domingo, 22 de abril de 2012

A Guerra da Togas

A Guerra das Togas informa que o Judiciário não escapou da Era da Mediocridade Precipitada pelas declarações de Cezar Peluso à revista Consultor Jurídico, consumou-se nesta sexta-feira, com a entrevista de Joaquim Barbosa ao Globo, a abertura da mais selvagem das frentes de combate que compõem a Guerra das Togas. Somada às batalhas paralelas, a troca de chumbo entre o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e o relator do processo do mensalão comprova que o que foi historicamente o corpo de elite do Judiciário vai sucumbindo aos estragos causados pela Era da Mediocridade na Praça dos Três Poderes. Está cada vez mais parecido com o Executivo e o Legislativo. Enquanto os ministros foram escolhidos entre os melhores e os mais brilhantes, enquanto o preeenchimento das vagas no STF esteve subordinado à meritocracia e às exigências constitucionais que cobram dos indicados notável saber jurídico e reputação ilibada, nem o mais delirante ficcionista ousou conceber um bate-boca semelhante ao protagonizado por Peluso e Barbosa. Ao queixar-se do “temperamento difícil” de Barbosa e qualificá-lo de “inseguro”, Peluso fez o papel do aluno brigão que provoca o colega no fim das aulas. O revide do provocado transferiu da porta do colégio para o botequim essa molecagem de gente supostamente adulta. Na réplica ao desafeto, Barbosa temperou acusações de alta voltagem, incluindo a “manipulação de resultados de julgamentos”, com adjetivos insolentes ─ “ridículo”, “brega”, “caipira”, “tirano” e “pequeno”, por exemplo. Peluso não respondeu de imediato, mas a tréplica está em gestação. O Brasil em que os juízes só falavam nos autos parece tão remoto que bate a sensação de que existiu antes do Descobrimento. Agora os doutores falam em qualquer lugar. Falam tanto que lhes falta tempo para falar nos autos. Se discursassem menos e julgassem mais, já teriam liquidado há anos o caso do mensalão, que segue estimulando barulhos em outras frentes da Guerra das Togas. Ao longo desta semana, todas registraram tiroteios retóricos. Numa das áreas conflagradas, ao repetir que o STF precisa definir o destino dos mensaleiros ainda neste semestre, Gilmar Mendes expôs-se ao contra-ataque de Marco Aurélio de Mello, para quem não faz sentido “julgar a toque de caixa” um escândalo descoberto há sete anos. Sem ficar ruborizado, Marco Aurélio garantiu que há na fila de espera pelo menos 700 processos tão relevantes quanto a roubalheira de dimensões siderais. Vizinho de trincheira, Dias Toffoli murmurou que ainda não sabe se deve participar do julgamento que envolve velhos companheiros ou declarar-se sob suspeição. Como se a dúvida pudesse existir. Antes de virar ministro, Toffoli foi advogado do PT e, no governo Lula, chefiou a Advocacia Geral da União. Depois de ganhar a toga, sua namorada advogou em defesa de alguns mensaleiros. “Ele não tem o direito de ficar fora”, cobrou Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo. O parecer de Marinho atesta que, neste estranho Brasil, os companheiros é que decidem o que deve fazer um juiz do Supremo. Instado por outros ministros a apressar a entrega do serviço, Ricardo Lewandowski retrucou que ninguém o fará acelerar o ritmo de obra do PAC. Ele ainda não revelou quando vai concluir a revisão do processo ─ informação que, na avaliação mais recente, vale 1 milhão de dólares. “Japona não é toga”, lembrou o senador Auro Moura Andrade aos chefes do regime militar que insistiam em violentar a Constituição. Com a frase tão curta quanto pedagógica, o paulista que presidia o Senado ensinou que cabe ao Supremo Tribunal Federal lidar com assuntos constitucionais e, simultaneamente, reiterou a confiança dos brasileiros democratas na sensatez dos juízes togados. Passados 50 anos, os focos de turbulência não envolvem cidadãos fardados. E os mais perturbadores se localizam na Praça dos Três Poderes. A frase de Auro perdeu o sentido num Brasil sobressaltado por juízes sem juízo. Se os ministros do STF agissem nos quartéis, haveria uma crise político-militar de meia em meia hora. Ainda bem que toga não é japona.

sábado, 21 de abril de 2012

Geração Concurso Público

“Aqueles que desistiriam da liberdade essencial para comprar um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.” (Benjamin Franklin)
 Uma parcela cada vez maior dos brasileiros, especialmente da classe média, sonha com uma vaga no setor público. São milhares e milhares de pessoas estudando duro e fazendo cursinhos para disputar as vagas nos concursos para empregos em órgãos estatais. Pretendo expor basicamente dois pontos de vista sobre este fenômeno: 1) a decisão no âmbito individual parece perfeitamente racional; 2) quando afastamos a lupa e obtemos um campo de visão mais amplo, esta tendência parece altamente preocupante. Sobre o primeiro aspecto, a escolha parece racional porque, de fato, o setor público tem oferecido as melhores vantagens no mercado de trabalho, de forma geral. Há a tão sonhada estabilidade no emprego, algo que muitos valorizam mais até do que o prazer naquilo que toma boa parte do dia, que é seu trabalho. E os salários, na média, são maiores do que no setor privado. Isso sem falar dos vários privilégios, como aposentadorias maiores e diversos auxílios, dependendo da profissão. Vamos dedicar um pouco mais de tempo ao aspecto da adorada estabilidade no cargo. É fato que nem todos nasceram para uma vida mais arriscada, ousada, com aventuras e desafios em busca de sonhos e desejos. Muitos, de perfil mais acanhado, tímido e com forte aversão ao risco, acabam preferindo a segurança na rotina, na certeza de que o amanhã será a repetição do hoje, com seu emprego garantido sem muitas novidades. Para estas pessoas, a obediência estreita às regras definidas a priori é o que mais conforto traz. Pessoas com este perfil se encaixam perfeitamente na burocracia estatal. Os trabalhos burocráticos demandam execução semi-automática, ou seja, valoriza mais a obediência que a inovação. Não há muito espaço para a criatividade. Por isso mesmo, os trabalhos burocráticos acabam sendo também medíocres, por não incentivarem a ousadia e a paixão pelo novo. Claro que nem todos os serviços públicos são desta natureza, mas é evidente que muitos – talvez a grande maioria – o são. O outro aspecto que atrai muitos candidatos é o salário. De fato, para os poucos que se sobressaem na iniciativa privada, a recompensa costuma ser bem maior. Mas, na média, o salário público, especialmente se acrescido das inúmeras vantagens, tende a ser maior. A estatística nacional colocava, da última vez que vi, o salário médio do setor público como mais de duas vezes acima daquele do setor privado. Este sofre, não custa lembrar, justamente pelo excesso de obstáculos criados pelo governo, tais como altos tributos, encargos trabalhistas e a própria burocracia, além da baixa produtividade fruto da péssima educação. Tendo conhecimento dos fatos acima, fica mais fácil compreender porque tantos brasileiros querem uma disputada vaga de concurso público. Os cursos preparatórios se espalharam como vírus, e estudantes determinados, com notas excelentes, dedicam-se horas diárias à leitura de vários livros. A principal habilidade que diferencia os vencedores dos demais não é necessariamente a inteligência, muito menos a capacidade criativa e inovadora, mas sim a memória. Aquele que decorar calhamaços de dados com mais facilidade tem maiores chances de passar. Um robô levaria todas em primeiro lugar! Ora, mas qual o problema disso? Eis que chegamos no segundo ponto: a visão holística da coisa. O leitor provavelmente já entendeu que, para a sociedade como um todo, quanto maior for a parcela de trabalhos burocráticos, pior será o resultado geral. O motivo é evidente: a burocracia excessiva asfixia a criação, força-motora essencial à prosperidade. Claro que algumas funções terão que ser executadas pela burocracia estatal. Quase ninguém defenderia uma polícia privada com foco no lucro, por exemplo, ou então um sistema de justiça totalmente privado (câmaras de arbitragem, porém, fazem todo sentido). Logo, certas tarefas cabem naturalmente ao estado, e o método será burocrático, ou seja, sem um mecanismo de precificação do resultado (i.e., o lucro). Mas o ideal para a sociedade como um todo é que tais tarefas sejam bastante restritas ao básico necessário. Mais que isso começa a prejudicar o dinamismo da economia, sem falar da perda das liberdades individuais (a tendência do burocrata é expandir seus tentáculos e poder, para garantir mais verbas ao seu gabinete). No setor privado, por outro lado, a meritocracia representará o melhor incentivo à eficiência. Os piores são punidos no mercado, e os melhores recolhem as recompensas do bom serviço prestado. O processo dinâmico de tentativa e erro permite que os mais inovadores e criativos conquistem espaço vis-à-vis os mais obsoletos. A “destruição criadora” de que falava Schumpeter pode então funcionar com liberdade para garantir o progresso. Alguém consegue pensar em uma repartição pública entregando ao mundo um iPad? Quando compreendemos isso tudo, salta aos olhos a preocupação com a crescente tendência dos jovens em buscar a estabilidade no setor público. Um país com inchaço estatal é um país engessado, sem dinamismo econômico, e com as liberdades ameaçadas. Posted by Rodrigo Constantino

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O pântano político

Em tempos de CPI e às vésperas do julgamento do mensalão, o clima político em Brasília, como não poderia deixar de ser, é efervescente, e as posses dos ministros Ayres Britto, como presidente do Supremo Tribunal Federal, e Cármen Lúcia, a primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral, serviram de pano de fundo para manifestações de cunho político nos discursos, mas, sobretudo, para conversas de bastidores. Depois desses dois dias de conversas, fiquei com a sensação de que o processo do mensalão deve entrar mesmo em pauta ainda no primeiro semestre, e que a CPI do Cachoeira ainda está causando perplexidade na classe política, especialmente em setores petistas que não estão envolvidos diretamente na disputa congressual. Os governadores petistas, por exemplo, não entendem o que está acontecendo. O de Sergipe, Marcelo Déda, analisa a questão do ponto de vista político, sem entrar no mérito das acusações: "CPI é um instrumento da oposição, da minoria. Nenhum governo gosta de CPI pelo simples fato de que o ambiente político fica descontrolado e o Congresso paralisado". O governador da Bahia, Jaques Wagner, que já foi ministro das Relações Institucionais no governo Lula, me disse que não compreendia a estratégia de provocar uma CPI: "Se tivessem me consultado eu diria que não é uma boa estratégia. Governo precisa de calmaria". Com relação ao mensalão, tudo parece caminhar para que o processo entre em pauta ainda no primeiro semestre, como quer o novo presidente do STF. O ministro revisor, Ricardo Lewandowsky, já está trabalhando no seu voto, agora liberado das tarefas do TSE que presidia, e segundo relato de familiares tem varado a noite consultando o processo e o Código Penal. Os demais ministros também já estão trabalhando em cima do processo que foi disponibilizado depois que o presidente anterior, Cezar Peluso, deu ordens para apressar os procedimentos. Nos discursos dos dois novos presidentes, o papel da liberdade de informação para fortalecer a democracia foi enfatizado. O ministro Ayres Britto salientou que "o mais refinado toque de sapiência da nossa última Assembleia Constituinte" foi eleger a democracia como a sua maior força. "Democracia que mantém com a liberdade de informação jornalística uma relação de unha e carne, olho e pálpebra, veias e sangue". Na noite anterior, a ministra Cármen Lúcia, ao assumir a presidência do TSE, mandou um recado direto aos meios de comunicação, pedindo sua colaboração: "A imprensa livre é inseparável da democracia. É parceira do Judiciário na concretização da Justiça". Essa presença é ainda maior na Justiça Eleitoral, disse ela, para quem "os jornalistas não só acompanham os feitos. Participam do processo, ajudando a promover o interesse público na divulgação dos fatos, na fiscalização permanente do processo e da atuação da Justiça Eleitoral". Para a nova presidente do TSE, "não há eleições seguras e honestas sem a ação livre, presente e vigilante da imprensa, a cumprir papel determinante em benefício do poder político". Cármen Lúcia pediu, ressaltando "o respeito absoluto à liberdade de opinião", que a imprensa livre "ajude este Tribunal a exercer plenamente a sua missão. Afirmo-lhes que ele será transparente em seus atos, pelo que rogo aos profissionais de comunicação que sejam atentos a tudo que possa causar dano ao processo eleitoral, informando, com clareza, à opinião pública os fatos a serem conhecidos". O novo presidente do STF não fez referências, nem mesmo indiretas, ao processo do mensalão, que ele já classificou em entrevistas como o mais importante processo político a ser julgado. Mas deixou claro que, na sua visão, os juízes devem promover "a abertura da janela dos autos para o mundo circundante, a fim de conhecer a realidade dos jurisdicionados e a expectativa social sobre a decisão". Ayres Britto, que abusou no seu discurso da veia poética e de imagens de retórica - ele é autor de vários livros de poesia -, disse que "Juiz não é traça de processo, não é ácaro de gabinete, por isso, sem fugir dos autos nem se tornar refém da opinião pública, tem que levar ao cumprimento das leis e conciliar a macrofunção de combinar o direito com a vida". Quem tratou diretamente da questão foi o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, que falou sobre o processo do mensalão em seu discurso. Referindo-se ao período de sete meses que Ayres Britto terá na presidência, pois se aposenta em novembro por atingir a idade limite de 70 anos, afirmou: "O tempo não será curto para levar adiante processos sobre casos de corrupção que marcaram a nossa História recente. E digo ao novo presidente da Suprema Corte brasileira que a sociedade espera que esse tema não seja mais postergado, e que haja a punição exemplar dos culpados pelos crimes que cometeram contra o patrimônio público". Para ele, somente eliminando qualquer ideia de impunidade "podemos combater a corrupção, uma das maiores mazelas do nosso país". Referindo-se ao mais recente escândalo envolvendo as relações promíscuas do bicheiro Carlinhos Cachoeira com políticos e empresários, Ophir Cavalcante disse que é digno de reflexão o fato de que "na origem de todos os casos de corrupção, está o modelo de financiamento privado da política, que permite o caixa 2, ou entre outras palavras, o relacionamento promíscuo entre os interesses privados e a coisa pública". Para definir os estragos que essa relação espúria provoca na política brasileira, Cavalcante descreveu: "quando um cai, arrasta junto de si bicheiros, falsificadores, policiais, governadores, parlamentares, projetos, obras e, o que é pior, a própria credibilidade das instituições". Viveu-se nesses dias em Brasília um ambiente no Judiciário claramente favorável ao reforço da moralidade e da impessoalidade no serviço público, e uma clara rejeição ao patrimonialismo que ainda impera nas nossas relações políticas, enquanto no Congresso as escaramuças partidárias continuavam dentro dos mesmos parâmetros que nos levaram ao "pântano", como definiu o presidente da OAB nosso ambiente político.Por: Merval Pereira

