sábado, 9 de junho de 2012

RIO + 20 E A NOVA ORDEM MUNDIAL


GaiaDe 13 a 22 de junho de 2012, o Rio de Janeiro abrigará a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Por se tratar de um evento inserido em uma agenda que visa transformar a cosmovisão de toda humanidade, fundar uma nova economia e aprofundar a agenda da Nova Ordem Mundial, cabe aos conservadores e às pessoas dotadas de bom senso refletir sobre o mesmo.
O evento Rio+20 recebe esse nome porque marca os vinte anos da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a chamada Rio 1992.

site da Rio+20 destaca que o evento “deverá contribuir para definir aagenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas”. Mas o que seria o desenvolvimento sustentável?
Até meados de 1960, o desenvolvimento era sinônimo de crescimento econômico e industrialização: desenvolvidos eram os países industrializados e subdesenvolvidos aqueles que não possuíam uma atividade industrial significativa ou que apresentavam uma industrialização tardia. A aferição da riqueza e, portanto, do desenvolvimento, não levava em conta a realidade sobre o acesso da população a determinados bens (materiais e culturais), mas dava-se pelo Produto Interno Bruto de um país em relação à sua distribuição abstrata per capita.

A distinção entre o desenvolvimento e o crescimento econômico só começou a ganhar corpo com a consolidação da industrialização dos países ricos e com a industrialização, tardia, das nações mais pobres, a partir do que se desenvolveram estudos - amiúde intoxicados pelo dependentismo e pela ortodoxia marxista - no sentido de comparar as diferenças existentes entre os países de industrialização precoce e os países de industrialização tardia no tocante ao acesso dos pobres a determinados bens materiais e culturais (saúde e educação, etc.).

O tratamento sinonímico entre desenvolvimento e crescimento econômico permaneceu até meados da década de 1960.

O subdesenvolvimento passou a ser identificado pela presença das seguintes características: insuficiência de renda per capita anual; subalimentação de parte significativa da população; altas taxas de mortalidade infantil; alto índice de analfabetismo; baixo nível de indicadores que caracterizam a economia moderna (v.g. geração de energia elétrica, consumo de aço, etc.); falta de líderes[1]; baixos padrões médios de consumo e de qualidade de vida; mau funcionamento das instituições políticas[2].

Em 1990, criou-se, por meio da ONU, um índice que consolidou alguns critérios para a verificação do desenvolvimento: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Desde o IDH, praticamente abandonou-se a ideia de que o desenvolvimento significa tão somente crescimento econômico. O IDH leva em conta três critérios, a saber: educação, renda e longevidade. O IDH não exclui a ideia de crescimento econômico, mas passou a tratá-lo como um meio a serviço do desenvolvimento.

Vale destacar que as variáveis não econômicas do desenvolvimento ganharam novo vigor e novos contornos com a obra Development as freedom de Amartya Sen, lançada em 1999. Sen lançou uma nova dimensão sobre as variáveis não econômicas, mormente pela construção teórica das liberdades instrumentais. A instrumentalidade da liberdade na obra de Sen faz com que o desenvolvimento seja visto para além do IDH. Sen destaca o papel das instituições e dos direitos humanos, reforçando a ideia de que o desenvolvimento não pode ser reduzido ao crescimento econômico, sob pena de se acabar relativizando as instituições democráticas e de se desconsiderar a importância das liberdades e dos direitos civis para o progresso econômico[3].

Na concepção de Sen, portanto, o desenvolvimento se caracteriza por um processo de remoção das fontes de privação de liberdade, tais como a negação das liberdades civis, econômicas e políticas por regimes tirânicos, a pobreza extrema, a carência de oportunidades econômicas, negligência e(ou) insuficiência dos serviços públicos (v. g. saneamento básico, assistência médica e segurança pública)[4].

O termo “sustentável” por sua vez, decorre do desenvolvimento teórico da ideia de sustentabilidade, a qual implica, segundo José Eli da Veiga, no “duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras”[5].

A noção primeira de sustentabilidade surgiu com o Relatório Brundtland (também chamado de Our Common Future), publicado em 1987. O Relatório conceitua desenvolvimento sustentável como sendo “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”[6].

Vale destacar que o termo sustentabilidade ganhou maior notoriedade com a ideia do tripé da sustentabilidade (ou triple bottom line), surgida em 1994 com a obra Cannibals with Forks: the Triple Bottom Line of 21st Century Business de John Elkington. Nessa obra, Elkington propõe que as organizações devem buscar criar valor em três dimensões: a econômica, a social e a ambiental. Na esteira de John Elkington, José Eli da Veiga afirma que a sustentabilidade busca “soluções triplamente vencedoras (Isto é, em termos sociais, econômicos e ecológicos), eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de elevadas externalidades negativas, tanto sociais quanto ambientais”[7].


Poderia se pensar que o desenvolvimento sustentável une o desenvolvimento (entendido sob o prisma de Amartya Sen e do IDH) e a ideia de sustentabilidade. Pensar assim, no entanto, demanda uma construção teórica aparte, um estudo propositivo. Em verdade, o conteúdo que a expressão desenvolvimento sustentávelpaulatinamente vem ganhando parece distanciar-se cada vez mais da valorização do ser humano, das liberdades civis e econômicas e da busca honesta pela resolução de problemas sociais e ambientais como o analfabetismo, a falta de saneamento básico (um dos mais graves problemas ambientais!) e a miséria. As liberdades públicas, as propostas de combate à miséria e a resolução de problemas básicos que afetam a humanidade até fazem parte da “agenda” do desenvolvimento sustentável, mas cada vez mais servem como “bois-de-piranha” para a passagem uma “boiada” de conceitos, valores e políticas globalistas.Para um intérprete incauto a expressão desenvolvimento sustentável soa como uma coisa boa, pois afinal quem há de se opor ao desenvolvimento econômico aliado a uma melhoria das condições sociais e de quebra preservando o meio ambiente? Ademais, tendo em vista que a expressão tornou-se um mantra, repetido em todo lugar, torna-se difícil para o cidadão comum ver aí qualquer coisa ruim.

Ocorre, no entanto, que o discurso do desenvolvimento sustentável pouco preza pela harmonização dos “pés” da sustentabilidade. O discurso muda conforme o auditório. Para um público composto por empresários, ruralistas, estudantes de administração, economia, engenharia e direito ainda há certa moderação e, por isso mesmo, ainda subsiste um discurso que diz que o desenvolvimento sustentável deve harmonizar fatores econômicos, sociais e ambientais. Para os cientistas sociais e para todos aqueles que ainda bebem na fonte do marxismo ortodoxo o “pé” mais importante ainda é o social: a degradação ambiental é um detalhe no meio da opressão social causada pelo capitalismo. Para as demais pessoas prevalece o “pé” do meio ambiente. A existência de um discurso moldável ao público a que se destina mostra, por si só, que há uma distorção na suposta harmonização de variáveis alegada pelos defensores mais honestos da sustentabilidade.     
Os discursos intelectualmente honestos nas propostas de desenvolvimento sustentável só atingem um público pequeno e por serem raros, não surtem um efeito neutralizador em relação ao hegemônico discurso ambientalista.           
Recentemente o filósofo Olavo de Carvalho trouxe à tona o conceito jornalístico do termo suíte. Na linguagem jornalística, há o suíte quando um jornal ou diversos jornais dão prosseguimento a um assunto noticiado, ou seja, quando há repercussão. Assim, de nada adianta a Band entrevistar José Carlos Molion ou o Programa do Jô entrevistar Ricardo Augusto Felício, permitindo que esses cientistas apresentem argumentos contrários à hipótese do aquecimento global antropogênico e ao ambientalismo radical, se os argumentos aí mostrados não serão repercutidos e colocados na pauta do debate público. Prevalece a hipótese aquecimentista e o falatório ambientalista.

Os programas de TV, as campanhas e as políticas pró-sustentabilidade, e a educação infantil sobre a sustentabilidade privilegiam o meio ambiente e colocam a humanidade como uma espécie de vírus que assola o planeta. Mas por que isso acontece? Por causa das teorias globalistas, novordistas e new agers que são, quase que necessariamente, o preâmbulo de toda discussão sobre o desenvolvimento sustentável.
           
O discurso moderno da sustentabilidade encontra suas raízes no Clube de Roma, que foi fundado em 1968. O Clube de Roma reúne celebridades políticas, acadêmicas e empresariais para debater temas como política, economia e meio ambiente. O Clube ganhou notoriedade em 1972, com a publicação do relatório intitulado The limits of growth (Os Limites do Crescimento) ou Relatório do Clube de Roma. Dentre os temas abordados pelo relatório estão: energia, poluição, saneamento, saúde, meio ambiente, tecnologia e crescimento populacional. O relatório trabalha contra dois tipos de crescimento, o econômico (no sentido industrial) e o populacional, o quais levariam a um esgotamento dos recursos e a níveis de poluição que a Terra não seria capaz de suportar.
           
No mesmo ano em que se publicou o Relatório do Clube de Roma realizou-se, por meio da ONU, a Conferência de Estocolmo, que versou sobre a relação entre a humanidade e a natureza, adotando um discurso contrário à industrialização.
           
Também em 1972, o químico James Lovelock apresentou ao mundo a Hipótese de Gaia, a qual resgata oconceito pagão da deusa-mãe, a Mãe Natureza, a Mãe Terra, e concebe a Terra como um ser vivo que busca seu equilíbrio, por assim dizer, “homeostático”. Na obra de Lovelock a humanidade é colocada como elemento desestabilizor desse equilíbrio.  
           
Sete anos após a publicação do Relatório do Clube de Roma foram erigidas as famosas Pedras Guia da Geórgia, um monumento que traz uma espécie de decálogo novordista escrito em oito idiomas. Dentre os mandamentos vale destacar o primeiro e o décimo. Alinhado com o Relatório do Clube de Roma, o primeiro mandamento diz “Maintain humanity under 500,000,000 in perpetual balance with nature”. Já o décimo mandamento traz todo o desprezo dos planejadores globais pela humanidade, pois vê em cada ser humano um câncer potencial: “Be not a cancer on the earth - Leave room for nature”.
           
Os passos seguintes foram o Relatório Bruntland e a Rio-92 (também chamada de Cimeira da Terra), a qual globalizou de vez a questão ambiental.
           
Não se pode negar que o Relatório Bruntland defende medidas interessantes, como a reciclagem de materiais reaproveitáveis, incentivo ao planejamento urbano (no sentido de proteger mananciais e diminuir os impactos negativos das atividades industriais sobre a sua vizinhança) e adoção de políticas governamentais que atendam necessidades básicas da população. Contudo, o Relatório também propôs a limitação do crescimento populacional, o banimento das guerras e concebeu a ONU como protagonista e coordenadora de um programa global de desenvolvimento sustentável.

A Rio 92, por sua vez, resultou numa série de documentos e convenções, tais como a Carta da Terra, a Convenção Sobre Mudanças Climáticas e a Agenda 21. A Carta da Terra exulta o surgimento de umasociedade civil global que servirá para “construir um mundo democrático e humano” e, alinhada com a espiritualidade da Nova Era, propõe a promoção de uma “cultura de tolerância, não-violência e paz” (para tanto, propõe, por exemplo, a desmilitarização dos sistemas de segurança nacional[8]). A Carta da Terra ainda enfatiza a necessidade de se “adotar estilos de vida que acentuem a qualidade de vida e subsistência material num mundo finito” (quem definirá esse “estilo de vida”?). Já a Convenção Sobre Mudanças Climáticas preparou o terreno para a elaboração do Protocolo de Kyoto e para o fortalecimento da hipótese do aquecimento global antropogênico. E a Agenda 21, por sua vez, estabelece que o desenvolvimento sustentável deve ser arquitetado em âmbito global com o apoio dos países. Embora cada país tenha sua própria Agenda 21, as diretrizes para a elaboração da agenda vêm da cúpula globalista.
     

