QUANDO TUDO O QUE SE ESCREVE TIVER SE DESFEITO EM FARRAPOS, QUANDO ATÉ MESMO OS MELHORES TIVEREM SE TORNADO APENAS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA JAMAIS CONSULTADA, AS PALAVRAS DE UM PENSADOR AINDA ESTARÃO VIVAS PARA MOSTRAR, SOBRE RUÍNAS DOS TEMPOS, A PERENIDADE DO ESPÍRITO HUMANO.
quarta-feira, 11 de abril de 2012
Lições da crise mundial para o Brasil
A oferta de crédito para sustentar o crescimento econômico a qualquer custo está na raiz da severa crise que vem assolando as economias avançadas desde 2007 e que lançou o mundo num período de baixo crescimento e grande incerteza. No Brasil, o aumento do crédito subsidiado tem sido, desde 2008, uma das principais linhas de defesa adotadas pelo governo contra a crise.
Não há sinal ainda de prejuízos, mas, como alerta o ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga, o erário vem perdendo no fluxo, uma vez que o Tesouro Nacional capta recursos à taxa Selic (hoje, em 9,75% ao ano) e os empresta ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) recebendo em troca a TJLP, taxa inferior à Selic. O BNDES, por sua vez, oferece os recursos a empresas em pelo menos uma de suas linhas - a do PSI (Programa de Sustentação do Investimento) - a juro quase negativo (inferior à inflação).
Dados do BC mostram que, até fevereiro, o Tesouro tinha crédito de R$ 311,8 bilhões junto ao BNDES, o equivalente a 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Mais R$ 45 bilhões estão a caminho, conforme anúncio feito semana passada. A operação é engenhosa porque o Tesouro se endivida no mercado para levantar o dinheiro, mas ganha um ativo (o crédito junto ao BNDES), zerando o endividamento em termos líquidos.
Avanço de operações quasi-fiscais preocupa, diz Armínio
Há, evidentemente, um custo fiscal nessas operações. Além dele, o risco, na avaliação de Armínio, é o "quasi-fiscal" embutido nessa e em outras iniciativas oficiais. O quasi-fiscal ocorre quando o BC financia o Tesouro, mas não só. Operações em que uma instituição bancária estatal financia o setor privado por meio de subsídios ou incentivos tributários também são quasi-fiscais - têm impacto nas contas oficiais comparável ao de atividades governamentais tradicionais.
"Conhecemos bem no Brasil o mundo do quasi-fiscal", diz Armínio, referindo-se aos tempos de inflação crônica, quando o BC financiava os gastos do Tesouro por meio de emissão de moeda. "Enormes prejuízos nos Estados Unidos e na Europa são um alerta claro aos perigos tanto na área de regulação quanto na atuação mais direta do governo com o mercado de crédito subsidiado e direcionado."
O governo vem usando esses mecanismos para tentar estimular investimentos das empresas e, assim, sustentar o crescimento do PIB - sem muito sucesso, diga-se de passagem, porque a taxa de investimento da economia está estacionada abaixo de 20% do PIB há vários trimestres. O ex-presidente do BC, hoje sócio do JP Morgan na Gávea Investimentos, pondera que não há neste momento, pelo menos até onde a vista alcança, indícios de acumulação de prejuízos decorrentes dessa política, mas ele recomenda que seus efeitos sejam avaliados e monitorados de perto.
O BC também está preocupado com o crédito subsidiado, que, ademais, diminui a eficácia da política monetária, uma vez que apenas a parcela do crédito não subsidiado é atingida pela taxa Selic. Nas últimas oito atas do Comitê de Política Monetária, o BC repetiu o mantra de que "considera oportuna a introdução de iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito". Em 2011, até houve moderação, mas agora o governo decidiu voltar à carga.
Os efeitos da bolha de crédito que resultou na crise mundial estão aí. As economias avançadas passam por processo penoso e demorado de desalavancagem. A recuperação da economia americana, lembra Armínio, é lenta para seus padrões históricos e os países da zona do euro estão sofrendo com os ajustes de suas economias periféricas. "Com moeda única [o euro], esses países não têm válvula de escape porque não podem se beneficiar de uma moeda mais fraca."
Nos últimos meses, houve um certo alívio com a posse de Mario Draghi na presidência do Banco Central Europeu e as medidas que ele tomou para melhorar o balanço dos bancos, mas o clima já está azedando novamente. O quadro global piora também por causa das incertezas associadas à China. Mesmo antes da crise de 2008, os chineses vinham fazendo um esforço para mudar, ainda que lentamente, o motor do crescimento de sua economia, mas o processo foi interrompido pela turbulência mundial.
Para enfrentar a crise, a China abandonou a estratégia de depender menos das exportações e voltou, de forma agressiva, ao modelo original, expandindo fortemente as taxas de investimento. Em consequência disso, o crédito barato está produzindo uma bolha no mercado imobiliário. Com o mundo novamente ameaçado por um evento de crise, a economia chinesa começou a desacelerar e, uma vez mais, a forçar o governo a repensar o modelo de crescimento. "Há um receio de que a aterrissagem da China não seja tão suave", diz Armínio.
No Brasil, o BC identificou, em agosto do ano passado, a existência de um quadro de menor pressão inflacionária, que lhe permite reduzir os juros. Para Armínio, o presidente do BC, Alexandre Tombini, está agindo dentro do mandato institucional. "O Tombini está sendo ousado, mas não abandonou o mandato nem o regime de metas", sustenta o ex-dirigente do BC, ressalvando apenas que, em alguns momentos, a comunicação do BC tem sido "difícil".
Armínio também não está entre os que acreditam que o governo abandonou o tripé de política econômica adotado em 1999, quando ele presidia o BC. O Brasil, a exemplo de China, Turquia e Indonésia, tomou medidas fiscais para estimular a indústria, isso traz alguns riscos, mas não significa o fim do tripé.
"O governo pretende cumprir a meta de superávit primário. Tem atuado no câmbio para suavizar a volatilidade, mas ele não está tabelado. E não abandonou o regime de metas para inflação", diz Armínio. O ativismo, marcado pela adoção de medidas de desoneração tributária em setores escolhidos, por ações protecionistas e pela expansão do crédito direcionado, dificulta a análise e o entendimento do que o governo vem fazendo, mas, na opinião de Armínio, não representa o abandono do tripé.
"Todas essas respostas pontuais [à crise] deveriam ser avaliadas porque não fazem muito efeito no médio prazo", critica ele. "O que aumenta crescimento é mais poupança, mais investimento e maior produtividade, e esta está em queda. O debate vai além da demanda."
CRISTIANO ROMERO
VALOR ECONÔMICO - 11/04/12