Método Paulo Freire ou Método Laubach?

Mais do que uma mera ferramenta de manipulação comunista disfarçada de pedagogia, o “método Paulo Freire de alfabetização”, é também um plágio vergonhoso. Comentário de Klauber Cristofen Pires: Nesta semana está sendo realizada em Brasília a 1ª Bienal do Livro. Longe de ser um inocente evento literário, é totalmente temático em favor da ideologia marxista (leia o artigo A Bienal Socialista de Brasília), e ali está sendo apresentada a Exposição "Sonhando com Paulo Freire, a educação que queremos", na Biblioteca Nacional de Brasília. Para o enriquecimento do evento, lembrei-me deste artigo do historiador David Gueiros Vieira, publicado originalmente no Mídia sem Máscara, em 9 de março de 2004, intitulado “Método Paulo Freire ou Método Laubach?”, e que vale muito a pena ser relido, especialmente pelos pedagogos e estudantes de hoje. Método Paulo Freire ou Método Laubach? David Gueiros Vieira O Método Laubach de alfabetização de adultos foi criado pelo missionário protestante norte-americano Frank Charles Laubach (1884 – 1970). Desenvolvido por Laubach nas Filipinas, em 1915, subseqüentemente foi utilizado com grande sucesso em toda a Ásia e em várias partes da América Latina, durante quase todo o século XX. Em 1915, Frank Laubach fora enviado por uma missão religiosa à ilha de Mindanao, nas Filipinas, então sob o domínio norte-americano, desde o final da guerra EUA/Espanha. A dominação espanhola deixara à população filipina uma herança de analfabetismo total, bem como de ódio aos estrangeiros. A população moura filipina era analfabeta, exceto os sacerdotes islamitas, que sabiam ler árabe e podiam ler o Alcorão. A língua maranao (falada pelos mouros) nunca fora escrita. Laubach enfrentava, nessa sua missão, um problema duplo: como criar uma língua escrita, e como ensinar essa escrita aos filipinos, para que esses pudessem ler a Bíblia. A existência de 17 dialetos distintos, naquele arquipélago, dificultava ainda mais a tarefa em meta. Com o auxílio de um educador filipino, Donato Gália, Laubach adaptou o alfabeto inglês ao dialeto mouro. Em seguida adaptou um antigo método de ensino norte-americano, de reconhecimento das palavras escritas por meio de retratos de objetos familiares do dia-a-dia da vida do aluno, para ensinar a leitura da nova língua escrita. A letra inicial do nome do objeto recebia uma ênfase especial, de modo que aluno passava a reconhecê-la em outras situações, passando então a juntar as letras e a formar palavras. Utilizando essa metodologia, Laubach trabalhou por 30 anos nas Filipinas e em todo o sul da Ásia. Conseguiu alfabetizar 60% da população filipina, utilizando essa mesma metodologia. Nas Filipinas, e em toda a Ásia, um grupo de educadores, comandado pelo próprio Laubach, criou grafias para 225 línguas, até então não escritas. A leitura dessas línguas era lecionada pelo método de aprendizagem acima descrito. Nesse período de tempo, esse mesmo trabalho foi levado do sul da Ásia para a China, Egito, Síria, Turquia, África e até mesmo União Soviética. Maiores detalhes da vida e trabalho de Laubach podem ser lidos na Internet, no site Frank Laubach. Na América Latina, o método Laubach foi primeiro introduzido no período da 2ª Guerra Mundial, quando o criador do mesmo se viu proibido de retornar à Ásia, por causa da guerra no Pacífico. No Brasil, este foi introduzido pelo próprio Laubach, em 1943, a pedido do governo brasileiro. Naquele ano, esse educador veio ao Brasil a fim de explicar sua metodologia, como já fizera em vários outros países latino-americanos. Lembro-me bem dessa visita, pois, ainda que fosse muito jovem, cursando o terceiro ano Ginasial, todos nós estudantes sabíamos que o analfabetismo no Brasil ainda beirava a casa dos 76% – o que muito nos envergonhava – e que este era o maior empecilho ao desenvolvimento do país. A visita de Laubach a Pernambuco causou grande repercussão nos meios estudantis. Ele ministrou inúmeras palestras nas escolas e faculdades — não havia ainda uma universidade em Pernambuco — e conduziu debates no Teatro Santa Isabel. Refiro-me apenas a Pernambuco e ao Recife, pois meus conhecimentos dos eventos naquela época não iam muito além do local onde residia. Houve também farta distribuição de cartilhas do Método Laubach, em espanhol, pois a versão portuguesa ainda não estava pronta. Nessa época, a revista Seleções do Readers Digest publicou um artigo sobre Laubach e seu método — muito lido e comentado por todos os brasileiros de então, que, em virtude da guerra, tinham aquela revista como único contato literário com o mundo exterior. Naquele ano, de 1943, o Sr. Paulo Freire já era diretor do Sesi, de Pernambuco — assim ele afirma em sua autobiografia — encarregado dos programas de educação daquela entidade. No entanto, nessa mesma autobiografia, ele jamais confessa ter tomado conhecimento da visita do educador Laubach a Pernambuco. Ora, ignorar tal visita seria uma impossibilidade, considerando-se o tratamento VIP que fora dado àquele educador norte-americano, pelas autoridades brasileiras, bem como pela imprensa e pelo rádio, não havendo ainda televisão. Concomitante e subitamente, começaram a aparecer em Pernambuco cartilhas semelhantes às de Laubach, porém com teor filosófico totalmente diferente. As de Laubach, de cunho cristão, davam ênfase à cidadania, à paz social, à ética pessoal, ao cristianismo e à existência de Deus. As novas cartilhas, utilizando idêntica metodologia, davam ênfase à luta de classes, à propaganda da teoria marxista, ao ateísmo e a conscientização das massas à sua “condição de oprimidas”. O autor dessas outras cartilhas era o genial Sr. Paulo Freire, diretor do Sesi, que emprestou seu nome à essa “nova metodologia” — da utilização de retratos e palavras na alfabetização de adultos — como se a mesma fosse da sua autoria. Tais cartilhas foram de imediato adotadas pelo movimento estudantil marxista, para a promulgação da revolução entre as massas analfabetas. A artimanha do Sr. Paulo Freire “pegou”, e esse método é hoje chamado Método Paulo Freire, tendo o mesmo sido apadrinhado por toda a esquerda, nacional e internacional, inclusive pela ONU. No entanto, o método Laubach — o autêntico — fora de início utilizado com grande sucesso em Pernambuco, na alfabetização de 30.000 pessoas da favela chamada “Brasília Teimosa”, bem como em outras favelas do Recife, em um programa educacional conduzido pelo Colégio Presbiteriano Agnes Erskine, daquela cidade. Os professores eram todos voluntários. Essa foi a famosa Cruzada ABC, que empolgou muita gente, não apenas nas favelas, mas também na cidade do Recife, e em todo o Estado. Esse esforço educacional é descrito em seus menores detalhes por Jules Spach, no seu recente livro, intitulado, Todos os Caminhos Conduzem ao Lar (2000). O Método Laubach foi também introduzido em Cuba, em 1960, em uma escola normal em Bágamos. Essa escola pretendia preparar professores para a alfabetização de adultos. No entanto, logo que Fidel Castro assumiu o controle total do poder em Cuba, naquele mesmo ano, todas as escolas foram nacionalizadas, inclusive a escola normal de Bágamos. Seus professores foram acusados de “subversão”, e tiveram de fugir, indo refugiar-se em Costa Rica, onde continuaram seu trabalho, na propagação do Método Laubach, criando então um programa de alfabetização de adultos, chamado Alfalit. A organização Alfalit foi introduzida no Brasil, e reconhecida pelo governo brasileiro como programa válido de alfabetização de adultos. Encontra-se hoje na maioria dos Estados: Santa Catarina (1994), Alagoas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Sergipe, São Paulo, Paraná, Paraíba e Rondônia (1997); Maranhão, Pará, Piauí e Roraima (1998); Pernambuco e Bahia (1999). A oposição ao Método Laubach ocorreu desde a introdução do mesmo, em Pernambuco, no final da década de 1950. Houve tremenda oposição da esquerda ao mencionado programa da Cruzada ABC, em Pernambuco, especialmente porque o mesmo não conduzia à luta de classes, como ocorria nas cartilhas plagiadas do Sr. Paulo Freire. Mais ainda, dizia-se que o programa ABC estava “cooptando” o povo, comprando seu apoio com comida, e que era apenas mais um programa “imperialista”, que tinha em meta unicamente “dominar o povo brasileiro”. Como a fome era muito grande na Brasília Teimosa, os dirigentes da Cruzada ABC, como maneira de atrair um maior número de alunos para o mesmo, se propuseram criar uma espécie de “bolsa-escola” de mantimentos. Era uma cesta básica, doada a todos aqueles que se mantivessem na escola, sem nenhuma falta durante todo o mês. Essa bolsa-escola tornou-se famosa no Recife, e muitos tentavam se candidatar a ela, sem serem analfabetos ou mesmo pertencentes à comunidade da Brasília Teimosa. Bolsa-escola fora algo proposto desde os dias do Império, conforme pode-se conferir no livro de um educador do século XIX, Antônio Almeida, intitulado O Ensino Público, reeditado em 2003 pelo Senado Federal, com uma introdução escrita por este Autor. No entanto, a idéia da bolsa-escola foi ressuscitada pelo senhor Cristovam Buarque, quando governador de Brasília. Este senhor, que é pernambucano, fora estudante no Recife nos dias da Cruzada ABC, tão atacada pelos seus correligionários de esquerda. Para a esquerda recifense, doar bolsa-escola de mantimentos era equivalente a “cooptar” o povo. Em Brasília, como “idéia genial do Sr. Cristovam Buarque”, esta é hoje abençoada pela Unesco, espalhada por todo o mundo e não deixa de ser o conceito por trás do programa Fome Zero, do ilustre Presidente Lula. O sucesso da campanha ABC — que incluía o Método Laubach e a bolsa-escola — foi extraordinário, sendo mais tarde encampado pelo governo militar, sob o nome de Mobral. Sua filosofia, no entanto, foi modificada pelos militares: os professores eram pagos e não mais voluntários, e a bolsa-escola de alimentos não mais adotada. Este novo programa, por razões óbvias, não foi tão bem-sucedido quanto a antiga Cruzada ABC, que utilizava o Método Laubach. A maior acusação à Cruzada ABC, que se ouvia da parte da esquerda pernambucana, era que o Método Laubach era “amigo da ignorância” — ou seja, não estava ligado à teoria marxista, falhavam em esclarecer seus detratores — e que conduzia a “um analfabetismo maior”, ou seja, ignorava a promoção da luta de classes, e defendia a harmonia social. Recentemente, foi-me relatado que o auxílio doado pelo MEC a pelo menos um programa de alfabetização no Rio de Janeiro — que utiliza o Método Laubach, em vez do chamado “Método Paulo Freire” — foi cortado, sob a mesma alegação: que o Método Laubach estaria “produzindo o analfabetismo” no Rio de Janeiro. Em face da recusa dos diretores do programa carioca, de modificarem o método utilizado, o auxílio financeiro do MEC foi simplesmente cortado. Não há dúvida que a luta contra o analfabetismo, em todo o mundo, encontrou seu instrumento mais efetivo no Método Laubach. Ainda que esse método hoje tenha sido encampado sob o nome do Sr. Paulo Freire. Os que assim procederam não apenas mudaram o seu nome, mas também o desvirtuaram, modificando inclusive sua orientação filosófica. Concluindo: o método de alfabetização de adultos, criado por Frank Laubach, em 1915, passou a ser chamado de “Método Paulo Freire”, em terras tupiniquins. De tal maneira foi bem-sucedido esse embuste, que hoje será quase que impossível desfazê-lo.Por:ESCRITO POR DAVID GUEIROS VIEIRA Referências: AYRES, Antônio Tadeu. Como tornar o ensino eficaz. Casa Publicadora das Assembléias de Deus, Rio de Janeiro, 1994. BRINER, Bob. Os métodos de administração de Jesus. Ed. Mundo Cristão, SP, 1997. CAMPOLO, Anthony. Você pode fazer a diferença. Ed. Mundo Cristão, SP, 1985. GONZALES, Justo e COOK, Eulália. Hombres y Ángeles. Ed. Alfalit, Miami, 1999. GONZALES, Justo. História de un milagro. Ed. Caribe, Miami (s.d.). GONZALES, Luiza Garcia de. Manual para preparação de alfabetizadores voluntários. 3ª ed., Alfalit Brasil, Rio de Janeiro, 1994. GREGORY, John Milton. As sete leis do ensino. 7ª ed., Rio de Janeiro, JUERP, 1994. HENDRICKS, Howard. Ensinando para transformar vidas. Ed. Betânia, Belo Horizonte, 1999. LAUBACH, Frank C.. Os milhões silenciosos falam. s. l., s.e., s.d. MALDONADO, Maria Cereza. História da vida inteira. Ed. Vozes, 4ª ed., SP, 1998. SMITH, Josie de. Luiza. Ed. la Estrella, Alajuela, Costa Rica, s.d. SPACH, Jules. Todos os Caminhos Conduzem ao Lar. Recife, PE, 2000.