De certa forma, a construção teórica do desenvolvimento conseguiu neutralizar as propostas revolucionárias dateoria da dependência e o discurso anti-industrialização do Clube de Roma. Já o desenvolvimento sustentável, por ser parte de uma agenda globalista, dificilmente se afastará do radicalismo ambientalista, das pretensões novordistas e do seu elemento, por assim dizer, “espiritual”, o movimento da Nova Era.

A precariedade de abordagens sinceras sobre a relação entre economia, sociedade e meio ambiente e a preferência pelos referenciais teóricos globalistas e neopagãos torna a defesa do desenvolvimento sustentável uma mera engrenagem de um projeto globalista.

Os totalitaristas sabem que não podem implantar a Nova Ordem Mundial de supetão, por isso se valem de propostas aparentemente bem intencionadas para camuflar seus mais macabros projetos. O processo de justificação da Nova Ordem Mundial está em marcha e conta com o apoio da mídia, de governos, de diversas empresas, de ONGs e de inúmeras instituições renomadas de ensino superior.

O evento Rio+20 não é apenas a continuação da Rio-92. As raízes da Rio+20 são bem mais profundas; é a continuidade de uma estratégia lançada pelo Clube de Roma.
Embora a Rio+20 se proponha a “definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas”, cumpre destacar que essa agenda já existia e o evento, na verdade, é apenas mais um item dessa agenda. A agenda na qual a Rio+20 se insereé chamada de agenda do desenvolvimento sustentável, mas na verdade é a agenda da Nova Ordem Mundial, a qual propõe uma espiritualidade anti-cristã, o abortismo, a supressão gradual das liberdades civis e da soberania dos Estados.


Referências:

[1] BARRE, Raymond. Economia política vol. 1. Rio de Janeiro – São Paulo: Difel, 1978, p. 100-102.
[2] Cf. NUSDEO, Fábio. Curso de economia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 347.
[3] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 19-20.
[4] Idem, p. 17-18.
[5] VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento Sustentável – o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 171.
[6] Our Common Future, Chapter 2: Towards Sustainable Development. Disponível em: http://www.un-documents.net/ocf-02.htm#I
[7] VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento Sustentável..., p. 171-172.
[8] Recentemente a ONU solicitou a extinção da Polícia Militar brasileira.


Saulo de Tarso Manriquez
 é mestre em Direito pela PUC-PR.

O FAVOR INDECOROSO

Sobre o diálogo secreto dos srs. Luiz Inácio da Silva, Gilmar Mendes e Nelson Jobim, muito foi dito ou escrito. Poucos analistas sublinharam, nele, a prática do favor. Ninguém se reúne em sigilo para trocar nonadas. Se é impossível que o povo soberano tenha acesso ao tema do simpósio, existe, no entanto, a certeza, trazida pelos relatos dos envolvidos, de que houve favor para facilitar a conversa. Nelson Jobim foi bondoso ao emprestar salas para que os dois outros discutissem o sexo dos anjos? O favor, no caso, quebrou hierarquias e competências (se o trato fosse legítimo, haveria audiência formal) e abalou ainda mais a confiança nas instituições. Pensemos a origem do favor em nossa vida política. O Estado depende da ética social que o envolve. Na sociedade brasileira governa o favor, obstáculo que impede a autonomia dos eleitores e distorce a vida parlamentar. O favor dissolve os traços igualitários da vida pública. No mercado, nos partidos, em igrejas e seitas religiosas, ele define alianças que tornam as doutrinas irrelevantes. Em todas as sociedades, antigas ou modernas vigora o favor. Mas países democráticos o regulam em prol de procedimentos impessoais e abstratos. Aqui ele é "mediação universal", como afirma Maria Sylvia de Carvalho Franco em Homens Livres na Ordem Escravocrata. No Brasil, poderoso é o político que mais auxilia os amigos, os aliados e, não raro, os próprios inimigos. O favor alimenta alianças, rebaixa ministros, ordena as pautas legislativas e atormenta o Executivo. Ele ordena redes de interesses obscuros, lobbies disfarçados, corrupção de agentes públicos por empresas privadas, achaque de empresas por funcionários estatais. Somos a antirrepública do favor, assumido como técnica predileta de oligarcas como José Sarney e similares. E não existe favor gratuito: a censura à imprensa (como a aplicada ao jornal O Estado de S. Paulo) retribui obséquios prestados pelos nossos oligarcas. Não surpreende, pois, o sigilo usado pelos que controlam o poder. O favor tem origem na República Romana e na sociedade do Antigo Regime. Nascemos sob o absolutismo que se firma no século 16. Nele o favor impera na corte e nos elos entre os nobres. Como enuncia o historiador Joël Cornette, o rei sustenta aliados e os liga à venalidade na administração pública. A ascensão política é feita pelos grupos e indivíduos numa imensa rede de favores. Os interessados (rei e nobres) precisam de intermediários e nasce o "é dando que se recebe". No absolutismo, diz outro historiador (Jean Petitfils), o favor define a rede de interdependência em que o nobre se insere desde o nascimento, se casa e sustenta a reputação de sua família. O alvo é atingir conexões em estratos mais altos, nas redes de interesse. É o arrivismo geral. Entre os pactos tácitos está o que enuncia que alguém "pertence" a um outro, é sua "criatura". Tais cadeias prendem o patrão, o cliente e os brokers (os intermediários). No corrupto Antigo Regime, "quem precisa de um outro é indigente e se curva. (...) O ministro dá seu passo de cortesão, bajulador, serviçal ou mendigo diante do seu rei. A massa dos ambiciosos dança as posições de cem maneiras, umas bem mais baixas do que as outras, diante do ministro" (Diderot, O Sobrinho de Rameau). Pantomima pior é exibida nos palácios brasileiros de hoje. Mas o invento da clientela é de Roma. Como no Antigo Regime, as relações políticas romanas são praticadas segundo o favor. O consulado foi possível por causa do trato obsequioso das famílias nobres com os clientes. Os cargos maiores de Roma eram gratuitos, porque os ocupantes, ricos e poderosos, não viam como adequado à sua dignidade receber para administrar. Os salários no governo marcam regimes que fornecem acesso ao poder a todos os cidadãos. Roma não é uma democracia. Nela a eficácia política depende da fratura entre quem governa e a massa dos que obedecem. O cimento que os une é o fauor (favor). Favere tem o sentido de "ser favorável", na língua comum e política. Fauor significa o próprio voto, mas não a campanha política, que tem por nome officium. O favor manifesta-se por sinais externos : laude, plausus, clamor (louvação, aplauso, clamor). A partir do teatro, aqueles termos são aplicados à política. E o favor indica "popularidade". Fauere significa "trabalhar para o aumento da posição política de alguém". Se o cliente tem o dever moral de votar no patrão, este último deve protegê-lo. Como na República existe a fictícia soberania popular (a Monarquia caíra com Tarquínio), o favor do voto tem o nome eufêmico de beneficium. Tal relação se cristaliza no obsequium (indulgência, complacência) e na ambitio, palavra para caracterizar os candidatos quando eles perdem a vergonha na caça aos votos. O favor é ambição indecorosa. Voltemos ao bafafá gerado por nossos homens ilustres. Entre Luiz Inácio da Silva e Gilmar Mendes, Nelson Jobim operou como "broker", intermediário que, na clientela política, aproxima favorecidos ou fontes de obséquio. Houve ausência do necessário decoro na cena ocorrida. Decoro e prudência definem o que é permitido às pessoas públicas: roupas, modos de falar, tratamentos, lugares e ocasiões. Spinoza diz que se o governante "corre, ébrio e nu (...) nas praças, faz o papel de histrião ou despreza abertamente as leis que ele mesmo estabeleceu, é impossível que ele conserve a majestade do poder (...), pois tais coisas transformam o respeito em indignação e o estado civil em estado de guerra" (Tratado Político). O decoro não é "simples formalidade" porque a pessoa pública representa o Estado. Suas excelências não viram o "detalhe". Os agrados anteriores e os insultos posteriores falaram mais alto do que o respeito à cidadania. E agora José Sarney executa o favor de "apaziguar os ânimos" dos poderosos. Triste e indecoroso Brasil.Por: ROBERTO ROMANO

