quarta-feira, 9 de março de 2016

VEM SURPRESA BOA POR AÍ


Não, você não leu errado. Primeira boa notícia: 2015 está acabando. Com o desastre de Mariana, o Sul e o Norte do país alagados e o Sudeste sem água, a epidemia de microcefalia, intermináveis escândalos de corrupção, a crise política, a economia em queda livre e o Corinthians campeão brasileiro, 2015 é um ano que não vai deixar saudades para a maioria dos brasileiros.

Agora, a melhor notícia. Ao menos na economia, 2016 pode ser um ano não tão ruim quanto a maioria teme e, quase com certeza, os anos seguintes serão melhores, talvez muito melhores.

Para entender por que, precisamos voltar um pouco no tempo. A presidente Dilma tomou posse em 2011. Desde então, duas tendências foram marcantes. Ano após ano, as expectativas de crescimento – medidas pela média da sondagem feita no final do ano pelo Banco Central com os economistas dos bancos para o crescimento no ano seguinte – deterioraram-se. Mais grave, o crescimento efetivo em todos os anos foi ainda pior do que as expectativas. Em outras palavras, o desempenho da economia brasileira vem piorando consistentemente desde 2011.




Aliás, desde 2011, a economia brasileira foi a segunda que menos cresceu em toda a América Latina. Só superamos a Venezuela e só porque o PIB da Venezuela cairá cerca de 10% neste ano.




Nem sempre foi assim, nos cinco anos anteriores, as tendências eram opostas. Com exceção de 2009 por conta dos impactos da crise financeira global, as expectativas tinham uma clara tendência de melhora e o crescimento efetivo do PIB sempre superava as expectativas.


O que mudou na política econômica brasileira desde 2011? Muita coisa. Talvez, as duas mudanças mais significativas tenham sido um forte aumento no intervencionismo estatal e a falta de coragem do governo no combate à inflação.


Um traço comum das políticas econômicas adotadas pela equipe do Ministro Guido Mantega no primeiro mandato da presidente Dilma foi tentar solucionar problemas a partir da premissa de que reduzir a remuneração das empresas era parte da solução. O exemplo mais marcante talvez tenha ocorrido no setor elétrico.


Há cerca de quatro anos, o governo diagnosticou – corretamente, diga-se de passagem – que a energia elétrica brasileira era a mais cara entre as 30 maiores economias mundiais. Algo deveria ser feito para reduzir seu custo. Havia várias causas para o problema. A mais grave é que o total de impostos pagos tanto pelos consumidores quanto pelas empresas no Brasil era disparado o maior. Ao invés de reduzir drasticamente os impostos – o que exigiria corte dos gastos do governo – o governo diminuiu-os minimamente e, como condição para renovar seus contratos de concessão de exploração de serviços, exigiu das empresas uma redução no preço de venda da energia para o consumidor. Inicialmente, os preços caíram um pouco. Como o consumo de energia ficou constante, as receitas das empresas do setor também caíram. Infelizmente, o custo para as empresas é pouco flexível, já que o maior deles é construir a infraestrutura de geração, transmissão e distribuição da energia. Assim, qual foi o impacto da medida nas empresas? Receitas menores e custos constantes reduziram a rentabilidade dos negócios, o que as levou a cortarem seus investimentos, diminuindo o ritmo de expansão de nossa oferta de energia nos anos seguintes. Para piorar, São Pedro parece não ter gostado das mudanças e as chuvas escassearam em parte do país. Assim, quatro anos depois, não há energia suficiente, por falta de investimentos, e para reequilibrar a demanda a um nível mais baixo de oferta, os preços tiveram que dobrar e até triplicar.


Em resumo, políticas econômicas que estimulavam o consumo, mas desestimulavam a produção, levaram a confiança dos empresários a cair cada vez mais, reduzindo os investimentos produtivos e gerando dois grandes desequilíbrios na economia brasileira.


O primeiro aconteceu em nossas contas externas. A elevação de custos para se produzir no Brasil levou cada vez mais empresas e consumidores a preferirem trazer os produtos do exterior a produzi-los ou comprá-los aqui. Quando o ex-Ministro da Fazenda Guido Mantega tomou posse, há 9 anos, o Brasil tinha um superávit anual na balança comercial de produtos manufaturados de US$10 bilhões. Exportávamos US$10 bilhões mais do que importávamos. Quando ele deixou o governo, há 11 meses, tínhamos um déficit de US$110 bilhões. Por isso, nossa indústria encolheu mais de 20% desde o lançamento do Programa Brasil Maior, criado supostamente para estimular a competitividade da indústria brasileira há quatro anos e meio.


O segundo desequilíbrio veio com a inflação. Aumentos de custos de alugueis, mão de obra e matérias-primas pressionaram a inflação e não foram combatidos pelo Banco Central com o devido afinco, pelo menos não até as eleições de outubro do ano passado.


Para piorar, o governo represou até as eleições vários aumentos de preços que controla, como energia elétrica, gasolina, ônibus, metrô e outros. Após as eleições, com as contas públicas em frangalhos, os aumentos vieram todos de uma vez – os preços que o governo controla subiram em média 18% nos últimos 12 meses – elevando ainda mais a inflação.




Por fim, o governo Dilma gerou mais um grande desarranjo macroeconômico: nas contas públicas. Gastos cada vez maiores e uma economia estagnada – reduzindo a arrecadação de impostos – causaram um desequilíbrio fiscal que minou a confiança no país, reduzindo os investimentos e o crescimento econômico.


Enfim, a herança econômica deixada pelo governo Dilma I ao governo Dilma II foi uma economia gravemente enferma. Para tratar nosso câncer econômico, sai Guido Mantega, entra Joaquim Levy e começa a quimioterapia.


As políticas econômicas mudam radicalmente e, aos trancos e barrancos, estão curando a doença. O problema é que, inicialmente, o paciente, a economia brasileira, sofre com ambos – a doença que ainda não foi curada e os efeitos colaterais da própria quimioterapia econômica. Em resumo, antes de resolver nossos desequilíbrios econômicos, a alta de juros, dólar e impostos deprime ainda mais a economia.


Para ajustar as contas externas, o real passou por uma maxidesvalorização que encareceu produtos importados, tornando a opção de trazer os produtos de fora do país menos atraente e, a médio prazo, estimulando a produção aqui. Por consequência, os resultados da balança comercial começaram a melhorar.


A alta do dólar tem, no entanto, um importante efeito colateral. Ao tornar mais caros os produtos importados, ela alimenta a inflação. Para combater a alta da inflação, o Banco Central dobrou a taxa básica de juros, encarecendo o crédito aos consumidores. Com juros muito mais altos, os consumidores reduzem suas compras. Com menos procura por seus produtos, para vender, as empresas não podem subir tanto os preços, o que acabará reduzindo a inflação.


As pressões altistas sobre a inflação eram tantas que a alta dos juros ainda não surtiu efeito. Ao contrário, a inflação neste ano será a mais alta em 13 anos. No ano que vem, a inflação deve cair, mas não o suficiente para atingir o centro da meta – de 4,5%. Aliás, até o teto da meta inflacionária – de 6,5% – corre o risco de ser estourado, o que pode forçar o Banco Central a aumentar ainda mais os juros no início do ano que vem.


Por outro lado, por conta da mais profunda e longa recessão em mais de 30 anos, a trajetória de queda da inflação deve continuar em 2017, o que deve criar condições para que os juros caiam entre o final do ano que vem e início de 2017. Isto faria com que o crédito e o consumo voltem a crescer e estimularia os investimentos produtivos e a geração de empregos.


Para que isto aconteça, precisamos antes resolver o último desajuste macroeconômico gerado no primeiro mandato de governo da Presidente Dilma – o das contas públicas. Como em uma família ou em uma empresa, só há duas formas de colocar as contas do governo em ordem: elevação de impostos, ou cortes de gastos. Aliás, cortar gastos seria a solução ideal em um país onde o total de gastos públicos é um dos mais elevados entre todos os países emergentes e a qualidade dos serviços públicos está longe disso.


De um ano para cá, o governo aumentou as alíquotas de alguns impostos, mas até agora isto não foi suficiente sequer para contrabalançar a queda na arrecadação causada pela queda do PIB. Em resumo, para colocar as contas públicas em ordem, retomar a confiança, os investimentos e o crescimento do país, o governo ainda precisará cortar mais seus gastos ou aumentar os impostos, o que ele não tem conseguido fazer em função da crise política.


