sábado, 10 de maio de 2014

COBERTURA DE GELO MARÍTIMO NA ANTÁRTIDA BATE NOVOS RECORDES

A cobertura de gelo no Ártico segue abaixo da média histórica, mas cientistas estão sim estupefatos com o que vem ocorrendo no Polo Sul, onde o gelo marítimo bate recorde atrás de recorde. Em abril, a cobertura na Antártida alcançou 9 milhões de quilômetros quadrados, batendo a maior marca até então de abril, em 2008, por 320 mil quilômetros quadrados. Os dados são do norte-americano NSIDC. A cobertura de gelo marítimo no Polo Sul no mês passado aumentou, em média, impressionantes 112 mil quilômetros quadrados por dia e o crescimento seguia em ritmo acelerado também agora em maio. 





Onde o gelo supera mais os padrões históricos hoje é no Leste do Mar de Wedeel (no Sul do Atlântico) e numa enorme faixa costeira do continente gelado ao Sul da Austrália e do Oceano Índico. Houve ainda incremento na cobertura agora em abril, segundo o NSIDC, nos mares de Bellingshausen e Amundsen, duas das poucas áreas que tiveram menos gelo no mês de março. 




No geral, a cobertura de gelo marítimo na Antártida e ao seu redor está acima da média por 16 meses seguidos. A causa para este contínuo aumento das anomalias positivas de gelo no Hemisfério Sul nos últimos anos é motivo de grande discussão ainda na comunidade científica internacional, mas a maioria das teses passa pelo regime de vento que se observa na região. Por: Por: Professor Eugenio Hackbart Maio, 09-05-2014 | 11:13 | Categoria: Clima 



PORTUGAL, 40 ANOS DEPOIS DA REVOLUÇÃO


“Em poucas décadas estaremos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridículo continuar a falar de independência nacional. Para uma nação que estava a caminho de se transformar numa Suíça, o golpe de Estado foi o princípio do fim. Resta o sol, o turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crônica e a emigração em massa.”

“Veremos alçados ao poder analfabetos, meninos mimados, escroques de toda a espécie que conhecemos de longa data. A maioria não servia para criados de quarto e chegam a presidentes de câmara, deputados, administradores, ministros e até presidentes de República.”

Não sei se seríamos hoje uma Suíça; é impossível dizer o que seríamos hoje se não tivéssemos sido o que fomos ontem. O que podemos dizer, com alguma segurança, não é “o que seríamos hoje”, mas “o que não seríamos hoje” — porque quando as nossas utopias fracassam, deparamo-nos com a realidade por detrás da nossa construção utópica da realidade.

Mas, na medida em que só podemos explicar o nosso fracasso por intermédio dos conceitos que utilizamos no passado para a construção das estruturas utópicas falhadas, segue-se que nunca chegamos a ter uma imagem do mundo que pudéssemos responsabilizar pelo nosso fracasso — porque mesmo as críticas feitas à utopia utilizam os conceitos da utopia.

A única forma de tentar sair do labirinto do fracasso utópico é tentar sair para fora da utopia; ignorá-la completamente. Ou então, ignorar as elites responsáveis pela utopia.

Com exceção da “transformação em uma espécie de Suíça”, Marcello Caetano acertou: vemos hoje analfabetos funcionais alçados ao Poder, com cursos homologados ao domingo ou tirados em apenas um semestre; meninos mimados, que nunca trabalharam a sério, em lugares de primeiro-ministro e ministros; deputados escroques; e até um presidente da república que não fez o liceu e não sabe escrever corretamente.

“Resta o sol, o turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crônica e a emigração em massa”.

A elite política histriônica do pós-25 de Abril

Estamos a ser governados por amadores, gente para quem é mais importante aparecer na televisão do que defender e prestigiar Portugal. Ou então por profissionais da traição à pátria.

Para esta classe política (porque não se trata apenas deste ministro da Defesa, do Partido Social Democrata), Portugal é um meio, e não um fim em si mesmo — como ficou demonstrado desde que começaram a existir as eleições para o parlamento europeu, e sobretudo quando Durão Barroso foi nomeado para Bruxelas. Ser ministro de um governo português já não é importante nem valioso senão na medida em que é um meio de se chegar a um quadro do FMI (Vítor Gaspar), ou a deputado no parlamento europeu, ou um quadro do BCE [Banco Central Europeu] (Vítor Constâncio), etc..

Por isso, não me interessa saber o que significou o 25 de Abril de 1974, mas antes o que significa o 25 de Abril de hoje; ou seja, interessa saber as consequências actualizadas do 25 de Abril de 1974, e não já as causas que foram bastamente objecto de análise histórica. O conteúdo do vídeo em epígrafe é o exemplo do que é o 25 de Abril de hoje.

E reparem como o ministro tentou justificar o injustificável: em um país decente, em que a classe política concebesse esse país como um fim em si mesmo, um ministro teria o cuidado de não se submeter a esta humilhação, por um lado, e por outro lado, mesmo que um caso fortuito desta índole acontecesse, um ministro digno sairia calado, remetendo quaisquer declarações para o seu adido de imprensa.
A nossa classe política perdeu a vergonha, porque já não considera que seja necessário ter vergonha quando se trata de se justificar perante o povo português (e aqui incluo todos os partidos com assento no parlamento). Para a nossa classe política, o povo português é uma merda!; é isto que significa, hoje, o 25 de Abril de 1974!

Por: Orlando Braga edita o blog Perspectivas - http://espectivas.wordpress.com/

O ENFRAQUECIMENTO POLÍTICO DO PT

Não adianta anular voto e nem esbravejar contra a realidade nua e crua. Ela é o que é. A direita não tem nome algum. Nem o centro político.


A possibilidade de alternância do poder, tirando o PT e adiando qualquer tirania, é precisamente o racha no PMDB.

