quarta-feira, 29 de agosto de 2012

UMA CARTA, TALVEZ UMA DECISÃO


Recebi ontem uma carta assinada pelo meu amigo, o famoso embora aposentado brasilianista, Richard Moneygrand.

Diz a missiva:

Caro DaMatta,

Aproveito o julgamento do mensalão para manifestar o que penso como estudioso e apaixonado pelo Brasil. Sendo um marginal relativamente ao universo brasileiro, enxergo com mais clareza aquilo que vocês apenas veem. E ver, como dizia o nosso velho professor Talcott Parsons, é ter uma angulação especial.

Daqui do velho Norte, onde tudo se faz ao contrário - estou, imagine, com o meu ar-condicionado ligado ao máximo e não sei se o meu fundo de pensão (estourado na infame bolha financeira descontrolada por Bush e seus asseclas) vai segurar a conta - quero, data vênia, e com o devido respeito, dar minha pobre opinião.

Primeiro, uma consideração sobre a organização do vosso STF. Ele aposenta seus ministros após 70 anos, o que dissocia, de modo negativo, a pessoa do papel numa área onde isso não deveria ocorrer. Numa democracia igualitária cuja tendência é a anarquia organizada, como dizia Clifford Geertz, os juízes são como os antigos sacerdotes: o seu papel de julgadores do mundo não podem ser limitados pelo tempo. Eles têm de ser juízes para a vida e por toda a vida. O papel não pode ser esquecido e deve ser um fiel e simultaneamente uma faca permanente na cabeça de quem o indicou e do comité legislativo que aprovou o seu nome. A vitaliciedade tira do cargo essa bobagem brasileira de uma aposentadoria compulsória aos 70 anos o que, num mundo de idosos capazes faz com que o presidente pense muitas vezes antes de indicar um indivíduo para esse cargo. Aquilo que é vitalício e só pode ser abandonado pela renúncia simboliza justamente a carga do cargo. Tal dimensão - a vitaliciedade - é mais coercitiva do que a filiação a um partido ou a crença numa religião. É exatamente isso que, no caso americano, faz com que ser um membro da Suprema Corte seja algo tão sério ou sagrado, tal como ocorre com o papado ou a realeza.

Vejam como vocês são curiosos. No campo político, os personagens e partidos menos democráticos lutam e tudo fazem para obter a vitaliciedade no cargo - não é isso que está em jogo neste caso? Daí as vossas ditaduras. Mas quando essa vida com e para o cargo é positiva, vocês o limitam. O resultado são juízes cujas decisões podem ser parciais e um tribunal sempre desfalcado, a menos que vocês decidam nomear juvenis para um cargo tão pesado quanto uma vida.

Um outro ponto para o qual desejo chamar atenção, pedindo desculpas se promovo em você alguma antipatia porque, afinal de contas, eu não sou brasileiro e, para vocês, até bater em filho e mulher é coisa que ninguém deve meter a colher - ou seja, só cabe a família; é dizer que, aqui, os julgamentos e os processos criminais começam enormes e acabam pequenos. O que se deseja de um juiz não é uma aula de Direito, mas uma decisão clara, reta e curta. Culpado ou inocente. Se inocente, rua e vida. Se culpado, as penas da lei e cadeia.

Ora, o que vemos neste vosso julgamento é uma novela. Na minha fértil imaginação, desenvolvi uma teoria e passei a entender por que vocês não sabem fazer cinema ou o fazem tão mal ou tão raramente produzem um cinema de primeira qualidade. Desculpe meu intrusivo palpite, mas eu penso que uma justiça democrática é como um filme - depois de hora e meia, a narrativa invariavelmente termina. Mas a justiça nesse vosso país patrimonialista e democrático é como uma novela: o caso demora décadas para entrar em julgamento e, quando entra em cena, sofre um atraso de uma gestação para ser resolvido. Na vossa etiqueta jurídica que, como dizia meus mestres de Direito, reproduz as vossas retóricas sociais, é impossível não ter uma divisão do trabalho barroco com relatores e revisores e, assim com réplicas, tréplicas, e votos repetitivos, como se o mundo tivesse o mesmo tempo de um Fórum Romano da época do nobre imperador Augusto.

Finalmente, e como último ponto, quero dizer algo sobre a opinião pública, claramente desconsiderada como inoportuna por um dos vossos juízes supremos, o dr. Lewandowski. É óbvio que nada, a não ser a consciência e o saber, devem pautar os juízes. Mas ele não julga para marcianos ou para o paraíso. Ele julga para o mundo e, num universo democrático, a opinião pública representa o poder da totalidade. Uma espécie de termômetro de tudo o que passa pela sociedade. Embora essa opinião apareça na mídia, ela é isso mesmo: um meio complexo e difuso, sem dono e com todos os donos, pelo qual os limites e os abusos se exprimem. Como disse, ninguém, muito menos um juiz do Supremo deve ser pautado por ela, mas mesmo assim, ela vai segui-lo, pautá-lo e, se for o caso, dele cobrar o que ela achar que ele deve à sociedade. Caso o sistema tenha como algo democrático. O juiz deve ser soberano, mas a opinião pública também tem sua soberania porque, como ensina o Tocqueville que vocês não leram, numa democracia ela conta muito mais do que nas aristocracias porque ela existe antes da política e vai além dela. Nas democracias, mesmo os que não sabem se igualam aos que sabem; e, pela mesma ousadia, os não ricos se igualam aos ricos e é por causa disso que a igualdade aparece quando ela é desejada. Penso que esse é o caso do Brasil que vocês vivem neste momento.

Porque o que está em julgamento neste mensalão não é apenas um ponto de vista político no sentido trivial da palavra, mas o valor da crença da igualdade perante a lei. O que está em jogo é a questão de fazer política e de exercer o poder com responsabilidade e transparência. No fundo, disputa-se o resgate de fazer política partidária com dignidade.

Receba o meu abraço e boa sorte para o vosso Brasil,

Dick

Por: Roberto DaMatta - O Estado de S.Paulo

terça-feira, 28 de agosto de 2012

USA E AMÉRICA LATINA


Estados Unidos: eleições presidenciais, América Latina e Cuba

O exemplo mais desastroso da aposta obamista em prol dos pseudo “moderados” foi o apoio de Obama ao então presidente Lula, do Brasil, a quem chegou a elogiar como um modelo de aliado confiável.

1. As eleições presidenciais nos Estados Unidos, que se realizarão no próximo 06 de novembro, despertam natural interesse na América Latina e especialmente no Caribe, na ilha-cárcere de Cuba, no que diz respeito à política externa do próximo governo. Pela gravitação natural que os Estados Unidos continuam tendo nas Américas, o futuro político da América Latina em boa medida depende dos resultados das próximas eleições presidenciais norte-americanas.

2. Nesse sentido, o panorama é preocupante. A impressão que se tem da política do presidente Obama para com a América Latina é a de que o governo norte-americano navegou à deriva em todos esses anos, sem rumo definido, sem bússola, se deixando levar às vezes pelas correntes de superfície e, outras vezes, pelas correntes subterrâneas que continuam movendo-se no continente, em um sentido desagregador e esquerdizante.

3. O populismo chavista se expandiu quase sem obstáculos por vários países da região, alentando abertamente o anti-norte-americanismo, e o presidente norte-americano o máximo que fez para se opor diplomaticamente foi adular os mandatários esquerdistas “moderados”, apresentando-os como uma alternativa aos “radicais”. O exemplo mais protuberante e mais desastroso dessa aposta obamista em prol dos “moderados úteis” foi o apoio de Obama ao então presidente Lula, do Brasil, a quem chegou a elogiar em foros continentais como um modelo de mandatário sério e de aliado confiável.

4. Na realidade, o “moderado” presidente Lula não fez outra coisa senão fazer um trabalho de sapa contra os Estados Unidos e desalentar na América Latina as reações que surgiram contra o chavismo e o castrismo. Com isso, com a aprovação de Obama, Lula, assumindo o papel de pseudo “moderado”, dedicou-se a pavimentar o caminho aos “radicais” anti-norte-americanos. Sua sucessora no cargo, a também “moderada” presidente Dilma, no que diz respeito à Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e, mais recentemente, no que há em relação ao Paraguai, não fez senão continuar essa lamentável política externa lulista. O governo Obama, então, simplesmente deixou o campo livre para neo-imperialismos de péssima orientação em política externa, que se delinearam na região.

5. Porém, é preciso dizer que o desastre da política norte-americana para com a América Latina e o Caribe não foi um triste privilégio do governo Obama. A falta de rumos e de visão política dos sucessivos governos norte-americanos com relação à nossa região parece ser crônica, e essa espécie de estrabismo afetou tanto a democratas quanto a republicanos. Por esse motivo, não temos a priori nenhuma ilusão com o que o candidato presidencial republicano possa fazer de positivo com relação à América Latina. É preciso verificar, nas próximas semanas, quais serão as propostas que esse candidato republicano poderá apresentar para a região. Fazemos votos para que essas eventuais propostas sejam sólidas, inteligentes e praticáveis, porém, como foi dito, sem ilusões.