A Presidente reelegeu-se com um discurso de que o país ia bem e que a inflação, as contas externas e as contas públicas não eram problemas. Após a eleição, os desequilíbrios econômicos e seus impactos negativos sobre empregos e salários ficaram evidentes, causando em muitos a sensação de estelionato eleitoral. Para completar, denúncias generalizadas de corrupção envolvendo líderes do Executivo e do Congresso colaboram para levar a popularidade da Presidente a um dígito e conturbar sua relação com o Legislativo, que passou a bloquear os projetos necessários para reequilibrar as contas públicas.




Aí é que o jogo deve virar ao longo de 2016. Enquanto permanecem a guerra política e o enorme déficit fiscal, os investimentos produtivos no país secam e o desemprego não para de subir – em breve, chegaremos a uma taxa de desemprego de dois dígitos, o dobro do que era há um ano. Em tese, esta tendência de deterioração econômica poderia permanecer inalterada por mais três anos, até as eleições de 2018, mas minha impressão é que muito antes disso – provavelmente ainda em 2016 – o tecido socioeconômico brasileiro se esgarçaria a tal ponto que conflitos, cada vez mais graves emergiriam, tornando o já instável equilíbrio político insustentável. Duas outras possibilidades parecem-me mais prováveis.


A primeira é a pizza. O Executivo e o Legislativo chegariam a algum acordo que garantisse o ajuste fiscal em troca de algum tipo de “imunidade” aos investigados nos escândalos de corrupção tanto do Executivo quanto do Legislativo, incluindo membros do governo e da oposição. O custo para o país de não apenas perder a oportunidade de acabar com a cultura de aceitação de corrupção, mas ainda reforçá-la, seria altíssimo a médio e longo prazos. A curto prazo, no entanto, isto destravaria a economia, permitindo que pela primeira vez desde 2011, as perspectivas de crescimento para os anos seguintes fossem melhores do que nos anos anteriores.


O que torna a possibilidade acima menos provável é que para que ela se materializasse faltaria combinar com os russos. Ela só seria possível se o Judiciário, que tem se mantido razoavelmente insulado das pressões políticas, fosse controlado ou cooptado.


Sobra a segunda alternativa: a crise atual continua e se agrava ao longo do início do ano que vem, com alta na taxa de desemprego e uma queda ainda maior na popularidade e redução da base de apoio político da Presidente, tornando sua sustentação no cargo impossível. É bom lembrar que o ex-presidente Collor não caiu apenas em função de denúncias de corrupção, mas por ter popularidade de um dígito e ver seus aliados gradualmente abandonando-o, como acontece com o atual governo. Neste caso, um novo presidente – tanto no caso do vice-presidente Michel Temer assumir, quanto no caso de novas eleições acontecerem – provavelmente teria uma base política mais sólida, o que criaria condições para finalizar o ajuste fiscal, retomar a confiança e o crescimento.


Portanto, ainda que com timing, ritmo de recuperação e consequências de médio e longo prazos, bastante distintos, nos dois casos é provável que em algum momento de 2016 ou, na pior das hipóteses, ao longo de 2017, a economia brasileira inicie um processo de recuperação. É ainda mais provável que, uma vez iniciada, a recuperação seja muito mais vigorosa do que a atualmente projetada pela maioria dos economistas e empresas.


O desempenho econômico brasileiro no triênio 2014-2016 – com uma média esperada de contração do PIB de 1,6% a.a. – será o segundo pior dos últimos 115 anos. Em todas as outras vezes que houve uma contração do PIB significativa, ela foi seguida de um crescimento bastante acelerado nos anos seguintes.




Quase ninguém espera isso desta vez. As projeções trimestrais para o PIB da maioria dos analistas indicam PIB em queda até o primeiro trimestre do ano que vem, seguido de estagnação por quase dois anos depois disso. A história econômica brasileira e internacional sugere que a queda do PIB nos próximos trimestres pode ser até ser mais intensa e durar mais do que projetam hoje os analistas, mas uma vez resolvidos o buraco fiscal e a crise política e retomada a confiança na economia brasileira, a recuperação, quando acontecer, deve ser muito mais forte do que a projetada hoje. Como no período anterior ao início do governo Dilma, ao menos por alguns anos, as surpresas econômicas devem voltar a ser positivas e o crescimento deve acelerar-se, ao invés de desacelerar-se.


Eu não sou o único vendo que as expectativas e econômicas de longo prazo e, por consequência os preços dos ativos no Brasil, tornaram-se excessivamente pessimistas. Para aproveitar as oportunidades de negócios que estas surpresas positivas trarão, de uma semana para cá, três empresas estrangeiras fizeram investimentos bilionários no país. No setor de cosméticos, a francesa Coty comprou parte das operações da Hypermarcas. No setor de comunicação, a americana Omnicom comprou o Grupo ABC. Na aviação, os chineses da HNA compraram a Azul.


Você e sua empresa estão prontos para as surpresas que vêm por aí?

Por: Ricardo Amorim  CEO at Ricam Consultoria, Host of Manhattan Connection at Globonews Do site: https://www.linkedin.com/pulse/vem-surpresa-boa-por-a%C3%AD-ricardo-amorim?trk=mp-reader-card



quinta-feira, 3 de março de 2016

PORCOS VOANDO E ONU MUDANDO O CLIMA


O empresário Maurice Newman, ex-assessor do anterior premiê australiano Tony Abbott, criticou o atual premiê Malcolm Turnbull e o próprio presidente dos EUA, Barack Obama, porque, segundo ele, os líderes mundiais estão agindo “como os antigos druidas (sacerdotes pagãos celtas) invocando falsos deuses para atrair boas safras”, noticiou o jornal inglês “The Guardian”.

Ele se referia às reuniões ambientalistas planetárias – como a COP21, realizada recentemente em Paris – que imaginam poder mudar o clima do planeta apelando para teorias e métodos anticientíficos ou irreais.

Segundo Newman, a meta fixada pelo encontro de Paris, de segurar a temperatura global até um máximo de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, “não se apoia em prova científica alguma”.

Newman deplorou que esses representantes das sociedades capitalistas privadas ocidentais estejam abrindo mão do pensamento racional. Mas nada disse sobre a encíclica “Laudato Si’”, que participa da mesma tendência.

"Eles abraçaram uma ciência podre e uma economia também podre, adotando uma pseudo-economia pós-moderna destrutora da riqueza e do bem-estar, a qual prega que com um regime de ‘bolsas’ financiadas com impostos dos trabalhadores pode-se fazer uma ‘mudança econômica’ desejável e um crescimento mais rápido”, escreveu Newman no jornal “The Australian”.

Newman viu nos grandiloquentes, insinceros e desvairados propósitos da COP21 apenas mal dissimuladas visões coletivistas.

Para ele, a ONU hoje se preocupa mais em promover o marxismo do que prestar atenção na ciência.

Os projetos da COP21 “têm suas raízes no marxismo”, sublinhou. O Fundo Verde que a ONU pretende criar seria posto sob a presidência da ativista ambientalista e marxista costarriquense Christiana Figueres.

"A mídia acerta o passo com essa articulação ambientalista e nos bombardeia com alarmismo climático, enquanto o maior líder do mundo livre, Barack Obama, diz: ‘Minha missão é conscientizar o mundo de que a mudança climática é um desafio maior que o terrorismo’. Ele acredita nisso? Isso é muito sério. Pois monstra claramente que a ausência de bom senso e de ciência lideram o mundo”.

Newman mostrou o absurdo de a China ser acolhida entre os países “ecologicamente corretos”, que exigem reduzir as emissões de gás estufa, enquanto a qualidade do ar em seu território atinge patamares de calamidade pública.

Ele também ironizou a oca alegria dos líderes ambientalistas na COP21, que comemoraram a definição da meta de 100 bilhões de dólares anuais em 2020, embora ninguém se comprometeu a dar algo proporcionado, nem mesmo parcialmente.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, defendeu: “Se nós queremos realmente acabar com a pobreza global, se queremos construir um mundo mais saudável e um planeta Terra sustentável, temos que enfrentar primeiro a questão da mudança climática”.

Segundo Newman, essas assertivas, e outras enunciadas na COP21, são tão irreais como imaginar que os porcos voam.

