QUANDO TUDO O QUE SE ESCREVE TIVER SE DESFEITO EM FARRAPOS, QUANDO ATÉ MESMO OS MELHORES TIVEREM SE TORNADO APENAS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA JAMAIS CONSULTADA, AS PALAVRAS DE UM PENSADOR AINDA ESTARÃO VIVAS PARA MOSTRAR, SOBRE RUÍNAS DOS TEMPOS, A PERENIDADE DO ESPÍRITO HUMANO.
quarta-feira, 11 de abril de 2012
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Todos conhecem a história do sapo na panela, aquele que não pula, mesmo quando a temperatura se torna insuportável, desde que a água vá esquentando bem devagarinho. Ao final do conto o anfíbio entorpecido morre escaldado, incapaz de perceber as mudanças que afetaram o ambiente ao seu redor.
É difícil não pensar a fábula do sapo como uma metáfora para a mudança do padrão de política econômica no país de uns anos para cá. O tripé macroeconômico – câmbio flutuante, metas para a inflação e superávits primários – se tornou praticamente irreconhecível. Só alguém muito desatento poderia crer que o regime cambial no Brasil é flutuante quando ministros de Estado afirmam “não administrar o câmbio” ao mesmo tempo em que prometem “tentar manter essa taxa aí [R$ 1,80/dólar]”.
Da mesma forma, nem a lendária Velhinha de Taubaté acreditaria que o BC – que, otimista, prevê a inflação quase um ponto acima da meta no próximo ano, mas mesmo assim estimula a economia – segue de fato um regime de metas para a inflação.
Já do lado fiscal as notícias não são melhores. Trabalho recente dos economistas do Itaú revela, por exemplo, que o superávit primário “estrutural” do setor público (livre da contabilidade criativa, particularmente intensa nos últimos anos, assim como dos efeitos do ciclo econômico sobre despesas e receitas públicas) caiu persistentemente comparado aos níveis registrados entre 2003-05. Enquanto naquele período a diferença “estrutural” entre receitas e despesas não financeiras superou o equivalente a 4% do PIB, nos últimos quatro anos teria atingido cerca de 2% do PIB em média, uma expansão fiscal considerável.
Por onde quer que se olhe, é inevitável perceber que a água fica mais quente a cada dia, muito embora o sapo tenha permanecido, pelo menos até agora, confortavelmente chapado. A água, porém, vai se aquecer ainda mais caso se materializem as propostas ventiladas neste final de semana acerca da possibilidade da re-renegociação das dívidas dos estados.
Não é segredo que a reestruturação das dívidas estaduais na segunda metade dos anos 90 foi, em conjunto com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a pedra fundamental na mudança da sua postura fiscal. Os estados, é bom que se diga, foram pesadamente subsidiados quando a União assumiu suas dívidas (cujo custo era bastante superior ao pago pelo governo federal) e lhes emprestou a taxas muito favoráveis.
Em contrapartida, contudo, foram obrigados a ajustar suas contas, resultado não muito diferente daquele que ocorreria na Europa, caso os países da Zona do Euro enveredassem por este caminho. Não por acaso, os estados – deficitários até 1998 – têm contribuído regularmente para o superávit primário do setor público após a reestruturação.
Também não é segredo que, a despeito do imenso subsídio, governadores tentaram desde o início sabotar este acordo, sem, é claro, ameaçar as condições favoráveis para si, mas buscando solapar exclusivamente sua obrigação de pagar o que devem para a União. Sempre quiseram, a todo custo, se livrar da camisa-de-força fiscal que os obriga a gerar superávits primários.
Este sonho ancestral está prestes a virar realidade. O governo federal acena com alterações nas regras do jogo que, se postas em prática, não apenas permitirão que os estados reduzam seus saldos fiscais, mas também representarão a primeira modificação relevante na LRF, abrindo a porteira para novas mudanças. Não é preciso muito para concluir que isto levará à deterioração adicional das contas públicas.
Não se trata da primeira (nem segunda) vez que este problema aparece, nem é meu primeiro artigo a respeito. A novidade é que, desta vez, as chances de uma derrapada fiscal estão se tornando bem maiores. Já disse não nutrir ilusões sobre a capacidade de artigos de jornal mudarem o mundo, mas, por Tutatis, como gostaria de estar enganado.
Alexandre Schwartsman, Folha de SP