sexta-feira, 8 de junho de 2012

LULA E NOSSO FUTURO COMUM

O ponto de partida é uma frase de Lula: "Não deixarei que um tucano assuma de novo a Presidência". 
Lembro, no entanto, que não sou de pegar no pé de Lula por suas frases. Cheguei a propor um "habeas língua" para o então presidente na sua fase mais punk, quando disse que a mãe nasceu analfabeta e que se a Terra fosse quadrada a poluição não circularia pelo mundo. Lembro também que hoje concordo com o filósofo americano Richard Rorty: não há nada de particular que os intelectuais saibam e todo mundo não saiba. Refiro-me à ilusão de conhecer as leis da História, deter segredos profundos sobre o que dinamiza seu curso e dominar em detalhes os cenários futuros da humanidade. Nesse sentido, a eleição de Lula, um homem do povo, sem educação formal superior, não correspondeu a essa constatação moderna de Rorty. Isso porque, apesar de sua simplicidade, Lula encarnava a classe salvadora no sonho dos intelectuais, via luta de classes como dínamo da História humana, e traçava o mesmo futuro paradisíaco para o socialismo. Na verdade, Lula falava a linguagem dos intelectuais. Seus comentários que despertaram risos e ironias no passado eram defendidos pelos intelectuais com o argumento de que, apesar de pequenos enganos, Lula era rigorosamente fundamentado na questão essencial: o rumo da História humana. A verdade é que a chegada do PT ao poder o consagrou como um partido social-democrata e, ironicamente, a social-democracia foi o mais poderoso instrumento do capitalismo para neutralizar os comunistas no movimento operário. São mudanças de rumo que não incomodam muito quando se chega ao poder. O capitalismo é substituído pelas elites e o proletariado salvador, pelos consumidores das classes C e D. Os sindicalistas vão ao paraíso de acordo com os critérios da cultura nacional, consagrados pela canção: É necessário uma viração pro Nestor,/ que está vivendo em grande dificuldade. Se usarmos a fórmula tradicional para atenuar o discurso de Lula, diremos que o ex-presidente queria expressar, com sua frase sobre um tucano na Presidência, que faria todo o esforço para a vitória do seu partido e para esclarecer os eleitores sobre a inconveniência de eleger o adversário. Lula sabe que ninguém manda no processo eleitoral. São os eleitores que decidem se alguém ocupará a Presidência. Foi só um rápido surto autoritário, talvez estimulado pelo tom de programa de TV, luzes e uma plateia receptiva. Se o candidato tucano for, como tudo indica, o senador Aécio Neves, também eu, em trincheira diferente da de Lula, farei todo o esforço para que o tucano não chegue à Presidência. Aécio foi um dos artífices na batalha para poupar Sérgio Cabral da CPI e confirmou, com essa manobra, a suspeita de que não é muito diferente do PT no que diz respeito aos critérios de alianças e ao uso da corrupção dos aliados para fortalecer seu projeto de poder. Tudo o que se pode fazer, porém, é tornar clara a situação para o eleitor, pois só ele, em sua soberania, vai decidir quem será o eleito. Na verdade, essa batalha será travada também na esfera da economia. Vivemos um momento singular na História do mundo. A crise mundial opõe defensores da austeridade, como Angela Merkel, e os que defendem mais gastos e investimentos, dentro da visão keynesiana de que a austeridade deve ser implantada no auge do crescimento, e não durante o período depressivo. O PT dirigiu o País num período de crescimento e muitos gastos, não tanto no investimento, mas no consumo. É possível que esse modelo de estímulo à economia tenha alcançado seus limites. Muito possivelmente, ainda, o curso dos acontecimentos não dependerá tanto da vontade de Lula nem dos nossos esforços individuais. A democracia prevê alternância no poder. E a análise de como essa alternância se dá na prática revela, em muitos casos, uma gangorra entre austeridade e gastança. De modo geral, a crise derrota um governo austero e coloca seu oposto no poder, como na França. Mas às vezes derrota um governo social-democrata e elege seu adversário direto, como na Espanha. Pode ser que o esgotamento do modelo de estímulo ao consumo abra espaço para discurso de reformas fiscal e trabalhista, de foco em educação e infraestrutura, enfim, de uma fase de austeridade. E não é totalmente impossível que um partido de oposição chegue ao governo. Restaria ao PT, nesse caso, um grande consolo: ao cabo de um período de austeridade, o partido teria grandes chances de voltar ao poder com seu discurso do "conosco ninguém pode", do "vamos que vamos", "nunca antes neste país"... Não estou afirmando que esse mecanismo vai prevalecer, é uma das possibilidades no horizonte. A outra é o próprio PT assumir algumas das diretivas de austeridade e conduzir o processo sem necessariamente deixar o poder. Por mais que a crise seja aguda, o apelo ao consumo e à manutenção de intensas políticas sociais é muito forte na imaginação popular. O discurso de austeridade só tem espaço eleitoral quando as coisas parecem ter degringolado. O futuro está aberto e não será definido pela exclusiva vontade de Lula. Com todo o respeito ao Ratinho e sua plateia, o povo brasileiro é mais diverso e complexo. Se é verdade que a História não se define nas academias intelectuais, isso não significa que ela tenha passado a ser resolvida nos programas de auditório. No script do socialismo real o proletariado foi substituído pelo partido, o partido pelo comitê central e o comitê central por um só homem. No script da social-democracia tropical Lula substituiu o proletariado, o partido, o comitê central e o próprio povo brasileiro ao dizer que não deixará um tucano voltar à Presidência. Se avaliar com tranquilidade o que disse, Lula vai perceber que sua frase não passa de uma bravata. O que faz um homem tão popular e bem-sucedido bravatear no Programa do Ratinho é um mistério da mente humana que não tenho condições de decifrar. A única pista que me vem à cabeça está na sabedoria grega: os deuses primeiro enlouquecem aqueles a quem querem destruir. Por: Fernando Gabeira O Estado de S. Paulo - 08/06/2012

DA COMÉDIA À TRAGÉDIA


Ninguém se lembra mais, mas em 2006 a Grécia lançava uma contabilidade inovadora de suas contas públicas que provocava espanto e riso, mas já era uma indicação do estilo que a levaria à sua futura tragédia. Na época, foi só uma alegria para os cronistas que vivem atrás de um assunto bizarro para comentar. Eu mesmo me diverti muito tentando divertir os leitores: 
 "Chega de hipocrisia. Vamos seguir o exemplo da Grécia, berço da democracia e da comédia, que por amor à verdade e aos números - e para entrar na União Europeia e na zona do euro - decidiu incluir oficialmente o contrabando, a prostituição, as propinas, a pirataria, o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro, o mercado negro e o caixa 2 na estimativa do seu Produto Interno Bruto, que é o conjunto de todas as riquezas produzidas pelo país no ano. Afinal, dinheiro é dinheiro, por que as dracmas do PIB precisariam de bons antecedentes? 
Se essas riquezas foram produzidas legal ou ilegalmente era um detalhe que não anularia o fato econômico. Essa montanha de dinheiro, ainda que sujo, foi produzida, existe realmente, entrou na roda da atividade econômica, comprou bens, pagou salários e serviços, e acabou até pagando impostos indiretamente. Os gregos acreditam que com esses critérios realistas e filosoficamente cínicos o PIB do país pode aumentar nominalmente em 10%." 
Era uma piada pronta e também um gancho irresistível para imaginar a sua aplicação no Brasil, com nossos volumes estonteantes de dinheiro sujo em circulação. O PIB daria um salto espetacular, ninguém mais se alarmaria com o tamanho da dívida pública em relação a ele. Os cálculos de renda per capita teriam que ser refeitos e os programas sociais redirecionados. Esse "pibão sem preconceitos" poderia permitir um afrouxamento da política fiscal e um aumento dos gastos públicos, e até nos elevar a quinta economia do mundo. Em cinco anos o que era comédia virou tragédia. Gastando mais do que arrecadava, devendo mais do que podia pagar, maquiando contas, mentindo aos credores, a Grécia quebrou. E a conta está sendo rachada com o mundo inteiro.Por: Nelson Motta O Estado de S. Paulo

ELIMINEM A "VERDADE"

A palavra "verdade", na Comissão da Verdade e da Reconciliação instituída pela África do Sul, tinha um significado judicial, relacionado aos poderes do organismo. Nossa Comissão da Verdade, ao contrário, não tem poderes judiciais. Por esse motivo a palavra "verdade" deveria ser eliminada de seu nome. As prerrogativas da comissão sul-africana, presidida pelo arcebispo Desmond Tutu, abrangiam não apenas a investigação de violações de direitos humanos cometidas durante o regime do apartheid, mas, crucialmente, a concessão de reparações às vítimas e de anistia individual a perpetradores. A comissão brasileira não dispõe das duas últimas prerrogativas: as reparações são da esfera da Comissão de Anistia e a anistia já foi concedida a todos, por lei emanada da ditadura militar, recepcionada por sucessivos governos civis e confirmada pelo Supremo Tribunal Federal. O mandato de nossa comissão está circunscrito por lei à produção de um relatório sobre violações de direitos humanos por motivação política entre 1946 e 1988. Para não abusarmos da noção de verdade seu nome deveria ser algo mais modesto, como Comissão de Inquérito. Verdade histórica é diferente de verdade judicial. Nos tribunais, e numa comissão com poderes judiciais, como a sul-africana, a verdade é uma narrativa factual organizada à luz dos códigos legais. A decisão final, transitada em julgado, é uma "verdade" irrecorrível, com implicações penais ou cíveis. A "verdade" histórica, por outro lado, é uma interpretação dos eventos do passado que oscila ao sabor do "espírito do presente" - isto é, dos valores predominantes em cada época. Verdades distintas concorrem entre si nas obras de História, formando um diálogo pluralista e, em princípio, infindável. Uma comissão sem estatuto judicial, mas batizada com o nome da verdade, almeja a verdade histórica. Contudo, por definição, a verdade histórica não pode ser emoldurada com o selo oficial - a não ser como contrafação fabricada por regimes totalitários. A Lei de Anistia cercou as violações de direitos humanos cometidas pela ditadura militar com uma muralha de interdição, cassando ao sistema judiciário o poder de julgar crimes políticos declarados imprescritíveis por tratados internacionais. Vergonhosamente, a elite política brasileira teceu um consenso em torno da lei promulgada no derradeiro governo militar - e, em razão de tal consenso, as maiorias parlamentares de sustentação de Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma recusaram-se a suprimir o interdito. Num intercâmbio lamentável, a proteção dos violadores foi paga, por meios pecuniários e simbólicos, pela Comissão de Anistia. Se não mudar seu nome, a Comissão da Verdade cumprirá o papel indigno de emitir o cheque simbólico final na agônica transação. Na sua acepção judicial, a verdade está relativamente livre do jogo da política e da ideologia. A comissão sul-africana ouviu testemunhos de crimes cometidos pelo Estado e também das organizações de resistência, contextualizando-os segundo os princípios do Direito. Se o Brasil tivesse abolido a Lei de Anistia, tribunais emitiriam sentenças sobre as incontáveis violações cometidas impunemente pela ditadura militar e também sobre os escassos casos de crimes das organizações armadas que não foram julgados à época. Isso, infelizmente, não ocorrerá - e a ausência do Poder Judiciário coloca a Comissão da Verdade diante do dilema expresso nas interpretações históricas dissonantes a respeito dos "anos de chumbo". A narrativa do combate nas trevas entre os "dois lados", representados pelo regime militar e pelas organizações armadas de esquerda, é uma fraude histórica e uma tese imoral. A repressão política, as prisões e a tortura atingiram os opositores em geral, em sua maioria desarmados, não apenas as correntes minoritárias da esquerda armada. O poder de Estado, com seus aparelhos judiciais, policiais e militares, não pode ser equiparado aos grupos irregulares de militantes das organizações seduzidas pela estratégia do "foco revolucionário". O assassinato e a tortura nos calabouços são definidos no Direito Internacional como crimes contra a humanidade, distinguindo-se por sua gravidade dos demais tipos de crimes. Carlos Marighella e Carlos Lamarca praticaram crimes asquerosos. Mesmo assim, eles não podem ser equiparados aos crimes do delegado Sérgio Fleury, do general Ednardo D'Ávila Mello ou do presidente Emílio Garrastazu Médici. A historiografia, tanto quanto os tribunais, têm ferramentas para destruir o falso sinal de identidade desenhado com a finalidade de providenciar um álibi para a ditadura militar. O leitor decente sabe separar as narrativas históricas legítimas das fábulas ideológicas destinadas a justificar crimes contra a humanidade. Contudo a pretensão impossível de estatizar a verdade histórica no regime democrático confere à narrativa delinquente sobre os "dois lados" a aura de uma "verdade sufocada" em confronto desigual com uma "verdade dos vencedores". Uma comissão de inquérito consagrada ao relato dos crimes contra a humanidade praticados pela ditadura militar seria capaz de iluminar fatos, personagens e circunstâncias ainda desconhecidos, oferecendo material valioso aos historiadores. Em contraste, uma Comissão da Verdade sem poderes judiciais está condenada a fabricar interpretações estatais sobre o passado, algo com valor de verdade similar ao dos retratos encomendados pelos mecenas. O conceito africano de ubuntu relaciona-se à ideia de que a humanidade de cada indivíduo depende da dignidade humana de todos os demais. A comissão sul-africana tinha a missão escrita de promover "ubuntu", não "retaliação" nem "vitimização". Nossa comissão não pode promover ubuntu, mas ao menos não precisa engajar-se em operações simbólicas de retaliação e vitimização. Eliminem a "verdade", senhores comissários! Por: Demétrio magnoli O Estado de S. Paulo

O JEITINHO BRASILEIRO

Jeito sempre tem, inclusive para o Euro, a Espanha e mesmo para a Grécia. 