Por: Luis Dafaur



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

QUERIDO BRASIL

Querido Brasil,O Carnaval acabou. O “ano novo” finalmente vai começar e eu estou te deixando para voltar para o meu país.Assim como vários outros gringos, eu também vim para cá pela primeira vez em busca de festas, lindas praias e garotas. O que eu não poderia imaginar é que eu passaria a maior parte dos 4 últimos anos dentro das suas fronteiras. Aprenderia muito sobre a sua cultura, sua língua, seus costumes e que, no final deste ano, eu me casaria com uma de suas garotas.Não é segredo para ninguém que você está passando por alguns problemas. Existe uma crise política, econômica, problemas constantes em relação à segurança, uma enorme desigualdade social e agora, com uma possível epidemia do Zika vírus, uma crise ainda maior na saúde.Durante esse tempo em que estive aqui, eu conheci muitos brasileiros que me perguntavam: “Por que? Por que o Brasil é tão ferrado? Por que os países na Europa e América do Norte são prósperos e seguros enquanto o Brasil continua nesses altos e baixos entre crises década sim, década não?”No passado, eu tinha muitas teorias sobre o sistema de governo, sobre o colonialismo, políticas econômicas, etc. Mas recentemente eu cheguei a uma conclusão. Muita gente provavelmente vai achar essa minha conclusão meio ofensiva, mas depois de trocar várias ideias com alguns dos meus amigos, eles me encorajaram a dividir o que eu acho com todos os outros brasileiros.Então aí vai: é você.Você é o problema.Sim, você mesmo que está lendo esse texto. Você é parte do problema. Eu tenho certeza de não é proposital, mas você não só é parte, como está perpetuando o problema todos os dias.Não é só culpa da Dilma ou do PT. Não é só culpa dos bancos, da iniciativa privada, do escândalo da Petrobras, do aumento do dólar ou da desvalorização do Real.O problema é a cultura. São as crenças e a mentalidade que fazem parte da fundação do país e são responsáveis pela forma com que os brasileiros escolhem viver as suas vidas e construir uma sociedade.O problema é tudo aquilo que você e todo mundo a sua volta decidiu aceitar como parte de “ser brasileiro” mesmo que isso não esteja certo.Quer um exemplo?Imagine que você está de carona no carro de um amigo tarde da noite. Vocês passam por uma rua escura e totalmente vazia. O papo está bom e ele não está prestando muita atenção quando, de repente, ele arranca o retrovisor de um carro super caro. Antes que alguém veja, ele acelera e vai embora.No dia seguinte, você ouve um colega de trabalho que você mal conhece dizendo que deixou o carro estacionado na rua na noite anterior e ele amanheceu sem o retrovisor. Pela descrição, você descobre que é o mesmo carro que seu brother bateu “sem querer”. O que você faz?A) Fica quieto e finge que não sabe de nada para proteger seu amigo? OuB) Diz para o cara que sente muito e força o seu amigo a assumir a responsabilidade pelo erro?Eu acredito que a maioria dos brasileiros escolheria a alternativa A. Eu também acredito que a maioria dos gringos escolheria a alternativa B.Nos países mais desenvolvidos o senso de justiça e responsabilidade é mais importante do que qualquer indivíduo. Há uma consciência social onde o todo é mais importante do que o bem-estar de um só. E por ser um dos principais pilares de uma sociedade que funciona, ignorar isso é uma forma de egoísmo.Eu percebo que vocês brasileiros são solidários, se sacrificam e fazem de tudo por suas famílias e amigos mais próximos e, por isso, não se consideram egoístas.Mas, infelizmente, eu também acredito que grande parte dos brasileiros seja extremamente egoísta, já que priorizar a família e os amigos mais próximos em detrimento de outros membros da sociedade é uma forma de egoísmo.Sabe todos aqueles políticos, empresários, policiais e sindicalistas corruptos? Você já parou para pensar por que eles são corruptos? Eu garanto que quase todos eles justificam suas mentiras e falcatruas dizendo: “Eu faço isso pela minha família”. Eles querem dar uma vida melhor para seus parentes, querem que seus filhos estudem em escolas melhores e querem viver com mais segurança.É curioso ver que quando um brasileiro prejudica outro cidadão para beneficiar sua famílias, ele se acha altruísta. Ele não percebe que altruísmo é abrir mão dos próprios interesses para beneficiar um estranho se for para o bem da sociedade como um todo.Além disso, seu povo também é muito vaidoso, Brasil. Eu fiquei surpreso quando descobri que dizer que alguém é vaidoso por aqui não é considerado um insulto como é nos Estados Unidos. Esta é uma outra característica particular da sua cultura.Algumas semanas atrás, eu e minha noiva viajamos para um famoso vilarejo no nordeste. Chegando lá, as praias não eram bonitas como imaginávamos e ainda estavam sujas. Um dos pontos turísticos mais famosos era uma pedra que de perto não tinha nada demais. Foi decepcionante.Quando contamos para as pessoas sobre a nossa percepção, algumas delas imediatamente disseram: “Ah, pelo menos você pode ver e tirar algumas fotos nos pontos turísticos, né?”Parece uma frase inocente, mas ela ilustra bem essa questão da vaidade: as pessoas por aqui estão muito mais preocupadas com as aparências do que com quem eles realmente são.É claro que aqui não é o único lugar no mundo onde isso acontece, mas é muito mais comum do que em qualquer outro país onde eu já estive.Isso explica porque os brasileiros ricos não se importam em pagar três vezes mais por uma roupa de grife ou uma jóia do que deveriam, ou contratam empregadas e babás para fazerem um trabalho que poderia ser feito por eles. É uma forma de se sentirem especiais e parecerem mais ricos. Também é por isso que brasileiros pagam tudo parcelado. Porque eles querem sentir e mostrar que eles podem ter aquela super TV mesmo quando, na realidade, eles não tenham dinheiro para pagar. No fim das contas, esse é o motivo pelo qual um brasileiro que nasceu pobre e sem oportunidades está disposto a matar por causa de uma motocicleta ou sequestrar alguém por algumas centenas de Reais. Eles também querem parecer bem sucedidos, mesmo que não contribuam com a sociedade para merecer isso.Muitos gringos acham os brasileiros preguiçosos. Eu não concordo. Pelo contrário, os brasileiros tem mais energia do que muita gente em outros lugares do mundo (vide: Carnaval).O problema é que muitos focam grande parte da sua energia em vaidade em vez de produtividade. A sensação que se tem é que é mais importante parecer popular ou glamouroso do que fazer algo relevante que traga isso como consequência. É mais importante parecer bem sucedido do que ser bem sucedido de fato.Vaidade não traz felicidade. Vaidade é uma versão “photoshopada” da felicidade. Parece legal vista de fora, mas não é real e definitivamente não dura muito.Se você precisa pagar por algo muito mais caro do que deveria custar para se sentir especial, então você não é especial. Se você precisa da aprovação de outras pessoas para se sentir importante, então você não é importante. Se você precisa mentir, puxar o tapete ou trair alguém para se sentir bem sucedido, então você não é bem sucedido. Pode acreditar, os atalhos não funcionam aqui.E sabe o que é pior? Essa vaidade faz com que seu povo evite bater de frente com os outros. Todo mundo quer ser legal com todo mundo e acaba ou ferrando o outro pelas costas, ou indiretamente só para não gerar confronto.Por aqui, se alguém está 1h atrasado, todo mundo fica esperando essa pessoa chegar para sair. Se alguém decide ir embora e não esperar, é visto como cuzão. Se alguém na família é irresponsável e fica cheio de dívidas, é meio que esperado que outros membros da família com mais dinheiro ajudem a pessoa a se recuperar. Se alguém num grupo de amigos não quer fazer uma coisa específica, é esperado que todo mundo mude os planos para não deixar esse amigo chateado. Se em uma viagem em grupo alguém decide fazer algo sozinho, este é considerado egoísta.É sempre mais fácil não confrontar e ser boa praça. Só que onde não existe confronto, não existe progresso.Como um gringo que geralmente não liga a mínima sobre o que as pessoas pensam de mim, eu acho muito difícil não enxergar tudo isso como uma forma de desrespeito e auto-sabotagem. Em diversas circunstâncias eu acabo assistindo os brasileiros recompensarem as “vítimas” e punirem àqueles que são independentes e bem resolvidos.Por um lado, quando você recompensa uma pessoa que falhou ou está fazendo algo errado, você está dando a ela um incentivo para nunca precisar melhorar. Na verdade, você faz com que ela fique sempre contando com a boa vontade de alguém em vez de ensina-la a ser responsável.Por outro lado, quando você pune alguém por ser bem resolvido, você desencoraja pessoas talentosas que poderiam criar o progresso e a inovação que esse país tanto precisa. Você impede que o país saia dessa merda que está e cria ainda mais espaço para líderes medíocres e manipuladores se prolongarem no poder.E assim, você cria uma sociedade que acredita que o único jeito de se dar bem é traindo, mentindo, sendo corrupto, ou nos piores casos, tirando a vida do outro.As vezes, a melhor coisa que você pode fazer por um amigo que está sempre atrasado é ir embora sem ele. Isso vai fazer com que ele aprenda a gerenciar o próprio tempo e respeitar o tempo dos outros.Outras vezes, a melhor coisa que você pode fazer com alguém que gastou mais do que devia e se enfiou em dívidas é deixar que ele fique desesperado por um tempo. Esse é o único jeito que fará com que ele aprenda a ser mais responsável com dinheiro no futuro.Eu não quero parecer o gringo que sabe tudo, até porque eu não sei. E deus bem sabe o quanto o meu país também está na merda (eu já escrevi aqui sobre o que eu acho dos EUA).Só que em breve, Brasil, você será parte da minha vida para sempre. Você será parte da minha família. Você será meu amigo. Você será metade do meu filho quando eu tiver um.E é por isso que eu sinto que preciso dividir isso com você de forma aberta, honesta, com o amor que só um amigo pode falar francamente com outro, mesmo quando sabemos que o que temos a dizer vai doer.E também porque eu tenho uma má notícia: não vai melhorar tão cedo.Talvez você já saiba disso, mas se não sabe, eu vou ser aquele que vai te dizer: as coisas não vão melhorar nessa década.O seu governo não vai conseguir pagar todas as dívidas que ele fez a não ser que mude toda a sua constituição. Os grandes negócios do país pegaram dinheiro demais emprestado quando o dólar estava baixo, lá em 2008-2010 e agora não vão conseguir pagar já que as dívidas dobraram de tamanho. Muitos vão falir por causa disso nos próximos anos e isso vai piorar a crise.O preço das commodities estão extremamente baixos e não apresentam nenhum sinal de aumento num futuro próximo, isso significa menos dinheiro entrando no país. Sua população não é do tipo que poupa e sim, que se endivida. As taxas de desemprego estão aumentando, assim como os impostos que estrangulam a produtividade da classe trabalhadora.Você está ferrado. Você pode tirar a Dilma de lá, ou todo o PT. Pode (e deveria) refazer a constituição, mas não vai adiantar. Os erros já foram cometidos anos atrás e agora você vai ter que viver com isso por um tempo.Se prepare para, no mínimo, 5-10 anos de oportunidades perdidas. Se você é um jovem brasileiro, muito do que você cresceu esperando que fosse conquistar, não vai mais estar disponível. Se você é um adulto nos seus 30 ou 40, os melhores anos da economia já fazem parte do seu passado. Se você tem mais de 50, bem, você já viu esse filme antes, não viu?É a mesma velha história, só muda a década. A democracia não resolveu o problema. Uma moeda forte não resolveu o problema. Tirar milhares de pessoa da pobreza não resolveu o problema. O problema persiste. E persiste porque ele está na mentalidade das pessoas.O “jeitinho brasileiro” precisa morrer. Essa vaidade, essa mania de dizer que o Brasil sempre foi assim e não tem mais jeito também precisa morrer. E a única forma de acabar com tudo isso é se cada brasileiro decidir matar isso dentro de si mesmo.Ao contrario de outras revoluções externas que fazem parte da sua história, essa revolução precisa ser interna. Ela precisa ser resultado de uma vontade que invade o seu coração e sua alma.Você precisa escolher ver as coisas de um jeito novo. Você precisa definir novos padrões e expectativas para você e para os outros. Você precisa exigir que seu tempo seja respeitado. Você deve esperar das pessoas que te cercam que elas sejam responsabilizadas pelas suas ações. Você precisa priorizar uma sociedade forte e segura acima de todo e qualquer interesse pessoal ou da sua família e amigos. Você precisa deixar que cada um lide com os seus próprios problemas, assim como você não deve esperar que ninguém seja obrigado a lidar com os seus.Essas são escolhas que precisam ser feitas diariamente. Até que essa revolução interna aconteça, eu temo que seu destino seja repetir os mesmos erros por muitas outras gerações que estão por vir.Você tem uma alegria que é rara e especial, Brasil. Foi isso que me atraiu em você muitos anos atrás e que me faz sempre voltar. Eu só espero que um dia essa alegria tenha a sociedade que merece.Seu amigo, Mark MansonTraduzido por Fernanda NeuteDo site: http://markmanson.net/brazil_pt