Observar a cena política brasileira nesse ano eleitoral tem sido surpreendente. Ninguém, ao virar do Ano Novo, poderia afirmar com alguma chance de sucesso que poderia haver alternância de poder. Certo: tirar socialistas radicais e pôr no lugar os socialistas fabianos não parece grande coisa à primeira vista. Resta a pergunta: qual a alternativa? A direita não tem candidato, nem mesmo o centro, representado pelo PMDB, tem candidato. Mais uma eleição de triunfo total da esquerda se desenha.

Não obstante, penso que a alternância será muito positiva. Primeiro, porque será a garantia de que o processo democrático vai continuar, sem que a tentação golpista do PT possa se consumar. Eu sempre me lembro que Hitler, até 1933, era quase inofensivo. Depois que empolgou o poder terminou em genocídio. O mesmo aconteceu nas experiências socialistas em toda parte, a mesma que o PT que fazer por aqui, ao abrigo e na liderança do Foro de São Paulo. Então não é possível descansar enquanto a opção do puro e simples continuísmo for a maior possibilidade. Nenhum brasileiro informado e responsável poderá querer tal coisa.

A alternativa viável é Aécio Neves, um legítimo representante das oligarquias regionais que, pragmaticamente, pratica discurso à esquerda. Mas bem vimos as suas últimas declarações, muito corajosas, falando que a realidade nacional poderá exigir medidas duras. Aécio, como membro da elite tradicional, não quer ver o circo pegar fogo. Provavelmente faria um governo a meio do caminho do que faria o seu avô e o que fez Fernando Henrique Cardoso.

A agenda contra-revolucionaria seria retardada um pouco se ele ganhasse. Acho que Aécio daria prosseguimento a ela, ainda que em ritmo mais lento. Mesmo que pessoalmente queira, não conseguiria segurar os socialistas do PSDB e seus aliados na marcha da revolução. E não tem como segurar o STF, que tomou o freio nos dentes e desandou a legislar. Viveremos mais dez anos, pelo menos, de revolução fabiana com Aécio. Rever o processo exige que o centro e a direita se unam para produzir um candidato viável diante dos socialistas. Essa realidade precisará ser construída.

Não penso que chorar o leite derramado resolva alguma coisa. Não adianta anular voto e nem esbravejar contra a realidade nua e crua. Ela é o que é. A direita não tem nome algum. Nem o centro político. Penso ser do interesse de todos os brasileiros a alternância agora, mesmo que entre pares socialistas. O totalitarismo ameaçará a nação se houver continuísmo.

A possibilidade de alternância do poder, tirando o PT e adiando qualquer tirania, é precisamente o racha no PMDB. No Rio de Janeiro, terceiro maior colégio eleitoral, já foi consumado. Na Bahia, quarto maior colégio, também. Minas Gerais tem o candidato da terra, que naturalmente poderá ser o mais votado. Em Pernambuco igualmente, com Eduardo Campos tirando votos do campo petista. Esses movimentos enfraqueceram para valer a candidatura oficial. Nisso se funda o que estou aqui dizendo. O eleitorado paulista, o maior colégio eleitoral, sempre deu seu voto contra o PT, em maioria.

Pior do que a queda de popularidade de Dilma Rousseff em todos os institutos de pesquisa é o racha nas elites, para o PT. Vimos que o empresariado está quase na oposição, porque oposição não pode ser. Mas é evidente que rachou. O reflexo está nas decisões do PMDB, de não apoiar o PT em colégios importantes. Fica cada dia mais evidente a desintegração das instituições no Brasil. E também da economia, posto que os petistas, ao contrário da gente do PSDB, aposta no desenvolvimentismo, não dando bola para os perigos da inflação e lutando convictamente para engrandecer ainda mais o Estado todo-poderoso. A economia brasileira está ficando inviável e isso custará muito em termos de crescimento econômico e desordem na atividade produtiva. A situação já está de difícil correção e o empresariado acordou para o drama. O jeito é tirar o PT.

De qualquer modo, tudo indica enfraquecimento do PT diante do eleitorado. Essa é a maior notícia política dos últimos tempos.
Por: Nivaldo Cordeiro Do site: http://nivaldocordeiro.net/


sexta-feira, 9 de maio de 2014

PEDAGOGIA INSPIRADA NO FEMINISMO TRANSFORMA O SER HUMANO EM ZUMBI

Alicerçado numa experiência fracassada de mudança de sexo que levou um jovem ao suicídio, o conceito de gênero não passa de uma plástica existencial, que transforma mulheres e homens em escravos do próprio corpo.


Em 2009, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica encomendou ao Datafolha uma pesquisa com cirurgiões plásticos de todo o Brasil para traçar um diagnóstico desse tipo de procedimento médico. Na época, estimou-se que eram realizadas anualmente 629 mil cirurgias plásticas no Brasil, das quais 73% eram cirurgias estéticas e 27%, cirurgias reparadoras.

Entre as cirurgias estéticas realizadas a campeã foi o aumento de mama (21%) seguido de lipoaspiração (20%), abdômen (15%) e redução de mama (12%). A calvície – em que pese assolar cerca de metade das cabeças masculinas a partir dos 50 anos – só motivou 1% de cirurgias. É que 88% das cirurgias estéticas são feitas em mulheres; todavia, 82% dos cirurgiões plásticos são homens contra apenas 18% de cirurgiãs. Esses dados mostram que a ciência atualizou o mito de Adão e Eva: já não é Deus quem cria a mulher a par­tir da costela do homem – é ela pró­pria quem se recria à imagem e semelhança de seus múltiplos espelhos, reduzindo-se a mera massa de modelar nas mãos dos machos da espécie.