Querem uma prova? O Brasil. Isso mesmo, o governo FHC implementou várias políticas que hoje são sugeridas como solução na Europa. A negociação da dívida dos Estados brasileiros é um exemplo citado na imprensa internacional. Resumindo: os governos estaduais brasileiros estavam tão quebrados quanto a Grécia, Irlanda e Portugal. Emitiam seus próprios títulos de dívida (as carioquinhas, as paulistinhas) que o mercado só aceitava cobrando juros altíssimos. Assim, os governos ou se endividavam ainda mais, pelo efeito dos juros, ou empurravam seus títulos para os bancos estaduais (Banerj, Banespa etc). Resultado, quebraram os governos e os bancos. Solução: o governo federal "comprou" os títulos estaduais e refinanciou outras dívidas, pagando com títulos do Tesouro nacional, de credibilidade maior e, pois, juros menores. Como seria na Zona do Euro? A criação dos tais "eurobônus", ou títulos da dívida européia, garantidos pela União Européia e negociados no Banco Central Europeu. Assim, em vez de vender títulos gregos, espanhóis, italianos, etc, pagando taxas proibitivas, os respectivos governos seriam financiados com os papéis "federais", que, sendo da UE, teriam, no fundo, a garantia alemã. Mas a solução brasileira incluiu poderosas contrapartidas. Os governos estaduais, desde então, são obrigados a pagar uma prestação mensal a Brasília (se falharem, não recebem participação nos impostos federais), não podem mais emitir títulos, têm despesas limitadas e controladas e outros endividamentos são restritos a uma porcentagem das receitas. E o governo federal não pode mais financiar os Estados, tudo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Por isso, a solução dos eurobônus ainda não foi aceita pela Alemanha. Angela Merckel exige, antes, regras parecidas à brasileira, que restrinjam a capacidade dos Estados na administração de suas contas e suas dívidas. Mais difícil lá, pois não são governos regionais e sim Estados nacionais que deveriam abrir mão de parte da soberania. É o que François Hollande não aceita, por exemplo. Ele quer bônus com a garantia européia/alemã, mas sem as restrições de soberania fiscal. Não esquecer: outra parte importante da solução brasileira foi a intervenção, fechamento e/ou oprivatização dos bancos estaduais. Tem banco estatal na Europa que pode ser fechado. Mas a dificuldade maior está em bancos privados, atolados com créditos podres. Sem problemas: estudem o Proer brasileiro, do final dos anos 90, quando vários bancos locais quebraram com o fim da inflação. Ainda na semana passada, em editorial sobre a Espanha, a revista Economist sugeriu: o governo intervém nos bancos quebrados, separa os ativos podres, colocando-os no "banco ruim", que é simplesmente liquidado. O que sobra, se sobra, o banco bom, é vendido. Ora, foi exatamente o que se fez aqui com Nacional, o Bamerindus e o Econômico - para citar apenas os maiores. Calcula-se que o custo disso na Espanha chegue a 10% do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, ficou mais barato. Na época, houve muita oposição, inclusive e especialmente do PT. Hoje, todos, inclusive Lula e Dilma são os primeiros a falar da solidez do sistema bancário brasileiro. Outro ponto importante: Banco do Brasil e Caixa estavam literalmente quebrados, por causa de empréstimos fartamente concedidos com critérios políticos e má administração. O governo federal colocou uns R$ 15 bilhões para reaprumar esses dois bancos e estabeleceu novas regras de gestão, mas propriamente "bancárias". Por isso, aliás, é preciso ficar de olho nessas manobras do governo Dilma para forçar os bancos a reduzirem juros e ampliarem o crédito. Existe, sim, o risco de que estejam abrindo novos buracos. Mas, voltando à Europa, o problema para um Proer deles está, de novo, na falta de uma verdadeira federação européia, que submeta os Estados nacionais a uma disciplina comum. Ou seja, jeito sempre tem, mas nunca é fácil. Precisa combinar com muita gente, a começar pelos eleitores. No Brasil, FHC tinha um sólido mandato nacional para tocar essas e outras reformas. Na Zona do Euro, é obviamente mais difícil obter esse mandato. Os eleitores franceses, por exemplo, votaram contra a austeridade. Os irlandeses, a favor. Os gregos votam agora de novo. Os alemães, de seu lado, não manifestam entusiasmo pelos "eurobônus". Temem que os gastadores torrem ainda mais com a garantia alemã. A única coisa que ajuda, digamos assim, é a emergência, a situação de vai ou racha. E o que pode rachar é simplesmente a mais bela construção política e econômica do século passado. Não nos esqueçamos: a Europa unida gerou crescimento, ganho de renda elevado (especialmente para os que eram mais pobres, como Espanha, Portugal e Grécia) e regimes democráticos. Eles vão lutar para salvar isso.Por: Carlos Alberto Sardemberg O Globo

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O LIVRE MERCADO É O MELHOR AMIGO DA MULHER

Com frequência, vemos o capitalismo ser culpado por muitas coisas sobre as quais não tem responsabilidade alguma. Essa é uma realidade a qual nós, defensores do livre mercado, devemos nos acostumar. Uma dessas acusações diz que o capitalismo é ruim para as mulheres. Há alguns anos, eu debati a diferença salarial entre os gêneros, que costuma ser utilizada como um exemplo de como o capitalismo gera discriminação contra as mulheres. Nós também ouvimos argumentos de como o capitalismo apoia o “patriarcado” e leva mulheres a serem tratadas como cidadãs de segunda classe. Na realidade, o capitalismo fez muito mais bem do que mal às mulheres. Um dos melhores exemplos é a forma como o capitalismo possibilitou melhoras econômicas para as mulheres, particularmente o aumento da sua presença na força de trabalho. O constante aumento da participação feminina na força de trabalho talvez seja o fator demográfico mais importante dos últimos 100 anos. Ao dar às mulheres uma fonte própria de renda, o capitalismo as fortaleceu de muitas maneiras; por exemplo, a mudança na dinâmica do casamento deu às mulheres a possibilidade de saírem de relacionamentos dos quais não poderiam sair anteriormente. A independência econômica feminina também transformou a família de outras maneiras. Nós podemos olhar para o aumento da participação das mulheres na força de trabalho por dois pontos, como costumamos fazer nas ciências econômicas. O capitalismo demandou mais trabalho feminino e ofertou as condições que facilitaram a realização desses trabalhos. O Aumento da Demanda Talvez o aumento da demanda seja o lado mais óbvio. O crescimento econômico gerado pelo capitalismo após a Revolução Industrial e no início do século XX teve duas consequências. Primeiro, aumentou a demanda por trabalho em geral. à medida que os salários aumentavam e os trabalhadores (homens, em sua maioria) enriqueciam, eles começaram a comprar mais do que compravam antes. O aumento da demanda por produtos finais aumentou a demanda por tudo que fazia parte de sua produção. E claro que uma dessas partes é o trabalho. Esse aumento da demanda por trabalho significou que as empresas deveriam procurar por trabalhadores em outros locais. Uma opção era entrar em leilões por trabalhadores de outras empresas, mas o único meio de fazer isso era pagar salários maiores. A outra opção era empregar mulheres para os trabalhos que anteriormente eram restritos aos homens. Na verdade, foi isso que muitas empresas começaram a fazer no início do século passado. O resultado foi que muitas mulheres que nunca tinham trabalhado fora de casa começaram a encontrar empregos. E foi o crescimento impulsionado pelo capitalismo e pela industrialização que fez isso ser possível. O crescimento teve um segundo efeito sobre a demanda por trabalho feminino. Na medida em que a industrialização progredia e a escala das operações crescia, o número de empregos como secretárias e auxiliares também cresceu. Além disso, parte do aumento da demanda do consumo foi por serviços e não por produtos. Ao invés de comprar um frango e abatê-lo, as pessoas preferiam pagar um pouco mais por partes do frango abatido. Comer fora passou a ser mais comum e a demanda por serviços pessoais como barbeiros e cabeleireiros cresceu. As mulheres podiam competir com mais sucesso com homens nesses empregos nos trabalhos mais pesados fisicamente. O resultado foi mais oportunidades de emprego para as mulheres. Em 1940, a demanda por trabalho feminino era grande o suficiente para que as empresas começassem a oferecer a opção de empregos em meio período, para se adequarem à necessidade de flexibilidade das mulheres casadas. Aparelhos Domésticos que Economizam Tempo O capitalismo também foi responsável pelas condições que tornaram possível o trabalho feminino. O maior problema que as mulheres casadas enfrentavam, principalmente as que tinham filhos, era tomar conta da casa. Com a tecnologia disponível na virada do século passado, manter a casa limpa era um trabalho de tempo integral. Entretanto, no período entre guerras, foram desenvolvidos todos os tipos de aparelhos domésticos que reduziram significativamente o tempo necessário para cozinhar e limpar. Lavar roupas deixou de ser um trabalho que requeria três dias e algumas pessoas, para ser um trabalho de algumas horas. Essas invenções libertaram as mulheres do trabalho doméstico e fez o trabalho fora de casa passar a ser ao menos imaginável. (Esse ponto é apresentado nesse vídeo de Hans Rosling) As mulheres também estão se tornando cada vez mais instruídas, tanto em nível médio, quanto em nível superior. Também nesse caso, a riqueza criada pelo capitalismo possibilitou às famílias educarem os seus filhos por mais tempo, inclusive as suas filhas. Essa riqueza também foi suficiente para fazer o salário das crianças desnecessário para a sobrevivência. Uma força de trabalho feminina mais instruída e mais produtiva significou um aumento nas possibilidades de uma mulher ser empregada. Embora raramente receba crédito, o capitalismo libertou as mulheres de séculos de cidadania de segunda classe. Por: Steven G. Horwitz é economista da St. Lawrence University.

A ECONOMIA VAI MAL

 A questão central no país é a precária situação econômica. Como de hábito não é o foco principal do debate político. Vale a pena listar algumas questões: 


1. a situação difícil dos pequenos bancos. O caso do Cruzeiro do Sul é somente mais um e não é o único; 

2. o setor da construção civil mostra sinais de esgotamento; 

 3. o endividamento das famílias não para de crescer; 

 4. problemas estruturais da economia não se resolvem com medidas tributárias (aumentando ou baixando impostos temporariamente); 

 5. a tal "classe C" como instrumento de puxar o consumo para cima não passa de ficção; 

 6. a falta de uma política industrial é evidente; 

 7. os velhos gargalos da infra-estrutura se mantem apesar de dez anos de consulado petista; 

 8. a baixa produtividade dos trabalhadores; 

 9. a poupança interna é irrelevante; 

 10. o governo não consegue planejar nada (apesar dos dois ministérios dedicados à esta função); 

11. o "modelo" de desenvolvimento criado nos anos 90 está fazendo água - e não é de hoje; 

12. governo trata a economia com descaso, acha que a palavra substitui a ação. 

13. a situação econômica internacional deve se manter neste patamar (ruim) por um bom tempo (especialmente a Europa e os EUA); 

14. temerosa de alguma medida impopular (mas necessária) para reequilibrar a economia a médio prazo, Dilma opta pela fraseologia vazia (com tinturas do velho populismo) e com medo de algum reflexo negativo nos índices de popularidade. 