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

PEQUENOS AJUSTES NÃO SÃO SUFUCIENTES

O socialismo parece reger-se pela “lei do pêndulo”: é o “ciclo econômico” descrito pelos economistas da Escola Austríaca, só que no plano político. Há duas fases.

Primeiro, o populismo desenfreado. Abre-se a fase expansiva na economia, com alta nos gastos estatais, e emissão de toneladas de papel-moeda. Protege-se a “indústria nacional”, por meio da concessão de subsídios e monopólios; desse modo criam-se empresas antieconômicas, e empregos artificiais. Aumenta o emprego estatal, e se decretam “planos sociais” para comprar votos. Além disso, relaxam-se as exigências para empréstimos, a fim de “estimular a demanda”, ou seja, o consumo, estilo Keynes.

Porém, se não há economia ou capitalização, não há desenvolvimento, nem crescimento. A economia fechada se torna ineficiente. E a bebedeira “social” termina em grande ressaca: estagflação (inflação com estagnação), desinvestimentos, com quebra ou fechamento de empresas, e desemprego em massa.

Então chegam os “neoliberais”, para a segunda fase, a “contenção”.

Tomam medidas radicais, como deve ser feito, para acabar com o estatismo? Não! “Não temos respaldo político”, dizem. “Não é viável”. Não é “politicamente factível”. Portanto, se limitam a corrigir alguns dos excessos mais grosseiros e aberrantes do socialismo. Nada mais. “Estabilização” é seu mantra favorito.

Como os bombeiros, apagam o fogo; porém, sem reformas profundas. Há abertura ao exterior, porém “não muita, não vamos chegar ao outro extremo!”, explicam.

Contudo, os “ajustes” não perduram, porque não vão à raiz do problema: não se revogam as leis más; por isso não há mudanças estruturais nem melhorias sustentáveis. Cedo ou tarde há descontentamento, que aumenta até que, na garupa da “crise”, a esquerda radical retorna ao poder com sua demagogia, mais cedo ou mais tarde. O pêndulo muda de curso. E o ciclo recomeça.

Exemplo: Argentina. Terminou agora outra fase de populismo selvagem, e chegou a cavalaria ao resgate. Já vimos esse filme, muitas vezes.

Quantas ao todo? O economista José Luis Espert nos lembra “cinco crises em meio século”. Porém, ocorreram outras, anteriores:
A primeira década peronista (1945-55) destruiu grande parte da economia argentina, ainda que muitos dos fundamentos do estatismo, como por exemplo o Banco Central, tenham sido postos pelos conservadores na década anterior. E com o presidente Aramburu, foi Raúl Prebisch, ex-funcionário de Perón, e economista não liberal, mas keynesiano, quem propôs o Plano Prebisch para “corrigir o caos”. Quase todo o país se opôs ao Plano, que embora fosse bastante intervencionista, foi qualificado de “ultra-liberal”, e nem sequer foi aplicado totalmente. Aquela “Revolução Libertadora” terminou sem cumprir a tarefa.

Porém, na prática os militares governavam em conjunto com o radical Arturo Frondizi (1958-62), através do engenheiro Álvaro Alsogaray, economista liberal encarregado de “conter” o super-ministro Rogelio Frigerio, que era partidário de uma economia nazi-stalinista.

Após a queda de Frondizi, o estica e puxa entre populismo e “ortodoxia” continuou com seu sucessor José M. Guido. Em seu breve governo interino, de 1962-63, houve até uma miniguerra civil: “azuis” versus “colorados”.

O radical Arturo Illía (1963-66) representou uma fase populista bastante moderada. E com o general Onganía, a consequente fase “neoliberal” foi encabeçada pelo ministro Krieger Vasena, e foi tão desastrosa que a crise arrastou o presidente, que foi deposto, como aconteceu nos casos anteriormente vistos; e em outros que se seguiram.

Após os descalabros nazi-socialistas de Galtieri e Cámpora, o populismo “montonero” seguiu com Ber Gelbard, já sob Juan Perón (1973-74). Até que María Estela Martínez chamou aos mais ortodoxos (?) Alfredo Gómez Morales e Celestino Rodrigo, para clean up the mess (limpar a sujeira). Não conseguiram.

O general Videla trouxe, em 1976, a José A. Martínez de Hoz, um “ultraliberal” que estatizou uma companhia elétrica, a CIAE. Outro fracasso, que terminou na crise financeira de 1980, a qual também levou consigo o presidente, em março de 1981. Nada puderam seus sucessores “liberais”, Lorenzo Sigaut, Roberto Alemann e Jorge Wehbe. Mesmo filme, atores diferentes.

Como era de se esperar, “o retorno da democracia” trouxe consigo uma fase populista muito aguda, ao ponto do radical Raúl Alfonsín ter de entregar o cargo antecipadamente a Carlos Menem em 1989, em meio à hiperinflação. Com Domingo Cavallo, o peronista Menem realizou a experiência “neoliberal” mais estável e comparativamente exitosa: toda uma década, os anos 1990.