Peluso x Barbosa

Peluso e Barbosa devem desculpas ao povo, que lhes paga um belo salário para que zelem pela constituição, não para se comportar como arruaceiros de botequim! O site Consultor Jurídico publicou anteontem uma entrevista com o ministro Cezar Peluso, que deixa o Supremo Tribunal Federal em setembro, quando faz 70 anos. É uma pena que, em uma circunstância ao menos, ele tenha metido os pés pelas mãos. Já chego lá. Fez críticas pertinentes ao autoritarismo do governo federal e apontou, no que está corretíssimo, certo flerte do Supremo com o populismo. Tudo isso passou batido. O que fez mesmo barulho foram as suas considerações sobre o ministro Joaquim Barbosa, a saber: ConJur - Com as oscilações de saúde, o ministro Joaquim Barbosa assume após o ministro Ayres Brito? Cezar Peluso - O Joaquim assume, sim. Viram como ele está comparecendo ao Plenário? Teve uma melhora grande, antes quase não aparecia. Agora, comparece a todas as sessões. Ele não recusará essa Presidência em circunstância alguma, pode ficar tranquilo. Tem um temperamento difícil, não sei como irá conviver, primeiro com os colegas. Não sei como irá reagir com os advogados, pois tem um histórico desde o episódio com o Maurício Correia [ministro aposentado do Supremo. Em 2006, Joaquim Barbosa, no Plenário, sugeriu que o então presidente do STF fazia tráfico de influência]. Também não sei como irá se relacionar com a magistratura como um todo. Isso já é especular. Ele é uma pessoa insegura, se defende pela insegurança. Dá a impressão que de tudo aquilo que é absolutamente normal em relação a outras pessoas, para ele, parece ser uma tentativa de agressão. E aí ele reage violentamente. ConJur - A insegurança para o debate o faz resistir aos advogados? Cezar Peluso - A impressão que tenho é de que ele tem medo de ser qualificado como arrogante. Tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o Supremo não pelos méritos, que ele tem, mas pela cor. ConJur - Mas ele tem problema com a coluna? Cezar Peluso - A coluna dele é perfeita, não tem nada de errado, ele tem problema nos quadris. O especialista Paulo Niemeyer no Rio diz que ele não tem problema na coluna, tem problema no quadril. Mas o certo é que alguma coisa ele tem, mesmo. Ter de ficar de pé, ficar tanto tempo de licença… Voltei Eu mesmo, não é segredo pra ninguém, já cheguei a sugerir, dadas as muitas ausências de Barbosa, que ele se aposentasse. Escrevi, então, que lamentava seus problemas de saúde, mas que os brasileiros não podiam arcar com as consequências. Num tribunal com 11 pessoas — durante muito tempo, funcionou com 10 —, um ministro impedido de trabalhar representa 10% da Casa, não é? Vamos lá. Eu posso — e, em muitos sentidos, até devo — fazer essa crítica. Mas não Peluso. É evidente que foi além de suas sandálias, ainda que apontasse uma outra questão real: o temperamento mercurial de Barbosa, muito pouco tolerante com quem discorda dele. Já as considerações sobre a cor da pele do colega são de uma absoluta impertinência. É claro que ninguém mais prestaria atenção ao resto da entrevista. Peluso avançou o sinal? É evidente!. Não seria de Joaquim Barbosa que se esperaria ponderação. Ele já exagerou antes por muito menos. Os sites noticiosos já traziam ontem uma resposta sua, afirmando que o outro estava “se achando e não sabe perder” etc e tal. Na entrevista publicada hoje em O Globo, o tom subiu. Se o ex-presidente do Supremo tinha sido deselegante com seu colega, Barbosa rebaixou o confronto ao bate-boca de boteco. Chamou Peluiso de “ridículo”, “brega”, “caipira”, “corporativista”, “desleal”, “tirano” e “pequeno”. É pouco? Ah, para Barbosa, é. Afirmou ainda que “Peluso, inúmeras vezes, manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos, criando falsas questões processuais ou simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento”. A acusação seria gravíssima se Barbosa estivesse falando como ministro do Supremo. Mas ele estava??? Mais: “As pessoas guardarão a imagem de um presidente conservador e tirânico, que não hesitava em violar as normas quando se tratava de impor à força a sua vontade”. O novo vice-presidente da corte também afirmou que, durante sua gestão, Peluso “incendiou o Judicário com a sua obsessão corporativista”. Quanto às considerações sobre sua saúde, Barbosa disse que Peluso pratica “supreme bullying”. Bullying contra o povo Um confronto nesses termos é expressão de um rebaixamento da vida institucional brasileira. Não atinge só o Judiciário, não! Também se verifica no Executivo, no Legislativo, na imprensa… Uma baixaria como essa seria impossível em democracias como os EUA, a Alemanha, a França… E também seria impossível em ditaduras como o Irã ou a Arábia Saudita. Isso aponta para o fato de que estamos vivendo num regime de democracia rebaixada. As instituições estão aí, saudáveis na letra da lei, mas submetidas a especulações e ataques constantes — inclusive por parte dos agentes públicos que têm a função de preservá-las. Peluso jamais deveria ter dito o que disse do colega — não, ao menos, enquanto estiver no tribunal. Está há poucos meses, se for o caso, de dizer tudo o que lhe der na telha. Seu papel institucional o impede de fazê-lo hoje. O que praticou nada tem a ver com sinceridade ou transparência. É só depredação do necessário decoro. A resposta de Barbosa é, então, um descalabro total. Está pautada pelo mau espírito que consiste no seguinte: “Ah é? Já que ele me deu um chute na canela, então avanço com a navalha na sua jugular; quem mandou começar?” É isso o que a sociedade brasileira espera de seus ministros do Supremo? Que se comportem como moleques de rua? Contentes estão os mensaleiros. Contenstes estão os vagabundos. Contentes estão os criminosos. Nessa via em que o debate transitou, os meliantes são especialistas. É evidente que o Supremo não passaria incólume à decadência mais geral. Eu só não contava que pudesse mergulhar tão fundo. E algo que me diz que a coisa não vai parar por aí. Vem pela frente o julgamento do mensalão. Vários venenos de efeito retardado foram inoculados na corte. Todos os países que involuíram para regimes de força ou autoritários assistiram antes à decadência do Judiciário. Peçam desculpas aos brasileiros, senhores! Eles lhes pagam um belíssimo salário para que zelem pela Constituição, não para que se comportem como arruaceiros de botequim. Por Reinaldo Azevedo

O fascismo argentino

A Argentina caminha cada vez com maior velocidade rumo ao caos. A última das medidas obtusas da presidente Kirchner foi a expropriação da Repsol, empresa espanhola que controlava a YPF. Como o WSJ e a The Economist chamaram o ato, sem eufemismo, representa o velho e simples roubo. O governo argentino é uma quadrilha de gatunos, e preocupa o silêncio diplomático do Brasil sobre o caso. Já o companheiro Chávez, outro larápio, aplaudiu a medida, como era de se esperar. Miriam Leitão, em sua coluna de hoje no Globo, revela um fato estarrecedor. A presidente Kirchner teria visitado uma empresa brasileira na Argentina e questionado porque certo produto não estava sendo vendido no mercado doméstico. O empresário, então, explicou que o produto não era do gosto argentino, e por isso era apenas exportado. Ela relata o resto: “No dia seguinte, o empresário recebe um telefonema de Moreno, que o manda pôr no mercado o tal produto e informa a que preço deve ser vendido. O empresário avisa que aquele preço dá apenas para cobrir o custo da embalagem. Moreno liga então para a empresa fornecedora e dita o preço que ele vai fornecer a embalagem. A empresa pede desconto no custo da energia. E recebe.” Moreno é o manda-chuva do governo, que costumava despachar com u revólver em cima da mesa. A desgraça argentina serve para duas coisas ao menos: 1) mostrar como a esquerda radical, no fundo, aproxima-se do fascismo, que ainda é tido como “direita” por muita gente (a propriedade privada existe de jure mas não existe de facto, pois o governo controla tudo na economia, assim como faz no socialismo); 2) alertar aos brasileiros que o perigo mora ao lado, pois muitos petistas sonham em seguir nesta mesma trajetória (vale lembrar que o CEO da maior empresa privada do país foi demitido porque o governo assim quis).Por: Rodrigo Constantino

Joaquim Barbosa critica Puluso

Vice-presidente do STF acusa presidente anterior de agir de forma “inconstitucional” e “ilegal” O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa atacou duramente o ex-presidente da Corte Cezar Peluso. Joaquim Barbosa chamou Peluso de “ridículo”, “brega”, “caipira”, “corporativo”, “desleal”, “tirano” e “pequeno” em entrevista à jornalista Carolina Brígido, disponível para assinantes do jornal “O Globo”. Mas para além dos ataques mais pessoais, o mais relevante foi uma acusação feita por Joaquim Barbosa: “Peluso inúmeras vezes manipulou ou tentou manipular resultados de julgamentos, criando falsas questões processuais simplesmente para tumultuar e não proclamar o resultado que era contrário ao seu pensamento”. Trata-se de acusação gravíssima. Se o ex-presidente do STF de fato cometeu tal manipulação, é necessário investigar. Abre-se uma crise institucional. O “Globo” explica que Joaquim dá como exemplo do que seria a manipulação de Peluso julgamentos de políticos por causa da Lei da Ficha Limpa. Eis o que diz o ministro Joaquim Barbosa: “Lembre-se do impasse nos primeiros julgamentos da Ficha Limpa, que levou o tribunal a horas de discussões inúteis; [Peluso] não hesitou em votar duas vezes num mesmo caso, o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável”. Esse caso seria o do julgamento de 14.dez.2011 no qual o STF livrou Jader Barbalho da Lei da Ficha Limpa e assim deu ao político do Pará o direito de voltar ao Senado. Esse julgamento estava empatado em 5 a 5 (o tribunal tem 11 integrantes). À época, o STF divulgou uma nota a respeito: “Diante do impasse, a defesa de Jader ingressou com o requerimento [para que fosse usado o voto de qualidade], que foi apresentado ao Plenário pelo presidente Cezar Peluso. ‘Consulto o plenário se está de acordo com a proposta?’, questionou o presidente. A decisão pela aplicação do dispositivo foi unânime. O relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, não participou da decisão porque está de licença médica”. Joaquim considerou a atitude de Peluso errada: “[Peluso] cometeu a barbaridade e a deslealdade de, numa curta viagem que fiz aos Estados Unidos para consulta médica, ‘invadir’ a minha seara (eu era relator do caso), surrupiar-me o processo para poder ceder facilmente a pressões…”. Joaquim Barbosa dá a entender que se considera vítima de preconceito de cor dentro do STF, ele que é o primeiro ministro negro da Corte. “Alguns brasileiros não negros se acham no direito de tomar certas liberdades com negros”, declarou na entrevista. E mais: “Ao chegar ao STF, eu tinha uma escolaridade jurídica que pouquíssimos na história do tribunal tiveram o privilégio de ter. As pessoas racistas, em geral, fazem questão de esquecer esse detalhezinho do meu currículo. Insistem a todo momento na cor da minha pele. Peluso não seria uma exceção, não é mesmo?”. As declarações de Joaquim Barbosa foram dadas, em parte, como resposta a uma entrevista concedida por Cezar Peluso ao site “Consultor Jurídico” em 18.abr.2012. Peluso nessa entrevista chama Barbosa de “inseguro”. Ao ser indagado o que achava de ter sido chamado de “inseguro”, Barbosa respondeu: “Permita-me relatar um episódio recente, que é bem ilustrativo da pequenez do Peluso: uma universidade francesa me convidou a participar de uma banca de doutorado em que se defenderia uma excelente tese sobre o Supremo Tribunal Federal e o seu papel na democracia brasileira. Peluso vetou que me fossem pagas diárias durante os três dias de afastamento, ao passo que me parecia evidente o interesse da Corte em se projetar internacionalmente, pois, afinal, era a sua obra que estava em discussão. Inseguro, eu?”.Por: Fernando Rodrigues