Hoje, quando o número de cirurgias plásticas cresce de modo acelerado e já chega à casa de 1 milhão por ano, colocando o Brasil atrás apenas dos Estados Unidos, um fenômeno ainda mais assustador vem ocorrendo – o crescimento vertiginoso das cirurgias estéticas entre adolescentes de 14 a 18 anos. Entre 2008 e 2012, enquanto o número de cirurgias estéticas entre adultos cresceu 38% (o que já é ex­pre­ssivo), entre adolescentes o au­mento foi alarmante – 141% no mes­mo período. Os adolescentes de 14 a 18 anos já representam 10% do total de cirurgias estéticas realizadas no País. Além de estragarem os ca­be­los precocemente, transformando-os em “parangolés” de Hélio Oi­ti­cica, as meninas, mal nascem os seios, e já começam a torneá-los com silicone segundo a última mo­da ditada pelas heroínas artificiais do cinema, da televisão ou da música pop. Isso para não falar no excesso de tatuagens e outros adornos tribais, que também são uma forma radical de intervenção no corpo.

Tudo isso tende a piorar se for aprovado o novo Plano Nacional de Educação (PNE) tal como deseja a Câmara dos Deputados. Contra­riando a própria Constituição, que só reconhece a existência dos sexos biologicamente dados, o PNE 2011-2020 pretende incorporar o conceito de gênero, oriundo das teorias feministas, que nega a realidade carnal do sexo biológico e sobre ela impõe uma sexualidade retórica, feita de palavra, desejo e desajuste. Co­mo afirmei no artigo da semana pas­sada, “não se trata mais de combater a possível discriminação de um aluno homossexual, mas de promover a ‘igualdade de gênero’, o que significa igualar ao sexo biológico as mais variadas fantasias de desajustados sexuais, perseguindo o que os ideólogos chamam pejorativamente de ‘heteronormatividade’, isto é, o sexo homem-com-mulher, papai-e-mamãe, que deve ser discriminado na escola em nome das relações homem-com-homem, mulher-com-mulher, trans-com-todos etc.”

É a ditadura gay – que já tomou conta da saúde pública – chegando também às escolas. Sim, o conceito de gênero, que nega radicalmente a biologia do sexo e não vê diferença substancial entre os aparelhos re­pro­dutores do homem e da mulher, de­corre da submissão do feminismo à cultura gay. Com o novo Pla­no Nacional de Educação, a máxima de Simone de Beauvoir – “ninguém nasce mulher, torna-se mu­lher” – será ampliada e ensinada o­ficialmente nas escolas como verdade científica: ninguém nasce ho­mem nem mulher, e cada criança, à revelia de seu próprio sexo, deverá ter o direito de escolher o gênero que quiser, assumindo-se gay, lésbica, travesti, transgênero ou tudo isso junto. É a plástica existencial, a subversão do próprio conceito de ser humano, que deixa de ser uma realidade ontológica para se tornar uma metamorfose ambulante, sujeita aos baixos instintos do desejo.

Inversão das normas morais

Mas, verdade seja dita, em termos de conteúdo, o Plano Nacio­nal de Educação nem chega a ser novidade. O perigo que ele representa é porque, sendo lei, suas aberrações se tornam obrigatórias. Não apenas no campo sexual, mas também na crítica recorrente a toda a sociedade vigente, desde suas estruturas econômicas e sociais até suas estruturas mentais. Já na questão do gênero, o plano apenas aprofunda e legaliza o que já vem sendo praticado nas escolas, como a distribuição de camisinhas para meninas de 10 anos, num óbvio incentivo ao sexo precoce. Desde o surgimento da aids, doença que se revelou uma verdadeira bênção para o movimento gay, a teoria de gênero se tornou hegemônica nas universidades e, por meio dela, se impôs na vida social. Um exemplo é o propalado conceito de homofobia, uma falaciosa invenção acadêmica, que finge combater a discriminação da minoria homossexual (o que seria justo), mas, na verdade, persegue e criminaliza a maioria heterossexual (o que é insano).

Quem não se lembra da “polêmica do banheiro” protagonizada pelo cartunista Laerte? Laerte, que já foi casado, tem dois filhos, namora uma mulher desde 2004 e se define, ao mesmo tempo, como travesti e bissexual, assume, “por vezes”, como ele explica, uma aparência feminina. Como se vê, sexo para ele é não é biologia, mas capricho. E é em nome desse capricho que ele, um senhor de 61 anos vestido de mulher, se sente no direito de usar o banheiro feminino. E o faz impunemente. Segundo ele próprio, as pessoas se espantam, mas se calam. A única vez que alguém reclamou foi em janeiro de 2012, quando ele entrou no banheiro feminino de uma pizzaria em São Paulo e se deparou com uma mãe e sua filha de 10 anos. Em nome da educação e proteção de sua filha, a mãe reclamou para o dono da pizzaria que, gentilmente, pediu para Laerte não usar mais o banheiro feminino. Foi o suficiente para que o cartunista se transformasse em vítima de discriminação em toda a imprensa, ganhando fartos e nobres espaços para sua causa.

Em outros tempos, quando as coisas ainda não estavam de ponta-cabeça, Laerte seria levado a uma delegacia de polícia para responder pelo seu ato e, provavelmente, seria demitido da “Folha de S. Paulo”, por denegrir o nome da empresa onde trabalha com sua atitude desrespeitosa. Hoje, é a mãe de família quem tem de explicar por que não queria um homem dentro do banheiro em que se encontrava sua filha de 10 anos. Tudo porque o sexo biológico já não conta e se um homem enxerga a si mesmo como mulher, todos são obrigados a vê-lo dessa forma mesmo quando ele invade a privacidade do banheiro feminino portando seu intacto órgão de macho. Hoje, diversas Secretarias de Educação do País, por orientação do próprio MEC, já franqueiam os banheiros femininos aos homens travestis, fingindo não ver que essa prática é profundamente machista e desrespeita os direitos das meninas, pois, na prática, o oposto nunca ocorre e não se vê lésbica reivindicando o direito de usar o banheiro masculino.