Por isso o radical Fernando de la Rúa (1999-2001) quis reeditar o menemismo, incluindo Cavallo. Porém, não o pôde, e como Frondizi, a crise explodiu em seu colo: não terminou seu mandato. A “estabilização” chegou com o presidente Eduardo Duhalde e seu ministro “ortodoxo”, Roberto Lavagna (2002-03). E logo outra vez a louca economia montonera: os Kirchner. Até agora.

Oito antecedentes, todos muito similares, que o senhor Macri deveria revisar, não acham?
Por: Alberto Mansueti, advogado e cientista político.
Tradução: Márcio Santana Sobrinho

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O VAZIO DA EXPRESSÃO "DIREITOS HUMANOS"



Para Jean Wyllys, todo e qualquer projeto que envolva a demografia LGBT é necessariamente uma defesa dos direitos humanos. Para Jair Bolsonaro, direitos humanos são uma defesa de bandidos.

Dada a inexistência de um escopo amplamente aceito, qualquer projeto de governo pode ser incorporado pela Secretaria de Direitos Humanos, pois a corrente jurídica socialista fez com que essa expressão não significasse absolutamente nada.

Factualmente, ela se tornou um enfeite que pode ser colocado — literalmente — em qualquer contexto para decorar uma ideia, normalmente com consequências negativas.

Um pouco da história

Tecnicamente, os direitos humanos podem ser divididos nas chamadas "gerações". Teóricos conseguem pensar em inúmeras gerações. Contudo, historicamente, podemos dividir os autointitulados direitos humanos em duas correntes distintas sob o ponto de vista econômico.

A primeira, com origem na filosofia liberal, consiste basicamente em direitos negativos: o indivíduo tem o direito de que não tirem sua vida, não restrinjam sua liberdade, e não confisquem sua propriedade honestamente adquirida. Destes direitos negativos derivam-se direitos positivos, como liberdade de expressão, religião e associação; direito ao porte de armas; devido processo legal; direito de livre iniciativa; entre outros.

Um dos principais documentos que denotam essa geração é o Bill of Rights norte-americano, dentro do contexto histórico. No cenário internacional, essa geração foi incorporada parcialmente no International Convenant on Civil and Political Rights (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos).

A segunda geração de direitos humanos tem base filosófica explicada na obra Sobre a Questão Judaica, de Karl Marx. Escrita em 1843 e publicada em 1844, a publicação adquire especial relevância uma vez que o autor faz uma reflexão acerca da situação dos judeus na Prússia, sedimentando então a concepção de materialismo histórico.

Especificamente, encontra-se nessa obra a visão teórica de direitos dos homens pela perspectiva socialista de Marx, a qual se expandiria em um corpo bem definido e chegaria ao ápice ao servir de base para as constituições da União Soviética.

Conforme Marx expôs, segundo Joy Gordon:[1]

Nenhum dos chamados direitos do homem vai além do homem egoísta; o homem como ele é, na sociedade civil, é como um indivíduo se esquivando por trás de seus interesses privados e caprichos, e separado da comunidade.

No decorrer da obra, Marx propõe que os direitos são detidos por aqueles que o conquistam; ou seja, não se aplicam igualmente a todos. Além disso, eles são uma conquista de classe e, por isso, coletivos. Conhecidos como "direitos sociais", têm uma conotação de prestação positiva, os quais devem ser fornecidos por meio da alocação de recursos do estado: direito à saúde, à educação, à moradia, à alimentação etc. — a lista é longa, pois a expansão (política) só depende da caneta do legislador.

Exemplos de positivação dessa geração encontram-se no artigo 6º da Constituição Federal Brasileira.

No cenário internacional, seria a Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) — nunca ratificado pelos EUA.

Mas como foi que chegamos a esse ponto político em que os "direitos humanos" servem como embasamento para discursos que versam sobre basicamente qualquer proposição?

A transmutação

Para se analisar precisamente este fenômeno deve-se fazer uma investigação geral de sua formação.

Como assevera Paul Gordon Laurem,

Ideias de justiça e direitos humanos possuem uma longa e rica história. Elas não se originaram exclusivamente em uma única região geográfica do mundo, em um único país, em um único século, em uma única forma, ou mesmo em uma única forma política de governo ou de sistema legal.[2]

Tal proposição confirma a ideia de universalidade do conceito de direitos humanos, relacionando-se inclusive com a proposição jusnaturalista, que diz que o indivíduo possui direitos negativos pelo simples fato de existir e de ser dotado da faculdade da razão.[3]

As mais antigas das codificações dos direitos humanos incluem os seguintes textos: Sumerian Code of Ur-Nammu(c 2100-2050 BCE), codex of Lipit-Ishtar (c 1930 BCE), e o Akkadian Laws of Eshnunna (c 1770 BCE).[4]

Tais codificações foram seguidas pelo famoso Código de Hamurabi, que cobriu certos aspectos do que hoje chamaríamos de direitos humanos.[5]

De fato, o referido código apresentou um dos primeiros exemplos do direito à liberdade de expressão, presunção da inocência, direito de defesa e devido processo legal[6] — todos hoje considerados a primeira geração de direitos humanos, de características individuais e majoritariamente negativas.

Mas a formação do conceito não ficou restrita tão somente à formação da sociedade ocidental. Também se verificou fenômenos parecidos na antiga China, com a filosofia de Confúcio,[7] e na antiga Índia, com oArthashastra (~300 AC).

A ideia de jusnaturalismo emerge na Grécia Antiga desde Platão,[8] sendo reforçada por Aristóteles, o qual arguiu pela importância de que a lei positivada deveria se amoldar aos direitos naturais.[9] O Direito Romano manteve essa visão, como denotado pelo filósofo e jusdoutrinador Marco Túlio Cícero.[10]

O período Medieval, sobretudo na antiga Britânia, é marcado pela Magna Carta, que demandou a supremacia do "rule of law" sobre o direito do monarca soberano, abrindo caminho para os avanços ocorridos na Idade Moderna por meio da delineação de algo mais próximo do sistema que temos hoje.

Tais ideias se aprofundaram ainda mais no Iluminismo, inclusive com Hugo Grócio, considerado o "pai do moderno direito internacional". De forma surpreendente, exatamente no mesmo período, Huang Zongxi professava ideias similares na China.[11]

O capitalismo foi o responsável direto pelo surgimento e solidificação dos direitos humanos individuais,[12]conforme vislumbra Paul Gorden Lauren:

Na Europa, o declínio do feudalismo, com sua rígida hierarquia e economia monopolista, gradualmente abriu caminho para a ascensão de mercados livres e de uma classe média, fortalecendo, assim, o conceito de direito individual à propriedade privada. Este conceito, por sua vez, levou ao desejo de transformar os direitos econômicos pessoais em direitos políticos e civis mais amplos.[13]

Sem dúvidas, o principal justeórico da corrente liberal foi o filósofo John Locke, o qual argumentou primeiramente pela liberdade de religião e consciência, para então em sua clássica obra, Second Treatise of Government, datada de 1690, lançar as bases fundamentais da teoria hoje vigente. Segundo Locke, um direito humano é:

Um direito à perfeita liberdade, e a um incontrolável gozo de todos os direitos e privilégios da lei natural, igualmente com cada outro homem ou grupo de pessoas do mundo, tendo por natureza um poder não só para proteger sua propriedade — vida, liberdade e patrimônio — contra agressões, mas também para julgar e punir as violações da lei natural por outros.[14]

A Inglaterra foi o terreno fértil para a solidificação desses direitos, e a existência de textos como a Magna Carta de 1215, a Petição de Direitos de 1627, o Ato de Direitos de 1668 e o Ato de Sucessão de 1701. Contudo, a codificação mais notável dos direitos humanos liberais veio através da Bill of Rights, as dez primeiras emendas à Constituição Americana.[15]

No que concerne à segunda geração de direitos humanos, a União Soviética, durante sua existência, possuiu três Constituições, datadas respectivamente de 1924, 1936 e 1977. De acordo com Jean Morange,[16] as concepções de direitos nas mesmas foram concebidas sob orientação burocrática, não tendo, de forma alguma, o objetivo de permitir a cada um levar sua vida segundo o que lhe dita a consciência, mas sim favorecer sua participação na sociedade de economia socialista.

A Constituição Soviética de 1924 não trazia nenhuma menção aos direitos aplicáveis à sua população, limitando-se a usar o termo para denominar alguns dos direitos que usufruíam as repúblicas que formaram a sua União.[17]Os estados eram literalmente os únicos dotados de qualquer direito sob a primeira constituição socialista da história.

