QUANDO TUDO O QUE SE ESCREVE TIVER SE DESFEITO EM FARRAPOS, QUANDO ATÉ MESMO OS MELHORES TIVEREM SE TORNADO APENAS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA JAMAIS CONSULTADA, AS PALAVRAS DE UM PENSADOR AINDA ESTARÃO VIVAS PARA MOSTRAR, SOBRE RUÍNAS DOS TEMPOS, A PERENIDADE DO ESPÍRITO HUMANO.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
Crise nuclear, Irã, Israel
Um Prêmio Nobel que diz o que deve ser dito sobre o Irã
Shirin Ebadi
Colunista (termo que prefiro a blogueiro), eu deveria ficar feliz da vida quando um texto mexe com as “multidões” e gera uma pilha de comentários. Mas meus sentimentos são mais complicados, pois meu maior “sucesso” neste espaço acontece quando falo de Israel. Mexe com a massa, a favor e contra. E mexe comigo, pois estou a favor e contra, dependendo as coisas, nos dramas que envolvem Israel, como a crise palestina e o conflito com o Irã.
Na coluna de sexta-feira, por exemplo, me posicionei contra o escritor alemão Günter Grass por seu poema/panfleto O Que Deve Ser Dito, denunciando Israel como a grande ameaça à paz mundial e que um ataque preventivo israelense contra as instalações nucleares iranianas pode levar à aniquilação do povo iraniano. Mas também lamentei a posição israelense de declarar Grass persona non grata. E se eu fosse um escritor, Nobel de Literatura, como Grass, não ficaria orgulhoso por receber solidariedade do regime islâmico iraniano, aquele que fala em varrer Israel do mapa e decreta fatwas contra escritores, como aconteceu com Salman Rushdie , que, por sinal, qualificou a decisão de Israel de “melindre infantil”.
O tambor retórico de Grass fez muito barulho num debate já com muito alarido sobre a questão nuclear iraniana. Gostaria aqui de trazer a opinião de outra pessoa premiada com o Nobel, este da Paz, mulher e iraniana (primeira muçulmana agraciada com a honraria). Ao contrário de Grass, Shirin Ebadi não recebe elogios do regime islâmico. Ela é persona non grata na sua terra natal. Vive no exílio na Grã-Bretanha. Shirin Ebadi esteve na semana passada nos EUA para uma conferência e acaba de expressar algumas opiniões interessantes em uma entrevista ao site The Daily Beast.
No fim-de-semana, ocorreu uma rodada de negociações em Istanbul entre emissários de seis países (EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Rússia e China) com os iranianos. A conclusão é de que esta diálogo foi construtivo e que compensa apostar em uma segunda rodada, prevista para 23 de maio. Mas Shirin Ebadi não compartilha o cauteloso otimismo. Ela acha que o regime iraniano basicamente quer ganhar tempo, enquanto avança com o enriquecimento de urânio.
Em contrapartida, nossa premiada diz que as sanções econômicas internacionais estão tendo impacto sobre o regime, mas prejudicando a população. Existe uma teoria de que mesmo a oposição iraniana, aquela brutamente reprimida pelo regime, considera o programa nuclear um motivo de orgulho e um direito soberano. Mas aqui está um dos pontos mais interessantes das declarações de Shirin Ebadi. Ela diz que, na verdade, a população hoje é favorável ao fim do enriquecimento de urânio. O custo em termos do isolamento do país é pesado e há temor pela localização geográfica do Irã, numa zona suscetível a terremotos. A população morre de medo de um acidente ao estilo de Fukushima.
Shirin Ebadi não endossa as garantias do regime iraniano de que o programa nuclear não tem objetivos de fabricar a bomba e ela faz questão de dizer o temor é de que o alvo seria Israel. Shirin Ebadi, porém, não acredita que Israel tenha capacidade para lançar um ataque, enquanto os americanos carecem de apetite para a empreitada.
Para ela, o caminho para resolver a crise e o Irã abandonar seu programa nuclear passa pela derrubada do regime através de uma revolta popular. O levante fracassou em 2009. E hoje a população e o mundo pagam o preço. Valeu, Shirin Ebadi, Prêmio Nobel que fala o que deve ser dito.Por: Caio Blinder