6. Na América Latina existem influentes correntes de centro e de direita partidárias da liberdade, do sistema de propriedade privada e da instituição da família. Essas correntes estão representadas nos mais variados setores da vida de seus respectivos países, sejam políticos, econômicos, educacionais, jornalísticos, institucionais, etc. Nada seria mais fácil para um candidato presidencial norte-americano do que elaborar um plano de ação que tivesse como um objetivo primordial estabelecer pontes culturais e diplomáticas com essas correntes de centro e direita latino-americanas, que são naturais aliadas de correntes similares existentes hoje, com notória pujança, nos Estados Unidos. Por que até o momento praticamente nenhum governo norte-americano adotou medidas tão simples como essas, que redundariam, mesmo que indiretamente, em um freio aos “radicais” castro-chavistas do continente e em uma merecida desmoralização de seus mais eficazes aliados, os “moderados úteis”?

7. Essa omissão governamental norte-americana para com a América Latina constitui um incógnita. E qual é o modesto objetivo, ao levantar esses assuntos, e lançar algumas respeitosas sugestões na linha da aproximação do melhor e mais saudável das forças vivas dos Estados Unidos e América Latina? Nosso modesto objetivo é simplesmente o de contribuir a preparar as condições para que no final se concretize a aspiração de estabelecer essas pontes culturais entre setores de centro e direita dos Estados Unidos e da América Latina, que poderão afastar decisivamente os países da região do prejudicial eixo de gravidade esquerdista que predomina atualmente.

Destaque Internacional - Ano XIV - nº 363 - 27 de agosto de 2012. Editorial interativo. O presente texto pode ser difundido livremente, inclusive sem citar a fonte.

Tradução: Graça Salgueiro

LULA, QUEM DIRIA?


O falastrão que trata a língua portuguesa a pontapés já consegue mentir em inglês

Lula, quem diria?, já consegue mentir em inglês, informou neste domingo The New York Times. Entrevistado pelo jornal americano, o ex-presidente que trata a língua portuguesa a pontapés proclamou a inexistência do “big monthly allowance”. É assim que deverá identificar-se na alfândega, caso resolva baixar em Manhattan, nosso brasileiríssimo mensalão, marca fantasia da imensa roubalheira descoberta em 2005.


O falastrão que não desencarnou da Presidência decerto se acha muito esperto. Na hipótese mais branda, deve achar muito ingênuos os ministros do Supremo Tribunal Federal que desde 2 de agosto perdem tempo com um escândalo que não houve. E também acha que todos os leitores do mundo são perfeitas cavalgaduras. Brasileiros ou gringos, engolem qualquer mágica de picadeiro.

A entrevista deste domingo se junta ao acervo de declarações contraditórias, confusas ou sem pé nem cabeça que, somadas, escancaram um culpado à caça do álibi impossível. O vídeo abaixo, por exemplo, alterna palavrórios despejados pelo então presidente Lula em 12 e 22 de novembro de 2009. Dez dias depois de garantir ─ de novo ─ que a ladroagem apadrinhada pelo Planalto foi “uma tentativa de golpe contra o governo” federal, a metamorfose delirante admitiu ─ mais uma vez ─ que o PT “cometeu um erro”. O mensalão, portanto, existiu mas não existiu. Pode ser isso e pode ser aquilo. Ou pode não ser nada.

Haja cinismo. Por: Augusto Nunes


PAÍS ALGEMADO


Em dias passados, a imprensa noticiou que a senhora presidente estava decidida a imprimir nova orientação ao seu governo no que concerne aos setores rodoviário e ferroviário, com a participação da iniciativa privada, mediante concessão de serviço público e parcerias público-privadas. A notícia pouco esclarece a respeito, mas, ao que parece, o estatismo implantado entre nós sofreria discreta limitação, talvez para sentir as reações, tanto mais quando governos anteriores sofreram objurgatórias por privatizações praticadas.

Confesso que não morro de amores por essa orientação, menos por motivos de ordem doutrinária, do que pelo fato desta modalidade aumentar desmesuradamente a já imensa irresponsabilidade do Poder Executivo, que se desdobra em dezenas, centenas e milhares de postos, cargos e agentes e em outros tantos se esgalharia; mas não é só, esses serviços custam caro e o serviço prestado não é bom; de modo que, salvo em casos em que o interesse é prevalente, em princípio, parece ser preferível deixá-lo fora da máquina estatal, o que não significa permanecer livre de fiscalização pública; se a fiscalização não for capaz de fiscalizar da maneira adequada o serviço concedido ou a parceria público-privada (que até agora não foi dito como), pior seria inserir esse segmento na intocável máquina estatal, quando já se disse que, entre nós, o preço dos serviços é sueco enquanto seus resultados são africanos. Enfim, não me parece razoável se dê o caráter do serviço público ao que não presta serviços bons, onera o erário e ainda desacredita o serviço público necessário.


Diante de tudo isso, e para não dizer que não falei de flores, confesso simpatia pela ideia, aliás, apenas esboçada, pois o que for feito para remover os esqueletos da nossa infraestrutura e substituí-los por coisa que valha, merece estímulo, ainda que desvalioso.Em outras palavras, é imprescindível a extinção desses elefantes brancos soterrados e bem soterrados pela comodidade das omissões, pois se a omissão é o pecado que se faz não fazendo, como disse o Padre Vieira, basta esquecê-las; com o tempo e a repetição tornam-se inamovíveis. Ora, recorrendo ao expediente alvitrado, o governo poderá tirar o Estado do pântano que dificilmente poderia ressecar mesmo que usando os meios orçamentários, considerando de um lado, a possível descontinuidade administrativa, de outro já a excessiva carga tributária, que desaconselha, senão impede seu agravamento.

Com efeito, estou convencido de que não é aceitável deixar problemas dessa dimensão para as calendas gregas, permanecendo o país atolado em tremedais imensos. A propósito tenho diante dos olhos extensa notícia, segundo a qual, para possuir infraestrutura na medida de suas necessidades, teria que investir R$ 2,5 trilhões nos próximos 25 anos, aumentando o nível de investimentos no setor de 2% para 4%. De outro lado, li e vi que rondando o porto de Santos havia 150 navios para embarcar e desembarcar bens vários. A simples espera importa em dano considerável que o país sofre interna e externamente. Dessa forma, não há meio de fazer competitivo o país. Está algemado. É hora de soltá-lo. Por: Paulo Brossard

Fonte: Zero Hora, 27/08/2012

A CHINA NO LIMIAR DE UMA RECESSÃO INDUSTRIAL


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Uma forte recessão vem castigando a Europa e os EUA há anos. Para piorar, tudo indica que a China entrou no radar. O setor industrial chinês, que abrange uma substancial fatia da economia chinesa — uma fatia muito maior do que a de todas as economias desenvolvidas (85% da economia americana, por exemplo, é formada pelo setor de serviços) — vem apresentando inequívocos sinais de estagnação.

Produtos estão se amontoando nos portos. Os estoques não param de crescer. Os consumidores reduziram o apetite. É o que relata o The New York Times.



Após três décadas de crescimento vertiginoso, a China está se deparando com um problema até então inédito em sua recém-enfraquecida economia: um acúmulo imenso de bens não vendidos que está abarrotando lojas, entupindo concessionárias de automóveis e enchendo os depósitos das fábricas.

O excesso de tudo, desde aço e utensílios domésticos até carros e apartamentos, está atrapalhando os esforços da China para sair de uma desaceleração econômica acentuada. Também está produzindo uma série de guerras de preços e tem levado os fabricantes a redobrarem os esforços para exportar o que não conseguem vender no país.

A seriedade do excesso de estoques na China tem sido mascarada cuidadosamente pela manipulação dos dados econômicos por parte do governo chinês — tudo parte de um esforço para estimular a confiança na economia entre os empresários e os investidores.

A principal pesquisa feita por agências não governamentais afirma que os estoques estão crescendo a um ritmo nunca visto desde que a pesquisa passou a ser realizada, em abril de 2004. Esta aceleração no crescimento dos estoques vem ocorrendo desde maio. As vendas estão em queda.

"Por todo o setor manufatureiro que pesquisamos, as pessoas esperavam mais vendas durante o verão (no hemisfério Norte) e elas não aconteceram", disse Anne Stevenson-Yang, diretora de pesquisa da J Capital Research, uma empresa de análise econômica em Hong Kong. Com os estoques extremamente altos e as fábricas agora cortando a produção, ela acrescentou, "as coisas estão meio que parando".

A reação dos fabricantes tem sido racional: cortar preços. Tentar reduzir ao máximo os estoques. Mas isso não está acontecendo a um ritmo rápido o bastante.

Tudo está se estagnando: exportações, importações, emprego, demanda por matérias-primas. Até mesmo o setor imobiliário começou a vivenciar uma queda de preços. 