Renegando a biologia do sexo

Como se tornou possível essa inversão radical das normas morais? Por meio do insidioso trabalho ideológico das universidades, que se intensificou após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo a partir da década de 60, quando o desconstrucionismo, representado por pensadores como Michel Foucault (1924-1984) e Jacques Derrida (1930-2004), invadiu os Estados Unidos e praticamente recolonizou o pensamento de países como o Brasil, que respira, ou melhor, se asfixia nessa densa atmosfera intelectual; densa não pela profundidade do seu conteúdo, mas pela irracionalidade inexpugnável de sua prosa, que nega os fatos na história, a essência na filosofia e a clareza na linguagem para se locupletar nas interpretações, nos particularismos e na obscuridade. Não é à toa que o marco na disseminação do desconstrucionismo no mundo foi a palestra de Derrida na Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, em 21 de outubro de 1966, quando ele leu o ensaio “A estrutura, o signo e o jogo no discurso das ciências humanas”, que se tornou o último capítulo de seu livro “A Escritura e a Diferença”. Foi também na Universidade Johns Hopkins que o moderno conceito de “gênero” se fez carne e habitou a biologia, através de experiências com crianças.

Já na década de 50, o psicólogo John Money (1921-2006) e seus colegas da Universidade John Hopkins iniciaram um estudo pioneiro com pacientes hermafroditas, que apresentavam variadas combinações de ambos os sexos, como um ovário e um pênis, testículos e vagina e assim por diante. A partir de suas pesquisas, Money passou a defender a ambiguidade do hermafroditismo como uma espécie de princípio formador de ambos os sexos, que seriam moldados a partir da ação dos hormônios nos primeiros meses da vida intrauterina do bebê. Para ele, só no fim do quarto mês de gestação, quando os hormônios completam a modelagem da genitália externa (pênis ou vagina) é que o sexo começa de fato a ser definido, pois é essa aparência externa que vai prescrever o tipo de tratamento que a criança receberá dos pais e da sociedade, gerando expectativas de comportamento conforme o bebê é identificado como menino ou menina. É o que John Money chama de “papéis sexuais”, título do livro que escreveu em parceria com Patricia Tucker, publicado no Brasil em 1981 pela Editora Brasiliense.

Com isso, Money inaugurou o conceito de “gênero”, empregado por ele em meados da década de 50. Ele acreditava que, como a sexualidade humana possui uma ambiguidade de origem, era possível recriar o sexo das pessoas, através educação. O “papel sexual” imposto pela sociedade desde o nascimento da criança é que seria determinante para moldar o sexo e não a biologia. E a oportunidade para provar essa sua tese surgiu em 1967, quando David Reimer, um menino gêmeo de 8 meses, por um erro médico, teve o pênis cauterizado num processo de circuncisão. Os pais de David, mal saídos da adolescência, foram aconselhados a procurar John Money, considerado o maior especialista do mundo em identidade de gênero. Money recomendou uma cirurgia de mudança de sexo para a criança, que ganharia uma vagina artificial e um corpo feminizado por hormônios, podendo, segundo ele, levar uma vida sexual plenamente normal e satisfatória, bastando que fosse educado como menina.

O fato de David Reimer ser gêmeo idêntico mostrou-se ideal para a experiência de Money – se o menino se tornasse mulher a partir da educação dada por seus pais, mesmo tendo a mesma bagagem genética do irmão, estaria dada a prova de que o sexo é uma construção social. A experiência, realizada quando o menino tinha 22 meses, aparentemente foi muito bem-sucedida. O pequeno David ganhou uma vagina e passou a se chamar Brenda, que combinava com Brian, nome de seu irmão gêmeo. Quando li, há muitos anos, o livro de John Money em parceria com Patricia Tucker, eu não fazia ideia de que sua experiência tinha sido um fracasso. Apesar de ter sido criado como menina, usando vestidinhos cheios de babados, David nunca aceitou o papel de Bren­da. Aos 2 anos de idade, rasgava seus vestidos, repudiava as bonecas e cobiçava os carrinhos e armas de brinquedo do irmão. Na escola, seu jeito masculino era notado pelos colegas e a própria “Brenda” queixou-se aos pais que se sentia como um me­ni­no, apesar de não fazer a me­nor ideia do que lhe acontecera quando bebê, pois a cirurgia de mudança de sexo, por recomendação de John Money, foi mantida pelos pais em total sigilo.

O fracasso do experimento de gênero

Sentindo-se culpada por ter transformado o filho em menina, a mãe de David tentou suicídio. Seu pai se entregou ao alcoolismo e ele próprio passou a usar drogas eventualmente, além de apresentar sintomas de depressão. Quando David, que vivia como Brenda, fez 14 anos, um psiquiatra local convenceu a família a revelar a ele toda a verdade. “De repente, tudo fez sentido”, contou David Reimer ao jornalista e escritor canadense John Colapinto, que, em 2000, publicou um livro sobre o caso. David encontrou uma razão para a maneira como agia e se deu conta de que não estava louco, que não era nenhum maluco a se revoltar contra sua condição de mulher. Ao descobrir que nascera homem, David “iniciou o doloroso processo de conversão de volta ao seu sexo biológico”, conta Colapinto. Ele fez uma dupla mastectomia para remover os seios produzidos por terapias hormonais e, por meio de várias cirurgias, envolvendo enxertos e próteses de plástico, ele ganhou um pênis artificial com testículos. Além disso, tinha de tomar injeções regulares de testosterona. Deprimido com o tratamento e imaginando que nunca fosse se casar, ele tentou suicídio duas vezes antes dos 20 anos, numa delas depois que seu irmão morreu com uma overdose de antidepressivos.