Entrevista com: Cesar Peluso, O Juiz

“O Poder Executivo no Brasil não é republicano. É imperial”. Essa foi a conclusão a que chegou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, diante do descumprimento da Constituição e das decisões do STF, pelo Palácio do Planalto, em matéria orçamentária, no ano passado. “Temos um Executivo muito autoritário”, conclui, ao lamentar a falta de independência do Congresso. O desabafo foi feito pelo ministro a este site, que hoje publica a parte final de sua entrevista. Cezar Peluso, que se despede da Presidência do STF esta semana, revela aqui que o grande padrinho para sua nomeação como ministro, apesar do esforço do então ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos, foi o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. A respeito de uma grande curiosidade da comunidade jurídica — se o ministro Joaquim Barbosa assumirá ou não o comando do tribunal — Peluso não duvida: “O Joaquim assume sim (...) Ele não recusará a Presidência do tribunal em hipótese alguma”. Problemas na coluna ele não tem, informa o ministro, baseado em informação do especialista Paulo Niemeyer. Peluso só receia pela capacidade do colega de bem relacionar-se com os demais ministros e com os advogados, em virtude de sua insegurança. Neste quarto capítulo de sua entrevista, que começou a ser publicada no domingo, o ministro fala de sua preocupação com a onda populista que varre o Judiciário brasileiro e prevê que o STF tende a posicionar-se cada vez mais alinhado com a opinião pública. Ele lamenta não ter conseguido implantar um sistema de “consultas prévias” entre os ministros, para tornar as sessões mais céleres e evitar bate-bocas desnecessários, mas gaba-se de ter apaziguado a casa e reduzido, em sua gestão, as brigas que expunham o tribunal. Sobre a corrupção, assunto de 90% das manchetes da imprensa brasileira, Cezar Peluso não esconde sua opinião: “A corrupção é um produto desta sociedade”. Ainda esta semana o site passa a publicar depoimentos e artigos sobre a passagem de Peluso pelo STF. Leia a surpreendente entrevista do presidente do STF: ConJur — Qual seu legado nesses curtos dois anos de Presidência? Cezar Peluso — Melhorei a máquina administrativa do tribunal, que é algo que não aparece, não são obras com placa de inauguração. Tomamos uma série de medidas importantíssimas na área administrativa, sobretudo na questão dos processos de repercussão geral. Esse é um instituto novo, não estava regulamentado. Essas medidas administrativas foram no sentido da ligação do Supremo com os demais tribunais. Pois essa, digamos, "ferramenta" da Súmula Vinculante tem um aspecto bastante complexo e é nesse contexto que precisamos da regulamentação, da criação de procedimentos. Fomos aos poucos regulamentando, criando mecanismos administrativos para dar feição a essas ideias. Terminamos uma rodada de reuniões nesta sexta-feira (23/3) com os presidentes e vice-presidentes e servidores dos tribunais do Brasil inteiro para afinar a sintonia com o Supremo. Existem temas repetitivos dos tribunais estaduais e locais que podem sobrestar, e que estão esperando uma uniformização por parte do STF, e isso pode criar dúvidas. Esse assunto é complexo. Iremos dar total transparência para a situação desses processos no site do STF. O cidadão poderá acessar esses processos e verificar onde estão e há quanto tempo estão, que decisões foram tomadas, o que está acontecendo. Qual o seu número e quando estão pautados para entrar em julgamento. É uma radiografia total da situação, dentro do Supremo, em relação a cada ministro e ao plenário. Além de ser transparente, para advogados em particular, mas para qualquer cidadão, esse é um instrumento de gerenciamento que irá permitir, por exemplo, saber que um processo que trata de matéria específica deu entrada cinco anos atrás e é necessário dar prioridade a ele. Antes não havia isso. Ninguém sabia. Ninguém tinha acesso aos processos em andamento do STF, nem se fez levantamento tão minucioso. O futuro presidente do STF receberá agora esse legado, terá esse material e levantamento histórico na mão e poderá estabelecer prioridades. Esse instrumento de gestão é importantíssimo. ConJur — Trata-se de criar um banco de dados no Supremo? Cezar Peluso — Exato, e isso é algo que antes não havia. Hoje, praticamente não se trabalha mais com papel, tornamos praticamente definitivo o processo eletrônico. Todos os processos originados no Supremo, ações de inconstitucionalidade, habeas corpus, tudo hoje é eletrônico. Não se aceita mais nada em papel, exatamente para implantar o sistema eletrônico. Temos até cálculos, nessas informações, da economia de tempo, gerando eficácia. ConJur — Há pouco o STF julgou um processo de 1953. Cezar Peluso — Sim, fui o relator. Esse processo sofreu uma série de vicissitudes fortuitas. Aconteceu praticamente tudo o que se pode imaginar. Primeiro por envolver uma transação absolutamente gigante, pois o estado de Mato Grosso doou um mundaréu de terras divididas entre várias empresas colonizadoras. Era uma extensão duas vezes maior que o estado do Sergipe. A área de terra é de 42 mil quilômetros quadrados. Distribuiu para duas dezenas de colonizadoras com a obrigação de que ocupassem o território e o desenvolvessem. As colonizadoras fracionaram esses terrenos imensos, venderam lotes, foram criadas cidades, estradas, hospitais, abrindo lavouras, enfim, estimulando o desenvolvimento da região dentro do programa Marcha para o Oeste do governo Getúlio Vargas. Essa era uma parte do programa, mas o estado do Mato Grosso se esqueceu de que a Constituição de 1946 exigia que, para realizar essas doações ou concessões de domínio, o estado deveria pedir autorização para o Senado. Eles não pediram essa autorização e em 1953, quando se iniciou a demanda, já fazia anos que aquilo estava em andamento e execução. A União resolveu entrar com uma ação para anular essas concessões e se criou um problema de grandes dimensões, pois naquela altura não eram mais apenas aquelas duas dezenas de colonizadoras. Elas haviam vendido as terras para milhares de pessoas. ConJur — Sobretudo a colonos vindos dos estados do Sul do país. Cezar Peluso — Sim, era agora uma questão de propriedades particulares, as empresas vendiam os lotes em cotas, trouxeram gente do sul, o agricultor comprava o lote, às vezes não se adaptava ou não dispunha de conhecimentos técnicos para realizar exploração e acabava vendendo para terceiros. E aí temos uma sucessão de proprietários e todas essas pessoas tinham de ser citadas no processo, afinal era a propriedade deles que estava em jogo. Imagine citar esse mundo de gente envolvida, e isso foi passando pela mão de vários ministros. Quando estava mais ou menos pronto para esse processo ser julgado anos atrás, se percebeu que faltava citar outros proprietários originais, que não se sabia onde estavam. Aí retomaram as diligências para corrigir a falha. Houve uma época em que a União percebeu que esse era um processo irreversível, na verdade tratava-se da dinâmica de urbanização, colonização e ocupação do território brasileiro, uma situação irreversível. Não seria possível voltar atrás na construção de vilas, cidades. A União desistiu do processo, isso não foi homologado e, portanto, o processo continuou. Quando assumi, tomei as últimas providências para que esta Ação Civil Originária 79 fosse julgada, pois era o processo mais antigo em andamento no Supremo. Fizemos o julgamento na semana passada. Quero ir embora, mas quero resolver essas histórias. ConJur — Mas os ministros Lewandowski, Marco Aurélio e Ayres Brito não entenderam assim a questão, afinal, parece que não foram exatamente os pobres de Mato Grosso os principais beneficiários. Marco Aurélio disse que se estava jogando a Constituição no lixo. Cesar Peluso — O problema é que o tribunal entendeu — e a meu ver com toda a razão, e propus isso — que desfazer hoje essa concessão, que tem mais de 60 anos, um erro do começo dos anos 1950, implicaria teoricamente destruir cidades, aeroportos, seria uma situação indescritível. Isso seria um despropósito sobre uma situação que está consolidada e que é irreversível. A terra voltaria para o estado de Mato Grosso? Hoje o estado está dividido. Acho que foi uma solução sensata do tribunal. ConJur — Como é ser ministro em Brasília? Cezar Peluso — Ser ministro é muito honroso, sem dúvida. Mas é muito penoso, em termos de serviço. A gente não tem hora. Antes eu achava que trabalhava muito, de sábado, domingo. Mas aqui em Brasília o volume de trabalho não é possível explicar, só vivendo. Há 30 funcionários no meu gabinete, como se fosse uma pequena empresa. São seis assessores, analistas de diversos graus que organizam, recolhem materiais, para que eu possa estudar os processos. Quando cheguei ao STF, peguei 12 mil processos à minha espera. As sessões são às terças, quartas e quintas. Elas começam às 2h da tarde e não têm hora para terminar. ConJur — Como foi a convivência com personagens tão díspares como os ministros Marco Aurélio, Joaquim Barbosa ou Nelson Jobim? Cezar Peluso — São ministros oriundos de áreas de diversas e isso é importante, eles têm ricas contribuições, com pontos de vista diferenciados. Veja o caso do ex-ministro Nelson Jobim: ter vivência da área política foi seu grande diferencial. O que alguns acham que era uma falha do Jobim na verdade era sua grande qualidade. Como ele veio da área política, havia a impressão de que lhe faltava compromisso com o Judiciário. Pelo contrário, é um homem dotado de grande espírito público. Sua atuação na Presidência do STF me surpreendeu, ele quis marcar sua administração por um avanço significativo da função do Judiciário. E justamente por não ter vícios de origem e espírito de corporação exerceu a visão global, foi aberto para compreender as preocupações das diferentes áreas. Isso foi importante e fez a diferença. Ele presidiu o tribunal numa época crucial de mudanças no Judiciário, e isso não poderia ter sido conduzido de modo melhor, pois o Jobim tinha exatamente a visão política do todo, de não ficar preso a miudezas do dia a dia do Judiciário. Ele foi capaz de chegar ao macro e perceber os pontos de estrangulamento do Judiciário. Não é que apenas a questão de que o juiz trabalhe pouco, ou porque tem pouco juiz em um determinado estado, o problema tem outros vieses. E ele fez levantamento de tudo isso. ConJur — Como, por exemplo, o excesso de recursos e demandas que o próprio governo cria? Cezar Peluso — Não é só o governo. O Jobim fez um levantamento no Rio de Janeiro identificando um grupo de empresas que se serve do Judiciário para ganhar tempo em determinadas causas que sabem que terão de pagar; mas com a demora, aplicam o dinheiro e acabam lucrando. Um escândalo. Usam o Judiciário para tirar proveito, sabem que demorar a pagar é mais rentável. E isso paralisa o Judiciário. ConJur — Como é ver o sistema do Judiciário e da Justiça desde o centro do país? O que mudou em sua percepção? Cezar Peluso — Sou muito ligado à Justiça estadual, que é a Justiça mais próxima do povo, do cidadão, sem dúvida. Preocupo-me com ela e suas reivindicações. Mas também sou um crítico da Justiça estadual, conheço sua realidade, sei os pontos que deveriam ser mudados. Mas daqui de Brasília, a percepção muda ao ver que as coisas são mais graves do que se percebia quando estava em São Paulo. Há um problema na Justiça de São Paulo, gravíssimo, que é a falta de recursos. Agora, tirando isso, a Justiça de São Paulo é modelar. Mas no âmbito nacional, há problemas graves, sobretudo nas regiões mais longínquas. Uma das coisas que me convenceram a aderir à proposta do Conselho Nacional da Justiça no período de sua implantação foi haver convivido mais de perto com esses sérios problemas da Justiça no Brasil como um todo. ConJur — E havia a discrepância gritante em termos de salário. ConJur — São Paulo é o estado que pior paga a seus juízes. E há outra distorção: o número de entrâncias, de degraus, é enorme. Na Justiça Federal são duas ou três. Então, há uma diferença maior de vencimentos entre os diferentes níveis. Tive alunos, na época em que lecionava na PUC-SP, que passaram nos dois concursos, para juiz estadual e federal, e disseram: “professor, não tem jeito, gosto muito da Justiça estadual, mas não dá”. E essa situação não depende do Judiciário, mas do Executivo estadual, que precisa ter maior sensibilidade para isso. No longo prazo, o Executivo degrada a qualidade dos quadros funcionais da magistratura do estado. ConJur — Alguns pesquisadores dizem que não é o CNJ que resolverá o problema do Judiciário, mas sim uma injeção maciça de dinheiro para informatizar, adequar, melhorar as instalações. Cezar Peluso — Eu mesmo fiz críticas como essa. Essa censura que me fazem, dizendo que mudei de ponto de vista, é injusta. Sempre fui claro. Examinando a crise do Judiciário, achava que a criação do Conselho era um instrumento válido, mas não o principal para resolvê-la. Os problemas macro do Judiciário são dois: o primeiro é a demora excessiva. Embora haja demora no mundo inteiro, aqui ela não é razoável. O segundo é a grande massa da população sem acesso ao Judiciário. Os marginalizados, os excluídos da cidadania, não sabem de seus direitos. E mesmo que soubessem, não têm instrumentos para viabilizar o acesso ao Judiciário. Pois o sujeito que mora na roça, ou na periferia, não tem acesso a um advogado, que mora ou atua no centro da cidade. A organização estatal de assistência judiciária é precária. Alguns estados ainda não se moveram para efetivar as defensorias públicas. A Justiça funciona basicamente para a classe média e para um grupo de empresas. Porque até as grandes empresas já não vão ao Judiciário, só em alguns casos. Preferem arbitragens em escritório de advocacia. Essa é a grande questão da Justiça, ser uma Justiça para todos. Mas, repito, não se pode falar em reforma séria do Judiciário sem tocar no orçamento. São Paulo, que do ponto de vista econômico é o estado mais forte, só agora está começa a informatizar seu tribunal. Não por negligência da direção do tribunal, mas por absoluta falta de dinheiro. ConJur — Qual foi o momento de mais felicidade como ministro do STF? Cezar Peluso — Fora o momento da posse, nada de excepcional. Acho que nós julgamos assuntos muito importantes, alguns julgados rapidamente atendendo as demandas da sociedade, o Supremo respondeu bem a essa demandas, sobre a união homoafetiva, a diversidade de opinião, a lei de imprensa, tivemos 15 ou 20 decisões de grande repercussão social. O que me deixou de consciência tranquila é que, de certo modo, o tribunal se apaziguou um pouco durante minha gestão. Sabemos dos diálogos exacerbados entre os ministros, que aconteceram no passado. Durante minha gestão isso não aconteceu em nenhum momento. Tentei conduzir as reuniões do Plenário de uma maneira tranquila, de alto nível. Não houve nenhum episódio que relembrasse os atritos anteriores. Acho que minha moderação na direção do Supremo ajudou a refrear um pouco o entusiasmo ou o estado de ânimo, permitindo que o tribunal decidisse sem se expor. As brigas anteriores expunham muito o tribunal. Além da parte administrativa, que a gente fala que é a parte subterrânea, que não se vê, está tudo organizado. A Central do Cidadão é algo importante e eficiente, atende qualquer demanda, as coisas andam rapidamente. Do ponto de vista interno do funcionamento do tribunal, demos passos importantes. Claro que alguns problemas ficam fora do nosso controle. Como presidente do Supremo, não tenho tanto poder assim. E defendi as prerrogativas do Supremo naquele confronto com a Presidência da República na questão do orçamento. A Presidência descumpriu a Constituição, como também descumpriu decisões do Supremo. Mandei ofícios à presidente Dilma Rousseff citando precedentes, dizendo que o Executivo não poderia mexer na