A China é a segunda maior economia do mundo e tem sido o maior motor de crescimento econômico desde o início da crise financeira global em 2008. A fraqueza econômica significa que a China provavelmente comprará menos bens e serviços do exterior em um momento em que a crise da dívida soberana na Europa já está prejudicando a demanda, aumentando a perspectiva de excedente global de bens, queda de preços e fraca produção por todo o mundo.

O crescimento das exportações chinesas, um esteio da economia nas últimas três décadas, desacelerou até quase parar. As importações também pararam de crescer, em particular para matérias-primas como minério de ferro para a produção de aço, enquanto os industriais perdem a confiança de que conseguirão vender se mantiverem suas fábricas funcionando. Os preços dos imóveis caíram acentuadamente, apesar de haver indícios de que chegaram ao ponto mais baixo em julho, e o dinheiro tem deixado o país por vários canais legais e ilegais.

Algumas empresas estão relatando declínios de 30 a 50% em suas vendas. Isso não é nada insignificante. Várias empresas estão falindo.

Os donos de empresas que produzem ou distribuem produtos tão diversos quanto desumidificadores, tubos plásticos para sistemas de ventilação, painéis solares, roupa de cama e vigas de aço para teto falso, disseram que as vendas caíram ao longo do último ano e exibem pouco sinal de recuperação, enquanto os bens não vendidos acumulam.

"As vendas caíram 50% em relação ao ano passado e o estoque está elevado", disse To Liangjian, proprietário de uma empresa atacadista que distribui molduras de foto e xícaras.

Alguns empreendedores parecem não entender a mensagem. Um gerente de uma empresa atacadista de pias e torneiras disse que suas vendas caíram 30% no ano passado e que tem acumulado mercadoria excedente, mas seu fornecedor continua produzindo em ritmo acelerado e aumentando seus estoques. "O estoque do meu fornecedor é imenso porque ele não pode reduzir a produção — ele não quer perder vendas quando a demanda voltar". Este fornecedor está brincando com a sorte. A menos que a economia se recupere rapidamente, ele vai ficar sem dinheiro.

Os estoques de automóveis não vendidos estão inchando nas concessionárias por todo o país. Problemas de qualidade estão surgindo. E os problemas da indústria chinesa mostram todos os sinais de estarem piorando, não melhorando. Foram abertas tantas fábricas de automóveis na China nos últimos dois anos que o setor está operando a apenas cerca de 65% de sua capacidade — bem abaixo dos 80% geralmente necessários para lucratividade.

Mas tantas novas fábricas estão sendo construídas que, segundo a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma chinesa, a capacidade manufatureira do setor automotivo do país está a caminho de voltar novamente a crescer, nos próximos três anos, em uma quantidade igual a todas as fábricas de automóveis do Japão, ou quase todas as fábricas de automóveis nos Estados Unidos.

Os níveis dos estoques estão subindo rapidamente.

Os fabricantes, em grande medida, têm se recusado a reduzir a produção e estão pressionando as concessionárias a aceitarem a entrega de automóveis segundo seus acordos de franquia, apesar de muitas concessionárias estarem com dificuldades para encontrar lugares para estacioná-los em seus pátios abarrotados ou para encontrar formas de financiar seus estoques crescentes.

Qual foi a reação do governo? Suspender a divulgação de dados sobre a queda no licenciamento de automóveis.

Minha avaliação: os exportadores chineses começarão a reduzir seus preços para aliviar seus estoques. Tal prática irá se tornar cada vez mais agressiva. Países que têm livre comércio com a China podem se beneficiar disso em termos de inflação de preços. Itens fabricados na China, como vestuário, podem ficar mais baratos. As indústrias destes países terão ainda mais dificuldades para concorrer com a China. Mas o setor varejista irá se beneficiar. Os consumidores irão se beneficiar. Este fenômeno chinês irá ajudar a manter os índices de inflação de preços mundiais marginalmente menores do que seriam em outros contextos.

A recessão global tende a piorar nos próximos meses. A concorrência de preços praticada pela China irá ajudar os consumidores a navegar por essa recessão. Mas essa concorrência irá afetar uma pequena parcela do setor industrial da maioria dos países ocidentais. Os efeitos sobre a maioria dos trabalhadores do setor industrial será periférico.

Aqueles investidores mais prescientes que ficaram vendidos na China irão ganhar muito dinheiro.

Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. 

QUEM DEVE ARCAR COM OS CUSTOS DA CRISE?


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Nos últimos meses, à medida que foi se tornando mais evidente que a crise empobreceu a todos, especialmente na Europa, os agentes econômicos começaram a adotar a inteligente estratégia de tentar colocar o ônus de suas irreparáveis perdas sobre os ombros de seus conterrâneos: os trabalhadores não querem ter seus salários reduzidos, os maus empresários se negam a liquidar suas empresas insolventes, os investidores não aceitam perder o capital que empregaram de forma economicamente insustentável, os recebedores de subsídios e de auxílios estatais se opõem a tê-los cortados etc. Em suma, ninguém quer ver sua qualidade de vida ser solapada, e todos optam por transferir os custos da crise para o resto de seus concidadãos.

Com o intuito de justificar este comportamento egoísta, muitas pessoas estão recorrendo a um argumento aparentemente plausível: "Eu não sou o culpado pela crise. Portanto, não tenho por que pagar por ela." Ou, dito de outro modo, aqueles que são os reais culpados pela crise é que deveriam arcar com a totalidade — ou, ao menos, com a maior parte — de seus custos. Quem poderia se opor a este argumento? Será que pode haver alguém tão desalmado ao ponto de defender que os culpados pela crise não têm de pagar nada por ela?

E, como é óbvio, a partir deste ponto surgem as mais variadas explicações sobre quem são os culpados (que fique claro que não estamos falando de uma culpabilidade penal, mas sim de uma meramente econômica). Cada um, segundo sua cartilha e sua agenda ideológica, tenta puxar a brasa para a sua sardinha com o intuito de defender uma determinada linha de atuação política. Por exemplo, é comum ouvir que a crise foi causada pelos ricos e não pelos pobres; pelos capitalistas, e não pelos trabalhadores; pelos banqueiros, e não pelos devedores; pelos maus políticos, e não pelos bons; pela dívida privada, e não pela pública; pelo gasto privado, e não pelo público; ou pelas políticas 'neoliberais', e não pelas socialistas. Assim, chega-se à inevitável conclusão de que nem os pobres, nem os trabalhadores, nem os devedores, nem os 'bons' políticos e nem o setor público devem sofrer questionamento algum, e que a fatura deve ser paga unicamente pelos responsáveis pelo desastre — a saber, os ricos, os capitalistas, os banqueiros, os maus políticos e as empresas.

Mas, afinal, seriam estes realmente os culpados? Seria possível, dentre todos os que contribuíram para causar a crise, fazer uma separação clara entre os genuinamente inocentes e os que merecem receber objetivamente uma reprovação moral? 

Por exemplo: o empresário da construção civil que se endividou para construir mais moradias porque pensava que os preços ainda subiriam por um bom tempo, ou o gerente de banco que jamais previu o estouro da bolha e decidiu continuar ofertando hipotecas baratas — eles são culpados? Se sim, seriam também culpados os trabalhadores mais pobres que, levados pela crença de que os juros permaneceriam baixos e que jamais perderiam seu emprego, se endividaram sobremaneira tomando empréstimos para a aquisição de imóveis? Seria também culpado aquele aposentado que avalizou a hipoteca do seu neto ou que manteve seu dinheiro depositado em um sistema bancário que, como o espanhol e o americano, estava realizando empréstimos ruins de maneira generalizada? Seria também culpado o autônomo não endividado cujos lucros dependiam da renda artificial gerada pelo processo de endividamento geral e que, com a recessão, descobriu-se sem um mercado consumidor para o qual vender seus bens e serviços?

Uma resposta muito comum afirma que, embora todos estes tenham contribuído para causar a crise, não se pode reprovar moralmente a todos da mesma maneira. Afinal, do empresário e do gerente de banco são exigidos determinados conhecimentos específicos e uma determinada formação acadêmica que não necessariamente devem ser exigidos nem do trabalhador mais pobre, nem do aposentado e nem do autônomo. No entanto, faz realmente algum sentido exigir de um empresário ou de um gerente de banco alguns conhecimentos muito avançados sobre questões de macroeconomia e de conjuntura econômica em torno das quais nem sequer existe consenso entre os melhores economistas do planeta, e cujo conteúdo está em constante evolução? Ambos são homens práticos certamente afastados do mundo acadêmico, sem conhecimentos teóricos profundos. Ou, fazendo-se uma abordagem por outro prisma, não seria mais justo e coerente partir do outro extremo e argumentar que todos os cidadãos deveriam ter algumas noções mínimas de finanças, as quais lhes permitiriam não cair na tentação do endividamento barato ou dos investimentos insensatos?

A questão não é dizer que não podemos ter uma opinião formada e justificada sobre quem deve ser culpado pela irrupção desta ou de qualquer outra crise (eu tenho a minha: os culpados são os bancos centrais monopolistas e suas expansões monetárias, que aditivam a expansão do crédito bancário). A questão é que não é possível separar com objetividade quem, de um lado, contribuiu de alguma maneira para causar a crise e quem, de outro, teve um comportamento moralmente reprovável.