Depois de voltar a ser homem, David acabou se casando e viveu com sua esposa durante 14 anos. Mas, segundo John Colapinto, era um marido difícil, devido às crises de depressão e aos ataques de fúria. Em 5 de maio de 2004, três dias depois de sua esposa ter sugerido que se separassem por um tempo, David Reimer se suicidou, pondo fim ao mito da completa separação entre sexo biológico e papéis sexuais, que John Money, agindo como um demiurgo, tentou forjar.

Money estava tão convicto de suas teses que, mesmo com todos os problemas enfrentados por David, continuou colhendo os louros de sua experiência na academia e na imprensa, tanto que foi capa da revista “Time” e incluiu, num de seus livros, um capítulo inteiro sobre o caso de sua jovem cobaia. Em 1985, quando duas crianças tiveram os pênis cauterizados por um erro num cirurgia de circuncisão, num caso semelhante ao de David Reimer, uma delas, que teve o pênis totalmente queimado, foi submetida a uma cirurgia de mudança de sexo, tornando-se “Baby Doe”. O psicólogo que recomendou a cirurgia foi John Money, apesar do fracasso de seu caso anterior.

É claro que não se pode atribuir o suicídio de David Reimer exclusivamente à mudança de sexo. O fato de ter perdido o pênis ainda bebê, provavelmente afetaria sua sexualidade, especialmente a partir da adolescência, quando estivesse em fase de autoafirmação. E a desagregação de sua família, inclusive a morte do irmão, pode ter agravado o seu quadro psicológico. Mas também é provável que o caminho escolhido por seus pais – sob a influência negativa de John Money – tenha sido a matriz de seu fracasso. Uma cirurgia de mudança de sexo para compensar o pênis perdido não é enfrentar o problema, mas fugir dele. E revela uma fragilidade emocional de seus próprios pais, que se entregaram ao suposto poder da medicina para operar milagres, quando deveriam ter ajudado o filho a crescer sublimando a falta do pênis. Na Idade Média, o filósofo Pedro Abelardo foi castrado pelos parentes da jovem Heloísa, a quem desonrara para os padrões da época. Como não havia um John Money em seu tempo, em vez de mudar de sexo, ele mudou de vida, entregando-se ainda mais à filosofia, um mecanismo de compensação que se mostra a olho nu até para leigos.

O ser humano transformado em zumbi

Esse é o grande problema do conceito de gênero que se quer impor a toda a sociedade a partir da escola. Ele é fruto de uma cultura materialista, que não reconhece o sofrimento como uma dimensão inerente à vida e acredita que a felicidade é bem externo ao indivíduo, que cabe à sociedade prover através de leis. Um exemplo são os homossexuais que conquistaram o direito de mudar de sexo de graça, via SUS. Depois da cirurgia, eles continuam tendo acompanhamento psicológico durante anos, pois já houve casos de suicídio de transexuais mesmo depois da mudança de sexo. Ora, já que a mudança de sexo não é garantia alguma de felicidade (afinal, o sexo oposto que o transexual busca é tão cheio de problemas quando o seu sexo de origem), por que não se render ao bom senso e aceitar ajuda psicológica não para trocar de sexo mas para se conformar com o sexo de nascimento? Esse inconformismo com os fatos da natureza transforma o homem em cobaia da ciência. Vivemos tempos pré-nazistas, em que a deificação do corpo aniquila o que há de humano nele.

Quem duvida, leia a revista “Cult” de novembro do ano passado, que traz um dossiê sobre a filósofa feminista Judith Butler, assumidamente lésbica e autora de obras consagradas nas universidades, entre elas “Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade”, publicado em 1990 e editado em 23 países, entre os quais o Brasil. Simone de Beauvoir (1908-1986), ao dizer que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, negou a realidade do sexo biológico e antecipou o conceito de gênero que viria a ser sustentado falaciosamente pelas pesquisas de John Money. Agora, Judith Butler, aprofundando o desconstrucionismo de Michel Foucault, quer ir além da diferença entre sexo e gênero. “A ideia fundamental da pensadora é de que o discurso habita o corpo e que, de certo modo, faz esse corpo, confunde-se com ele”, explica a filósofa Marcia Tiburi, em seu ensaio sobre Butler na “Cult”. “Por isso, a diferença entre sexo e gênero não seria mais o caminho para a luta feminista. Mas o respeito aos corpos cuja liberdade depende, em última instância, de serem livres do discurso que os constitui”, acrescenta.

O que vem a ser um corpo construído pelo discurso? E o que são corpos livres do discurso que os constitui? Devem ser zumbis sem cabeça, que abdicam de seu estatuto humano, nesse novo dualismo feminista que subverte Descartes – em vez de a mente reger o corpo, o corpo é que rege a mente. É o que se depreende de outra entrevista da revista “Cult”, de março último, com a professora e doutora em Comunicação pela UFRJ, Ivana Bentes. Depois de dizer que os homens “continuam em pânico com a autonomia das mulheres”, Ivana Bentes, também discípula de Foucault, afirma: “Um dia sexo vai ser modalidade esportiva, e prostituição (masculina e feminina) serviço e profissão de utilidade pública”. E adianta qual é o modelo de mulher: “Admiro as meninas do funk que ressignificaram o feminismo nas favelas, ao fazerem a crônica sexual da periferia de forma explícita, como Tati Quebra Barraco, que considero uma Leila Diniz dos novos tempos. Há os que pensam que, ao se colocarem como protagonistas da cena sexual, as meninas do funk só ocupam o lugar de poder dos homens. Na verdade, é um discurso radical de autonomia e de liberdade, que, vindo das mulheres, subvertendo o sentido de ‘cachorras’ e ‘popuzudas’ coloca o preconceito e o machismo de ponta-cabeça”.

