segunda-feira, 30 de março de 2015

LEIA ESTE ARTIGO ANTES DE RECLAMAR DOS PREÇOS DOS OVOS DE PÁSCOA


Sim, você tem razão, os ovos de páscoa são realmente muito caros. Mas só há um culpado por isso: você. Leia esse artigo antes de sair por aí reclamando.


Ovo de Páscoa Alpino, 700g: R$ 65,00. 750g de Alpino em barras: R$ 26,80. Ficou indignado? É pra ficar. Pagamos mais de três vezes o preço do chocolate para tê-lo em formato de ovo. Tá certo que o formato diferente traz um prazer diferenciado, associações psicológicas, tem uma produção mais robusta, etc. Mas três vezes mais caro? Imagine o incremento na sua felicidade se, com o mesmo dinheiro, comprasse chocolate para durar até junho?

Algumas sórdidas pessoas defendem esse diferencial de preços. Dizem que uma casa é muito mais cara que a pilha de tijolos necessária para construí-la. Veja: construir uma casa exige conhecimento, tempo e dedicação. Já fazer chocolate em formato de ovo, para quem já sabe fazer chocolate, é fácil. Basta a fôrma do ovo. Além disso, barra e ovo satisfazem basicamente o mesmo desejo, ao contrário da casa e da pilha de tijolos. Não tem como defender, o preço é exorbitante, revoltante. O culpado por isso deveria se envergonhar.

E o culpado é você. Você, sem nenhuma coação ou coerção, compra um produto barato tornado caro exclusivamente por ter um formato bizarro. Você sai de casa, pega fila, abre a carteira e praticamente implora para a Cacau Show levar todo seu dinheiro. Sim, é isso mesmo que você faz, ainda que as fantasias que passam dentro da sua cabeça – e que você erroneamente considera serem seu “verdadeiro eu” – digam outra coisa. São seus atos que determinam o preço atual, e é com eles que você pode afetar o comportamento da empresa.

Nem todas as nossas ações, contudo, afetam-na. Deitar na cama e sentir raiva do preço do ovo? Isso não afeta o comportamento da empresa. Reclamar no facebook? Não afeta o comportamento da empresa. Ir ao mercado, comprar os ovos de presente e ainda levar um de Nhá Benta só pra você? Isso afeta. O ato mostra que, de acordo com seu próprio juízo, dadas as circunstâncias atuais, o ovo vale mais do que o preço cobrado. Ficar com aquele dinheiro e sem ovo é pior do que ficar com ovo e sem o dinheiro. Para a empresa, seu desejo é uma ordem. Ela fica sabendo, aliás, que cobrou pouco.


Este é um bom momento para lembrar uma profunda verdade que só a ciência econômica traz pra você: o preço de um bem – seu valor no mercado – não tem nada a ver com os custos de produção. Barra e ovo, afinal, têm custos similares. O que define o preço é a escassez relativa do bem, ou seja, a importância que os consumidores dão aos desejos que ele é capaz de satisfazer. A relação de causa e efeito é o contrário do que a maioria pensa: é a expectativa de demanda pelo produto final que determina o valor dos insumos da produção. Se ano que vem, por algum motivo insondável, ninguém mais quiser chocolate no formato ovo, sabe o que acontece com o preço das formas para produzir ovos de Páscoa? Isso mesmo.

As empresas, essas malvadas, gostariam de cobrar ainda mais caro. Elas gostariam que todo dia fosse Páscoa e que os brasileiros fossem viciados em ovos de chocolate todos os dias do ano. Gostariam, só que não podem. Quem determina o que elas podem ou não cobrar são os desejos dos consumidores; se ela cobra a mais ou a menos, seu lucro cai. E como ela quer lucrar, isso não faz o menor sentido. Talvez o que realmente nos revolte não seja o preço em si, mas o que ele revela sobre nós mesmos: que estamos dispostos a pagá-lo.

O lucro significa que a empresa se antecipou a uma demanda real e relativamente pouco atendida da população. É também um convite para outros gananciosos malvados produzirem ovos. Por isso mesmo a produção artesanal e caseira tem crescido. Pequenas empresas e doceiros autônomos tentam entrar no jogo. Infelizmente não é fácil, primeiro por conta das regulamentações estatais feitas sob medida para as grandes corporações do setor alimentício: encarecem e dificultam a produção de modo que só os big players consigam se adequar às regras.

O outro fator nessa concentração do mercado em poucas marcas é, novamente, você. A maioria dos consumidores não quer fugir do tradicional e confiável. O ovo artesanal feito pela tia do coleguinha do filho é mais barato, quiçá melhor, mas vai saber… E se vier feio? E se for ruim? E se ficar parecendo que você não deu muito valor ao presente? Já se vislumbra uma Páscoa destruída, o sentimento do fracasso e outras coisas terríveis que é melhor nem pensar.

Por trás dessa necessidade de conseguir um chocolate de marca adequada e em formato de ovo para o grande dia (pois se adiasse em uma semana sairia muito mais barato), está um dos motores mais poderosos de nossas ações menos inteligentes: a introjeção da expectativa social.


Você, leitora, quando chegar o domingo, ficará desapontada se receber barras normais ao invés de um ovo; mesmo que sejam muitas. Não vai tirar foto pro Instagram. Os olhos do seu filhinho, pai, não irão brilhar, mesmo que você explique a esperteza do negócio. Ou melhor, me corrijo: talvez a criança, o homem e a mulher todos entendessem e até preferissem essa compra mais econômica e duradoura, mas o medo que você tem de fugir à regra, fazer menos que o socialmente esperado e ser julgado por isso falará mais alto.

Você poderia comprar barras. Poderia comprar depois do domingo de Páscoa. O prazer seria o mesmo e o rombo na conta muito menor. Mesmo assim, ainda nos próximos dias, antes do fatídico domingo, você estará lá no supermercado, lamentando a própria burrice, mas comprando. Sim, é burrice, não significa nada, é uma convenção arbitrária e cara; mas você não quer falhar; você precisa se adequar à expectativa alheia, ou melhor, à expectativa que você tem da expectativa alheia. Interesses poderosos se alimentam desse sentimento.

Por isso, deixo para você que se revolta com os preços dos ovos e quer ver mudança neste mundo meu apoio e também um conselho. Recomendo, aproveitando a data, um pouco da culpa católica. Enquanto estiver à caça do ovo ideal nestes dias que antecedem a páscoa, talvez quando for deixar para comprá-lo na sexta-feira santa, talvez até na manhã do domingo, oferecendo o dobro ou o triplo do preço já exorbitante, sentirá dentro de si aquele ódio amargo contra a ganância dessas empresas. Nesse momento, pare, medite na lição espiritual deste texto, bata no peito e repita comigo: mea culpa, mea maxima culpa.

Ou então você pode libertar sua mente e ter uma Páscoa em termos que façam sentido para você, aceitando de olhos abertos o preço das próprias escolhas. Pode ainda entrar na dança e aprender a fazer e vender seus próprios ovos de Páscoa ou criar novas e inesperadas formas de celebrar a data. E daí talvez você descubra a relação entre lucrar e não se curvar à expectativa alheia.

Por: Joel Pinheiro  Paulista, formado em Economia pelo Insper e mestre em Filosofia pela USP. Do site: http://spotniks.com

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