Erigida 12 anos mais tarde, a Constituição da União Soviética de 1936 (também conhecida como "a Constituição de Stalin"), ao contrário de sua antecessora, ganhou um capítulo específico para tratar da questão de direitos e deveres fundamentais dos cidadãos.[18]

Inaugurado pelo artigo 118, o Capítulo X da referida Constituição protegia o direito a um salário estabelecido de acordo com a quantidade e a qualidade do mesmo; direito ao descanso, estabelecido desde já no texto constitucional por meio de políticas como férias, atividades de lazer, clubes etc.; direito à seguridade social;[19]direito à educação; direito à igualdade de direitos concernentes às esferas econômicas, estatais, culturais, sociais e políticas; entre outros.

E, finalmente, estabelecia também uma breve lista de deveres a serem observados para a implementação desses direitos, que incluem o dever de disciplina de trabalho; respeito às regras socialistas; dever de proteger a propriedade do sistema soviético e dever militar universal.

Em 1964, um artigo intitulado La protection des droits des citoyens en U.R.S.S.,[20] escrito por M. S. Strogovitch, o membro da Academia de Ciências da União Soviética, descreveu o sistema de direitos que eram previstos no campo legal à população do referido país. Segundo o autor:

Os direitos dos cidadãos, direitos individuais (subjetivos) de acordo com o termo empregado na teoria do direito, não são considerados na URSS como concedidos pelo Estado, na medida em que ele pode, a seu critério, retirá-los. De acordo com a teoria comumente aceita, direito subjetivo nada mais é do que um reflexo do direito objetivo. Como consequência, para o Estado, e para a jurisprudência soviética, essa teoria é inaceitável, sendo antidemocrática por natureza.

Teórica e praticamente, os direitos dos cidadãos e a liberdade do indivíduo não existem na URSS — existe apenas a expressão jurídica da situação que o trabalhador ocupa no seio da sociedade socialista.

Os direitos beneficiam o cidadão que confirma a lei, ao mesmo tempo em que seus deveres para com o Estado, para com a sociedade e para com os outros cidadãos constituem o estatuto jurídico do cidadão soviético, sua situação jurídica no Estado e na sociedade.[21]

Durante a guerra fria, ambas as visões do que eram Direitos Humanos para os EUA e a União Soviética inevitavelmente se conflitaram.

De um lado, a visão individualista buscava a consolidação da democracia liberal. De outro, a perspectiva da União Soviética puxava pelo completo desprezo pelos indivíduos, muitos confinados em campos de concentração (gulags) para que o regime conseguisse expandir a infraestrutura do país, já que a economia socialista soviética não era capaz de gerar crescimento econômico a partir de seu modelo.

A situação no Brasil

Desmembrada a questão histórica, como os juízes brasileiros resolvem hoje um conflito entre direitos advindos dessas gerações opostas de direitos humanos?

Quando esse tipo de conflito ocorre, as decisões da justiça nacional dão notável preferência aos direitos sociais.


Ainda que a Constituição defenda o direito de propriedade, movimentos terroristas como o MTST não apenas invadem propriedade privada, como ainda conseguem se manter com a posse de imóveis invadidos.

Ainda que tenhamos o direito de não dar satisfação aos outros sobre o que fazemos sem prejudicar terceiros, municípios não encontram dificuldades em restringir o que fazemos com nossas residências, terrenos e estabelecimentos.

A lista é longa e a justificativa para a supremacia dos "direitos" de segunda geração é sempre a mesma: preocupação social.

"Social" é a poderosa palavra que garante um passe-livre para qualquer causa política. Adicione o advérbio "socialmente" a uma frase, e qualquer expressão se torna mais "palatável":
O transporte coletivo é necessário.
O transporte coletivo é socialmente necessário.

Qual a diferença?

Palavras sem significado sempre foram a base dos discursos dos demagogos — especialmente na filosofia que mais os gera: o socialismo.

Um exemplo interessante foi a participação de Dilma Rousseff nos debates das eleições presidenciais de 2010. Para que fosse mais fácil para a presidente exercer seu "pensamento" durante as falas, a mesma foi instruída a usar a palavra "sistematicamente" sempre que possível.

Essa palavra foi — sistematicamente — repetida centenas de vezes pela candidata em um mesmo debate. Veja o efeito:
"Nosso governo vai investir em infraestrutura."
"Nosso governo vai, sistematicamente, investir em infraestrutura."

Não é novidade que o socialismo seja a regra filosófica dos acadêmicos de direito no Brasil. Seja na corrente marxista, no ecoambientalismo, no latinismo etc., essa tendência acabou por trazer o "demagogismo" inerente a ela, e destruir uma das áreas mais importantes: a defesa do indivíduo, incorporada nos direitos humanos.

Assim, absolutamente qualquer coisa virou "direitos humanos", independente de sua base teórica histórica e suas filosofias.

E pior: a cada nova política, o fator de igualdade (formal, no sentido liberal) acaba se deteriorando. Consequentemente, as políticas não apenas causam divisões e conflito de demografias, como também estimulam o ódio, pois os indivíduos acuados tendem a votar em políticos populistas. Essa é a regra de conduta entre os socialistas.

Por tudo isso, é urgente resgatar o verdadeiro sentido dos direitos humanos. Neste (re)nascimento do movimento liberal/libertário no Brasil, eis aí uma bandeira pela qual se vale a pena lutar.



[1] GORDON, Joy. The Concept Of Human Rights: The History And Meaning Of Its Politicization. Brooklyn Journal of International Law. 23 Brooklyn J. Int'l L. 689. 1998,
[2] SHELTON, Dinah. The Oxford Handbook of International Human Rights Law. ISBN 9780199640133 Londres: OUP Oxford, 2013, tradução nossa)
[3] Especificamente no que se denota à filosofia jusnaturalista (tecnicamente objetivista) de Ayn Rand, e outros.
[4] SHELTON, op. cit., cap. II
[5] SHELTON, op. cit., cap. II
[6] CODE OF HAMMURABI. The Avalon Project. Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/ancient/hamframe.asphttp://avalon.law.yale.edu/ancient/hamframe.asp> Acesso em: 14 set. 2014
[7] Nome real Kong Qiu, estima-se que viveu na região hoje conhecida como China entre 551-479 AC. SHELTON, op. cit., cap. II
[8] PLATO. The Laws (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).
[9] SHELTON, op. cit., cap. II
[10] CICERO, Marcus Tullius. The Republic and The Laws.Londres: OUP,  1998. (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).
[11] STRUVE, Lynn. Huang Zongxi in Context: A Reappraisal of His Major Writings. Journal of Asian Studies, 1998. (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).
[12] Importante ressaltar que autores marxistas consideraram os direitos humanos como uma "arma de guerra ideológica a serviço de uma classe social". Ver mais em MORANGE, Jean. Direitos Humanos e Liberdades Públicas. 5º Ed. Barueri – SP: Manole, 2004. p. 3
[13] (SHELTON, op. cit., cap. II, tradução nossa)
[14] Locke, John. Second Treatise on Government. Tradução Nossa.
[15] Lamentavelmente, o conceito de indivíduo não foi estendido a toda a população, e a escravidão continuou vigente até a Guerra Civil de 1861.
[16] MORANGE, Jean. Direitos Humanos e Liberdades Públicas. 5º Ed. Barueri – SP: Manole, 2004.
[17]UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS. Constituição da União Soviética de 1924. Traduzida para o Inglês. Disponível em < http://en.wikipedia.org/wiki/Constitution_of_the_Soviet_Union > Acesso em: 17 de out. 2014
[18] UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS. Constituição da União Soviética de 1936. Traduzida para o Inglês. Disponível em <http://www.departments.bucknell.edu/russian/const/36cons04.html#chap10> Acesso em: 17 de out. de 2014
[19] Em tradução ao inglês: "ARTICLE 120. Citizens of the U.S.S.R. have the right to maintenance in old age and also in case of sickness or loss of capacity to work. This right is ensured by the extensive development of social insurance of workers and employees at state expense, free medical service for the working people and the provision of a wide network of health resorts for the use of the working people."
[20] STROGOVITCH, M.S. La protection des droits des citoyensen U.R.S.S. In: Revue internationale de droit comparé. Vol. 16 N°2, Avril-juin 1964. pp. 297-306. Disponível em http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/ridc_0035-3337_1964_num_16_2_13937
> Acesso em: 17 de out. 2014.
[21] Ibid., des., tradução própria.