A afirmação dessa doutora está longe de ser isolada, em que pese ser uma absoluta negação da realidade. Há artigos e teses louvando o funk e enaltecendo a liberdade sexual de suas meninas, sem levar em conta o preço dessa suposta liberdade. Como afirma o psicólogo canadense Steven Pinker, em seu livro “A Tábula Rasa”, a negação da natureza humana, por consequência da própria realidade, se tornou a “religião secular da vida intelectual moderna”. Quem quiser ver como as meninas do funk colocam o machismo de ponta-cabeça, como acredita Ivana Bentes em sua alucinação ideológica, basta ir ao Complexo de Bangu nos finais de semana. Lá, como em qualquer presídio do País, há milhares de “cachorras” esperando na fila para serem tratadas, de fato, como cadelas, servindo de repasto para o macho despejar sua libido na vagina sempre disponível – inclusive para servir de receptáculo das drogas transportadas para dentro da cadeia, até que a “cachorra” seja presa e o bandido a substitua na visita íntima seguinte por outra mulher qualquer; afinal, o corpo liberto da razão não tem satisfações a dar – só instintos a satisfazer. 
Por: José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.  Publicado no Jornal Opção.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

SÓ EXISTE ECONOMIA CAPITALISTA

BRASIL OCUPA ANTEPENÚLTIMA POSIÇÃO EM RANKING INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO

O Brasil aparece na 38.ª posição entre 40 países analisados no The Learning Curve (Curva do Aprendizado, em inglês), realizado pela The Economist Intelligence Unit (EIU) e Pearson Internacional. Em relação ao estudo anterior, de 2012, o País subiu uma colocação, apesar de ter piorado seu desempenho no índice.

O levantamento da EIU e da Person considera diferentes avaliações, relacionando-as com a produtividade do país. O índice leva em conta habilidades cognitivas e de desempenho escolar a partir do cruzamento de indicadores da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (Pisa), Tendências Internacionais nos Estudos de Matemática e Ciência (Timms) e avaliações do Progresso no Estudo Internacional de Alfabetização e Leitura (Pirls). Também são usados dados educacionais de alfabetização e taxas de aprovação.

No estudo deste ano, o Brasil passou o México no ranking, porque aquele país teve um recuo ainda maior no índice. O último lugar continua ocupado pela Indonésia. As primeiras posições trazem novidades, com nações asiáticas, como Coreia do Sul e Japão, tomando o lugar da Finlândia, que havia muitos anos figurava na liderança da maioria das avaliações.

“O sucesso desses países destaca a importância de ter objetivos claros para o sistema educacional e uma forte cultura de responsabilidade na prestação de contas”, afirma o relatório.

Qualidade. Para Michael Barber, chefe de Educação da Pearson, os governos de todo o mundo estão sob pressão para melhorar a aprendizagem. “Isso é cada vez mais importante para o sucesso das pessoas”, disse.
O relatório ressalta a ligação estatística entre o tempo médio gasto na escola por um estudante de um país e a produtividade dos trabalhadores. Aponta ainda que é imprescindível a qualidade da formação básica, mas a retenção de habilidades depende da continuidade da aprendizagem ao longo da vida adulta.

A professora Maria Helena Guimarães de Castro, presidente da Fundação Seade, afirma que o Brasil tem resultados muito positivos na inclusão dos últimos 25 anos, mas que o desafio agora é a qualidade. “O essencial está no ensino fundamental, com professores estimulados e bem formados”, diz ela, que foi consultora do relatório. “A produtividade do Brasil é muito baixa e precisamos avançar. Mas é claro que esse não é o único sentido da educação.”

Para o presidente da Pearson no Brasil, Giovanni Giovannelli, o diagnóstico também pode ajudar os gestores por mostrar as práticas que funcionam no mundo. “Tem quase 200 países nas Nações Unidas e só esses 40 têm essa medição. Só isso é em si um fato positivo para o Brasil”, diz ele.


POSIÇÃO 2014 PAÍSES Z-SCORE POSIÇÃO 2012 MUDANÇA NO SCORE 2014 / 2012
1 COREIA 1.30 1 0.07
2 JAPÃO 1.03 2 0.14
3 CINGAPURA 0.99 2 0.15
4 HONG KONG 0.96 -1 0.05
5 FINLÂNDIA 0.92 -4 -0.34
6 REINO UNIDO 0.67 0 0.07
7 CANADÁ 0.60 3 0.05
8 HOLANDA 0.58 -1 -0.01
9 IRLANDA 0.51 2 -0.02
10 POLÔNIA 0.50 4 0.08
11 DINAMARCA 0.46 1 -0.04
12 ALEMANHA 0.41 3 0.00
13 RÚSSIA 0.40 7 0.14
14 ESTADOS UNIDOS 0.39 3 0.04
15 AUSTRÁLIA 0.38 -2 -0.08
16 NOVA ZELÂNDIA 0.35 -8 -0.22
17 ISRAEL 0.30 12 0.45
18 BÉLGICA 0.28 -2 -0.07
19 REPÚBLICA TCHECA 0.27 3 0.07
20 SUÍÇA 0.25 -11 -0.30
21 NORUEGA 0.21 5 0.10
22 HUNGRIA 0.17 -4 -0.16
23 FRANÇA 0.17 2 0.04
24 SUÉCIA 0.17 -3 -0.06
25 ITÁLIA 0.11 -1 -0.03
26 ÁUSTRIA 0.10 -3 -0.05
27 ESLOVÁQUIA 0.09 -8 -0.23
28 PORTUGAL 0.04 -1 0.03
29 ESPANHA -0.08 -1 0.01
30 BULGÁRIA -0.26 0 -0.03
31 ROMÊNIA -0.44 1 0.16
32 CHILE -0.79 1 -0.13
33 GRÉCIA -0.86 -2 -0.55
34 TURQUIA -0.94 0 0.30
35 TAILÂNDIA -1.16 2 0.30
36 COLÔMBIA -1.25 0 0.21
37 ARGENTINA -1.49 -2 -0.09
38 BRASIL -1.73 1 -0.08
39 MÉXICO -1.76 -1 -0.16
40 INDONÉSIA -1.84 0 0.19