15, a taxa de investimento é ridícula. O mais terrível é que o Congresso Nacional sequer passa perto de qualquer destas questões.
Por: Marco Antonio Villa

terça-feira, 5 de junho de 2012

BUROCRATAS

"O primeiro objetivo do burocrata é a preservação de seu trabalho, fornecido pelo Estado inchado, às custas dos contribuintes. Se os problemas reais do mundo são resolvidos ou não, é de importância secundária. Não é preciso muito cinismo para ver que os burocratas não têm interesse em ter os problemas resolvidos. Se os problemas não existe não há razão para o burocrata ter um emprego" William Simon, ex-secretário do Tesouro dos EUA

A ESCOLHA DE BRASILIA


Por que a produção de remédios, por exemplo, não está na primeira fila da isenção de impostos? Faz algum tempo que a indústria farmacêutica brasileira espera uma redução de impostos na produção de medicamentos essenciais para câncer, hipertensão, diabetes, colesterol, entre outras doenças. No início do ano, o pessoal do setor recebeu a informação de que o decreto estava quase pronto. Mas nada. A farmacêutica não foi considerada prioritária pelo governo – ao contrário, por exemplo, da automobilística, especialmente beneficiada, e de diversas outras que foram desoneradas dos 20% de contribuição previdenciária sobre a folha de salários. E, entretanto, é difícil imaginar algum setor mais importante para a população do que a produção de remédios. Na verdade, como ocorre em outros países, esse setor deveria estar na primeira fila da isenção/redução de impostos. Por que não está? Talvez porque não tenha pátios cheios para mostrar ou um bom lobby empresarial e sindical. E por que o governo precisa de dinheiro. A despesa pública continua aumentando, e pesadamente, de modo que o governo precisa arrecadar cada vez mais para pagar essas contas. Assim, nem todos podem pagar menos impostos e sempre é preciso compensar as reduções concedidas aos amigos do rei. O resultado: caem os impostos para alguns e aumenta a carga para o conjunto da economia. Isso é um grave entrave ao crescimento. Sem contar a arbitrariedade política na escolha dos que ganharão benefícios. Essa prática distorce a atividade econômica e derruba a competitividade, pois o sucesso não depende da eficiência, mas das pontes com Brasília. Investimentos atrasados. E parece que vem mais arbitrariedade por aí. Os investimentos da Petrobrás, sobretudo no pré-sal, estão atrasados por que a estatal encontra problemas na aquisição de sondas, plataformas e navios. O governo impõe uma exigência de pelo menos 55% de conteúdo nacional nesses equipamentos. Os fabricantes nacionais não dão conta. Não conseguem entregar; quando entregam, o fazem com atraso e sempre com preços maiores do que o inicialmente contratado e muito maiores do que o importado. Como isso prejudica investimentos essenciais, informa o jornal “Valor Econômico” de sexta-feira, o governo pretende relaxar a exigência de nacionalização. Mas não para todos. Será de formas eletiva. Já viu. Inaceitável para quem? O presidente da França, François Hollande, considera “inaceitável” que um país possa se financiar pagando juro zero e outro tenha de morrer com 6,5%. Aquele “um” é a Alemanha, cujo governo outro dia mesmo vendeu títulos da dívida, na verdade, a juros negativos. A taxa foi zero – ou seja, o investidor aplicou mil euros e, ao final de um ano, receberá mil euros. Descontando uma inflação de 2% ao ano, o aplicador perdeu dinheiro para ficar com os papéis alemães. Mais inaceitável ainda, diria Hollande. Mas inaceitável para quem? Para os alemães está tudo muito bem, não é mesmo? O “outro” país é a Espanha, cujo governo só vende títulos quando paga os tais juros acima de 6% ao ano. Inaceitável? Como retórica, pode ser. Na prática, os espanhóis têm sido obrigados a aceitar essa taxa pela simples razão de que precisam do dinheiro para continuar financiando sua dívida. O problema, diria Hollande, é a desigualdade: uns pagando nada, outros tendo de pagar muito. Ele usou a Espanha como exemplo para não cair no pessoal. Lá no fundo, o presidente francês também considera inaceitável que seu governo tenha de pagar mais do que os alemães. Neste momento em que toda a zona do euro cresce nada ou já está no negativo, é a Alemanha que salva algum crescimento Na sexta-feira, o mercado aceitava títulos de dez anos do Tesouro alemão para receber juros anuais de 1,17%. Do Tesouro francês, cobrava 2,23%. O dobro! Julgamento moral à parte, por que funciona daquele jeito? É simples. Quanto maior a segurança do investimento, menor a rentabilidade. Qual o risco de não receber o dinheiro emprestado para os alemães? Zero. Já para a Espanha… Na verdade, quem compra títulos espanhóis não acha que o país vai quebrar ou, pelo menos, não acha que isso vai acontecer daqui a pouco. Se achasse, não compraria, não é mesmo? Mas sabe que há risco real de acontecer alguma coisa – a dívida do governo é muito elevada, há dificuldades para reduzi-la e os bancos espanhóis carregam créditos de difícil recebimento. Assim, o investidor quer um prêmio para correr esse risco. Do mesmo modo, ninguém acha que a França vai quebrar, mas todo mundo sabe que a sua situação é pior do que a da Alemanha. O país de Angela Merkel tem as contas arrumadas, é poupador e tem superávit no comércio externo. É austero, portanto. Mas austeridade não é nada, diria Hollande, é preciso crescer. Perfeitamente, responderia, Merkel. E exibiria os números: a Alemanha cresceu mais de 3% nos últimos dois anos, simplesmente o ritmo mais forte entre os países ricos. A França nem chegou a 2%. Neste momento em que toda a zona do euro cresce nada ou já está no negativo, é a Alemanha que salva algum crescimento. Ou seja, ao usar o argumento moral econsiderar injusto que alguns paguem mais, Hollande quer ser tratado como alemão ao vender seus títulos, mas continuar sendo francês ali no dia a dia: trabalhando menos horas, ganhando mais e se aposentando mais cedo. Aí fica inaceitável para os investidores. Abutres, diria, Hollande. Até pode ser, mas a saída é fácil para o presidente francês. Basta não ir a mercado, não vender títulos do Tesouro. Só que aí precisaria fazer um baita corte de gastos públicos para viver exclusivamente da arrecadação de impostos. Resumindo: Hollande quer o dinheiro dos investidores, mas nas condições – e nos juros – que ele considera aceitáveis. Não vai colar.Poe: Carlos Alberto Sardemberg Fonte: O Estado de S. Paulo, 04/06/2012

O OUTRO LADO

Militares, também choramos nossa centena de mortos, sem as generosas bolsas ditadura. Fora outros crimes. Estão bem vivos alguns sequestradores Com a instauração da Comissão da Verdade, o ciclo de beligerância e de turbulência política do passado recente voltou a ser um tema discutido em nosso país. É um tema preocupante, que estará presente em debates e artigos nos próximos dois anos, tempo de vigência dos trabalhos da comissão. No período, os principais fraseados das esquerdas brasileiras estarão em evidência, sempre acompanhados de justificativas emocionais. Agora é possível acrescentar no debate a Lei da Anistia, já chamada de lei injusta, primeiro passo para a sua revogação. Esquecem os críticos que foi essa lei que permitiu quase 33 anos de relativa paz no processo de crescimento democrático do país. Sem ela, o período seria controverso e perturbador. Na comissão, as Forças Armadas serão o foco principal. Disciplinadas como são, estarão em silêncio obsequioso e sem poder político para interferir nos processos que serão abertos. O seu desgaste será evidente, um objetivo permanente de segmentos minoritários e radicais da esquerda brasileira. Surge, agora, em artigo publicado neste jornal, de autoria do frade dominicano Libânio, o Frei Betto ("Os dois lados da Comissão da Verdade", em 20 de maio), uma nova designação para a Comissão da Verdade. O novo nome seria Comissão da Vaidade, uma alusão à posição adotada por um dos juristas que integra a comissão, considerada vaidosa pelo frade. O jurista teria se posicionado, em corte internacional, contra interesses de familiares de vítimas na guerrilha do Araguaia. Em seu artigo, o autor questiona se o jurista teria condições de atuar com imparcialidade. É surpreendente a posição do frade. Ele considera o jurista parcial por ele ter sido contrário ao posicionamento dos citados familiares. Então sejamos claros: os sete indicados serão imparciais quando analisarem um só lado, de preferência o do frade Libânio. Se analisarem o "outro lado", serão parciais. Como deverão se sentir os juristas da comissão, indicados com base no seu "notável saber", diante desse claro patrulhamento? Como serão suas "imparcialidades" ao analisarem só um lado, ferindo o contraditório, princípio básico do direito? Meu professor de história geral, um saudoso frei franciscano, ensinava que a "história tem sempre dois lados". O "outro lado" também tem inúmeras perguntas não respondidas nem esclarecidas. Também choramos nossa centena de mortos e o mesmo tanto de feridos, muitos inocentes e que nada tinham com os confrontos. Assassinatos a sangue frio, a pauladas, a coronhadas -até esquartejamento houve. Atentados e sequestros com mortes. Sequestro é tortura infame, e alguns sequestradores estão bem vivos. Há famílias enlutadas que, em sua totalidade, não receberam qualquer apoio indenizatório. Não existia naquela época nenhuma benesse como a atual e generosa "bolsa ditadura". Enumerar outros fatos a esclarecer ultrapassaria nosso espaço jornalístico. Entretanto seria bom se uma pergunta, talvez a mais importante, fosse respondida: que democracia eles lutavam para resgatar? O ideário das organizações terroristas e os depoimentos insuspeitos de seus ex-integrantes permitem inferir que o objetivo maior, caso vencessem, seria a implantação de uma "ditadura do proletariado" e não uma democracia, como assegura o citado articulista. Dependendo da organização, seria uma ditadura soviética, maoísta, albanesa ou cubana. Para mim, sem receio de errar, seria a cubana e o seu famigerado "paredón". Por sinal, os covardes justiçamentos em nosso país, por ordens de tribunais relâmpagos, comprovam a escolha. Caso vingassem tais doutrinas, não poderíamos, hoje, escrever livremente neste ou em outro jornal. Ao menos eu. Já o frade Libânio escreveria no jornal do partido único. À semelhança de Cuba, no Brasil haveria um só lado. Não existiria o "outro lado". Não tenho profundos conhecimentos da mitologia grega nem das literaturas portuguesa e espanhola para citações brilhantes como as do eclesiástico. Todavia, fruto da formação franciscana que recebi, encerro com uma citação bíblica, que creio ser válida para o momento sensível pelo qual passa a nação brasileira: "Não julgueis para não serdes julgados, pois com o julgamento com que julgais sereis julgados e com a medida com que medis sereis medidos." (Mt 7,1-2). (*) ROMULO BINI PEREIRA, 72, é general do Exército da reserva. Foi chefe do Estado-Maior do Ministério da Defesa

A EUFORIA COM O BRASIL ACABOU

A euforia com o Brasil acabou, afirma Henrique Meirelles. 

"As intervenções do governo em empresas incomodam." "Medidas picotadas podem inibir investimento", diz Armando Castela, economista entrevistado pela Valor, confirmando a tese de Meirelles. 
O que aconteceu com o governo Dilma? 
Investidores americanos e europeus, com problemas enormes internamente, preferiram tirar o dinheiro do Brasil e aplicar nos seus países. Por quê? 
Dilma está fazendo o que nós administradores chamamos de "micro-managing". 
Micro-managing é muito comum em empresas familiares e médias empresas, onde o dono palpita em tudo, administra o detalhe, quando seu talento está na visão do todo. 
São os bilhetinhos, são as discussões de coisas pequenas, que desmotivam e só atrapalham. 
Quem trabalha numa empresa média, familiar, administrada por amadores, e até por administradores "micro-managers", sabe o que estou falando. 
Administrar é ver o todo, a visão estratégica, o horizonte, não o dia a dia. 
O que os "desenvolvimentistas" chamam de "intervenções pontuais", nós chamamos de "micro managing", e normalmente dá errado. 
Pode até dar certo em pequenas empresas, deu certo na empresa de alfinetes de Adam Smith com 16 funcionários, mas não dá certo em empresas grandes e países. 


O Brasil perdeu o barco da história novamente, com os seguintes fatos. 