A virtude de um mercado desimpedido livre de interferências políticas é que ele faz com que a maior parte dos prejuízos provocados por uma crise recaiam justamente sobre aqueles que mais contribuíram para gerá-la, independentemente de qualquer crença quanto à necessidade de uma reprovação moral por sua atuação. Os bancos de reservas fracionárias que inflam bolhas vão à falência e não são socorridos, de modo que seus acionistas, credores e trabalhadores perdem todo ou grande parte do capital (mal) investido; aqueles que sehipotecam demasiadamente perdem seu imóvel; os trabalhadores que se especializam em atividadesespecificamente criadas pela bolha veem cair seu valor de mercado assim que a bolha estoura; os empresários que investiram excessivamente em setores dependentes da contínua expansão do crédito vão à falência e perdem todo o seu capital. Etc.

Aqueles que realmente querem que apenas os causadores da crise paguem por ela têm, necessariamente, de defender um mercado livre e desregulamentado, pois somente este arranjo faz com que os prejuízos recaiam exclusivamente sobre aqueles que investiram de maneira insensata e sobre aqueles que participaram lucrativamente deste arranjo artificial. Adicionalmente, somente um mercado genuinamente livre de interferências políticas faz com que preços e custos se ajustem prontamente à nova realidade, sem que o estado se ocupe de socorrer os falidos e de manipular as regras do jogo.

No entanto, justamente quando se diz que nem todos que contribuíram para a crise devem pagar por ela, mas sim apenas aqueles a quem cabe uma reprovação moral ("os culpados"), é que se abre uma porta para que políticos intervenham e redistribuam a renda dos cidadãos de acordo com critérios arbitrários e segundo os desejos de grupos de interesse que levaram estes políticos ao poder. Quando se aceita esta prerrogativa, pavimenta-se o caminho para que demagogos se aproveitem da situação e elaborem suas narrativas pessoais (e autoindulgentes, é claro) sobre a crise com o objetivo de transpor os custos sobre aqueles de quem mais têm raiva — sem que estes sequer tenham contribuído minimamente para a geração da crise (por exemplo, quando propõem elevar os impostos sobre empresas e trabalhadores que investiram sensatamente sua poupança e, como consequência, viram crescer ininterruptamente seus lucros antes e depois da crise).

Não obstante, a realidade é que esta tentação populista é incapaz de alcançar seus objetivos, pois, na maioria dos casos, é impossível fazer com que apenas os culpados paguem pela destruição gerada pela crise. Peguemos um exemplo extremo de uma culpabilidade indiscutível: um roubo. Imagine que um ladrão, sem propriedades e sem herdeiros, rouba a carteira de um cidadão, queima as cédulas de dinheiro que estavam dentro dela e, logo em seguida, se suicida. Seria possível ele ressarcir sua vítima? Não. Neste caso, não restaria à vítima nenhuma outra opção senão arcar com o prejuízo, embora ela não tenha tido absolutamente nenhuma culpa na situação.

Raciocínio similar pode ser feito em relação aos banqueiros que fizeram investimentos insensatos, às pessoas que não possuíam conhecimentos financeiros e que contraíram excessivas dívidas hipotecárias, ou aos trabalhadores que estavam empregados naqueles setores cuja existência dependia da continuidade da expansão do crédito barato. Talvez não possamos classificá-los como culpados (embora tal proposição seja discutível), mas seria ilusório crer que poderiam sair ilesos: os investimentos insensatos simplesmente se evaporaram e os bancos não têm como renová-los ou substituí-los (por isso muitos estão quebrados); a dívida hipotecária não irá desaparecer simplesmente porque alguns consideram injusto o devedor ter de pagá-la (e, se as dívidas não forem quitadas, quem irá sofrer serão as pessoas desavisadas que colocaram seu dinheiro no banco); e os desempregados provavelmente não encontrarão emprego a menos que rebaixem suas expectativas salariais ou gastem dinheiro do próprio bolso para aprender alguma especialização técnica demandada por empresários.

Quando se diz que nenhuma destas pessoas inocentes deveria pagar pelos custos da crise, imediatamente se está sugerindo que são os políticos que devem decidir quem são os culpados. E se aqueles que forem subjetivamente declarados culpados não puderem reparar os danos causados, então simplesmente será proposto algum tipo de redistribuição de renda à custa dos pagadores de impostos: um pacote de socorro para pequenos investidores, um perdão da dívida para os hipotecados ou um conjunto de empregos públicos para os desempregados. Idealmente, e para tornar mais digerível tal política, os pagadores de impostos penalizados pertencerão à mesma categoria ou classe social dos culpados: assim se chega à conclusão de que se alguns empresários (ou alguns ricos, ou alguns banqueiros) são culpados, então todos os empresários terão de arcar com os custos — por terem tido algo a ver com a geração da crise — e, consequentemente, terão de pagar mais impostos.

No final, portanto, partindo-se da premissa de que somente os culpados deveriam pagar pela crise, chegamos ao resultado final de que pessoas que não tiveram a mais remota ligação com a crise terão de pagar boa parte da conta, sem que tal punição em absolutamente nada contribua para a resolução da mesma. Afinal, por mais que alguns queiram ocultar, uma crise não é a materialização econômica do Juízo Final, mas sim um período durante o qual toda a estrutura de produção da economia, a qual foi desajustada por seguidos erros de investimentos causados pela expansão artificial do crédito, tem de se reajustar a níveis sustentáveis e racionais para voltar a gerar riqueza. 

Durante este processo de reestruturação, é inevitável que o mercado atribua prejuízos àqueles indivíduos que tomaram decisões ruins durante os anos da expansão econômica artificial. O errado seria justamente querer alterar caprichosamente estas atribuições de prejuízos e passar a redistribuí-las segundo caprichos e desejos subjetivos — seja socorrendo bancos falidos ou incorrendo em maciças obras públicas para dar emprego aos desempregados. Neste caso, muito provavelmente serão penalizados os justos e absolvidos os transgressores, o que fará apenas com que a superação da crise seja postergada.

Muito além de meros ilícitos penais, a interação social não manipulada pelo estado é quem deve determinar quem deve absorver os prejuízos da crise. Não se deve dar ao governo instrumentos para impor nossas tendenciosas e subjetivas percepções de culpabilidade sobre terceiros. Tal pretensão seria simplesmente um subterfúgio para se planejar de maneira centralizada a (não-)recuperação da economia: um propósito que, como todas as formas de socialismo, não apenas está destinado a fracassar sempre, como também a degenerar em fortes e perigosas inquietações sociais, dado que algumas pessoas irão jogar seus prejuízos sobre todas as demais.


Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.

CRISE NA EDUCAÇÃO AUMENTA DESIGUALDADES


Por que, afinal, sendo a sexta maior economia do mundo, o Brasil está em 88º lugar em termos de escolaridade e índice de desenvolvimento humano? A resposta mais simples: educação. 

E na educação está faltando quase tudo, em muitos casos. A começar pela falta de vontade politica dos governantes para melhorar as condições de ensino.

Debates equivocados, muitas vezes com viés ideológico, prejudicam avaliações sobre a crise da educação no Brasil. Por exemplo, a informação de que o Brasil investe pouco em educação. Pois a China, que continua a executar um plano revolucionário e inovador na área educacional, aplica 3,5% do PIB, contra 5% no Brasil. E tem deputado demagogo que propõe passar para 10%.

O problema é de gestão. Aqui, gasta-se mal, não há avaliação criteriosa sobre os investimentos, o mérito é substituído pelas cotas, o partidarismo atropelou a indispensável isenção. No geral, por aqui, os professores em sala de aula tem menos incentivos salariais e funcionais do que os desviados para funções administrativas.

Há o dilema cultural. Pais de alunos que protegem cegamente os filhos indisciplinados e violentos agindo contra seus professores estão deseducando as novas gerações e desestimulando o magistério. Participação de pais e responsáveis em atividades escolares conta-se nos dedos. São positivas nas comunidades de descendência alemã ou com famílias bem estruturadas. Núcleos familiares dilacerados, vivendo em condições desumanas, definitivamente não tem pais ligados na educação dos filhos. E há muitos, em boa posição econômica, que simplesmente transferem a responsabilidade da educação para a escola, como se eles não tivessem o dever da formação dentro de casa.

Dados

As disparidades sociais pesam ainda mais. A tese da cientista politica Maria Tereza Sadeck, exposta no Encontro Estadual do Ministério Público, é elucidadora. Temos no Brasil “desigualdades cumulativas”. Faltando educação básica, na prática, está toda a cidadania comprometida. Por isso, no ensino fundamental, apenas 3% são tidos como plenamente alfabetizados, na faixa média 15% e na educação superior, 62%. É gigantesca a massa que se declara alfabetizada, mas não compreende o que lê.

No pragmatismo capitalista da China, o ensino primário tem um currículo martelando Chinês, Matemática, Ciências, Inglês, Educação Moral, Música e Educação Física. Em muitas escolas públicas por aqui estão ensinando abobrinhas, disciplinas fora da realidade, que provocam desinteresse acadêmico e não educam.