proposta orçamentária do Judiciário, que é um poder independente, quem poderia divergir era o Congresso. Ela simplesmente ignorou. Aí fomos obrigados a tomar atitudes públicas de defesa, o que gerou aquela confusão toda no ano retrasado. ConJur — E qual foi a conclusão? Cezar Peluso — Isso foi para o Congresso e ele resolveu ignorar o Judiciário, pois o governo tem a máquina da maioria. ConJur — Esse parece ser o problema maior do sistema brasileiro, manter a maioria. Cezar Peluso — E o Congresso ensaiou tomar atitude de certa independência. Vários líderes, tanto do Senado como da Câmara, vieram dizer que iriam aprovar nosso orçamento contra a vontade do Palácio do Planalto. Na época, o Arlindo Chinaglia [deputado federal do PT-SP], que era o relator do orçamento, esteve comigo, ele não falou diretamente, mas deu a entender que tomaria uma atitude de independência. Mas o poder de fogo do Executivo é grande, eles acabaram não tomando atitude, curvando-se ao "toma lá, dá cá". Temos um Executivo muito autoritário. É um Executivo imperial, não é um executivo republicano. ConJur — Seria resultado de uma Constituição que começou inspirada no Parlamentarismo e se transformou em Presidencialista, até por pressão do Executivo, na época, o governo Sarney? Cezar Peluso — É uma Constituição inspirada em alguns princípios parlamentaristas, mas aplicados num regime presidencialista e com caráter autoritário. Não dá muito certo, não. Mas me foi perguntado o que me deixou feliz, sem me arguir sobre minhas frustrações. E uma delas foi não ter conseguido implantar um sistema de conversas e consultas prévias antes dos grandes julgamentos. Há um projeto de emenda regimental que não quis apresentar ainda, que propõe fazer reuniões prévias e reservadas para discutir um assunto antes do julgamento, para evitar ficar “batendo boca” durante a sessão. Isso seria fundamental. É trocar ideias, não é querer fazer conchavos. É expor a opinião, uma discussão preparatória para depois cada um tomar a decisão em reservado. Não fazemos isso e vamos para o plenário e aquilo vira aquele “furdunço”. Muitas vezes até se percebe que o sujeito esta formando um raciocínio durante a discussão. ConJur — No começo de sua administração, o senhor não compartilhava seus projetos, como a PEC dos Recursos. Cezar Peluso — É uma opinião minha, e a considero acertada. A reação contra a PEC não é uma reação de lógica jurídica ou socioeconômica, é uma reação de certo viés corporativista por parte de advogados beneficiários da indústria dos recursos, da protelação e de ciúme intelectual. A causa principal dos atrasos dos processos no Brasil é a multiplicidade de recursos e, especificamente, o nosso sistema de quatro instâncias. A PEC só não foi votada porque o Dornelles complicou. Quem o senador Francisco Dornelles representa? Ele é do PP [Partido Progressista] ou do BB, dos bancos e bancas? Estes são os grandes interessados na discussão do sistema. O Dornelles é senador pelo Rio de Janeiro, mas de fato representa os interesses dos bancos e representantes das grandes bancas de advocacias de Brasília. Ele travou a votação da PEC. Mas todo mundo está insistindo com ele para acabar logo e Marta Suplicy diz que irá votar agora na Comissão de Constituição e Justiça. Vai fazer audiência e colocará para discutir. A maioria do Senado é favorável à PEC 15. Não propus em nome do Supremo, dei uma ideia e o senador do Espírito Santo Ricardo Ferraço (PMDB) foi lá e pegou a minha ideia, nem me perguntou ou consultou, apresentou a PEC e veio trazer a cópia. Eu disse: “Mas não é isso o que eu tinha em mente”. Aí o senador Aloysio Nunes Ferreira, que é o relator, restabeleceu o meu pensamento. Aí o substitutivo do Aloysio é exatamente o que eu pensava. ConJur — Num congresso coalhado de advogados o senhor acha que passa? Cezar Peluso — Passa, passa, porque a lógica é irrefutável. Na maior parte dos países são duas instâncias, excepcionalmente na Comunidade Europeia, em que o conselho recomenda que “se estabeleça uma terceira instância só em casos excepcionais”. Na Europa, a maioria é duas. ConJur — O que o senhor fará depois de aposentado? Cezar Peluso — Vou dar uma resposta absolutamente sincera: não sei ainda. Não estou preocupado. Estou absolutamente preparado. ConJur — Se a PEC dos 75 anos passasse amanhã, o senhor ficaria? Cezar Peluso — Não sei mais. Antes eu ficaria, agora não sei mais. A minha cabeça está pronta para ir embora. ConJur — O TJ do Rio tem um serviço de acompanhamento psicológico para juízes que se aposentam. Cezar Peluso — [risos]Tivemos um caso aqui em São Paulo, o do Flávio Torres, um desembargador famoso, não tinha filho, ele não fazia outra coisa na vida a não ser viver para o tribunal. Se aposentou e, dias depois, teve um enfarte fulminante. O desembargador Yussef Said Cahali teve um derrame. Ele perdeu ao mesmo tempo o cargo de desembargador e a cadeira na faculdade, por haver chegado à idade limite. ConJur — O senhor se preocupa com o futuro do STF? Cezar Peluso — Irei sair do tribunal daqui a pouco e me preocupo sim com a sucessão. Outro dia, alguém falava sobre o sistema de indicação. Mas não existe isso de "sistema melhor de indicação". A qualificação é importante, mas algumas indicações podem ser preocupantes em relação ao que irá acontecer. ConJur — Com as oscilações de saúde, o ministro Joaquim Barbosa assume após o ministro Ayres Brito? Cezar Peluso — O Joaquim assume, sim. Viram como ele está comparecendo ao Plenário? Teve uma melhora grande, antes quase não aparecia. Agora, comparece a todas as sessões. Ele não recusará essa Presidência em circunstância alguma, pode ficar tranquilo. Tem um temperamento difícil, não sei como irá conviver, primeiro com os colegas. Não sei como irá reagir com os advogados, pois tem um histórico desde o episódio com o Maurício Correia [ministro aposentado do Supremo. Em 2006, Joaquim Barbosa, no Plenário, sugeriu que o então presidente do STF fazia tráfico de influência]. Também não sei como irá se relacionar com a magistratura como um todo. Isso já é especular. Ele é uma pessoa insegura, se defende pela insegurança. Dá a impressão que de tudo aquilo que é absolutamente normal em relação a outras pessoas, para ele, parece ser uma tentativa de agressão. E aí ele reage violentamente. ConJur — A insegurança para o debate o faz resistir aos advogados? Cezar Peluso — A impressão que tenho é de que ele tem medo de ser qualificado como arrogante. Tem receio de ser qualificado como alguém que foi para o Supremo não pelos méritos, que ele tem, mas pela cor. ConJur — Mas ele tem problema com a coluna? Cezar Peluso — A coluna dele é perfeita, não tem nada de errado, ele tem problema nos quadris. O especialista Paulo Niemeyer no Rio diz que ele não tem problema na coluna, tem problema no quadril. Mas o certo é que alguma coisa ele tem, mesmo. Ter de ficar de pé, ficar tanto tempo de licença... ConJur — E quanto aos demais ministros? Cezar Peluso — O Gilmar Mendes tem ambições acadêmicas, acho que não irá ficar muito tempo no tribunal. Talvez ele se decepcione com o andamento da Corte, mas são conjecturas. Ele é o último indicado pelo Fernando Henrique Cardoso. O ministro Celso de Melo está ameaçando sair faz tempo. Não sei até quando fica. ConJur — Acha que o Supremo irá encolher em importância? Cezar Peluso — Não sei o que irá acontecer, mas é preocupante. Há uma tendência dentro da corte em se alinhar com a opinião pública. Dependendo dos novos componentes. ConJur — O clamor social é o clamor da mídia. A sociedade quer linchamento. A sociedade não é contra a corrupção, ela é contra a corrupção do outro. Cezar Peluso — A corrupção é um produto desta sociedade. O que me chamou a atenção e me fez entender uma série de coisas, foi quando li uma pesquisa realizada há uns três ou quatro anos, uma consulta feita entre jovens de 16 a 21 anos. Uma das perguntas era: você, para subir na vida, ser bem sucedido economicamente, seria capaz de fazer qualquer coisa do ponto de vista ético? E esses jovens responderam que sim. Uma sociedade com uma juventude que não vê limites éticos nem morais para ser bem sucedida economicamente só pode resultar em uma sociedade de corruptos. Os corruptos não nascem por geração espontânea ou de ETs e discos voadores. ConJur — O repórter da TV Globo se fez passar, com anuência do diretor de um hospital do Rio de Janeiro, por chefe de compras da instituição, entrevistando várias pessoas. E o Código de Ética do Jornalista Brasileiro diz que o repórter não pode utilizar o recurso da falsa identidade. Cezar Peluso — Na área penal, chama-se de flagrante preparado. O sujeito prepara um flagrante para induzir a pessoa a cometer o crime. Não é crime. O que notei nessa crise toda é que a Folha de S.Paulo, e isso me espantou muito, quando repercutia uma série de queixas do conselheiro Marcelo Nobre sobre o CNJ, não identificava a fonte. Isso contrariava os princípios da Folha. Ou o repórter sabe por ciência própria ou ele tem de dizer qual é a fonte. O repórter escreveu: “conselheiros falavam”. Quem? Nunca citaram os nomes. ConJur — O senhor está em excelente forma física. Cezar Peluso — Jogo tênis e faço musculação. ConJur — Com quem do Supremo já jogou tênis? Cezar Peluso — Ninguém de lá sabe jogar tênis. Então, contrato um professor e em todos os dias e horários marcados ele esta lá. Quando os amigos combinam de ir jogar, geralmente o outro não vai e não dá para praticar sozinho. Então acho mais prático contratar o professor. Momentos decisivos, a nomeação para o STF A esposa do presidente, Lucia de Toledo Piza Peluso, chega em casa acompanhada de uma amiga e participa por alguns momentos da conversa. Comenta-se sobre uma eventual aprovação da PEC dos 75 anos [Proposta de Emenda à Constituição 11/2005, que altera de 70 para 75 anos o limite de idade para a aposentadoria compulsória de servidor público], um projeto irrefutável, pois quando esse teto foi estabelecido, há mais de 50 anos, a expectativa de vida dos brasileiros era de 55 anos. Hoje ela está em 73,5 anos. A aposentadoria compulsória de servidores públicos dispensa uma mão de obra qualificada. E levando em conta que só fica na ativa quem quiser, ela não provocará mal a ninguém. ConJur — A senhora acha que, se fosse aprovada a PEC dos 75 anos, o ministro Peluso deveria continuar no STF? Lucia Peluso — Tem tanta coisa que ele poderia fazer! Acho que para o Supremo será uma perda. ConJur — Como descreve a carreira dele? Lucia Peluso — Foi uma carreira construída passo a passo. Ele se fez sozinho, um homem determinado que desde a época de estudante sempre foi vocacionado. Ele já estudava, fazia faculdade pensando em ser juiz. Ele se preparou arduamente, varava noites, madrugadas estudando. Eu o conheci na faculdade. [Peluso intervém: "Lúcia foi minha caloura, quase dei trote nela" (risos)]. Foi com empenho e dedicação que ele construiu a carreira. Fez isso com sacrifico pessoal e familiar. Fez concurso logo que atingiu a idade exigida na época, pouco após sair da faculdade. Entrou no primeiro concurso de que participou e foi para o interior, com filho pequeno, com todas as dificuldades que havia naquela época. São Sebastião não tinha estrada. Em dia de chuva, era aquele lamaçal. Mas ele nunca desanimou. E depois fomos para a divisa com Minas, Igarapava, terra vermelha roxa, não tinha nada, era quase uma cidade fantasma. Foi presidente do orfanato. Era uma comarca que ninguém queria. Mas ele deixou a sua marca. Depois, veio para São Paulo. Ele construiu a carreira sozinho, nunca teve ninguém para ajudar. Não teve parente ou um figurão. ConJur — A senhora já presenciou alguma grosseria por causa de voto ou decisão dele? Lucia Peluso — A gente escuta comentários de pessoas, não de amigos. Uma vez houve uma votação do Supremo tendo como tema uma causa que era do interesse do governo. E eles decidiram a favor, pois era a decisão que concretamente o Cezar achava que deveria tomar. Estávamos voltando de Brasília para passar o final de semana em casa, e já no ônibus do aeroporto a caminho do avião, ele estava em pé e segurava a minha mão, veio uma pessoa e comentou com o acompanhante “Viu a decisão do Supremo hoje?”. E nós dois com cara de paisagem. O outro retrucou: “O que você queria? São todos ministros comprados pelo Lula” [risos]. Não fomos reconhecidos, mantivemos a mesma cara de paisagem. ConJur — Ministro, como o senhor vê isso, no seu caso: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter nomeado uma pessoa do lado oposto de seu arco ideológico? Cezar Peluso — Isso que irei dizer é uma interpretação puramente subjetiva de minha parte. No começo, o Marcio Thomaz Bastos [advogado e ex-ministro da Justiça] estava bancando o meu nome com certa força, pois ele me conhecia de longa data. Mas houve um momento em que até ele achou que a minha candidatura tinha ido por água abaixo. Acho, e que isso fique claro, que o Dom Paulo Evaristo Arns escreveu uma carta que foi decisiva. Houve a carta. Foi um apoio importante, pois ele me conhecia, havíamos participado de vários encontros, no grupo de juízes na época do regime autoritário. Como já contei, nos reuníamos periodicamente com várias pessoas, leigas e padres também, para discutirmos a realidade brasileira. Várias vezes levei o Dom Paulo para casa depois dessas reuniões, e íamos discutindo assuntos daquele momento. Mas concorria comigo para a vaga do STF um juiz ligado à Associação dos Juízes pela Democracia [o juiz, hoje desembargador Dyrceu Aguiar Dias Cintra Jr.], que tinha apoio de toda a esquerda, até do MST, ele era ligado ao PT. O Lula ficou sensibilizado com isso. O que eles fizeram? Um amigo ou amiga desse juiz conseguiu uma carta de apoio do cardeal endereçada ao Lula. ConJur — O que deve ter sensibilizado ainda mais. Cezar Peluso — Então, o desembargador [Antonio Carlos] Malheiros soube disso e veio me contar. Segundo seu entender, o cardeal, como homem bondoso, endereçou a carta, pois não iria falar o contrário e nem falar mal de ninguém. Então, o Malheiros sugeriu que eu contasse essa história para um padre conhecido seu: “O cardeal precisa tomar uma atitude e ele não quer tomar. Ele disse que não queria se envolver mais nessa história”. Tive o encontro com esse padre, conversamos. E esse padre foi até o cardeal, segundo o Malheiros me contou depois: “Vossa eminência sempre falou que devemos ser fiéis à verdade, e o senhor se colocou em uma situação ambígua. Então, é preciso dizer ao presidente Lula e deixar claro que o seu candidato é o desembargador Peluso”. O Dom Paulo Evaristo Arns então escreveu essa segunda carta, que não cheguei a ler. Mas fiquei três meses em uma tensão tremenda, não conseguia trabalhar, o dia inteiro recebia telefonemas: “Está nomeado”, “Não está nomeado”, “Fulano está apoiando”. Foi um inferno! ConJur — Qual o momento mais constrangedor como presidente do STF? Cezar Peluso — [Longa pausa.] Passei por um momento muito difícil e constrangedor com a morte da magistrada do Rio de Janeiro [juíza da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, Patrícia Acioli]. Considero um momento grave na função de presidente do Supremo e do CNJ. ConJur — E qual foi o momento de pura felicidade, em que se sentiu em estado de graça? Cezar Peluso — Quando tomei posse na Presidência e revi pessoas que jamais pensei que iria rever na vida. Compareceu o meu diretor do Colégio Estadual Arnolfo de Azevedo, de Lorena. É um homem muito inteligente, e avançadíssimo no seu tempo. Ele era socialista naquela época. Esteve lá para me cumprimentar e me enviou uma carta, relembrando meu tempo de aluno. Vieram uma professora de Portugal, que é muito amiga, dois representantes da Corte portuguesa. Família, amigos, alunos... Foi um momento de pura emoção, um momento irrepetível. Carlos Costa é jornalista, professor da Faculdade Cásper Líbero e editor da revista diálogos & debates.