1. Prisão de forma bem noticiada de dois administradores da Chevron. Enquanto muita gente, e você sabe quem, está solta. 
2. Arrastões de restaurantes famosos de São Paulo, onde invariavelmente se encontram três ou quatro administradores estrangeiros pensando em investir no Brasil. 
3. Micro Managing governamental do Banco do Brasil, Petrobras, Caixa Econômica, Vale do Rio Doce, Eletrobras, que perderam em um ano 50% do seu valor, uma das maiores destruições de Patrimônio Público na história do Brasil. Perderam R$ 400 bilhões de reais de valor em menos de três anos. Dinheiro do Povo Brasileiro e alguns investidores estrangeiros que já se retiraram. 
4. Redução de Imposto para Automóveis e não para remédios, que aumentaria a força de trabalho em 1 milhão, e livrarias, que aumentaria o conhecimento do brasileiro em 1%. Nem terminaram a greve dos Professores das Federais, que faria outro tanto. Preferiram defender os sindicatos dos Metalúrgicos e não o sindicado dos Livreiros. Isto se chama Micro Managing. 
5. A criação do Super Cade, onde agora toda empresa que fatura R$ 70 milhões, uma mosca no ranking mundial, tem que se apreciada pelo Cade que, com suas equações de demanda e oferta irá dizer se tem risco para o consumidor ou não de uma fusão para torná-las competitivas ou monopolistas. 
Infelizmente Dilma, através de dois assessores que ficam nos bastidores, está "micro managing" a economia brasileira. 
Mexer em time que está ganhando, dá zebra. 
O ódio contra os administradores fica tão claro na entrevista de Meirelles, que gostaria que vocês lessem. Perguntam a certa altura se ele estava se tornando um "Conselheiro Profissional". 
A velha noção que nós administradores somos mercenários, e que vivemos destes nossos espíritos animais. 
Por isto, fecharam todas as escolas de administração neste país em 1945, último mês da ditadura Vargas. 
Meirelles irá entrar na história como o único Presidente do Banco Central a não trabalhar num Banco Comercial, e isto não é sequer mencionado na entrevista. 
Isto eu chamo de ética profissional, e não ganância profissional. 
Meirelles não é motivado pelos seus espíritos animais, e prefiro que ele seja um conselheiro de muitas empresas, do que funcionário de um banco que ele deveria ter supervisionado. Infelizmente, sem Meirelles o Brasil não será tudo aquilo que eu sonhei. 
Vamos ter que esperar 2045 e então abrir as Escolas de Administração, independentes das Escolas de Economia e Contabilidade, com um currículo Socialmente Responsável e começar com 100 anos de atraso para competir com India e China, até lá 75 anos na nossa frente. Por: Stephen Kanitz

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O DESARRANJO MUNDIAL NÃO VAI DEIXAR O BRASIL DE FORA


"O mundo marcha no seu habitual estado de desarranjo." Hum! Modéstia à parte, a frase não é minha. Gay Talese, no seu magnífico livro sobre o The New York Times, conta que o editor de assuntos internacionais do jornal começava a reunião de pauta diária quase sempre com essa frase. A história é totalmente verdadeira? Talese, como todo grande jornalista, gosta de procurar um "enfeite" para agarrar o leitor no início dos seus relatos. Mas é uma boa frase. E descreve bem a atualidade. Se dermos uma olhada geral no mundo a partir de um satélite - esse que uma empresa privada lançou para levar não sei o quê até a estação espacial orbital -, o que vemos são desarranjos em todos os terrenos: diplomático (Síria x ONU; Israel x palestinos; Irã x AIEA-EUA; citando só os mais visíveis); militar (Iraque, Paquistão, Afeganistão, Iêmen, etc.); político (Egito, Europa dos 27, Rússia, etc.); ecológico (Rio+20, que ameaça dar em nada); e, é claro, econômico-financeiro (Grécia, Alemanha, França, China se retraindo, bancos se afundando, etc.). Não sou historiador, de modo que não sei se o desarranjo mundial é um estado passageiro ou permanente nem se este que enxergamos hoje do satélite é pior, mais complicado ou menos complicado do que os desarranjos dos tempos em que não havia satélites. De qualquer forma, pelo menos na área que me toca - naquilo em que minha ignorância costuma ser apenas um pouquinho menor do que em todo o resto da cultura humana -, ou seja, na economia, a coisa realmente está parecendo mais séria do que até há pouco se dizia e pior do que em outras ocasiões. Já se disse, com ominosa insinuação, que a crise atual é como a de 1929, e seria tão terrível e demorada quanto. Não é verdade. É uma crise muito diferente, na sua natureza, no seu conteúdo. Mas poderá ser mais terrível e prolongada. Em primeiro lugar, pois não me parece que seja uma crise gerada pelas frustrações e desconfianças em relação à economia real, como foi a de 1929, quando o crack da bolsa de Nova York funcionou como epicentro, derrubando os valores não só dos seus papéis, mas dos ativos reais que eles representavam. A economia, então, entrou em colapso porque as coisas não valiam mais nada. A de hoje não tem um epicentro, generalizou-se em todos os principais mercados, não nasce da atividade econômica nem dos mercados de ações, nasce de uma crença de que as dívidas não serão pagas - nem as dos bancos nem as dos governos e, é claro, nem mesmo as das pessoas físicas. Com muita gente perdendo empregos na Europa, por exemplo, quem pagará as prestações das casas, carros e outros bens que esses trabalhadores compraram com prazos dilatados? A crise é de expectativa. E a expectativa é de inadimplência monstro e generalizada, fiscal e privada, isto é, dos governos, dos bancos e das pessoas - nesse clima, quem se propõe a investir para revigorar a economia? E, pior, quem se propõe a financiar investimentos? Hoje em dia nem os botecos de esquina conseguem se instalar apenas com o capitalzinho do botequineiro. Foi-se o tempo. Foi-se o tempo, inclusive, do velho bordão "vintém poupado é vintém ganho". Não é. Vintém poupado, o mais provável é que se torne vintém perdido. O melhor mesmo é vintém movimentado, pois aí, sim, pode dar algum rendimento. Só que, no ambiente de desconfiança que se instalou no mundo, e por tabela começa a se instalar no Brasil, os vinténs não estão se movimentando, estão se entesourando. É só acompanhar um pouco as cotações do ouro - na sexta-feira, era de US$ 1.623 a onça, com alta de US$ 67 - e também da prata, platina, paládio, etc., em períodos como os atuais para constatar que, em vez de se movimentar, os vinténs estão se lastreando, ancorando-se... aos borbotões. E não parece haver dúvida de que essa "aversão ao risco" mundial, que se traduziria melhor como aversão ao investimento e, mais ainda, aversão a emprestar, já bateu no Brasil. Não é por acaso que no governo brasileiro, a presidente Dilma-Quixote e o seu fiel escudeiro Sancho-Mantega pularam em seus cavalos e dispararam em todas as direções. Para o quê? Para nada? Ah, sim, para "estimular a economia". Pelo menos por enquanto, essa cavalgada heroica não parece estar conseguindo convencer algum investidor desavisado - nacional ou estrangeiro - a abrir a burra e derramar seus dobrões na economia. A publicação das contas nacionais para o primeiro trimestre do ano mostrou forte queda na Formação Bruta de Capital Fixo. E, ao que tudo indica, o governo tem a maior parcela de responsabilidade nessa queda, não propriamente por falta de recursos, mas por causa da sua notória incapacidade de gerir investimentos. Investimento público sempre foi a resposta para crises. O governo proclama a vontade de investir (o PAC está aí) e amealha um superávit primário de R$ 60,2 bilhões no primeiro trimestre do ano. Mas essa vontade e esse dinheiro só se transformam em empregos e geração de riquezas se houver bons e ágeis projetos executivos e competente engenharia de obras. É nesses desvios que o trem do Brasil Maior empaca. Sem falar na cooptação inepta e suspeita de empreiteiras "padrão Delta" para os trabalhos.Por: Marco Antonio Rocha O Estado de S. Paulo - 04/06/2012

DESATAR O NÓ

O que têm em comum o mensalão e a CPI do Cachoeira, implicando a construtora Delta e governadores supostamente envolvidos com uns e outros? Aparentemente, esses fatos podem ser tratados isoladamente, como se não tivessem conexão entre eles, cada um obedecendo a uma lógica específica. Poderiam, também, cair sob uma rubrica mais geral de completa ausência de moralidade púbica, o que já seria bastante revelador do momento que vivemos. Caberia, no entanto, perguntar se não há aí uma questão de ordem estrutural que se faz presente em cada um desses fatos, que sempre ressurgem sob a forma de “escândalos”. Mas é tal a sucessão de escândalos que alguns não parecem mais escandalizar, como se vivêssemos segundo uma rotina do escandaloso. Os últimos anos têm sido a ocasião de desenvolvimento de uma espécie de capitalismo de Estado com tinturas socialistas, alicerçado numa aliança entre sindicatos de trabalhadores e grandes grupos empresariais. Mais particularmente no governo Lula, esse processo foi intensificado, criando toda uma rede de privilégios e favorecimentos que terminou por distorcer as relações de mercado propriamente ditas. De um lado, o discurso contra o “mercado”; de outro, o favorecimento explícito de alguns agentes de mercado, encobertos sob o manto da intervenção “pública”, quando de pública tem muito pouco. Lula criou para si a imagem do vencedor que tudo pode, atendendo uns e outros segundo as circunstâncias, sem nenhuma preocupação com seu efeito sobre as instituições republicanas. De parte de grandes grupos empresariais e bancários, foi criada uma teia de relações pessoais que lhes concedeu e continua a conceder os mais diferentes tipos de benefícios. A justificativa, como sempre, é a da redução do crescimento do PIB, como se os problemas estruturais fossem assim abordados. Outras medidas estruturais nem são aventadas, como redução uniforme de impostos para todos os setores ou aumento dos investimentos públicos via redução do custo da máquina estatal. Acontece que tal tipo de intervenção não é política nem moralmente neutra, expondo problemas estruturais do Estado. Por exemplo, politicamente, benefícios são criados para grupos empresariais que, depois, acabam contribuindo financeiramente para os partidos governamentais que dão sustentação a essa forma de favorecimento. Moralmente, o ambiente torna-se insalubre. Salta aos olhos que uma consequência é o aumento da corrupção e o pagamento de propinas, que terminam entrando no modo mesmo de funcionamento da economia e do Estado. Uma relação capitalista, de mercado no sentido estrito do termo, funciona tendo como base a impessoalidade dos agentes econômicos, pautados por leis e formas tributárias que valem igualmente para todos. Ou seja, essas leis e regras não favorecem ninguém, os benefícios de cada agente econômico dependendo de seu desempenho, conhecimento e competitividade. Relações de mercado caracterizam-se por ser impessoais. O capitalismo de Estado, contudo, retorna a formas mercantilistas de condução da economia, personalizando politicamente as relações econômicas. Lula criou para si a imagem do vencedor que tudo pode, atendendo uns e outros segundo as circunstâncias, sem nenhuma preocupação com seu efeito sobre as instituições republicanas Cachoeira, nesse sentido, não é um acidente de percurso, mas um efeito desse capitalismo de Estado. Sua posição é particularmente significativa, pois ele se insere na interseção de parlamentares, poder público, favorecimentos particulares, contravenção e relações com grandes empresas – no caso, a Delta. De repente, os tentáculos dessa rede da contravenção se estendem para vários Estados e para a União, tecendo uma teia de corrupção, privilégios e esfacelamento dos laços institucionais e morais. Um indivíduo desse quilate se torna personagem nacional. A perversidade parece não conhecer, aqui, nenhum limite. Convém assinalar, neste ponto, que o governo Dilma tem procurado mexer com esses efeitos, enquanto no governo Lula nem combatidos eles eram. O novo governo procura se dissociar deles, o anterior com eles compactuava. Há, portanto, uma sinalização de mudança envolvida, que poderá, talvez, no futuro traduzir-se por uma transformação maior. Embora o combate aos efeitos seja altamente meritório, a abordagem das causas é mais do que nunca necessária. O caso dos governadores supostamente envolvidos seja com o grupo de Cachoeira, seja com a Delta, seja ainda com ambos, mostra bem as relações de tipo pessoal usadas para favorecimentos de alguns, em que a fronteira entre o lícito e o ilícito começa a desaparecer. O atendimento de demandas particulares não resistiria a um teste de universalização, isto é, a sua contribuição para o bem coletivo. Nessa perspectiva, é imprescindível que tais fatos continuem a aparecer publicamente, produzindo na opinião pública uma situação tal de descontentamento que se possa concretizar eleitoralmente. O descalabro moral pode ter repercussões políticas. Bom signo disso é que a ética na política se está tornando novamente uma questão nacional. E a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação é uma condição para que essa transformação se possa operar. A questão maior, porém, consiste em desatar um nó de tipo estrutural, pois se isso não for feito o combate aos efeitos pode tornar-se um trabalho de Sísifo, sempre repetindo o mesmo esforço, jamais chegando ao fim. De um lado, o fortalecimento das intervenções governamentais na economia, favorecendo determinados setores e grupos econômicos, a expensas dos demais, cria “regras” particulares que não só distorcem as relações de mercado, como enfraquecem as relações institucionais e a moralidade pública. De outro, o combate às práticas que são consequência dessas relações se confronta com seu incessante ressurgimento, mudando apenas os personagens. Só desatando esse nó poderá o País descortinar um novo horizonte.Por:Denis Rosenfield - Convidado Fonte: O Estado de S. Paulo, 04/06/2012