Salário é importante, sim senhor! Mas não é tudo. Há outras formas de incentivar os professores, com reconhecimento, premiações comunitárias e oficiais de desempenho que oxigenariam o magistério.

“A educação precisa de respostas”, proclama a nova campanha do grupo RBS. Debater, analisar e oferecer soluções já é um bom começo. Por: Moacir Pereira

A DESMORALIZAÇÃO DA POLÍTICA

Perdeu sentido, virou reduto de dançarinos.Tem para todos os gostos, até para os que adornam a cabeça com guardanapo


A luta pela democracia marcou o século XX brasileiro. Somente em oito dos cem anos é que não ocorreu nenhum tipo de eleição, de voto popular, para escolher seus representantes. Foi durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945). No regime militar as eleições tiveram relativa regularidade, mas sem a possibilidade de o eleitor escolher o presidente da República e, a partir de 1965, dos governadores e dos prefeitos das capitais e das cidades consideradas de segurança nacional. Nas duas décadas do regime militar (1964-1985), a luta em defesa da eleição direta para o Executivo e da liberdade partidária foram importantes instrumentos de mobilização popular.

Com o estabelecimento pleno das liberdades democráticas, após a promulgação da Constituição de 1988, as eleições passaram a ter uma regularidade de dois anos, entre as eleições municipais e as gerais. Deveria ser uma excelente possibilidade para aprofundar o interesse dos cidadãos pela política, melhorar a qualidade do debate e e abrir caminho para uma gestão mais eficaz nas três esferas do Executivo e, no caso do Legislativo, para uma contínua seleção dos representantes populares.

Para um país que sempre teve um Estado forte e uma sociedade civil muito frágil, a periodicidade das eleições poderia ter aberto o caminho para a formação de uma consciência cidadã, que romperia com este verdadeiro carma nacional marcado pelo autoritarismo, algumas vezes visto até como elemento renovador, reformista, frente à ausência de efetiva participação popular.

Desde 1988, está será a décima terceira eleição consecutiva. Portanto, a cada dois anos temos, entre a escolha dos candidatos e a eleição, cerca de seis meses de campanha. Neste período o noticiário é ocupado pelas articulações políticas, designações de candidatos, alianças partidárias, debates e o horário gratuito de propaganda política. Cartazes são espalhados pelas cidades, carros de som divulgam os candidatos (com os indefectíveis jingles) e é construída uma aparência de participação e interesse populares.

Porém, é inegável que a sucessão das eleições tem levado ao desinteresse e apatia dos cidadãos. A escolha bienal de representantes populares tem se transformado em uma obrigação pesada, desagradável e incômoda. Tudo porque o eleitor está com enfado de um processo postiço, de falsa participação. A legislação partidária permite a criação de dezenas de partidos sem que tenham um efetivo enraizamento na sociedade; são agrupamentos para ganhar dinheiro, vendendo apoio a cada eleição. A ausência de um debate ideológico transformou os partidos e os candidatos em uma coisa só. O excesso de postulantes aos cargos não permite uma efetiva comparação. Há uma banalização do discurso. E o sistema de voto proporcional acaba permitindo o aparecimento dos “candidatos cacarecos”, que empobrecem ainda mais as eleições.

A resposta do eleitor é a completa apatia, com certo grau de morbidez. Vota porque tem de votar. Escolhe o prefeito, como agora, pela simpatia pessoal ou por algo mais prosaico; para vereador, vota em qualquer um, afinal, pensa, todos são iguais e a Câmara Municipal não serve para nada. O mesmo raciocínio é extensivo à esfera estadual e nacional. No fundo, para boa parte dos eleitores, as eleições incomodam, mudam a rotina da televisão, poluem visualmente a cidade com os cartazes e ainda tem de ir votar em um domingo.

Para o político tradicional, este é o melhor dos mundos. Descobriu que a política pode ser uma profissão. E muito rendosa. Repete slogans mecanicamente, pouco sabe dos problemas da sua cidade, estado ou do Brasil, a não ser as frases feitas que são repetidas a cada dois anos. O marqueteiro posa de gênio, de especialista de como ganhar (e lucrar) sem fazer muita força. Hoje é o maior defensor das eleições bienais. Afinal, tem muitos funcionários, tem de pagar os fornecedores, etc, etc. Para ele, a democracia acabou virando um tremendo negócio. E é um devoto entusiástico dos gregos, pois se não fosse eles e sua invenção....

Não é acidental, com a desmoralização da política, que estejamos cercados por medíocres, corruptos e farsantes. O espaço da política virou território perigoso. Perigoso para aqueles que desejam utilizá-lo para discutir os problemas e soluções que infernizam a vida do cidadão.

O político de êxito virou um ator (meio canastrão, é verdade). Representa o papel orquestrado pelo marqueteiro (sempre pautado pelas pesquisas qualitativas). Não pensa, não reflete. Repete mecanicamente o que é ditado pelos seus assessores. Está preocupado com a aparência, com o corte de cabelo, com as roupas e o gestual. Nada nele é verdadeiro. Tudo é produto de uma construção. Ele não é mais ele. Ele é outro. É a persona construída para ganhar a eleição. No limite, nem ele sabe mais quem ele é. Passa a acreditar no que diz, mesmo sabendo que tudo aquilo não passa de um discurso vazio, falso. Fica tão encantado com o personagem que esquece quem ele é (ou era, melhor dizendo).

Difícil crer que toda a heroica luta pelo estabelecimento da democracia, do regime das plenas liberdades, fosse redundar neste beco sem saída. Um bom desafio para os pesquisadores seria o de buscar as explicações que levaram a este cenário desolador, em que os derrotados da velha ordem ditatorial se transformaram em vencedores na nova ordem democrática. Enfim, a política perdeu sentido. Virou até reduto de dançarinos. Tem para todos os gostos, até para os que adornam a cabeça com guardanapo.

Marco Antonio Villa é historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

SORRIA! VOCÊ ESTÁ SENDO RASTREADO


Informações de 500 milhões de consumidores são cruzadas para traçar um perfil detalhado. E quase ninguém sabe disso


Natasha Singer, The New York Times

Ela sabe quem você é. Sabe onde você mora e sabe o que você faz.

Vasculha a vida mais do que o próprio FBI ou o IRS (Serviço da Receita dos EUA), ou do que o apurado olhar digital do Facebook e do Google. É muito provável que ela saiba coisas sobre você como idade, raça, sexo, peso, altura, estado civil, escolaridade, tendência política, hábitos de consumo, preocupações com a saúde da família, sonhos para férias – e assim por diante.

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Neste momento, em Conway, cidade do Estado de Arkansas, sudeste do país, mais de 23 mil servidores capturam, comparam e analisam dados de consumidores para uma empresa de alta tecnologia que, ao contrário dos grandes nomes do Vale do Silício, raramente aparece nas manchetes.

É a Acxiom Corporation, o discreto gigante de uma indústria multibilionária conhecida como marketing de bancos de dados.

Poucos consumidores ouviram falar da Acxiom, que também atua no Brasil (mais informações na página ao lado), onde tem um registro de 175 milhões de pessoas. Analistas afirmam que ela tem o maior banco de dados de consumidores de todo o mundo – e que quer conhecer muito mais. Seus servidores processam mais de 50 trilhões de “transações” de dados por ano.

Segundo executivos da empresa, o banco de dados contém informações de 500 milhões de consumidores ativos em todo o mundo, com cerca de 1.500 categorias de dados por pessoa.

Esta coleta e análise de dados em grande escala – baseada em informações disponíveis em registros públicos, pesquisas com consumidores e outros meios – são perfeitamente legais. Entre os clientes da Acxiom estão grandes bancos, montadoras, lojas de departamentos – e todas as companhias importantes que procuram conhecer os clientes.

Para a Acxiom, o modelo é lucrativo. Entretanto, os lucros carregam um custo para os consumidores. Autoridades do governo dos EUA afirmam que a legislação atual talvez não esteja preparada para lidar com a rápida expansão de um setor em que as empresas muitas vezes coletam e vendem informações financeiras e de saúde que em geral são sigilosas.

É como se o minério de nossas vidas digitais fosse escavado, refinado e vendido para quem oferece o maior lance, em geral sem o nosso conhecimento – por empresas cuja existência a maioria das pessoas desconhece.
Julie Brill, da Comissão Federal de Comércio dos EUA, diz que gostaria que as empresas informassem às pessoas os dados que coletam, como os coletam, com quem elas os compartilham e como são utilizados. “Se a pessoa é listada como diabética ou grávida, o que acontece com esta informação? Para onde ela vai?”, questiona. “Nós, enquanto sociedade, precisamos definir as regras”.
PRIVACIDADE


Em folhetos, a Acxiom se promove como “líder global de ideias inovadoras para tratar do problema da privacidade dos consumidores e conquistar a confiança do público”. Mas especialistas em segurança e entidades de defesa do consumidor ouvidos pela reportagem a retratam como uma companhia que privilegia interesses de clientes sobre os dos consumidores.

