicantes. Quando água é retirada de uma parte do recipiente, o restante da água segue um curso natural, movendo-se de lugares com maior pressão para lugares com menor pressão. O impacto é diluído entre todas as divisórias do recipiente. Em vez de uma divisória absorver todo o impacto e ficar sem água, todas as divisórias perdem somente uma pequena parcela da água que tinham. O mesmo se aplica às commodities, com a oferta procurando lugares com maiores preços, num processo que vai equalizando os preços em todo o mundo. O embargo faria os preços em alguns lugares dentro dos Estados Unidos subirem, mas imediatamente haveria arbitragem, e o resultado final seria diluído pelo mundo todo, graças aos arbitradores em busca de lucro.

A mesma tendência de equalização se aplica no caso de preços no tempo. Eis onde surge o importante papel dos especuladores. A relação entre o preço presente e o preço futuro de umacommodity é que eles tendem a diferir não mais do que os custos de estocagem somados a uma taxa de lucro do capital que deve ser investido nessa estocagem. Os especuladores – lembrando que o verbo vem do latim e significa algo como “tentar enxergar o futuro com os dados presentes” – tentam antecipar os movimentos que vão ocorrer nos mercados. Agindo dessa forma, em busca de lucro, eles acabam diluindo as oscilações abruptas no tempo. A atividade dos especuladores serve então para transferir oferta de um período no qual ela é menos urgente, como indicado pelos preços menores, para um período no qual ela é mais necessária, como indicado pelos preços maiores.

Como exemplo, pode-se pensar no petróleo novamente. Antecipando algum tipo de escassez futura, pelo motivo que for, os especuladores irão comprar petróleo no presente e estocá-lo. Isso irá forçar seu preço para cima no momento atual, incentivando uma menor demanda. Em compensação, esse petróleo estocado terá que ser consumido algum dia, e nesse momento os preços serão pressionados para baixo, estimulando a demanda. Nesse sentido, a especulação leva ao ponto ótimo de consumo para uma oferta limitada. É importante lembrar que toda empresa que decide sobre estoque de produção está especulando também, pelo mesmo princípio que o especulador. Consumidores que adiam ou antecipam as compras estão especulando também.

Mas pelo fato da especulação transmitir os preços maiores esperados no futuro para o presente, ela é denunciada como a causa desses maiores preços. Aqueles que assim o fazem estão ignorando que os estoques acumulados no presente como resultado da especulação terão que ser usados algum dia, e neste momento irão necessariamente agir de forma a reduzir os preços. Além disso, se os especuladores errarem em suas estimativas, eles mesmos são quem pagam o preço, pois compraram o produto e investiram em sua estocagem pagando preços maiores, sendo que deverão vender a preços mais baixos, arcando com o prejuízo. Se, por outro lado, acertaram na previsão, apenas anteciparam uma mudança na relação entre a oferta e a demanda, suavizando seu impacto nos preços no tempo.

Está certo que em alguns casos mais raros, a própria expectativa dos especuladores pode afetar o futuro, como numa profecia auto-realizável. É o que George Soros chamou de “reflexividade” dos mercados. Mas os pilares de uma economia precisam ser de areia para que os especuladores possam mudar assim os fundamentos. Era o caso da Inglaterra quando o próprio Soros ganhou rios de dinheiro especulando contra sua moeda, artificialmente manipulada pelo governo. Foi também o caso da crise asiática, novamente vítima de erros dos próprios governos locais. Muito mais comum é os especuladores apenas anteciparem os fatos, tentando trabalhar em cima dos fundamentos em si. São esses que realmente importam. Em uma economia livre e saudável, com indivíduos racionais interagindo, a especulação só tem a agregar, através dessa arbitragem de preços. Negar isso é o mesmo que dizer que remédios testados não são desejáveis, pois em alguns casos raros podem acarretar em piora do doente, que já estava mesmo com um pé na cova.

Em resumo, essa é a mais importante função dos especuladores: a arbitragem de preços tanto geograficamente como no tempo, garantindo maior liquidez para os mercados, o que leva a sua maior eficiência. Aqueles que culpam os especuladores por uma alta nos preços presentes estão ignorando um princípio básico de economia. Estão confundindo correlação com causalidade. Estão, em suma, condenando um termômetro por mostrar a febre do doente. Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

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