MENDIGO RICO

O governo que anexou os pobres à classe média acaba de inventar o mendigo rico.

Com a entrada em cena de Wellington Moreira Franco, o interminável espetáculo do cinismo descambou para o terreno da galhofa. Único integrante do primeiro escalão que jamais conseguiu uma conversa a dois com Dilma Rousseff, o (segundo o cartão de visitas) Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República resolveu chamar a atenção da chefe com uma vigarice estatística de deixar ruborizado até dono de instituto de pesquisa. Graças ao ministro do Nada, foram extintos os pobres que restavam no Brasil Maravilha. Neste 29 de maio, Moreira Franco revelou que, a partir de agora, pertencem à classe média todos os brasileiros cujos rendimentos individuais alcancem de R$ 250 a R$ 850. São 48% ─ quase metade ─ da população. Como explicar a proeza assombrosa? O ministro se dispôs a decifrar o enigma em dilmês castiço: “A classe média foi delimitada ainda de acordo com o grau de vulnerabilidade, ou seja, a probabilidade de retorno à condição de pobreza, definido como o percentual de pessoas que vivem em locais cuja renda per capita caiu abaixo da linha de pobreza em algum momento em cinco anos”, complicou Moreira Franco. Em 2007, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada pareceu ter alcançado o limite da audácia malandra ao descobrir como se faz para mudar de categoria sócio-econômica sem sair do lugar. De um dia para outro, as famílias cuja renda mensal superava a marca dos R$1.063 souberam que haviam sido transferidas para a classe média. Como registra o post reproduzido na seção Vale Reprise, o governo Lula inventou o pobre que sobe na vida sem deixar a pobreza. Ainda mais ousado que os alquimistas do IPEA, Moreira Franco também prometeu criar um “instrumento de pesquisa” chamado Vozes da Classe Média. “Queremos saber quais são as aspirações e os desejos desse novo universo”, explicou o milagreiro de araque. A pesquisa é dispensável: 100% dos entrevistados dirão que tudo o que querem é viver como vive gente da classe média de verdade. Estudos recentes atestam que os mendigos que esmolam nas esquinas de São Paulo ganham, em oito horas de expediente, entre R$35 e R$40 . Em 25 dias, embolsam de R$875 a R$1.000. Os pedintes das ruas, portanto, não têm nada a pedir ao governo Dilma Rousseff. Ganham mais que a classe média do Brasil Maravilha. São mendigos ricos.Por: Augusto Nunes

domingo, 3 de junho de 2012

É UM CIRCO OU NÃO É?

Ultimamente, faço um esforço enorme para não perder a esperança em nosso país, em nossa capacidade de nos comportarmos com um mínimo de respeito pelo interesse público, pelos valores éticos, enfim, por construirmos uma nação digna deste nome. É que, a cada dia, como você, fico sabendo de coisas que me desanimam. Parece que a corrupção tomou conta do Estado brasileiro, que não há mais em quem confiar. O que desanima não são apenas as falcatruas praticadas por parlamentares, ministros, governadores, prefeitos, juízes... O pior é que esses dados refletem uma espécie de norma generalizada que dita o comportamento das pessoas e o próprio funcionamento da máquina pública. Um pequeno exemplo: o precatório. Se ganhas na Justiça uma ação que obriga o governo a te indenizar, ele está obrigado a te pagar, não? Só que ele não paga, não cumpre a decisão judicial, e fica por isso mesmo. A Justiça sabe que sua decisão não foi obedecida e nada faz. Pior, às vezes esse dinheiro é apropriado por altos funcionários da própria Justiça. Enquanto isso, as pessoas que deveriam ser indenizadas esperam 20, 30 anos, sem nada receber. É como um assalto em via pública. Este é um fato corriqueiro num país dominado por uma casta corrupta. E eu, burro velho, embora sabendo disso tudo, não paro de me surpreender. Acontece de tudo, até CPI criada pelo governo. Nunca se viu isto, já que CPI é um recurso da oposição; quer dizer, era, porque a de Cachoeira foi invenção do Lula e seu partido, e conta com o apoio da presidente Dilma. Isso porque, no primeiro momento, os implicados pareciam ser apenas adversários deles, a turma do mensalão. Eis, porém, que novas revelações envolveram gente do PT e aliados do governo, sem falar numa empresa corrupta que é responsável por grande parte das obras do PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento do governo federal. Mas o que fazer, agora, se a CPI já estava criada? Voltar atrás seria impossível, e nem era preciso, uma vez que, dos 30 membros da CPI, apenas sete são da oposição, quer dizer, não decidirão nada. Mas essas revelações punham em risco um dos principais objetivos de Lula, que era usar a CPI para desqualificar o processo do mensalão, prestes a ser julgado pelo STF. Essa intenção foi favorecida por um fato que envolve o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a quem caberá fazer a denúncia da quadrilha chefiada por José Dirceu. O PT tentou desqualificá-lo, apresentando-o como ligado a Demóstenes Torres e, portanto, a Cachoeira. A jogada não deu certo e, além do mais, está aí a maldita imprensa, que insiste em criar problemas, por levar à opinião pública informações inconvenientes. De qualquer modo, a CPI teria que ouvir Carlinhos Cachoeira, e só Deus sabe o que ele poderia revelar. Deus e nós também: nada, como se viu. É que ele se valeu do direito, que a Constituição lhe concede, de permanecer calado para não produzir provas contra si mesmo. Quem quer que tenha inventado isso -sempre em defesa dos inocentes, claro- com frequência favorece aos culpados, uma vez que o inocente, por nada temer, faz questão de contar toda a verdade. Calar, portanto, é confissão de culpa. De qualquer modo, Carlos Cachoeira, a conselho de seu advogado, não respondeu a nenhuma das perguntas que lhe foram feitas, deixando os parlamentares, que inutilmente o interrogavam, em situação constrangedora. Aquela sessão da CPI, em Brasília, só pode ser comparada a um espetáculo circense. E quem é o advogado de Cachoeira? Nada menos que o ex-ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos, que, sentado a seu lado, como um segurança jurídico, ouvia os deputados e senadores se referirem a seu constituinte como "bandido, chefe de uma quadrilha de ladrões". Estava ali por vontade própria ou por imposição do cliente? Não se sabe, mantinha-se indiferente, como se nada ouvisse. Foi por saber Cachoeira culpado de todas aquelas falcatruas que o aconselhou a nada responder. Resta à CPI recorrer às provas documentais. Por isso mesmo, Thomaz Bastos já pediu a anulação delas. Cachoeira pode não ter razão, mas dinheiro não lhe falta. E o espetáculo continua... Por: Ferreira Gullar, Folha de SP