Argentina, e depois o Brasil? A decadência das Nações

Sempre me impressionou, como a Argentina, segundo PIB per capita do mundo em 1900, entrou em 100 anos de decadência. O bom senso me dizia que em algum momento o país criaria vergonha e colocaria as coisas em ordem. Infelizmente, é possível entrar numa decadência eterna. Vide Portugal com 500 anos de decadência, vide a Grécia com 2000. Por que países e civilizações entram em colapso? Existem 50 explicações, desde aquelas formuladas por Edward Gibbon, Toynbee, Oswald Spengler, Jared Diamond, e outros. Argumentam que foram guerras, uso intensivo de recursos, parasitismo da classe dominante, ciclo natural das coisas, velhice, e assim por diante. Nenhum era administrador formado, e portanto desconheciam uma causa principal e vital. Nós, administradores, partimos do pressuposto que toda civilização enfrentará problemas de todas as ordens, algumas das quais podem até gerar colapso. Mas o cerne da questão é: 1. saber identificar corretamente os problemas a tempo, 2. achar as soluções corretas a tempo, 3. implantar as soluções a tempo, impedindo que problemas se acumulem a tal ponto que o sistema entra em colapso. São estas falhas que devem ser analisadas, porque nada disto ocorreu na época, algo que os historiadores ignoram. Você percebe inclusive nestes livros dos historiadores, que os primeiros a identificar corretamente os problemas foram os próprios historiadores, 400 anos depois que eles apareceram. Inclusive, estes historiadores se orgulham de ter identificado as causas do colapso, mas não se perguntam porque a civilização não fez o mesmo. Incrível! Para se ter uma civilização duradoura, não é necessário ter exércitos fortes, recursos naturais inesgotáveis, instituições perenes, leis obedecidas, como argumentam os historiadores. Para se ter uma civilização duradoura é necessário: 1. Criar instituições que identifiquem os problemas (verdadeiros) de uma forma pontual. São os contadores, os estatísticos, os geradores de informação de todos os tipos. São os criadores de benchmarks, os planejadores estratégicos que olham 20 anos para a frente. Civilizações que não identificam seus verdadeiros problemas a tempo irão lentamente sendo engolidas por eles. Vide Argentina. 2. Criar Instituições interdisciplinares, compostas de todas as profissões e especialidades da civilização. São os famosos Think Tanks criados nos Estados Unidos em 1910, como Brookings, Rand, Hughes, etc. Supostamente serão eles que acharão as soluções (corretas) aos (verdadeiros) problemas. Civilizações que não acham as soluções para os seus verdadeiros problemas a tempo vão ficar patinando e entrando em atrito e discussões internas, e frustração generalizada. Vide Portugal. Ele identifica corretamente seus problemas, nas não tem o tamanho necessário para ter Think Tanks à altura. 3. Criar instituições e uma classe profissional capaz de implantar com sucesso e rapidez as soluções corretas para os problemas verdadeiros. O problema do Brasil, que em 1946 fecha deliberadamente as Escolas de Administração do Brasil, lei 7988 DE 1946. Temos o IBGE, e os departamentos estatísticos dos mais variados. Temos a FIESP e seu corpo de economistas e conselheiros. Temos os Think Tanks como o Instituto de Pesquisas Avançadas da USP, o IEDE, e outros órgãos com propostas e reformas de classe internacional. Isto nós temos. O que não sabemos é implantar as soluções de forma correta e rápida. Entregamos esta tarefa a amadores, aprendizes, gestores que usam gestos e dirigem com as mãos, sem conhecimento técnico e experiência anterior. Achamos isto normal. "Se o problema está identificado, é meio caminho andado." Ledo engano, é 10%. Achada a solução, são outros 40%. Isto faz parte da iniciativa, e a acabativa? Portanto, não chorem pela Argentina, o Brasil pode seguir o mesmo caminho. Por: Stephen Kanitz

