terça-feira, 29 de outubro de 2013

HISTÓRIA, POLÍTICA, POLÍTICA E TEMPERAMENTO, QUEM É QUEM NA POLÍTICA ARGENTINA

Nos últimos 67 anos os diversos peronismos – em ritmo felino – governaram a Argentina mais da metade do tempo

“Quando os outros nos ouvem gritar acham que estamos brigando. Nada disso..somos como os gatos. Quando gritamos estamos nos reproduzindo!” (Juan Domingo Perón, explicando com felina metáfora como são as brigas/cópulas dos peronismo. O quadro acima é “Gatos lutam em uma despansa”, de Paul de Vos, 1663.

Os argentinos foram às urnas neste domingo para renovar metade da Câmara de Deputados e um terço do Senado. Os principais protagonistas deste embate – cujo decisivo campo de batalha será a província de Buenos Aires (que concentra 38% do eleitorado) – serão Martín Insaurralde, cabeça da lista de candidatos a deputado da Frente pela Vitória, e Sergio Massa, da Frente Renovadora. No entanto, as duas “Frentes” – a primeira kirchnerista e a segunda anti-kirchnerista – são duas sublegendas rivais do Partido Justicialista (Peronista), movimento que chegou ao poder em 1946, quando foi eleito Juan Domingo Perón, fundador da griffe política à qual deu seu nome.

Dos 67 anos transcorridos de lá para cá, o Peronismo – em suas mais variadas modalidades – governou a Argentina mais da metade do tempo (34,5 anos).

Perón governou entre 1946 e 1955, ano em que foi deposto por um golpe. Em 1973 Perón, que estava no exílio, usou um velho braço-direito no Parlamento, Héctor Cámpora, para vencer em seu nome as eleições presidenciais. O representante do velho caudilho foi eleito com o slogan “Cámpora no governo, Perón no poder”.

Menos de três meses depois Cámpora suspendia a proibição existente no país sobre a atuação política de Perón, renunciava e deixava a presidência interina nas mãos do peronista Raúl Lastiri, genro de José López Rega, astrólogo de Perón e sua eminência parda. Cámpora, um conservador mas que contava com vários ministros de esquerda, abria o caminho para que seu chefe voltasse do exílio e fosse eleito em outubro desse ano.

Com a saída de Cámpora estava concluída a “Primavera Peronista” e iniciava um período conservador, com alguns toques neoliberais de Perón, que estava reconfigurando suas políticas. Este Perón, que havia voltado do exílio e ia contra-mão de seu intervencionismo dos anos 50 morreu em 1974.

Sua esposa e vice-presidente, Maria Estela Martinez de Perón, conhecida pelo apelido de “Isabelita”, assumiu o comando do país. A nova presidente – que Perón havia conhecido quando ela era dançarina em um cabaré no Panamá – foi deposta pelos militares em 1976, no meio do caos político.

O peronismo perdeu suas primeiras eleições em 1983, com a volta da democracia. Mas, teriam sua vingança nas urnas em 1989, com a eleição do peronista Carlos Menem, que fizera sua campanha com slogans pregando maior intervenção do Estado na economia. No entanto, imediatamente Menem deu uma guinada implantou as privatizações mais radicais da História da América Latina.

A política neoliberal de Menem provocou um êxodo de peronistas que deixaram o partido e fundaram a Frepaso. Menem foi reeleito em 1995. Mas, em 1989, seu candidato, Eduardo Duhalde, que não sintonizava totalmente com o neoliberalismo de Menem, perdeu as eleições.

Duhalde foi derrotado pela coalizão Aliança UCR-Frepaso, formada pela centenária União Cívica Radical, de centro, e os progressistas da Frepaso.

Em dezembro de 2001 a crise econômica e social provocou a queda de Fernando De la Rúa, da Aliança, que foi substituído por uma sequência de três breves presidentes provisórios peronistas (Ramón Puerta, Eduardo Caamaño e Adolfo Rodríguez Saá).

Em janeiro de 2002, Duhalde assumiu como presidente provisório. Em maio de 2003 deixou o cargo a Néstor Kirchner, seu delfim, que depois o trairia. Kirchner, ele próprio um ex-menemista e ex-duhaldista, atraiu ex-menemistas, ex-duhaldistas e boa parte dos antigos frepasistas que voltaram ao seio do peronismo.


O novo presidente deu um tom intervencionista ao governo, recuperando parte do peronismo de Perón em seu primeiro governo. Simultaneamente Kirchner tentou remover da memória popular que havia respaldado as políticas neoliberais de Menem nos anos 90, sendo figura crucial na privatização da petrolífera YPF.

Em 2007 Kirchner lançou sua própria esposa, Cristina Kirchner, para a sucessão presidencial em 2007. Kirchner morreu em 2010. Cristina foi reeleita em 2011. Um ano depois Cristina intensificaria seu perfil intervencionista ao reestatizar a YPF (desta vez, com o respaldo do ex-neoliberal senador Menem). Mas, em meados deste ano daria uma guinada no discurso nacionalista ao associar a YPF à empresa Chevron.

Nas eleições parlamentares deste domingo, o kirchnerista Insaurralde se confronta com Sergio Massa, atualmente ex-kirchnerista (que foi chefe do gabinete de Cristina entre 2008 e 2009). No entanto, ambos são peronistas.

“O Peronismo é como a Coca-Cola”, me disse em off um idoso ex-vice-ministro peronista. “Você tem Coca light, Coca regular, etc. O Peronismo é assim: tem neoliberais, esquerdistas, e as mais diversas variáveis. No fundo, tudo é Coca-Cola, isto é, todos são peronistas. Mudam o rótulo da quantidade do ‘açúcar’ político dependendo da conveniência. Mas continua sendo a mesma marca. Assim é com o Peronismo. É como um refrigerante que pretende atender todos os gostos”.

Depois, recorda uma marota frase de Perón que deixava claro que as supostas brigas entre os peronistas não eram motivo de preocupação: “quando os outros nos ouvem gritar acham que estamos brigando. Nada disso..somos como os gatos. Quando gritamos estamos nos reproduzindo!”. 
Perón usava gatos em suas metáforas políticas. Mas ‘El General’ era fã mesmo dos cachorros. Mais especificamente, dos poodles.


E para encerrar, ad hoc com os felinos peronistas, o “Duetto buffo di due gatti” (Dueto buffo de dois gatos), de Gioacchino Rossini: 




PERFIL: Ariel Palacios fez o Master de Jornalismo do jornal El País (Madri) em 1993. Desde 1995 é o correspondente de O Estado de S.Paulo em Buenos Aires. Além da Argentina, também cobre o Uruguai, Paraguai e Chile. Ele foi correspondente da rádio CBN (1996-1997) e da rádio Eldorado (1997-2005). Ariel também é correspondente do canal de notícias Globo News desde 1996.


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