QUANDO TUDO O QUE SE ESCREVE TIVER SE DESFEITO EM FARRAPOS, QUANDO ATÉ MESMO OS MELHORES TIVEREM SE TORNADO APENAS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA JAMAIS CONSULTADA, AS PALAVRAS DE UM PENSADOR AINDA ESTARÃO VIVAS PARA MOSTRAR, SOBRE RUÍNAS DOS TEMPOS, A PERENIDADE DO ESPÍRITO HUMANO.
sexta-feira, 20 de abril de 2012
O pântano político
Em tempos de CPI e às vésperas do julgamento do mensalão, o clima político em Brasília, como não poderia deixar de ser, é efervescente, e as posses dos ministros Ayres Britto, como presidente do Supremo Tribunal Federal, e Cármen Lúcia, a primeira mulher a presidir o Tribunal Superior Eleitoral, serviram de pano de fundo para manifestações de cunho político nos discursos, mas, sobretudo, para conversas de bastidores.
Depois desses dois dias de conversas, fiquei com a sensação de que o processo do mensalão deve entrar mesmo em pauta ainda no primeiro semestre, e que a CPI do Cachoeira ainda está causando perplexidade na classe política, especialmente em setores petistas que não estão envolvidos diretamente na disputa congressual.
Os governadores petistas, por exemplo, não entendem o que está acontecendo. O de Sergipe, Marcelo Déda, analisa a questão do ponto de vista político, sem entrar no mérito das acusações: "CPI é um instrumento da oposição, da minoria. Nenhum governo gosta de CPI pelo simples fato de que o ambiente político fica descontrolado e o Congresso paralisado".
O governador da Bahia, Jaques Wagner, que já foi ministro das Relações Institucionais no governo Lula, me disse que não compreendia a estratégia de provocar uma CPI: "Se tivessem me consultado eu diria que não é uma boa estratégia. Governo precisa de calmaria".
Com relação ao mensalão, tudo parece caminhar para que o processo entre em pauta ainda no primeiro semestre, como quer o novo presidente do STF.
O ministro revisor, Ricardo Lewandowsky, já está trabalhando no seu voto, agora liberado das tarefas do TSE que presidia, e segundo relato de familiares tem varado a noite consultando o processo e o Código Penal.
Os demais ministros também já estão trabalhando em cima do processo que foi disponibilizado depois que o presidente anterior, Cezar Peluso, deu ordens para apressar os procedimentos.
Nos discursos dos dois novos presidentes, o papel da liberdade de informação para fortalecer a democracia foi enfatizado.
O ministro Ayres Britto salientou que "o mais refinado toque de sapiência da nossa última Assembleia Constituinte" foi eleger a democracia como a sua maior força. "Democracia que mantém com a liberdade de informação jornalística uma relação de unha e carne, olho e pálpebra, veias e sangue".
Na noite anterior, a ministra Cármen Lúcia, ao assumir a presidência do TSE, mandou um recado direto aos meios de comunicação, pedindo sua colaboração: "A imprensa livre é inseparável da democracia. É parceira do Judiciário na concretização da Justiça".
Essa presença é ainda maior na Justiça Eleitoral, disse ela, para quem "os jornalistas não só acompanham os feitos. Participam do processo, ajudando a promover o interesse público na divulgação dos fatos, na fiscalização permanente do processo e da atuação da Justiça Eleitoral".
Para a nova presidente do TSE, "não há eleições seguras e honestas sem a ação livre, presente e vigilante da imprensa, a cumprir papel determinante em benefício do poder político".
Cármen Lúcia pediu, ressaltando "o respeito absoluto à liberdade de opinião", que a imprensa livre "ajude este Tribunal a exercer plenamente a sua missão. Afirmo-lhes que ele será transparente em seus atos, pelo que rogo aos profissionais de comunicação que sejam atentos a tudo que possa causar dano ao processo eleitoral, informando, com clareza, à opinião pública os fatos a serem conhecidos".
O novo presidente do STF não fez referências, nem mesmo indiretas, ao processo do mensalão, que ele já classificou em entrevistas como o mais importante processo político a ser julgado. Mas deixou claro que, na sua visão, os juízes devem promover "a abertura da janela dos autos para o mundo circundante, a fim de conhecer a realidade dos jurisdicionados e a expectativa social sobre a decisão".
Ayres Britto, que abusou no seu discurso da veia poética e de imagens de retórica - ele é autor de vários livros de poesia -, disse que "Juiz não é traça de processo, não é ácaro de gabinete, por isso, sem fugir dos autos nem se tornar refém da opinião pública, tem que levar ao cumprimento das leis e conciliar a macrofunção de combinar o direito com a vida".
Quem tratou diretamente da questão foi o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, que falou sobre o processo do mensalão em seu discurso.
Referindo-se ao período de sete meses que Ayres Britto terá na presidência, pois se aposenta em novembro por atingir a idade limite de 70 anos, afirmou: "O tempo não será curto para levar adiante processos sobre casos de corrupção que marcaram a nossa História recente. E digo ao novo presidente da Suprema Corte brasileira que a sociedade espera que esse tema não seja mais postergado, e que haja a punição exemplar dos culpados pelos crimes que cometeram contra o patrimônio público".
Para ele, somente eliminando qualquer ideia de impunidade "podemos combater a corrupção, uma das maiores mazelas do nosso país".
Referindo-se ao mais recente escândalo envolvendo as relações promíscuas do bicheiro Carlinhos Cachoeira com políticos e empresários, Ophir Cavalcante disse que é digno de reflexão o fato de que "na origem de todos os casos de corrupção, está o modelo de financiamento privado da política, que permite o caixa 2, ou entre outras palavras, o relacionamento promíscuo entre os interesses privados e a coisa pública".
Para definir os estragos que essa relação espúria provoca na política brasileira, Cavalcante descreveu: "quando um cai, arrasta junto de si bicheiros, falsificadores, policiais, governadores, parlamentares, projetos, obras e, o que é pior, a própria credibilidade das instituições".
Viveu-se nesses dias em Brasília um ambiente no Judiciário claramente favorável ao reforço da moralidade e da impessoalidade no serviço público, e uma clara rejeição ao patrimonialismo que ainda impera nas nossas relações políticas, enquanto no Congresso as escaramuças partidárias continuavam dentro dos mesmos parâmetros que nos levaram ao "pântano", como definiu o presidente da OAB nosso ambiente político.Por: Merval Pereira