Os folhetos da Acxiom, por exemplo, anunciam um sistema especial de segurança para que os dados enviados por clientes sejam codificados. No entanto, especialistas em segurança que examinaram o site da Acxiom para o New York Timesdescobriram descuidos fundamentais no formulário usado por consumidores que buscam acesso aos seus próprios perfis. (A Acxiom afirma que corrigiu a falha.)

Em uma economia digital em crescimento, a Acxiom tem técnicas avançadas para garimpar e refinar dados. Ela contratou talentos da Microsoft, Google, Amazon e MySpace e usa uma poderosa estratégia multiplataforma para prever o comportamento do consumidor.

Evidentemente, muitos anúncios já são personalizados, baseado nas atividades dos usuários. Basta pensar nos “cookies”, pedaços do código de computador, inseridos nos browsers para acompanhar a navegação. Mas, segundo analistas, a Acxiom funde o que sabe sobre o nosso comportamento offline, online e no celular, criando retratos detalhados. Seus executivos chamam essa estratégia de uma “visão de 360 graus” dos consumidores.

“A vantagem é que ela tem um banco de informações offline coletado por 40 anos, o que pode ampliar sua capacidade no mundo digital”, diz Mark Zgutowicz, analista do banco de investimentos Piper Jaffray.
Defensores da privacidade temem que as técnicas levem a uma nova era da divisão dos consumidores de acordo com um perfil. Jeffrey Chester, diretor executivo do Centro para a Democracia Digital, uma organização sem fins lucrativos de Washington, afirma: “É o Big Brother do Arkansas”.

RASTREAMENTO

Scott Hughes, dono de uma pequena empresa que tem uma conta no Facebook, é o consumidor ideal da Acxiom. Na realidade, foi criado por ela. Hughes é um personagem fictício usado como exemplo em uma apresentação da Acxiom para investidores em 2010. Comprador frequente, ele foi elaborado para mostrar o poder da estratégia multiplataforma.

Na apresentação, ele entra no Facebook e vê que sua amiga Ella acabou de se tornar fã da Bryce Computers, uma loja de eletrônicos imaginária e cliente da Acxiom. O post de Ella sugere a Hughes que entre na fan page da Bryce Computers e dê uma olhada em uma impressora.

A navegação parece inofensiva. Mas ela aciona um sistema que reconhece os consumidores, lembra do seu comportamento de compra, os classifica e cria um anúncio sob medida.

Quando Hughes clica em um link para a loja online da Bryce, por exemplo, o sistema o reconhece por sua atividade no Facebook e mostra-lhe uma impressora do seu interesse. Ele se registra no site, mas não compra o produto na hora, então o sistema o segue online. E, vejam só, na manhã seguinte, enquanto vê as notícias de beisebol na ESPN.com, o anúncio da impressora aparece novamente.

À noite, ele volta ao site da Bryce onde, afirma a apresentação, “é reconhecido instantaneamente”. Então o site faz uma oferta mais atraente: um desconto de US$ 10 e frete gratuito.

Não é uma oferta aleatória. A Acxiom tem um sistema de classificação, o PersonicX, que define os consumidores em uma das 70 categorias socioeconômicas e faz a oferta de acordo com ela.

A ferramenta classifica Hughes numa categoria de pessoas de classe média alta que usam serviços bancários pela internet, assistem à programação esportiva, dão atenção ao preço dos produtos – e respondem às ofertas de frete gratuito.

Corretamente catalogado, Hughes compra a impressora.

O sistema não para aí. Depois, ele envia descontos para cartuchos de tinta e papel, e sugere que ele doe a impressora antiga a uma escola próxima.

SOFISTICAÇÃO

Analistas dizem que as empresas fazem isso para que os consumidores informem espontaneamente outros dados pessoais – nomes, endereços de e-mail e número de celular. Assim, anúncios personalizados podem ser oferecidos a qualquer momento, em todo lugar.

No entanto, existe uma tênue diferença entre personalização e perseguição. Embora muitas pessoas gostem de ofertas sob medida, outras estão convencidas de que elas ocultam uma vigilância abusiva e até manipuladora.
“Olhando friamente, perceberemos que o objetivo é enganar o consumidor”, diz Dave Frankland, diretor de pesquisa de informações da empresa Forrester Research. “Por outro lado, seu negócio é entregar os anúncios para as pessoas certas”.

Décadas antes da internet que existe hoje, um empresário chamado Charles Ward plantou as sementes da Acxiom. Em 1969, Ward fundou em Conway a empresa de processamento de dados Demographics Inc., em parte para ajudar o Partido Democrata a conquistar eleitores. Na época, a Demographics e o seu solitário computador usavam catálogos telefônicos públicos para elaborar listas de mala direta para campanhas.
Hoje, a Acxiom tem em seu banco de dados cerca de 190 milhões de indivíduos e 126 milhões de domicílios apenas nos Estados Unidos. Além disso, ela trabalha com 47 das 100 maiores empresas do país listadas pela revista Fortune, em alguns casos, administrando os bancos de dados dos consumidores. E também trabalhou com o governo dos EUA depois dos ataques terroristas de 11 de setembro, fornecendo informações sobre 11 dos 19 sequestradores.

Para ampliar seus serviços, ela intensificou as contratações recentemente. Em julho, nomeou para o cargo de CEO Scott E. Howe, ex-vice-presidente corporativo do grupo de publicidade da Microsoft. E contratou Phil Mui, ex-gerente de produtos do Google Analytics, para o cargo de diretor de produtos e engenharia.
Em entrevistas, Howe definiu a Acxiom como uma “refinaria de dados” do novo milênio. A descrição posiciona a Acxiom mais como uma prestadora de serviços analíticos de altíssima velocidade, capaz de competir com Facebook e Google, em vez de um espião dos consumidores.

No entanto, quanto mais as empresas do setor garimpam dados pessoais, mais se tornam alvos de hackers – e das entidades de defesa do consumidor.

Este ano, a revista Advertising Age classificou a Epsilon, outra empresa de marketing de dados, como a maior agência de publicidade dos EUA, e a Acxiom em segundo. A Epsilon ficou relativamente conhecida no ano passado depois de uma grave falha de segurança que expôs endereços de e-mail de milhões de clientes de empresas como Citibank, JP Morgan Chase, Target, Walgreens e outros. Em 2003, também a Acxiom teve problemas de segurança.

Apesar disso, aqueles que defendem a privacidade dizem que estão mais preocupados com os sistemas de classificação, que dividem as pessoas entre aquelas que têm grande valor (e que recebem promoções e descontos melhores), e as que têm baixo valor.

Ser excluído de uma promoção para um pacote de férias não é tanto o problema, segundo Pam Dixon, diretora executiva do World Privacy Forum, uma organização sem fins lucrativos de San Diego, na Califórnia. Mas se os algoritmos julgarem que não vale a pena enviar a certas pessoas, por exemplo, ofertas de cursos universitários ou serviços de saúde, o resultado pode ser negativo. “Com o tempo, há uma porção de oportunidades que não serão vistas”, diz Dixon.

LEGISLAÇÃO

Até agora, as empresas operavam sem o público saber. Ao contrário de agências que coletam e vendem informações financeiras sigilosas sobre a capacidade de crédito de determinadas pessoas ou para fins de emprego, empresas como a Acxiom não são obrigadas por lei a mostrar aos consumidores o que sabem sobre eles, para que possam corrigir eventuais erros.

É possível que a situação mude. Este ano a Comissão Federal de Comércio dos EUA divulgou um documento pedindo mais transparência das empresas e solicitando ao Congresso do país que conceda aos consumidores o direito de acesso às informações a seu respeito.

O “Catálogo de Produtos de Dados sobre Consumidores” da Acxiom oferece centenas de detalhes de indivíduos ou domicílios. As empresas podem comprar dados precisos das residências em que as pessoas estão preocupadas, por exemplo, com alergias, diabetes ou “necessidades da terceira idade”. Além disso, estão à venda dados de financiamento de imóveis e renda.

Em geral, clientes compram os dados para preservar seus melhores consumidores ou encontrar clientes em potencial – ou ambas as coisas.

Mas o catálogo oferece informações que assustam os que defendem a privacidade, preocupados com o risco de mau uso delas. Elas incluem interesses de pessoas – obtidos, diz o catálogo, “de compras e de pesquisas respondidas por elas” – como “famílias cristãs”, “dietas/emagrecimento”, “jogos de cassino”, “aumente sua renda” e “fumo/tabaco”. A Acxiom vende também dados de raça, etnia e país de origem.

Por e-mail, a diretora de privacidade da Acxiom, Jennifer Barrett Glasgow, diz que os dados de raça e etnia são usados para “aprofundar o conhecimento destas comunidades para fins de marketing”.

Joel R. Reidenberg, especialista em privacidade e professor da Fordham Law School, afirma que isso é preocupante porque a classificação por raça pode ser incorreta e uma pessoa pode não querer ser visada por este tipo de marketing.

