QUANDO TUDO O QUE SE ESCREVE TIVER SE DESFEITO EM FARRAPOS, QUANDO ATÉ MESMO OS MELHORES TIVEREM SE TORNADO APENAS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA JAMAIS CONSULTADA, AS PALAVRAS DE UM PENSADOR AINDA ESTARÃO VIVAS PARA MOSTRAR, SOBRE RUÍNAS DOS TEMPOS, A PERENIDADE DO ESPÍRITO HUMANO.
domingo, 22 de abril de 2012
A Guerra da Togas
A Guerra das Togas informa que o Judiciário não escapou da Era da Mediocridade
Precipitada pelas declarações de Cezar Peluso à revista Consultor Jurídico, consumou-se nesta sexta-feira, com a entrevista de Joaquim Barbosa ao Globo, a abertura da mais selvagem das frentes de combate que compõem a Guerra das Togas. Somada às batalhas paralelas, a troca de chumbo entre o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e o relator do processo do mensalão comprova que o que foi historicamente o corpo de elite do Judiciário vai sucumbindo aos estragos causados pela Era da Mediocridade na Praça dos Três Poderes. Está cada vez mais parecido com o Executivo e o Legislativo.
Enquanto os ministros foram escolhidos entre os melhores e os mais brilhantes, enquanto o preeenchimento das vagas no STF esteve subordinado à meritocracia e às exigências constitucionais que cobram dos indicados notável saber jurídico e reputação ilibada, nem o mais delirante ficcionista ousou conceber um bate-boca semelhante ao protagonizado por Peluso e Barbosa. Ao queixar-se do “temperamento difícil” de Barbosa e qualificá-lo de “inseguro”, Peluso fez o papel do aluno brigão que provoca o colega no fim das aulas. O revide do provocado transferiu da porta do colégio para o botequim essa molecagem de gente supostamente adulta.
Na réplica ao desafeto, Barbosa temperou acusações de alta voltagem, incluindo a “manipulação de resultados de julgamentos”, com adjetivos insolentes ─ “ridículo”, “brega”, “caipira”, “tirano” e “pequeno”, por exemplo. Peluso não respondeu de imediato, mas a tréplica está em gestação. O Brasil em que os juízes só falavam nos autos parece tão remoto que bate a sensação de que existiu antes do Descobrimento. Agora os doutores falam em qualquer lugar. Falam tanto que lhes falta tempo para falar nos autos.
Se discursassem menos e julgassem mais, já teriam liquidado há anos o caso do mensalão, que segue estimulando barulhos em outras frentes da Guerra das Togas. Ao longo desta semana, todas registraram tiroteios retóricos. Numa das áreas conflagradas, ao repetir que o STF precisa definir o destino dos mensaleiros ainda neste semestre, Gilmar Mendes expôs-se ao contra-ataque de Marco Aurélio de Mello, para quem não faz sentido “julgar a toque de caixa” um escândalo descoberto há sete anos. Sem ficar ruborizado, Marco Aurélio garantiu que há na fila de espera pelo menos 700 processos tão relevantes quanto a roubalheira de dimensões siderais.
Vizinho de trincheira, Dias Toffoli murmurou que ainda não sabe se deve participar do julgamento que envolve velhos companheiros ou declarar-se sob suspeição. Como se a dúvida pudesse existir. Antes de virar ministro, Toffoli foi advogado do PT e, no governo Lula, chefiou a Advocacia Geral da União. Depois de ganhar a toga, sua namorada advogou em defesa de alguns mensaleiros. “Ele não tem o direito de ficar fora”, cobrou Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo. O parecer de Marinho atesta que, neste estranho Brasil, os companheiros é que decidem o que deve fazer um juiz do Supremo. Instado por outros ministros a apressar a entrega do serviço, Ricardo Lewandowski retrucou que ninguém o fará acelerar o ritmo de obra do PAC. Ele ainda não revelou quando vai concluir a revisão do processo ─ informação que, na avaliação mais recente, vale 1 milhão de dólares.
“Japona não é toga”, lembrou o senador Auro Moura Andrade aos chefes do regime militar que insistiam em violentar a Constituição. Com a frase tão curta quanto pedagógica, o paulista que presidia o Senado ensinou que cabe ao Supremo Tribunal Federal lidar com assuntos constitucionais e, simultaneamente, reiterou a confiança dos brasileiros democratas na sensatez dos juízes togados. Passados 50 anos, os focos de turbulência não envolvem cidadãos fardados. E os mais perturbadores se localizam na Praça dos Três Poderes.
A frase de Auro perdeu o sentido num Brasil sobressaltado por juízes sem juízo. Se os ministros do STF agissem nos quartéis, haveria uma crise político-militar de meia em meia hora. Ainda bem que toga não é japona.