sexta-feira, 4 de outubro de 2013

QUEM ESTÁ MORRENDO NÃO DEVIA TER QUE MENDIGAR

“Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos obter nosso jantar, mas de sua consideração dos próprios interesses… Somente mendigos escolhem depender principalmente da benevolência de seus concidadãos.” — Adam Smith, A Riqueza das Nações

Pense sobre a economia do transplante de órgãos. Todos os envolvidos obtêm algo de valor. Os médicos e as enfermeiras são pagos. O hospital recebe dinheiro. O transplantado recebe algo que vai salvar sua vida. E a pessoa que doa o órgão fica com um sentimento gostoso e recompensador.

Todos admiramos o altruísmo do doador. Mas se o altruísmo puro é uma motivação tão maravilhosa, por que é que não contamos com ele para receber serviços de profissionais médicos?

É simples: porque descobriríamos que há muito mais pessoas demandando cuidados gratuitos do que os oferecendo. Para assegurar que recebamos os tratamentos de que precisamos, escolhemos pagar, em vez de ter esperança. É importante demais para ficar à mercê do altruísmo.

A abordagem muda, no entanto, quando procuramos rins ou fígados. Na verdade, desde 1984, é ilegal nos Estados Unidos pagar alguém para ceder uma parte de seu corpo, mesmo postumamente. Campanhas para intimidar os americanos a assinar cartões de doador de órgãos, no entanto, não foram suficientes. A carência de órgãos para transplante aumentou.

Desde 1989, as doações de rins nos Estados Unidos dobraram. Mas o número de pacientes que precisam delas é cinco vezes mais alto do que era então. No ano passado, 4.456 pessoas no país morreram esperando um transplante de rim. A situação é semelhante para fígados.

Entre aqueles que perdem com essa política de carência assegurada estão as vítimas de câncer e outras doenças letais que precisam de transplantes de medula óssea. Algumas delas entraram com um processo, que vai a julgamento em Los Angeles esta semana, pedindo permissão para oferecer compensação aos doadores — algo que atualmente na lei americana é um crime punível por cinco anos de prisão.

Um dos envolvidos no processo é Doreen Flynn, de Lewiston, Maine, uma mãe solteira de cinco filhos — incluindo três que sofrem de uma rara e fatal doença hematológica que só pode ser curada com um transplante de medula óssea. A proibição é particularmente indefensável nesses caso. Alguém que abre mão de um rim perde de vez um órgão importante. Mas os doadores de medula óssea produzem nova medula para recuperar o que foi perdido. Dado que é legal, na lei federal dos Estados Unidos, comprar e vender sangue e esperma, por que a medula óssea recebe tratamento diverso?

Incentivos monetários equilibrariam as desvantagens de deixar estranhos perfurarem sua carne com instrumentos afiados. Alguém que doa a medula tem que passar por um processo mais longo e mais desagradável do que quem doa sangue ou esperma.

Tipicamente, os doadores de medula óssea têm que receber injeções por cinco dias seguidos. Eles estão passam por um processo de coleta de sangue que leva três horas e às vezes tem que ser repetido.

Frequentemente, os doadores são anestesiados para que se possa inserir uma agulha no osso do quadril. Nesses casos, diz a Sociedade Americana de Oncologia Clínica, podem precisar de uma semana inteira para se recuperar.

Doar não é uma experiência excruciante, mas é desagradável e dispendioso de tempo o suficiente para que as pessoas que o fazem seja somente aquelas com um motivo muito forte (digamos, com um amigo ou parente precisando).

Um resultado disso é que um de cada três voluntários compatíveis com um recipiente desiste, deixando o paciente na mão. Segundo o Institute for Justice, que está cuidando do caso, 1.000 pessoas morrem todo ano por falta de um doador adequado de medula óssea.

Se os americanos pudessem ser pagos para doar sua medula óssea, mais doadores se apresentariam. O Nobel de Economia Gary Becker, da Universidade de Chicago, em um artigo de 2007 escrito com Julio Jorge Elias da Universidade do Estado de Nova York em Buffalo, concluiu que a carência de rins poderia ser eliminada por US$15.000 por órgão.

Não é muito dinheiro, considerando que paga a diferença entre viver e morrer. Seria apenas 10% a mais no custo total de um transplante.

Os honorários pela medula óssea seriam bem menores, simplesmente porque o doador pode rapidamente regenerar o que foi perdido. No processo na Califórnia, os demandantes querem apenas poder tentar oferecer compensações em forma de bolsas de estudos, mesadas domésticas ou uma doação a uma caridade escolhida.

Certamente não há opção melhor no horizonte. A benevolência de nossos concidadãos pode surpreender. Mas não é algo em que apostar a vida.
Publicado originalmente em Reason.com. Publicado no OrdemLivre em 16/03/2010.

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