DIREITOS

A Acxiom tem um formulário online de solicitação de dados, anunciado como uma maneira fácil de os consumidores acessarem as informações coletadas. Entretanto, o processo não é tão fácil assim.

No início de maio, a repórter do New York Times decidiu solicitar seus dados à Acxiom, como qualquer consumidor deveria poder. Mas antes, pediu ajuda a um especialista em segurança do jornal. Ele examinou o site e observou que o formulário não utilizava um protocolo criptografado padrão – chamado https – usado no comércio eletrônico. Ao testá-lo usando um software que captura dados enviados pela internet, ele viu que o número de identidade não foi criptografado. A repórter foi aconselhada a não solicitar o seu arquivo, por causa do risco.

Ashkan Soltani, um pesquisador independente da área de segurança e ex-especialista em proteção de identidade da Comissão Federal do Comércio, também examinou o site da Acxiom e chegou à mesma conclusão.

Jennifer Barrett Glasgow, da Acxiom, diz que o site sempre usou o https, mas no dia seu sistema de segurança detectou um “link defeituoso”. Desde então, a falha foi consertada.

No dia 25 de maio, a repórter fez a solicitação online à Acxiom e incluiu um cheque de US$ 5 enviado por Correio, exigido para cobrir os custos. A resposta só chegou no fim de julho, depois que esta reportagem foi publicada, com uma lista de endereços em que ela morou nos últimos anos. Os dados detalhados – informações financeiras, histórico de compras, viagens, saúde, hábitos de lazer – não são revelados.

“Nós não temos a capacidade de encontrar dados de uma pessoa específica”, diz Barrett Glasgow. “Não há uma ferramenta para buscar pelo nome”.

A Comissão de Comércio dos EUA não quis comentar os procedimentos. Mas Jon Leibowitz, presidente da comissão, afirma que os consumidores deveriam ter o direito de ver e corrigir detalhes a seu respeito coletados e vendidos pelas empresas. “Eles não passam de uns paparazzi digitais que coletam informações de todos nós, sem ser vistos”.
/ TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

domingo, 26 de agosto de 2012

CONHEÇA OS CINCO VILÕES DO CRESCIMENTO DO BRASIL


Embora já tenha conquistado o posto de sexta maior economia do mundo em 2011, o Brasil ainda se vê às voltas com dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas que destoam do papel assumido pelo país na cena internacional nos últimos anos.

Tal conjunto de entraves, o chamado "Custo Brasil", impede um crescimento mais robusto da economia, minando a eficiência da indústria nacional e a competitividade dos produtos brasileiros.

"Por muito tempo, as empresas aproveitaram-se dos juros altos para ganhar dinheiro, aplicando seus lucros no mercado financeiro com vistas a maiores retornos. Porém esse cenário está mudando", afirmou à BBC Brasil André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.Segundo especialistas, o recente cenário da queda dos juros deixou tais entraves ainda mais evidentes.

Na prática, com essas aplicações agora menos rentáveis, as empresas começam a deslocar o excedente de capital do setor financeiro para o setor produtivo, investindo na expansão dos próprios negócios.

Nessa transição, o 'Custo Brasil' acaba ficando mais transparente, apontam os analistas.

Na semana passada, o governo anunciou um pacote de R$ 133 bilhões em concessões ao setor privado de rodovias e ferrovias brasileiras pelos próximos 25 anos, na tentativa de contornar graves gargalos da infraestrutura do país.

A decisão foi comemorada, porém ainda há um longo caminho a percorrer. Confira os cinco principais vilões do crescimento da economia brasileira, que, segundo as últimas previsões, não deve crescer acima de 1,75% neste ano.
1) Infraestrutura precária

Segundo um estudo do Departamento de Competitividade de Tecnologia (Decomtec), da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), as empresas têm uma despesa anual extra de R$ 17 bilhões devido à precariedade da infraestrutura do país, incluindo péssimas condições das rodovias e sucateamento dos portos.


Além de mais caro, transporte rodoviário sofre com infraestrutura deteriorada

Como resultado, os custos logísticos acabam encarecendo o produto final. De acordo com um levantamento do instituto ILOS, cerca de 30% do preço da tonelada soja produzida em Mato Grosso e exportada do porto de Santos, por exemplo, referem-se apenas aos gastos com transporte do grão.

"O Brasil também fez uma opção pelo transporte rodoviário, mais caro do que outros meios, como ferrovias ou hidrovias", afirmou Márcio Salvato, coordenador do curso de Economia do Ibmec.

Além da infraestrutura, o país também sofre com as altas tarifas de energia elétrica, apesar de cerca de 70% de sua matriz energética ser proveniente de hidrelétricas, consideradas mais limpas e baratas.

Uma pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Fierj), publicada no ano passado, mostrou que o custo médio de energia no Brasil é 50% superior à média global e mais do que o dobro de outras economias emergentes.
2) Déficit de mão de obra especializada



Falta de mão de obra especializada atravanca crescimento da economia

Em alguns setores da indústria, o Brasil já vive "um apagão de mão de obra", com falta de profissionais qualificados capazes de executar tarefas essenciais ao crescimento do país.

Segundo o mais recente levantamento feito pela consultoria Manpower com 41 países ao redor do mundo, o Brasil ocupa a 2ª posição entre as nações com maior dificuldade em encontrar profissionais qualificados, atrás apenas do Japão.

Entre os empresários brasileiros entrevistados para a pesquisa, 71% afirmaram não ter conseguido achar no mercado pessoas adequadas para o trabalho.

Para efeitos de comparação, na Argentina o índice é de 45%, no México, de 43% e na China, de apenas 23%.

"Se no Japão o maior entrave é o envelhecimento da população, o problema no Brasil é a falta de qualificação profissional", afirmou à BBC Brasil Márcia Almström, diretora da Recursos Humanos da filial brasileira da Manpower.

De acordo com uma pesquisa divulgada neste ano pelo Ipea, o governo direcionou apenas 5% do PIB em 2010 para a educação, contra 7% do padrão internacional.

"Sofremos com a falta de profissionais de nível técnico, de operações manuais e de engenheiros", acrescentou Almström.

Atualmente, segundo a consultoria McKinsey, apenas 7% dos trabalhadores brasileiros têm diploma universitário, atrás da África do Sul (9%) e da Rússia (23%).
3) Sistema tributário complexo

Segundo o relatório 'Doing Business' do Banco Mundial, são necessárias 2.600 horas por ano para empresas de médio-porte brasileiras somente para pagar impostos, contra 415 na Argentina, 398 na China e 254 na Índia.

"Já passou da hora para que o Brasil simplifique seu sistema tributário", disse André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.


Impostos em cascata encarecem produto brasileiro

Um dos exemplos da alta complexidade tributária no Brasil pode ser verificado no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Como está presente em todos as etapas da cadeia produtiva, seu recolhimento ocorre diversas vezes e leva à cobrança de imposto sobre imposto, também conhecido de "imposto em cascata".

"São 27 legislações, uma para cada estado, além de alíquotas diferentes para cada produto. Isso sem falar na alíquota interestadual", afirmou Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria e professor da FGV-SP. "Isso dificulta a vida do empresariado brasileiro", acrescentou.

O resultado são produtos menos competitivos, que chegam mais caros às gôndolas e sofrem maior concorrência dos estrangeiros.
4) Baixa capacidade de investimentos público e privado

Historicamente, a taxa de investimentos tanto pública quanto privada é baixa no Brasil, em torno de 18% do PIB.

Especialistas consideram que seria necessário elevar esse patamar para, pelo menos, 25% do PIB, de forma a permitir um crescimento sustentável da economia.

Isso porque, sem investimentos, para a compra de novos maquinários ou para a construção de novas rotas de escoamento, por exemplo, há uma menor eficiência produtiva, o que encarece e diminui a competitividade dos produtos brasileiros.

"É preciso que o governo faça os ajustes necessários para aumentar a confiança do empresariado e, assim, incentivar o investimento", acrescentou Salto.
5) Burocracia excessiva


Argentina, de Cristina Kirchner, oferece menos burocracia do que o Brasil de Dilma Rousseff

Segundo o Banco Mundial, entre 183 países o Brasil ocupa o 126º lugar quando se analisa a facilidade de se fazer negócios, abaixo da média da América Latina (95º) e atrás de países como Argentina (115º), México (53º), Chile (39º) e Japão (22º).

Até obter retorno sobre seus investimentos, cabe aos empresários brasileiros vencer uma via-crúcis, que, inclui, entre outras etapas, 13 procedimentos apenas para abrir um negócio, ou 119 dias.

Na Argentina, são necessários 26 dias, no Chile, 7 e na China, 14.

Entre tais procedimentos estão, por exemplo, a homologação da empresa em diferentes órgãos de supervisão, o registro dos funcionários e licenças ambientais.

"Ao fim e ao cabo, o custo das empresas é extremamente alto, antes mesmo que elas produzam qualquer centavo", afirmou Salvato.