Geanluca Lorenzon é Chief Operating Officer (C.O.O.) do Instituto Mises Brasil. Advogado, administrador e consultor. Pós-graduado em Competitividade Global pela Georgetown University. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em Organizações Políticas pela Theodor Heuss Akademie.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O QUE ESTOU FAZENDO AQUI

O que neste país se chama de “debate político” é de uma miséria intelectual indescritível, que por si só já fornece a explicação suficiente do fracasso nacional em todos os domínios


A característica fundamental das ideologias é o seu caráter normativo, a ênfase no “dever ser”. Todos os demais elementos do seu discurso, por mais denso ou mais ralo que pareça o seu conteúdo descritivo, analítico ou explicativo, concorrem a esse fim e são por ele determinados, ao ponto de que as normas e valores adotados decidem retroativamente o perfil da realidade descrita, e não ao inverso.

Isso não quer dizer que às ideologias falte racionalidade: ao contrário, elas são edifícios racionais, às vezes primores de argumentação lógica, mas construídos em cima de premissas valorativas e opções seletivas que jamais podem ser colocadas em questão.

Daí que, como diz A. James Gregor, o grande estudioso do fenômeno revolucionário moderno, o discurso ideológico seja “enganosamente descritivo”: quando parece estar falando da realidade, nada mais faz do que buscar superfícies de contraste e pontos de apoio para o “mundo melhor” cuja realização é seu objetivo e sua razão de ser.

Se o cidadão optou pelo socialismo, ele descreverá o capitalismo como antecessor e adversário, suprimindo tudo aquilo que, na sociedade capitalista, não possa ser descrito nesses termos.

Se escolheu a visão iluminista da democracia como filha e culminação da razão científica, descreverá o fascismo como truculência irracional pura, suprimindo da História as décadas de argumentação fascista – tão racional quanto qualquer outro discurso ideológico – que prepararam o advento de Mussolini ao poder.

Tendo isso em vista, a coisa mais óbvia do mundo é que nenhum dos meus escritos e nada do que eu tenha ensinado em aula tem caráter ideológico, e que descrever-me como “ideólogo da direita”, ou ideólogo do que quer que seja, só vale como pejorativo difamatório, tentativa de me reduzir à estatura mental do anão que assim me rotula.

Podem procurar nos meus livros, artigos e aulas. Não encontrarão qualquer especulação sobre a “boa sociedade”, muito menos um modelo dela.

Posso, no máximo, ter subscrito aqui ou ali, de passagem e sem lhe prestar grande atenção, este ou aquele preceito normativo menor em economia, em educação, em política eleitoral ou em qualquer outro domínio especializado, sem nenhuma tentativa de articulá-los e muito menos de sistematizá-los numa concepção geral, numa “ideologia”.

Isso deveria ser claro para qualquer pessoa que saiba ler, e de fato o seria se a fusão de analfabetismo funcional, malícia e medo caipira do desconhecido não formasse aquele composto indissolúvel e inalteravelmente fedorento que constitui a forma mentis dos nossos “formadores de opinião” hoje em dia (refiro-me, é claro, aos mais populares e vistosos e à sua vasta plateia de repetidores no universo bloguístico, não às exceções tão honrosas quanto obscuras, das quais encontro alguns exemplos neste mesmo Diário do Comércio).

É óbvio que essas pessoas são incapazes de raciocinar na clave do discurso descritivo. Não dizem uma palavra que não seja para “tomar posição”, ou melhor, para ostentar uma auto-imagem lisonjeira perante os leitores, devendo, para isso, contrastá-la com algum antimodelo odioso que, se não for encontrado, tem de ser inventado com deboches, caricaturações pueris e retalhos de aparências.

A coisa mais importante na vida, para essas criaturas, é personificar ante os holofotes alguns valores tidos como bons e desejáveis, como por exemplo “a democracia”, “os direitos humanos”, “a ordem constitucional”, “a defesa das minorias”, etc. e tal, colocando nos antípodas dessas coisas excelentíssimas qualquer palavra que lhes desagrade.

Alguns desses indivíduos tiveram as suas personalidades tão completamente engolidas por esses símbolos convencionais do bem, que chegam a tomar qualquer reclamação, insulto ou crítica que se dirija às suas distintas pessoas como um atentado contra a democracia, um virtual golpe de Estado.

O desejo de personificar coisas bonitas como a democracia e a ordem constitucional é aí tão intenso que, no confronto entre esquerda e direita, os dois lados se acusam mutualmente de “golpistas” e “fascistas”. Melhor prova de que se trata de meros discursos ideológicos não se poderia exigir.

Da minha parte, meus escritos políticos dividem-se entre a busca de conceitos descritivos cientificamente fundados e a aplicação desses conceitos ao diagnóstico de situações concretas, complementado às vezes por prognósticos que, ao longo de mais de vinte anos, jamais deixaram de se cumprir.

Dessas duas partes, a primeira está documentada nas minhas apostilas de aulas (especialmente dos cursos que dei na PUC do Paraná), a segunda nos meus artigos de jornal.

Os leitores destes últimos não têm acesso direto à fundamentação teórica, mas encontram neles indicações suficientes de que ela existe, de que não se trata de opiniões soltas no ar, mas, como observou Martin Pagnan, de ciência política no sentido estrito em que a compreendia o seu mestre e amigo, Eric Voegelin.

Não há, entre os mais incensados “formadores de opinião” deste país -- jornalísticos ou universitários --, um só que tenha a capacidade requerida, já não digo para discutir esse material, mas para apreendê-lo como conjunto.

Descrevo aí as coisas como as vejo por meio de instrumentos científicos de observação, pouco me importando se vou “dar a impressão” de ser democrata ou fascista, socialista, neocon, sionista, católico tradicionalista, gnóstico ou muçulmano.

Tanto que já fui chamado de todas essas coisas, o que por si já demonstra que os rotuladores não estão interessados em diagnósticos da realidade, mas apenas em inventar, naquilo que lêem, o perfil oculto do amigo ou do inimigo, para saber se, na luta ideológica, devem louvá-lo ou achincalhá-lo.

A variedade mesma das ideologias que me atribuem é a prova cabal de que não subscrevo nenhuma delas, mas falo numa clave cuja compreensão escapa ao estreito horizonte de consciência dos ideólogos que hoje ocupam o espaço inteiro da mídia e das cátedras universitárias.

Suas reações histéricas e odientas, suas poses fingidas de superioridade olímpica, sua invencionice entre maliciosa e pueril, seus afagos teatrais de condescendência paternalista entremeados de insinuações pérfidas, são os sintomas vivos de uma inépcia coletiva monstruosa, como jamais se viu antes em qualquer época ou nação.

O que neste país se chama de “debate político” é de uma miséria intelectual indescritível, que por si só já fornece a explicação suficiente do fracasso nacional em todos os domínios – economia, segurança pública, justiça, educação, saúde, relações internacionais etc.

Digo isso porque a intelectualidade falante demarca a envergadura e a altitude máximas da consciência de um povo. Sua incapacidade e sua baixeza, que venho documentando desde os tempos do Imbecil Coletivo (1996), mas que depois dessa época vieram saltando do alarmante ao calamitoso e daí ao catastrófico e ao infernal, refletem-se na degradação mental e moral da população inteira.

De todos os bens humanos, a inteligência –e inteligência não quer dizer senão consciência –se distingue dos demais por um traço distintivo peculiar: quanto mais a perdemos, menos damos pela sua falta. Aí as mais óbvias conexões de causa e efeito se tornam um mistério inacessível, um segredo esotérico impensável. A conduta desencontrada e absurda torna-se, então, a norma geral.

Durante quarenta anos, os brasileiros deixaram, sem reclamar, que seu país se transformasse no maior consumidor de drogas da América Latina; deixaram que suas escolas se tornassem centrais de propaganda comunista e bordéis para crianças; deixaram, sem reclamar, que sua cultura superior fosse substituída pelo império de farsantes semi-analfabetos; deixaram, sem reclamar, que sua religião tradicional se prostituísse no leito do comunismo, e correram para buscar abrigo fictício em pseudo-igrejas improvisadas onde se vendiam falsos milagres por alto preço; deixaram, sem reclamar, que seus irmãos fossem assassinados em quantidades cada vez maiores, até que toda a nação tivesse medo de sair às ruas e começasse a aprisionar-se a si própria atrás de grades impotentes para protegê-la; deixaram, sem reclamar, que o governo tomasse as suas armas, e até se apressaram em entregá-las, largando suas famílias desprotegidas, para mostrar o quanto eram bonzinhos e obedientes. Depois de tudo isso, descobriram que os políticos estavam desviando verbas do Estado, e aí explodiram num grito de revolta: "Não! No nosso rico e santo dinheirinho ninguém mexe!"