quinta-feira, 19 de abril de 2012

A verdadeira faxina ética

À medida que o tempo passa e novas denúncias vão surgindo, fica mais claro que a CPI do Cachoeira é uma grande oportunidade para fazer a verdadeira faxina ética que os acontecimentos estão a exigir da sociedade brasileira. Criada por interesses nem sempre os mais transparentes, essa CPI pode se transformar na nossa chance de zerar o jogo político e começar de novo, diante das evidências de que os tentáculos da quadrilha do bicheiro goiano há muito evoluíram para além de suas próprias fronteiras. Parece claro a esta altura que a CPI dificilmente servirá aos interesses partidários que a geraram, dentro do PT ou até mesmo na oposição, que começou o processo como a grande vítima devido à descoberta das ligações do senador Demóstenes Torres com o bicheiro, e quer virar o jogo trazendo para o centro do ringue o onipresente José Dirceu, ícone de uma ala da esquerda petista que pretendia, nas palavras de um de seus mais importantes seguidores, o presidente do PT, Rui Falcão, usar a CPI para denunciar "a farsa do mensalão". Todas as indicações são no sentido de que, mesmo antes de se conseguir montar as representações partidárias para compor a CPI, as dissensões na base aliada servirão de pano de fundo da comissão, em torno da qual o governo só terá maioria conjuntural, dependendo de quem estiver no alvo naquele justo momento. Haverá ocasiões em que o PMDB estará ao lado das oposições para deixar o PT em maus lençóis, haverá outros em que um pequeno partido da base aliada poderá trair o governo, para se vingar de alguma ação pretérita ou para se cacifar para negociações futuras. Nascida da sede de vingança do ex-presidente Lula contra o governador tucano de Goiás, Marconi Perillo, uma CPI de amplo espectro como esta dará oportunidade a todos de tentar apanhar seus desafetos em algum "malfeito". Pegue-se o caso da construtora Delta, que, assim como seu parceiro Carlinhos Cachoeira, tem obras em praticamente todos os estados brasileiros, acima dos partidos, tendo como objetivo apenas o lucro imediato. Como expô-la ao escrutínio da CPI exporá também governadores e políticos de diversos calibres e siglas partidárias, dificilmente será possível protegê-la, e sobrará para todos os lados. Essa briga de foice no escuro, sem uma organização clara, pode, afinal, ser boa para a cidadania, pois apenas os que não estão fazendo militância política não têm nada a perder com ela. Por uma dessas conjunções de forças que o destino às vezes arma, estamos entrando num momento, a partir de hoje, em que o Poder Judiciário será comandado por dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que já deram mostras, pelos seus votos e posicionamentos anteriores, de que têm a mesma percepção sobre a necessidade de reforçar a ética nas relações políticas e sociais: a ministra Cármem Lúcia assume o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e o ministro Carlos Ayres Britto, o Supremo Tribunal Federal. Como a Lei da Ficha Limpa tem uma nítida correlação com o julgamento do mensalão, o empenho dos dois será para que o processo entre em pauta a tempo de deixar livre o caminho para a realização das eleições sem questões jurídicas pendentes. O novo presidente do STF tem até novembro para colocar em julgamento o processo do mensalão, pois naquele mês se aposentará por ter atingido a idade máxima. Por isso ele tem deixado claro nas entrevistas dos últimos dias que fará tudo para que o término do julgamento ocorra até 6 de julho, data em que o processo para as eleições municipais começa oficialmente. No entanto, o que parecia uma data-limite transformou-se apenas em uma "data ideal", pois o ministro Ayres Britto deixou claro que o julgamento ocorrerá mesmo que concomitantemente ao processo eleitoral. O ministro Marco Aurélio Mello, que assumirá a vice-presidência do Tribunal Superior Eleitoral, também não vê motivos para que a eleição impeça o julgamento, pois "não estamos engajados em política partidária". Nem mesmo a aposentadoria de um dos membros em meio ao julgamento seria causa de interrupção, considera Marco Aurélio Mello, pois o voto de Minerva do presidente pode decidir eventual empate. Essa questão surge quando se sabe que o ministro Cezar Peluso se aposentará em setembro, e há quem considere que um processo tão delicado politicamente como o mensalão só poderia ser julgado com os 11 ministros presentes. O ministro Marco Aurélio Mello só dista da tendência geral quando considera disparatada a ideia de usar o recesso de julho, se necessário, para realizar o julgamento. O ministro Ricardo Lewandowski, que é o responsável não apenas pelo voto do revisor no mensalão, mas também está com o processo do envolvimento do senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) com a máfia do bicheiro Carlinhos Cachoeira, parece já ter entendido a ansiedade da opinião pública e promete dar seu voto em breve. O ambiente político desencadeado pela convocação da CPI, em vez de neutralizar o julgamento do mensalão, está estimulando o anseio da sociedade pela punição dos responsáveis pela corrupção, venha de onde vier.Por: Merval Pereira

Régua e compasso

Se estiver dando para entender direito o que o PMDB anda dizendo sobre a CPI da vez, o partido tem um plano. Posa de bom conselheiro, na certeza de que o PT se enrola todo e acaba deixando o governo em maus lençóis. Instalada a confusão, usa de sua influência e experiência para salvar a situação abatendo logo dois coelhos: enfraquece o parceiro que identifica como um bom amigo da onça e recupera prestígio no Palácio do Planalto. Entraria em cena assim como uma espécie de guia genial dos povos. Na teoria, como sempre, tudo corre bem. O problema dos planos muito bem elaborados é a desobediência da realidade e a insubordinação das consequências. Em 2005 a oposição projetou o sangramento político do então presidente Luiz Inácio da Silva considerando desnecessário confrontar sua investidura no cargo com a confissão do publicitário Duda Mendonça sobre uso da caixa dois na campanha presidencial. Em 2010 a mesma oposição planejou com capricho uma vitória e com o mesmo afinco ajudou Lula a construir uma derrota. Há inúmeros exemplos da distância existente entre a projeção e a execução de empreendimentos. Até engenheiros considerados muito competentes cometem erros de cálculo. Note-se o ex-presidente Lula agora no papel diverso do acima citado. Por enquanto seus planos para Fernando Haddad como candidato a prefeito de São Paulo não tem saído conforme o roteiro original, embora essa ainda seja uma obra em aberto e pode haver modificações. O que não se alteram são os relatos sobre a oposição da presidente Dilma Rousseff à ideia de Lula de incentivar a comissão de inquérito com o propósito de dar o troco em adversários e anuviar o ambiente de julgamento do mensalão. O senador Delcídio Amaral, do PT, acha o gesto equivocado: "São coisas diferentes, tratadas em foros distintos e, além do mais, misturá-las só serve para enervar o Supremo e complicar em vez de facilitar a situação". É a tal história dos planos: assim como ninguém garante que o PMDB possa controlar a situação e ficar de fora do que venha por aí, tampouco é possível assegurar que se houver seriedade nas investigações originadas nas relações do senador Demóstenes Torres com Carlos Augusto Ramos, não se tenham escarafunchadas as relações entre governos (federal inclusive) e empreiteiras.Por:DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo

Viva Paulo Freire!

Vocês conhecem alguém que tenha sido alfabetizado pelo método Paulo Freire? Alguma dessas raras criaturas, se é que existem, chegou a demonstrar competência em qualquer área de atividade técnica, científica, artística ou humanística? Nem precisam responder. Todo mundo já sabe que, pelo critério de “pelos frutos os conhecereis”, o célebre Paulo Freire é um ilustre desconhecido. As técnicas que ele inventou foram aplicadas no Brasil, no Chile, na Guiné-Bissau, em Porto Rico e outros lugares. Não produziram nenhuma redução das taxas de analfabetismo em parte alguma. Produziram, no entanto, um florescimento espetacular de louvores em todos os partidos e movimentos comunistas do mundo. O homem foi celebrado como gênio, santo e profeta. Isso foi no começo. A passagem das décadas trouxe, a despeito de todos os amortecedores publicitários, corporativos e partidários, o choque de realidade. Eis algumas das conclusões a que chegaram, por experiência, os colaboradores e admiradores do sr. Freire: “Não há originalidade no que ele diz, é a mesma conversa de sempre. Sua alternativa à perspectiva global é retórica bolorenta. Ele é um teórico político e ideológico, não um educador.” (John Egerton, “Searching for Freire”, Saturday Review of Education, Abril de 1973.) “Ele deixa questões básicas sem resposta. Não poderia a ‘conscientização’ ser um outro modo de anestesiar e manipular as massas? Que novos controles sociais, fora os simples verbalismos, serão usados para implementar sua política social? Como Freire concilia a sua ideologia humanista e libertadora com a conclusão lógica da sua pedagogia, a violência da mudança revolucionária?” (David M. Fetterman, “Review of The Politics of Education”, American Anthropologist, Março 1986.) “[No livro de Freire] não chegamos nem perto dos tais oprimidos. Quem são eles? A definição de Freire parece ser ‘qualquer um que não seja um opressor’. Vagueza, redundâncias, tautologias, repetições sem fim provocam o tédio, não a ação.” (Rozanne Knudson, Resenha da Pedagogy of the Oppressed; Library Journal, Abril, 1971.) “A ‘conscientização’ é um projeto de indivíduos de classe alta dirigido à população de classe baixa. Somada a essa arrogância vem a irritação recorrente com ‘aquelas pessoas’ que teimosamente recusam a salvação tão benevolentemente oferecida: ‘Como podem ser tão cegas?’” (Peter L. Berger, Pyramids of Sacrifice, Basic Books, 1974.) “Alguns vêem a ‘conscientização’ quase como uma nova religião e Paulo Freire como o seu sumo sacerdote. Outros a vêem como puro vazio e Paulo Freire como o principal saco de vento.” (David Millwood, “Conscientization and What It's All About”, New Internationalist, Junho de 1974.) “A Pedagogia do Oprimido não ajuda a entender nem as revoluções nem a educação em geral.” (Wayne J. Urban, “Comments on Paulo Freire”, comunicação apresentada à American Educational Studies Association em Chicago, 23 de Fevereiro de 1972.) “Sua aparente inabilidade de dar um passo atrás e deixar o estudante vivenciar a intuição crítica nos seus próprios termos reduziu Freire ao papel de um guru ideológico flutuando acima da prática.” (Rolland G. Paulston, “Ways of Seeing Education and Social Change in Latin America”, Latin American Research Review. Vol. 27, No. 3, 1992.) “Algumas pessoas que trabalharam com Freire estão começando a compreender que os métodos dele tornam possível ser crítico a respeito de tudo, menos desses métodos mesmos.” (Bruce O. Boston, “Paulo Freire”, em Stanley Grabowski, ed., Paulo Freire, Syracuse University Publications in Continuing Education, 1972.) Outros julgamentos do mesmo teor encontram-se na página de John Ohliger, um dos muitos devotos desiludidos (http://www.bmartin.cc/dissent/documents/Facundo/Ohliger1.html#I). Não há ali uma única crítica assinada por direitista ou por pessoa alheia às práticas de Freire. Só julgamentos de quem concedeu anos de vida a seguir os ensinamentos da criatura, e viu com seus própios olhos que a pedagogia do oprimido não passava, no fim das contas, de uma opressão da pedagogia. Não digo isso para criticar a nomeação póstuma desse personagem como “Patrono da Educação Nacional”. Ao contrário: aprovo e aplaudo calorosamente a medida. Ninguém melhor que Paulo Freire pode representar o espírito da educação petista, que deu aos nossos estudantes os últimos lugares nos testes internacionais, tirou nossas universidades da lista das melhores do mundo e reduziu para um tiquinho de nada o número de citações de trabalhos acadêmicos brasileiros em revistas científicas internacionais. Quem poderia ser contra uma decisão tão coerente com as tradições pedagógicas do partido que nos governa? Sugiro até que a cerimônia de homenagem seja presidida pelo ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, aquele que escrevia “cabeçário” em vez de “cabeçalho”, e tenha como mestre de cerimônias o principal teórico do Partido dos Trabalhadores, dr. Emir Sader, que escreve “Getúlio” com LH. A não ser que prefiram chamar logo, para alguma dessas funções, a própria presidenta Dilma Roussef, aquela que não conseguia lembrar o título do livro que tanto a havia impressionado na semana anterior, ou o ex-presidente Lula, que não lia livros porque lhe davam dor de cabeça.Por:Olavo de Carvalho Diário do Comércio, 19 de abril de 2012