Nota: As pontuações do Índice são representadas pelo Z-Score (pontuação Z), que indica quantas divergências de padrão uma observação está acima ou abaixo da média. O processo de normalizar todos os valores no Índice com o Z-Score permite uma comparação direta dos desempenhos dos países em todos os indicadores. Note que os Z-Scores listados são específicos à sua respectiva versão no Índice e seus países. Ao fazer comparações de países individuais nas versões do Índice, é importante focar na colocação do país no ranking e não na pontuação do Z-Score. FONTE: : The Economist Intelligence Unit

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Análise:

Países que tratam educação como assunto estratégico colhem desenvolvimento econômico

Por Ilona Becskeházy, consultora em educação

O projeto “A Curva de Aprendizado”, que apresenta agora seu segundo relatório, organiza dados complexos, obtidos de fontes diversas, de forma a potencializar seu uso informativo, além de permitir a comparação entre cenários e resultados educacionais de cerca de um quarto dos países do mundo. Entre eles, o Brasil. As conclusões que o projeto vem apresentando, assim como as informações que o compõem, não são desconhecidas por quem se interessa pelas políticas educacionais, mas têm permanecido ao largo dos desenhos das intervenções propostas para o setor em nosso País.

O relatório tem o diferencial de analisar a educação levando em conta o contexto socioeconômico de cada país, que guarda relações tanto de causa como de efeito de sistemas educacionais competentes ou incompetentes. Os que trataram o tema da educação como assunto estratégico e implementaram, por décadas, reformas estruturantes, além de fazer investimentos em recursos humanos e materiais para garantir patamares altos de exigência a todos os seus alunos, colhem as recompensas de maior desenvolvimento econômico e bem estar individual. Os que não fizeram, simplesmente não colheram. Entre eles, o Brasil.

O responsável pela elaboração do relatório menciona o interesse de Ministros da Educação em saber como melhorar seus sistemas educativos. Entre eles, não está o Brasil. Por aqui, desdenhamos o que se aprendeu nos processos de estruturação educacional em países que hoje são industrializados porque nosso desenvolvimento prescindiu da educação. A nação se satisfez com o consumo baseado na exploração de riquezas naturais e não cobrou a distribuição do conhecimento. Escolhemos parâmetros medíocres e soluções paliativas para que ninguém se sinta incomodado.

Perspectivas de mudança? Basta ler o que vai proposto no Plano Nacional de Educação que será votado em breve, para se perceber que mantemos a prática de deixar como está para ver como fica.
COM MARINA AZAREDO Publicado no Estadão

A CLASSE DOS "SUPERTRABALHADORES": UM DILEMA PARA OS MARXISTAS


“O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a pobreza.” (Voltaire)

Uma grande reportagem no GLOBO de hoje fala da classe dos“supertrabalhadores”, aquela turma bem preparada e que trabalha horas e horas em altos cargos executivos. Diz a matéria:

Eles estudam mais, ganham mais e trabalham mais. Esses “supertrabalhadores” formam uma classe nativa do século XXI, formada por pessoas bem remuneradas e com formação de alto nível. São indivíduos que dedicam mais horas a suas carreiras do que os menos abastados e chegam a preferir o tempo no escritório ao lazer. O fenômeno foi apresentado numa pesquisa da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Divulgado ontem, o estudo mostra que, até a década de 1960, homens mais instruídos ficavam menos horas diárias nos seus empregos que trabalhadores braçais. Atualmente, porém, quanto maior o nível de instrução, maior o tempo no trabalho. O mesmo ocorreria com mulheres mais instruídas, de forma ainda mais incisiva.

“O século XXI inverteu a relação educação/lazer, com os mais bem educados, homens e mulheres, trabalhando, em geral, uma parte muito maior do dia do que aqueles com nível médio de educação, que, por sua vez, fazem mais do que aqueles com menos escolaridade”, afirma a pesquisa “Post-industrious society: Why work time will not disappear for our grandchildren” (“Sociedade pós-industrial: Por que o tempo de trabalho não vai desaparecer para os nossos netos”, em tradução livre).

Esses dados não deixam de ser um dilema para os marxistas, ainda presos em uma mentalidade de luta de classes totalmente ultrapassada e antiquada. Patrões seriam exploradores e trabalhadores seriam explorados por essa ótica marxista. Mas onde entrariam esses “supertrabalhadores” que recebem muitas vezes salários enormes, sem com isso deixar de ser assalariados, ou seja, não sendo os “donos dos meios de produção”? São exploradores ou explorados?

Parte da explicação para tanto trabalho é que esse mercado extremamente qualificado é bastante competitivo. Atuei no mercado financeiro por vários anos e sei bem como é isso. Não existe nada parecido com a mentalidade de “bater ponto”, de cumprir um horário determinado, de se desligar para curtir os momentos de lazer. O vizinho ficará até mais tarde, e poderá ser o próximo promovido se entregar resultado. A meritocracia é plena, o que exige contínuo esforço dos envolvidos.

Outra explicação é simplesmente o fato de que muitos desses trabalhadores adoram o que fazem. Marxistas achavam que o socialismo iria liberar os trabalhadores para outras funções mais agradáveis, como a pesca ou a filosofia. O trabalho, associado à labuta fabril, era visto como um fardo degradante a ser superado. O que os marxistas modernos precisam enfrentar é esse fato de que muitos desses trabalhadores gostam de seus trabalhos.