A MISSÃO DE LULA

A proximidade do julgamento do mensalão parece estar desestabilizando emocionalmente o ex-presidente Lula, que se tem esmerado nos últimos dias em explicitar uma truculência política que antes era dissimulada em público, ou maquiada. Nessa fase em que trabalha em dois projetos que se cruzam e parecem vitais para seu futuro, tamanha a intensidade com que se dedica a eles, Lula não tem tido cuidados com as aparências, e arrisca-se além do que sua experiência recomendaria. A pressão sobre ministros do STF, a convocação da CPI do Cachoeira, com direito a cartilha de procedimentos com os alvos preferenciais identificados (STF, imprensa, oposição) e as atitudes messiânicas, sempre colocando-se como o centro do universo político, revelam a alma autoritária deste ex-presidente ansioso pela ribalta política. A eleição de Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo e a obsessão em desmoralizar o julgamento do mensalão (já que não conseguiu adiá-lo para que seus resultados não interferissem na eleição municipal e, além disso, a prescrição das penas resolvesse grande parte dos problemas judiciais do PT) pareciam as duas grandes tarefas do ex-presidente Lula neste momento. Mas ele, de voz própria, revelou seu verdadeiro objetivo político no programa do Ratinho: não permitir que um tucano volte a governar o país. Nunca antes nesse país viu-se um político assumir tão abertamente uma postura despótica, quase ditatorial, quanto a de Lula nessa cruzada nacional contra os tucanos, que tem na disputa pela capital paulista seu ponto decisivo. O PT, aliás, tem seguido a mesma batida de Lula, e se revela a cada instante um partido que não tem como objetivo programas de governo ou projetos nacionais para o país. A luta política pelo poder escancara posturas ditatoriais em todos os níveis, e para mantê-lo vale tudo. Desde rasgar a legislação eleitoral e fazer propaganda ilegal em emissora de televisão na tentativa de desatolar uma candidatura que até agora não demonstra capacidade de competição, até intervenções em diretórios que não obedecem à orientação nacional, como aconteceu agora mesmo em Recife. Vale também mobilizar um esquema policial de uma prefeitura petista, como a de Mauá em São Paulo, para apreender uma revista que apresenta reportagens contrárias aos interesses do PT. A truculência com que foi impedida a distribuição gratuita da revista "Free São Paulo", que trazia uma reportagem de capa sobre o assassinato do prefeito petista de Santo André Celso Daniel, é exemplar do que o PT e seus seguidores consideram "liberdade de imprensa". Os petistas acusam a revista de ser financiada pelo PSDB, o que ainda é preciso provar, mas, mesmo que seja, seria no mínimo incoerente criticarem tal estratégia, já que são estatais de diversos calibres e governos petistas que financiam uma verdadeira rede de blogs chapas-brancas e revistas para defenderem as ações governistas e demonizar seus adversários, em qualquer nível. Da mesma forma, parece ironia que líderes petistas se mostrem indignados com financiamentos eleitorais de caixa 2 de políticos tucanos, como se esse crime fosse uma afronta ao Estado de Direito e não, como disse o ex-presidente Lula tentando minimizar o caso do mensalão, coisa corriqueira no sistema eleitoral brasileiro. O recurso ao caixa 2 e a verbas não contabilizadas é evidentemente uma distorção do nosso sistema eleitoral que tem que ser combatida com rigor, mas o PT há muito perdeu a possibilidade de indignar-se diante deste e de outros malfeitos políticos. Acaba de ser publicado em edição eletrônica (e-book) e deve sair na segunda semana de junho em edição impressa o relatório do Clube de Roma com o título de "2052, previsões globais para os próximos 40 anos", coordenado pelo professor Jorgen Randers da BI Norwegian Business School, especialista em questões climáticas e planejamento de cenários que servirá de base para a programação do Clube de Roma durante a reunião Rio + 20. Randers já esteve no Brasil no início de maio, depois de lançar o relatório, para depoimento no Congresso em preparação para a Rio + 20. Trata-se de um estudo feito por 30 pensadores nos mais variados campos e tem o objetivo de atualizar o famoso estudo do Clube de Roma de quarenta anos atrás intitulado "Os limites do crescimento", que já questionava o modelo de crescimento permanente. Desta vez, o diagnóstico é conclusivo: a Humanidade vem se excedendo no uso dos recursos da Terra. A maneira atual de vida não pode ser mantida por gerações, e está a exigir modificações significativas para evitar colapsos locais antes de 2052. O estudo admite que o processo de adaptação da Humanidade às limitações do planeta já começou, mas a resposta talvez seja lenta demais. A China é considerada um exemplo de país que sabe agir na direção certa, e por isso chegará a 2052 bem preparado. O estudo alerta que continuamos a emitir todos os anos duas vezes mais gases do efeito estufa do que os oceanos e florestas podem absorver. Em consequência, as concentrações de CO2 na atmosfera continuarão aumentando, fazendo com que a temperatura aumente em dois graus em 2052. Se esse processo não for controlado, em 2080 as temperaturas terão aumentado em 2,8 graus centígrados - nível suficiente para iniciar um aquecimento global autossustentado. Segundo o relatório, a principal causa da incapacidade de resolver hoje problemas futuros é o modelo imediatista, com foco político e econômico no curto prazo. Randers defende um sistema de governança de mais longo prazo. No entanto, é pessimista quanto aos resultados, pois não acredita que os governos adotem uma regulamentação que obrigue os mercados a investir em soluções climaticamente corretas, e, segundo ele, não devemos acreditar que os mercados trabalharão em benefício da Humanidade. As previsões do documento do Clube de Roma sobre a economia global também não são nada animadoras. As atuais economias dominantes, especialmente os Estados Unidos, entrarão em estagnação, e países como os que formam os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) terão progressos, mas o PIB mundial crescerá muito mais lentamente, devido à redução do crescimento da produtividade em economias mais maduras. Em 2052, ainda haverá 3 bilhões de pobres no mundo.Por:MERVAL PEREIRA O GLOBO - 03/06

UM FATO E DUAS VERSÕES

Quando a notícia da reunião se tornou pública, ouvi negativas à versão de Gilmar Mendes, mas não vi uma única boca aberta em forma de “o” expressando incredulidade: “Quem? O Lula? Não! Ele jamais seria capaz de uma coisa dessas!”. Se eu compreendi direito, temos duas versões totalmente divergentes sobre a trombada ocorrida na esquina da vida onde recentemente se cruzaram Lula, Nelson Jobim e Gilmar Mendes. Numa das versões, o ministro do STF foi insistentemente pressionado e, por fim, ouviu uma insinuação que entendeu e contestou como se chantagem fosse. Noutra, foi um encontro cordial, em que o trio abordou “questões genéricas, institucionais”. Quase como se estivessem jogando conversa fora. Existem coisas inverossímeis. Claro que verossimilhança e seu antônimo não servem para firmar convicções absolutas, mas ajudam a gente a não fazer papel de bobo. Perante afirmações de difícil comprovação, podemos apelar para esse critério. Assim, por exemplo, se alguém disser que São Francisco de Assis acumulou uma fortuna em esmolas e a enterrou em algum ponto da Úmbria, a gente pode rejeitar a afirmação como falsa. Ela não seria coerente com a história de vida de uma pessoa que levou seu desapego aos bens materiais ao ponto de retirar-se da abonada casa paterna sem ter sequer um bolso para colocar as mãos. Não, não. O Poverello morreu poverello como uma andorinha. Todavia, se nos disserem que Mark Zuckerberg, o mal falado criador do Facebook, atropelou alguém no mundo dos negócios, podemos admitir o fato como provável porque há vários relatos nesse sentido. Assim também, se for atribuída a Carlinhos Cachoeira alguma operação empresarial irregular, a coerência entre a acusação e a imagem pública do cidadão será útil para formar opinião a respeito do episódio em si. Pelo viés oposto, quando lemos que Demóstenes Torres tinha “liaisons dangereuses” com o mundo do crime, foi necessário que se exibissem muitas evidências para criar um convencimento a respeito porque se tratava de algo incompatível com quanto dele até então se sabia. A notícia do encontro entre Lula e o ministro Gilmar Mendes, no escritório do ex-presidente do STF, nos coloca perante uma dessas situações. É inverossímil que os três ali estivessem apenas para tratar de generalidades. Vale lembrar, adicionalmente, que Lula, ao deixar a presidência, informou que dedicaria parte de seu tempo a provar que o mensalão não existiu. Ora, o referido processo, depois de longa jornada através dos anos e das linhas e entrelinhas dos códigos, está em vias de desabar muito peso pesado da política nacional sobre o colo dos onze do STF. Para quem queria provar que o mensalão não existiu, uma absolvição no Supremo (ou um adiamento para as calendas da impunidade geral) seria tudo de bom. Por outro lado, ninguém pode acusar o ex-presidente de excesso de escrúpulos no jogo do poder. Que o diga a ciranda de ministros a que restou constrangida a presidente Dilma. Tampouco se atribuirá a Lula qualquer devoção à sacralidade das instituições ou reverência às melhores regras do jogo político. Eis porque, quando a notícia da reunião se tornou pública, ouvi negativas à versão de Gilmar Mendes, mas não vi uma única boca aberta em forma de “o” expressando incredulidade: “Quem? O Lula? Não! Ele jamais seria capaz de uma coisa dessas!”. É aí que entra, novamente, a questão da verossimilhança. Ela não faz prova. Ela não condena. Sobre ela incide, sempre, poderosa dúvida razoável a serviço dos advogados de defesa. Mas o passado conta. E nem toda história ou biografia ganha o privilégio de uma comissão encarregada de a reescrever ao gosto da freguesia. Pelo menos é o que se espera. Por: PERCIVAL PUGGINA Publicado no jornal Zero Hora.

ENTENDAM A CRISE DO MENSALÃO

A crise do mensalão está se tornando uma briga de casal discutida cinco anos depois do fato. 
Ninguém mais sabe exatamente o que se discute, e estamos criando uma enorme crise institucional que envolve o Supremo Tribunal deste país, uma situação muito perigosa. 
O próximo passo será pedir a censura da imprensa e do Supremo Tribunal. 
Para entender o mensalão é preciso lembrar que o Brasil optou por uma democracia de 42 partidos, o que é absolutamente não administrável. 
Para ter apoio na aprovação do orçamento do Executivo você precisa dialogar com 42 partidos, oferecendo obras, canais de televisão, cargos para padrinhos e amigos, e assim por diante. 
De obra em obra, de comissão por fora em comissão, políticos obtêm suas verbas de campanha e uma graninha à parte. 
Comissões que antigamente eram de 5%, agora são de 20 a 30%, e muitas obras são totalmente desnecessárias a um custo efetivo de 100% administrativamente falando. 
 Há uma piada que explica o mensalão. 
Um político comenta com dois outros: 
"Tá vendo aquela estrada ali? 10% aqui no meu bolso". 
"Tá vendo aquele hospital ali? 20% aqui no meu bolso", diz o segundo. 
"Tá vendo aquela ponte ali?", diz um terceiro. "Não, que ponte? " "Pois é, 100% aqui no meu bolso". 
Se você fosse um administrador que tivesse lido esta piada, e soubesse que você precisa "comprar" alguns deputados, que estratégia você utilizaria para tornar este país mais eficiente ao menor custo possível? 
Você tem todos os dados que precisa. 
Provavelmente você diria ter somente 2 partidos, todos com políticos já ricos e honestos. Ótimo, daqui 1000 anos talvez. 
A segunda opção é dar os 5% de comissão para financiar os custos de campanha, e NÃO FAZER A OBRA ou a ponte da piada. 
Esta é a melhor opção, dentro de todas não muito éticas, eu sei, mas diante das alternativas o que fazer? Esta foi a essência do mensalão. Eu não estou defendendo o PT ou o mensalão, somente constatando que dar um salário de R$ 48.000,00 por mês para alguns deputados é muito melhor do que dar 30% sobre obras inúteis e desnecessárias. 
Portanto, a questão não é o mensalão e sim nossos 48 partidos, e esta briga agora é simplesmente briga de comadres antes da eleição municipal, colocando em risco a reputação do Supremo. 
Os militares, diga-se de passagem, foram os únicos que tentaram corrigir este monstruoso erro democrático. 
Por que a Revolução de 1964 não fechou o Congresso, criando um partido único e dando R$ 48.000,00 de salário para os 500 "membros do partido", como na Rússia, China e Cuba? Um mensalão às claras. 
Os militares mantiveram o Congresso porque queriam criar uma democracia de dois partidos somente, um de oposição e um de situação, o MDB e a ARENA. 
Eles queriam que nossos políticos aprendessem a viver num regime democrático onde a oposição jamais aceitaria um mensalão nem uma comissão, porque eles são o partido de oposição, e não um dos 35 partidos aliados. 
Os militares, no início pelo menos, queriam uma democracia funcional, com dois partidos atuantes. 
Um partido conservador, aquele que acredita em pequenas mudanças, mas continuadamente. 
E um partido de esquerda, aquele que quer mudar tudo que está aí, e fazer uma única revolução para depois nada mais mexer. 
O problema de partidos conservadores está na definição de pequenas mudanças, e quão frequentes. Podem ser pequenas demais e muito pouco frequentes. 
Um partido de esquerda em oposição é a melhor forma de manter o partido conservador atuante, com mudanças frequentes o tempo todo. 
E, um partido conservador em oposição é a melhor forma para obrigar uma esquerda a continuar a fazer mudanças depois da "revolução". 
Um partido de oposição é excelente, 34 partidos aliados uma desgraça. Infelizmente, os militares brasileiros foram totalmente boicotados pela ala que queria um único partido, sem oposição. 
Foram estes que deram força aos militares mais radicais e gerou o AI5 e o fim da nossa democracia de 2 partidos, que não conseguimos implantar até hoje. 
Portanto, não é o mensalão o verdadeiro problema. 
O problema são aqueles que querem um partido único neste país, sem Supremo Tribunal, sem liberdade de imprensa. 
E aqueles que querem 35 partidos aliados ao governo, desfrutando benesses sem fazer nada. 
 Os únicos que queriam somente 2 partidos eram uns poucos militares que já morreram, e que todos os nossos intelectuais e membros da velha imprensa querem que sejam esquecidos. Agora você sabe o porquê. Por:Stephen Kanitz