A rebelião popular contra os comunolarápios não nasce de nenhuma indignação moral legítima, mas emana da mesma mentalidade dinheirista que inspira os corruptos mais cínicos.

Não só o dinheiro é aí o valor mais alto, talvez o único, mas tudo parece inspirar-se na regra: “Eu também quero, senão eu conto para todo mundo.” É óbvio que, se essa mentalidade não prevalecesse no nosso meio social, jamais a corrupção teria subido aos níveis estratosféricos que alcançou com o Mensalão, o Petrolão etc.

O ódio ao mal não é sinal de bondade e honradez: faz parte da dialética do mal odiar-se a si mesmo, mover guerra a si mesmo e proliferar por cissiparidade.

O mais significativo de tudo é que fenômeno de teratologia moral tão patente, tão visível e tão escandaloso não mereça sequer um comentariozinho num jornal, quando deveria ser matéria de mil estudos sociológicos.

Querem maior prova de que os luminares da mídia e das universidades não têm o menor interesse em conhecer a realidade, mas somente em promover suas malditas agendas ideológicas?

Foi por isso que, mais de vinte anos atrás, cheguei à conclusão de que toda solução política para os males do país estava, desde a raiz, inviabilizada pelo caráter fútil e perverso das discussões públicas.

Só havia um meio – difícil e trabalhoso, mas realista -- de mudar para melhor o curso das coisas neste país, e esse curso não passava pela ação político-eleitoral. Era preciso seguir, “sem parar, sem precipitar e sem retroceder”, como ensinava o Paulo Mercadante, as seguintes etapas:

1. Revigorar a cultura superior, treinando jovens para que pudessem produzir obras à altura daquilo que o Brasil tinha até os anos 50-60 do século passado.

2. Higienizar, assim, o mercado editorial e a mídia cultural, criando aos poucos um novo ambiente consumidor de alta cultura e saneando, dessa maneira, os debates públicos.

3. Sanear a grande mídia, mediante pressão, boicote e ocupação de espaços.

4. Sanear o ambiente religioso -- católico e protestante.

5. Sanear, gradativamente, as instituições de ensino.

6. Por fim, elevar o nível do debate político, fazendo-o tocar nas realidades do país em vez de perder-se em chavões imateriais e tiradas de retórica vazia. Esta etapa não seria atingida em menos de vinte ou trinta anos, mas não existe “caminho das pedras”, não há solução política, não há fórmula ideológica salvadora. Ou se percorrem todas essas etapas, com paciência, determinação e firmeza, ou tudo não passará de uma sucessão patética de ejaculações precoces.

Esse é o projeto a que dediquei minha vida, e do qual os artigos que publico na mídia não são senão uma amostra parcial e fragmentária. Imaginar que fiz tudo o que fiz só para criar um “movimento de direita” é, na mais generosa das hipóteses, uma estupidez intolerável.

Quanto ao ítem número um, não se impressionem com os apressadinhos que, tendo absorvido superficialmente alguns ensinamentos meus, já quiseram sair por aí, brilhando e pontificando, numa ânsia frenética de aparecer como substitutos melhorados do Olavo de Carvalho.

Esses são apenas a espuma, bolhas de sabão que o tempo se encarregará de desfazer. Tenho ainda uma boa quantidade de alunos sérios que continuam se preparando, em silêncio, para fazer o bom trabalho no tempo devido.

Por: Olavo de Carvalho Publicado no Diário do Comércio


domingo, 14 de fevereiro de 2016

O ERRO IDEOLÓGICO DE FHC

A desgraça do Brasil é que temos visto sucessivos governos esquerdistas buscando sua utopia às custas dos brasileiros de bem, que são roubados, vilipendiados, submetidos à tirania burocrática mais vil.

Não sei se se pode falar em “erro ideológico”, mas não encontro outra expressão para designar a persistência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de reafirmar suas crenças socialistas e distributivistas ao tempo em que faz críticas aos governos do PT, a quem chama de lulopetismo, certamente uma forma de descaracterizar a gênese do PT, supostamente contaminada pelo personalismo de Lula. A fé na igualdade que FHC carrega é cega e estúpida e incompatível com a realidade, mas ele certamente morrerá abraçado com ela. Não beijará a cruz na hora derradeira. O ex-presidente voltou à carga no artigo Certo e Errado, publicado no Estadão.

O virtuosismo sofista de FHC se ressalta no artigo ao buscar apoio em dois soldados de sua corriola, um vivo e um morto. Citou a entrevista de José de Souza Martins às páginas amarelas da revista Veja, que disse que a visão dicotômica do PT se deve à sua suposta origem católica. Ora, essa é uma perversão de conceitos. O PT, se teve apoio de setores católicos na origem, foi daqueles setores que abraçaram o marxismo e, portanto, não mais eram católicos. Mais apoios teve entre os integrantes das esquerdas revolucionárias. Estas sempre viram o mundo de forma dicotômica, é da essência dos partidos revolucionários dizer que os membros do partido são os redentores do povo, os bons, os que têm o sentido da história, e os demais, inclusive o povo, são os maus que precisam ser ou reformados ou exterminados.

Esse mundo em preto e branco é típico dos revolucionários que pregam a igualdade e a sua implantação por diferentes formas. FHC pensa exatamente assim, embora esteja treinado para fazer discurso apaziguador “democrático”, tolerante. Essencialmente não há diferença de programa entre FHC e o PT.

O outro autor a que apela, morto, é Sérgio Buarque, que aqui se torna veículo para o sociólogo exibir sua erudição suposta, tomando dele de empréstimo a expressão “atrasado” para impingir ao PT, como se isso fosse algum conceito e explicasse alguma coisa. Ora, todo o socialismo é o atraso ele mesmo, a derrocada espiritual, o descenso civilizacional, a negação as coisas naturais ao homem. É a tentativa de inventar o “homem novo” e, ao fazê-lo, construir o inferno na terra que faz de alguém socialista. É a veia de salão de FHC quase preconceituosa contra o PT. No fundo, a crítica ao PT é a crítica de todos os líderes do PSDB: a da competência técnica para governar supostamente portada pela socialdemocracia ante a notória incompetência administrativa do PT.

Ora, o PT é apenas mais coerente e mais urgente na perseguição da sua utopia, daí porque o desastre aparece mais rápido e mais nitidamente nos seus governos. Em favor de si FHC tem o Plano Real, sim, mas esse é um ponto fora da curva. No seu governo tivemos a gênese das políticas compensatórias do PT, a vã tentativa de fazer reforma agrária ao tempo em que a população já nem mais estava nos campos, fez crescer imensamente e rapidamente a carga tributária, uma verdadeira herança maldita. O Plano Real foi apenas um pingo de sensatez num mar de insensatez socialista que foi o governo de FHC, os dois.

Daí FHC poder fazer a sua magna conclusão: “cabe aos políticos de oposição, na luta ideológica, continuar a desmantelar as fortalezas do atraso.” Ou seja, a ele mesmo e a sua corriola, que são a oposição consentida e aceita por todos os socialistas que se aboletaram no poder. Por isso FHC pode ensinar: 

“Erros que não remetem à divisão esquerda/direita, mas se explicam pelo atraso na compreensão da política econômica e pelo interesse em manter o poder e os bolsos dos partidos e de alguns de seus dirigentes recheados com dinheiro alheio, dinheiro do povo. ” 

Entenda-se: não é errado ser de esquerda, é certo ser de esquerda, mas não da esquerda aloprada e incompetente que é o PT. É o discurso do autoengano mais sonso que já vi escrito por FHC.

Diga-se de uma vez: a desgraça do Brasil é que temos visto sucessivos governos esquerdistas buscando sua utopia às custas dos brasileiros de bem, que são roubados, vilipendiados, submetidos à tirania burocrática mais vil e impedidos de construir de forma livre seu próprio destino. FHC é o grande arquiteto dessa tragédia nacional. O PT sempre foi seu filho dileto. FHC passou a faixa de presidente a Lula com a maior satisfação, embora os brasileiros despertos soubessem que seria um passo errado em direção a um oclocracia, como se revelou. Não porque Lula era o atraso, mas porque representava o passo adiante em direção ao “verdadeiro” socialismo.

O cinismo ideológico de FHC chega a ser comovente e quase convincente. Contudo, a utopia da igualdade já está suficientemente desmascarada para seduzir quem pode pensar por si mesmo. FHC, nesse sentido e no plano teórico mais geral, é um grande mentiroso. E se acha o tal da cocada preta. Daria dó tal pretensão se não tivesse tido o poder de cometer tanta maldade contra os brasileiros e, pior, ter condições de voltar ao poder para repeti-las.


Por: Nivaldo Cordeiro - 08 de fevereiro de 2016

Do site: www.nivaldocordeiro.net