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O liberalismo no Brasil

O Brasil é um país com imensa desigualdade material, enormes focos de miséria, elevada corrupção e baixa renda per capita. A esquerda culpa o “neoliberalismo” por esses males, mas o fato é que nosso país passou sempre muito longe da doutrina liberal. Estamos lá na terceira divisão quando se trata de liberdade econômica, por exemplo. O estado brasileiro representa uma força tão poderosa na economia que este modelo merece qualquer outra denominação, menos liberal. O livro História do liberalismo brasileiro, de Antonio Paim, serve bem ao propósito de contextualizar nosso país no que tange ao liberalismo. O que o autor nos mostra é que a crença econômica brasileira sofreu forte influência do mercantilismo, doutrina seguida pelo Marques de Pombal no século 18. Para os mercantilistas, a riqueza das nações provinha do saldo positivo no comércio internacional, que seria um jogo de soma zero. O comércio deveria ficar subordinado ao estado, para que este pudesse realizar políticas de estímulo, ajudando nesta “batalha” por acúmulo de metais. O mercantilismo foi refutado por Adam Smith em seu famoso livro sobre a riqueza das nações, em 1776. Smith mostrou que a divisão do trabalho gerava prosperidade e que o intercâmbio faria com que cada um produzisse aquilo que estivesse em melhores condições de fazê-lo. Tal seria o primeiro grande esboço da doutrina do liberalismo econômico, que, infelizmente, só seria difundida no Brasil no século 19, ainda assim timidamente. No modelo de Pombal, a burocracia concentrava amplos poderes, e o estado era tipicamente patrimonial, ou seja, a coisa pública era vista como parte do patrimônio do príncipe. Outro efeito desta mentalidade, apontado por Paim, foi o “cientificismo”, isto é, um discurso retórico da Ciência sem bases realmente científicas. A herança intelectual desses tempos se perpetuou até nossos dias, e as reminiscências do mercantilismo do século 18 são visíveis em todo lugar. No período de organização constitucional do Brasil, existiam, segundo Paim, três facções irreconciliáveis: liberais radicais, que lutavam pelo separatismo provincial; autoritários, que queriam uma monarquia absoluta; e conciliadores, que sonhavam com uma monarquia constitucional. D. Pedro I abandonara o trono, havia um motim contra o Ministério, a Assembleia e o Senado estavam em recesso. A marcha revolucionária parecia livre de obstáculos maiores, mas membros das Casas legislativas reuniram-se às pressas “Para formar um governo e assim levantarem um dique às pretensões do elemento sans-culotte”. Vencia o partido das mudanças moderadas que desejava reformas operadas lentamente pelos meios legais. As décadas seguintes trouxeram à tona intensos debates sobre o Poder Moderador. Parte da elite se inclinava para o regime Republicano. O resultado, porém, foi uma solução de compromisso, que consistia “No fortalecimento do Poder Central em mãos de uma autoridade selecionada entre os políticos sem entretanto abolir a monarquia”. Essa situação perdurou até o Regresso, quando ocorre a opção pelo regime monárquico. Conforme explica Paim, a “Exigência do referendo dos atos do Poder Moderador acabaria sendo a bandeira dos liberais nas três últimas décadas do Império”. O objetivo dos liberais era descentralizar o poder e aproximá-lo dos indivíduos. “O liberalismo”, explica Paim, “pretendia o fracionamento do poder do monarca em nome da diversidade de interesses vigentes na sociedade, partindo da comprovação histórica de que a nobreza ou o funcionalismo burocrático não os representava”. O “democratismo”, por outro lado, seguia a influência de Rousseau e da Revolução Francesa, com a convicção de que “Os tempos modernos conduziriam os povos à sociedade racional”. A educação faria de todos os homens seres morais. Estas utopias não eram bandeiras liberais, certamente. Sobre o Segundo Reinado, Paim acredita que é insuficiente admirado “Em decorrência da feição autoritária e antiliberal assumida pela República”. Ele elabora melhor seu ponto de vista: Em que pesem a tradição patrimonialista e a maioria católica, o regime conseguiu afeiçoar-se aos países protestantes, como Inglaterra e Estados Unidos. Trata-se de um feito que nunca é demais exaltar, cumprindo enterrar de vez o longo menosprezo que lhe tem devotado a estéril e infecunda historiografia positivista-marxista. Foram cerca de 50 anos sem golpes de estado, estados de sítio, presos políticos, insurreições armadas, e tudo isso com liberdade de imprensa e garantias constitucionais aos cidadãos. Paim lamenta: “O fato de que o sistema fosse basicamente elitista não justifica que a República tivesse primado por ignorar tão significativa experiência”. Após a proclamação da República, participavam pelo menos três correntes de opinião: os liberais, liderados por Rui Barbosa; os positivistas; e os militares. A hegemonia estava com os positivistas, segundo Paim. Na prática, o regime era autoritário, por abandonar o princípio da representação. Surge o conflito de grupos cujo interesse resume-se em apossar-se do patrimônio do estado. A Política do Café com Leite entra em cena para apaziguar esse conflito. A ordem só era mantida mediante a sucessiva decretação de estados de sítio ou intervenção nos estados mais fracos. Eis como Paim resume o período: Em síntese, durante os quarenta anos da República Velha assiste-se, de um lado, ao ocaso do liberalismo – que parecia tão forte, já que impusera ao país a Constituição de 1891 e assumira as rédeas do pensamento político oficial – e, de outro lado, à confluência da prática autoritária no sentido da doutrina castilhista. O novo ciclo, onde Vargas seria a figura central, já tem lugar sob a égide do autoritarismo doutrinário, cujo núcleo fundamental será constituído pelo castilhismo. O grupo getulista conseguiu sobrepor-se às demais vertentes autoritárias e implantou o Estado Novo. Era a morte de qualquer resquício do liberalismo. De 1930 até 1985 ocorreu um longo período de predominância do autoritarismo. A aliança de alguns liberais com os militares, sob inspiração positivista, foi a pá de cal no liberalismo. Ganha força a partir desta época a ideia de que o liberalismo clássico não era capaz de lidar com a questão social, apesar de ter sido “Precisamente os sistemas liberais que erigiram, com exclusividade na história da humanidade, uma sociedade onde o bem-estar material se difundiu entre a quase totalidade de seus membros e não apenas entre os grupos dominantes”. O período dos militares no poder mereceria um texto à parte. Para Paim, a Revolução de 1964 se fez Para impedir que o presidente da República em exercício, João Goulart, fechasse o Congresso, postergasse as eleições e proclamasse o que então se denominava de república sindicalista, espécie de socialismo caboclo que misturava fraseologia esquerdista e corrupção. Se, por um lado, a tomada de poder pelos militares foi para impedir um golpe socialista; por outro lado, é inegável que o que veio em seguida nada teve de liberal. A vitória eleitoral de Carlos Lacerda poderia permitir que a UDN chegasse ao poder com possibilidades efetivas de dar cumprimento ao seu programa. Mas os sucessivos militares no comando foram apenas mais um exemplo do positivismo vigente no país. A Era Geisel foi o ícone desta crença no estado como locomotiva do crescimento. Após a redemocratização, o que se viu foi uma espécie de demanda social reprimida sendo atendida por demagogos de plantão. A Constituição de 1988, escrita talvez um ano antes do que deveria, carregava forte ranço esquerdista. O Muro de Berlim ainda estava de pé, assim como o sonho socialista. O petróleo continuou monopólio do estado, novos monopólios foram criados e estabeleceu-se discriminação contra o capital estrangeiro. Fala-se muito em direitos e pouco em deveres. Vários privilégios foram consolidados, especialmente para os funcionários públicos. Roberto Campos chegou a chamá-la de “Constituição Besteirol”, tamanha sua decepção com a Carta. O modelo, desde então, pode ser chamado de social-democracia retrógrada, mantendo forte desconfiança com relação ao livre mercado e imprimindo no estado a esperança do progresso e da “justiça social”. Algumas reformas importantes foram realizadas na Era FHC, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a criação das agências regulatórias, as privatizações e, por imposição dos mercados, a flexibilização do câmbio. O PT, que jamais tivera grandes compromissos com o sistema representativo, chegou ao poder com o presidente Lula após este alterar seu discurso radical e escrever uma carta ao povo brasileiro, onde garantia manter os pilares básicos da estabilidade do país. A Era Lula foi marcada pelo avanço do estado na Economia e demais esferas, como a liberdade de imprensa. O liberalismo, uma vez mais, não nos deu o ar de sua graça. Como fica claro, à exceção de leves brisas durante alguns períodos da história, o liberalismo não foi capaz de formar um forte vento e mudar a direção da mentalidade predominante no país. Oscilamos entre diversas variações do mesmo tom autoritário, sempre delegando ao estado um poder excessivo. Os principais valores liberais não passam de uma meta que ainda não foi atingida nem de perto. Cabe a todos aqueles que compartilham da essência de sua mensagem lutar para mudar esta situação.Por: Rodrigo Constantino

A verdadeira face da Fraternidade Islâmica

A Fraternidade, que há tempos domina a arte da dissimulação, está começando a se sentir confortável o suficiente para deixar fragmentos de verdade virem à luz. Novamente vemos como os conceitos ocidentais, quando articulados no contexto islâmico, conduzem a resultados antitéticos para o Ocidente. “Democracia” e “eleições”, por exemplo – que no Ocidente sugerem “liberdade”, “direitos humanos”, “liberdade”, etc – estão sendo usados para promover a Sharia, a antítese da lei ocidental, ao poder. Neste vídeo recente, o Dr. Safwat Hegazi, um pregador popular membro da Fraternidade Islâmica, explicita como ele anseia por ver as nações árabes tornarem-se “como os Estados Unidos” – para que se unifiquem nos “Estados Árabes Unidos”. Embora isso possa parecer um objetivo admirável (ou ao menos neutro), tenha em mente ao que ele está aludindo: a ressurreição do califado – que, por natureza, existe para se expandir, inclusive por meio de jihad. Além disso, Hegazi deixa claro que seu interesse em ver os “Estados Árabes Unidos” tem menos relação com a solidariedade entre árabes (nacionalismo) e mais com submissão ao Islã (religião). Conforme ele tagarelava a respeito de como seria maravilhoso ver as nações árabes unidas em um bloco, o entrevistador, secular e céptico, relutantemente concordou, “desde que a capital seja o Cairo”, ou seja, desde que a integridade do Egito permaneça. A isso, Hegazi respondeu: “Não, eu digo que a capital deve ser Jerusalém, se Allah permitir.” Assim, do mesmo modo que a sacrossanta palavra “democracia” está sendo utilizada para estabelecer o governo fascista no mundo islâmico, também a noção de “Estados Árabes Unidos” está cheia de problemas – entre eles, a eliminação de Israel para estabelecer um califado expansionista sobre suas ruínas. Fraternidade Islâmica: apenas “bêbados, drogados e adúlteros rejeitam a Sharia” Em outra ocasião, a Fraternidade Islâmica do Egito fez algumas afirmações que irritaram a nação secular e a população cristã. Em uma conferência na qual estavam presentes cerca de 5 mil líderes da Fraternidade Islâmica, o Dr. Essam El-Erian, vice-presidente do partido “Liberdade e Justiça”, a vertente política da Fraternidade, declarou que “ninguém no Egito – nem copta, nem liberal, nem esquerdista, ninguém – ousa dizer que é contra o Islã e contra a aplicação da Sharia: todos afirmam querer a [aplicação da] Sharia islâmica. E quando chegar a hora de um referendum, quem disser “‘nós não queremos a Sharia’ vai expor suas intenções ocultas.” Em seguida, ele ameaçou o Concílio Supremo das Forças Armadas do Egito com “massacres” caso estes interferissem na polícia e no papel do Islã na constituição, e se dirigiu aos cristãos coptas do seguinte modo: “Vocês nunca vão encontrar uma fortaleza mais forte para seus direitos e sua fé do que o Islã e a Sharia”, acrescentando que “Nosso Senhor nos comandou a sermos justos, e nos aprendemos isso no Islã. Nós não queremos ferir ninguém...” Complementando a questão, seu colega de Fraternidade, Sheikh Sayyid Abdul Karim asseverou: “Aqueles que não desejam ver o Islã (a Sharia) aplicado são bêbados, drogados, adúlteros e donos de prostíbulos”. Enquanto esse discurso é lugar comum no estilo dos salafistas egípcios, aqui está mais um indicador de que a Fraternidade, que há tempos domina a arte da dissimulação, está começando a se sentir confortável o suficiente para deixar fragmentos de verdade virem à luz. O popular candidato presidencial do Egito: “a Sharia deve ser aplicada” Em uma conferência recente, Dr. Abd Al-Mun´im Abu al- Futuh – um dos mais populares candidatos à presidência do Egito, membro do partido da Fraternidade Islâmica “Liberdade e Justiça” – declarou que “o Islã deve ser sustentado e a Sharia deve ser aplicada; nós não devemos permitir que os métodos do regime anterior – prisão de nossos filhos simplesmente porque eles estão comprometidos com a religião (Islã) e porque eles vão às mesquitas rezar – retornem jamais”. Para o leitor ocidental médio, isso tem cheiro de liberdade religiosa – até que este perceba por que o regime anterior, como todos os regimes árabes seculares, se mantinha alerta aos muçulmanos “comprometidos com a religião”, os quais “vão às mesquitas rezar”: quanto mais fervorosos eles são nos ensinamentos islâmicos, mais eles aprovam a violência, e mesmo o terror (sob a bandeira de jihad), e também são mais propensos a ter como alvo qualquer um que permaneça em seu caminho, o que significa o “inimigo próximo” (o estado, se este for secular), o “inimigo distante” (o ocidental infiel), e qualquer um entre esses dois extremos (a minoria dhimmi, como os cristãos coptas do Egito).Por: Raymond Ibrahim