Por: Luís Guilherme Barrucho

Da BBC Brasil em São Paulo

PRIMAVERA ÁRABE E INVERNO NO ITAMARATY



Vacilantes, tropeçamos demais, apoiamos ditadores em queda, perdemos parceiros, dinheiro, valores. Nos livros, seremos só nota de rodapé. Do lado errado 

A Primavera Árabe aconteceu e o Itamaraty não viu. Os nossos diplomatas não souberam lidar com a situação, não apoiaram os movimentos democráticos e perderam o espaço no Oriente Médio conquistado ao longo de décadas.Seja qual for o nome que se queira dar, trata-se do maior acontecimento mundial desde o fim da guerra Fria. Ninguém previu. As teorias civilizacionais que existiam até então, como as de Bernard Lewis e Samuel Huntington, afirmavam ser impossível esse tipo de coisa acontecer nas sociedades muçulmanas.

Mas depois que o processo começou, todas as chancelarias no mundo afora revisitaram seus conceitos, ajustaram suas equações e adaptaram as suas políticas externas para a região, menos o Brasil.

Nós demoramos muito a tomar uma posição. E até hoje nossa posição continua pouco clara. Vacilamos repetidas vezes. Em mais de um momento, ficamos do lado de ditadores em declínio. Assim pelo menos é como nos veem o Ocidente e os próprios revolucionários.

Os votos do Brasil no Conselho de Segurança da ONU falam muito mais alto do que qualquer palavra diplomática. Fomos tímidos em relação à Tunísia e Egito. Fomos contra a intervenção na Líbia, mesmo Gaddafi dizendo que trucidaria a população de Benghazi.

Aludimos à possibilidade de uma tragédia maior se o mundo se metesse, como se ela já não estivesse suficientemente clara. O Ministério das Relações Exteriores comprou a ideia de que a Líbia se tornaria um caos, quase que como justificando o governo de força.

Pois bem, os líbios foram às urnas e elegeram um governo moderado. Os problemas estão longe de serem resolvidos, e muita instabilidade ainda está por vir, mas a vida naquele país está significativamente melhor. Ao menos o povo tem o próprio destino nas mãos, e começa a criar suas instituições.

Em agosto de 2011, enquanto as tropas do Conselho Nacional de Transição se lançavam sobre Trípoli, conquistando a capital, não muito longe dali apoiávamos outro ditador.

Chegamos a ponto de mandar uma missão à Síria que na prática respaldou o governo de Assad. Àquela altura já eram 2.000 civis mortos pela repressão, e Brasília dividiu as responsabilidades com os movimentos pela democracia. Hoje, calcula-se já 20 mil mortos.

O Brasil perdeu "parceiros", credenciais e até dinheiro investido de empresas nacionais. O pior, no entanto, foi ter aberto mão de suas virtudes como nação democrática não colonial, signatária da Declaração Universal dos Direitos Humanos, para defender um velho cenário no Oriente Médio em ruínas.

Na foto, junto aos revolucionários e movimentos democráticos, posaram europeus e americanos.

O discurso do Itamaraty nesses casos foi o de não intervenção. Nem mesmo diplomatas antigos confiam mais apenas nesse princípio para a ordem internacional. Em Angola, Haiti ou Honduras, para citar alguns exemplos, esqueceram-se dele, lembrando a necessidade de não ser indiferente às conjunções críticas.

O Itamaraty tropeçou demais. Daqui a cem anos, os livros de história vão falar dos eventos que mudaram uma parte central do mundo. O Brasil vai aparecer em uma nota de roda pé do lado errado dessas transformações.

Primavera lá. Inverno de ideias aqui.

Por: Marcelo Coutinho  Folha de S Paulo

STF CORRE PERIGO


No julgamento do mensalão o Supremo Tribunal Federal (STF) está decidindo a sua sorte. Mas não só: estará decidindo também a sorte da democracia brasileira. A Corte deve servir de exemplo não só para o restante do Poder Judiciário, mas para todo cidadão. O que estamos assistindo, contudo, é a um triste espetáculo marcado pela desorganização, pelo desrespeito entre seus membros, pela prolixidade das intervenções dos juízes e por manobras jurídicas.

Diferentemente do que ocorreu em 2007, quando do recebimento do Inquérito 2.245 - que se transformou na Ação Penal 470 -, o presidente Carlos Ayres Britto deixou de organizar reuniões administrativas preparatórias, que facilitariam o bom andamento dos trabalhos. Assim, tudo passou a ser decidido no calor da hora, sem que tenha havido um planejamento minimamente aceitável. Essa insegurança transformou o processo numa arena de disputa política e aumentou, desnecessariamente, a temperatura dos debates.

Desde o primeiro dia, quando toda uma sessão do Supremo foi ocupada por uma simples questão de ordem, já se sinalizou que o julgamento seria tumultuado. Isso porque não interessava aos petistas que fosse tomada uma decisão sobre o processo ainda neste ano. Tudo porque haverá eleições municipais e o PT teme que a condenação dos mensaleiros possa ter algum tipo de influência no eleitorado mais politizado, principalmente nas grandes cidades. São conhecidas as pressões contra os ministros do STF lideradas por Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente agiu de forma indigna. Se estivesse no exercício do cargo, como bem disse o ministro Celso de Mello, seria caso de abertura de um processo de impeachment.

A lentidão do julgamento reforça ainda mais a péssima imagem do Judiciário. Quando o juiz não consegue apresentar brevemente um simples voto, está sinalizando para o grande público que é melhor evitar procurar aquela instância de poder. O desprezo pela Justiça enfraquece a consolidação da democracia. Quando não se entende a linguagem dos juízes, também é um mau sinal. No momento em que observa que um processo acaba se estendendo por anos e anos - sempre havendo algum recurso postergando a decisão final - a descrença toma conta do cidadão.

Os ministros mais antigos deveriam dar o exemplo. Teriam de tomar a iniciativa de ordenar o julgamento, diminuir a tensão entre os pares, possibilitar a apreciação serena dos argumentos da acusação e da defesa, garantindo que a Corte possa apreciar o processo e julgá-lo sem delongas. Afinal, se a Ação Penal 470 tem enorme importância, o STF julga por ano 130 mil processos. E no ritmo em que está indo o julgamento é possível estimar - fazendo uma média desde a apresentação de uma pequena parcela do voto do ministro Joaquim Barbosa -, sendo otimista, que deverá terminar no final de outubro.

Esse julgamento pode abrir uma nova era na jovem democracia brasileira, tão enfraquecida pelos sucessivos escândalos de corrupção. A punição exemplar dos mensaleiros serviria como um sinal de alerta de que a impunidade está com os dias contados. Não é possível considerarmos absolutamente natural que a corrupção chegue até a antessala presidencial. Que malotes de dinheiro público sejam instrumento de "convencimento" político. Que uma campanha presidencial - como a de Lula, em 2002 - seja paga com dinheiro de origem desconhecida e no exterior, como foi revelado na CPMI dos Correios e reafirmado na Ação Penal 470.

A estratégia do PT é tentar emparedar o tribunal. Basta observar a ofensiva na internet montada para pressionar os ministros. O PT tem uma vertente que o aproxima dos regimes ditatoriais e, consequentemente, tem enorme dificuldade de conviver com qualquer discurso que se oponha às suas práticas. Considera o equilíbrio e o respeito entre os três Poderes um resquício do que chama de democracia burguesa. Se o STF não condenar o núcleo político da "sofisticada organização criminosa", como bem definiu a Procuradoria-Geral da República, e desviar as punições para os réus considerados politicamente pouco relevantes, estará reforçando essa linha política.

Porém, como no Brasil o que é ruim sempre pode piorar, com as duas aposentadorias previstas - dos ministros Cezar Peluso, em setembro, e Ayres Britto, em novembro - o STF vai caminhar para ser uma Corte petista. Mais ainda porque pode ocorrer, por sua própria iniciativa, a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Haverá, portanto, mais três ministros de extrema confiança do partido - em sã consciência, ninguém imagina que serão designados ministros que tenham um percurso profissional distante do lulopetismo. Porque desta vez a liderança petista deve escolher com muito cuidado os indicados para a Suprema Corte. Quer evitar "traição", que é a forma como denomina o juiz que deseja votar segundo a sua consciência, e não como delegado do partido.

Em outras palavras, o STF corre perigo. E isso é inaceitável. Precisamos de uma Suprema Corte absolutamente independente. Se, como é sabido, cabe ao presidente da República a escolha dos ministros, sua aprovação é prerrogativa do Senado. E aí mora um dos problemas. Os senadores não sabatinam os indicados. A aprovação é considerada automática. A sessão acaba se transformando numa homenagem aos escolhidos, que antes da sabatina já são considerados nomeados.

Poderemos ter nas duas próximas décadas, independentemente de que partido detenha o Poder Executivo, um controle petista do Estado brasileiro por intermédio do STF, que poderá agir engessando as ações do presidente da República. Dessa forma - e estamos trabalhando no terreno das hipóteses - o petismo poderá assegurar o controle do Estado, independentemente da vontade dos eleitores. E como estamos na América Latina, é bom não duvidar. 
Por: Marco Antonio Villa O Estado de S. Paulo