Cheguei a escrever no meu antigo blog um texto chamado “Eu fui explorado!”, expondo esse dilema para os marxistas. Escrevi:

Trabalhei por 6 anos para uma empresa que exige bastante dos seus empregados, objetivando manter sua eficiência, tão necessária para sua própria sobrevivência e conseqüente sobrevivência dos empregos que gera. Trabalhei várias horas por dia, acumulei meses e meses de férias não aproveitadas, deixei de gozar de feriados etc. Não havia uma arma apontada para a minha cabeça para tanto. Era uma escolha pessoal. Como tratava-se de uma troca voluntária, era mutuamente benéfica por definição, caso contrário, bastava uma das partes cancelar o trato. Eu queria aquilo! Considerava que era bom para mim, vantajoso para meu futuro.

Mas um esquerdista diria que não, que eu não sei do que falo, que não tenho a menor idéia do que é bom para mim. Ele iria impedir minha “exploração”, afirmando que é um absurdo trabalhar tantas horas por dia, ou deixar de sair de férias. Usaria o aparato estatal e sindical para garantir minhas “conquistas” e “direitos”, direitos estes que eu gostaria de abrir mão mas não posso.

Agora que sou escritor e blogueiro, continuo um “workaholic”, escrevendo vários textos inclusive em feriados e muitas vezes até quase de madrugada. Ninguém me cobra isso. Faço o que gosto, o que ajuda muito. Certa vez li que o segredo da vida era achar alguém que pagasse para você fazer aquilo que se tivesse dinheiro pagaria para fazer. Há algo mais triste do que jovens ingressando no mercado de trabalho e já pensando no que vão fazer na aposentadoria?

Entendo que não será tarefa fácil para a maioria, encontrar uma ocupação produtiva e ao mesmo tempo satisfatória, mas eis um dilema para a esquerda em geral e marxistas em particular: muitos trabalhadores trabalham com tanto afinco porque gostam do que fazem, e claro, desejam ser bem remunerados por seu esforço e mérito. O aumento da remuneração é parte da explicação também:

Já a Universidade de Oxford sugere que, entre os fatores que podem ter influenciado este aumento na jornada dos mais instruídos, estão os rendimentos elevados, que tornaram o trabalho mais atraente em relação ao tempo de lazer. O crescimento é consequência também de uma mudança na ideologia ligada ao lazer. O tempo dedicado ao entretenimento pessoal já foi considerado um símbolo de poder social no século XIX, mas, hoje, segundo o estudo, muitos enxergam isto até mesmo como sinal de preguiça ou desemprego.

Domenico De Masi e seu “ócio criativo” perderam charme na cultura moderna. Talvez seja o reflexo de uma herança calvinista ainda, que valoriza o trabalho, ao contrário do que faziam os ibéricos católicos. Quando Mauá entregou a pá de jacarandá para D. Pedro II em uma cerimônia, simbolizando o ato de trabalhar, foi um grande constrangimento, e o imperador teria ficado com aquilo entalado na garganta por anos, segundo o biógrafo de Mauá, Jorge Caldeira. A ética do trabalho ainda não pegou muito por aqui, nessas terras tropicais…

O trabalho intelectual é mais desafiador e estimulante, e a verdadeira criação de riqueza vem do cérebro, de nossa mente, não de nossos braços. Eis mais um dilema para os marxistas, que ainda vivem reféns da crença absurda de que é o trabalho físico que produz riqueza para uma sociedade. Diz a reportagem:

Além disso, economistas dizem que quanto melhor a educação, mais distante esses indivíduos ficam de tarefas fisicamente pesadas. O trabalho, desta forma, teria se tornado mais satisfatório tanto intelectual quanto emocionalmente. Com isso, eles acabam sentindo menos necessidade do período de folga.

A filósofa russa Ayn Rand colocou em um de seus personagens a seguinte mensagem:

“Olhe para um gerador de eletricidade e ouse dizer que ele foi criado pelo esforço muscular de criaturas irracionais. Tente plantar um grão de trigo sem os conhecimentos que lhe foram legados pelos homens que foram os primeiros a plantar trigo. Tente obter alimentos usando apenas movimentos físicos, e descobrirá que a mente do homem é a origem de todos os produtos e de toda a riqueza que já houve na terra.”

Vários socialistas sonharam com o dia em que as máquinas substituiriam os homens e estes poderiam, então, viver apenas para o lazer. Tal utopia conquistou gente da estatura de um Oscar Wilde, que escreveu, em A alma do homem sob o socialismo:

O fato é que a civilização exige escravos. Nisso os gregos estiveram muito certos. A menos que haja escravos para fazer o trabalho odioso, horrível e desinteressante, a cultura e a contemplação tornam-se quase impossíveis. A escravidão humana é injusta, arriscada e desmoralizante. Da escravidão mecânica, da escravidão da máquina, depende o futuro do mundo. [...] Haverá grandes acumuladores de energia em cada cidade, em cada residência se preciso, e essa energia o homem converterá em calor, luz ou movimento, conforme suas necessidades. 

Hoje, de fato, as máquinas facilitaram ou substituíram inúmeros trabalhos braçais, e graças à evolução capitalista diversos tipos de ofício foram aposentados. Mas isso não jogou milhões de pessoas apenas no ócio contemplativo ou nas artes, como esperavam os utópicos, e sim em novos desafios intelectuais e tecnológicos, novos ofícios criados pelo próprio progresso, surgindo essa classe de “supertrabalhadores”.

A tendência, à medida que o país se desenvolva com o capitalismo, é ele depender mais de serviços e menos de agricultura e indústria. O capitalismo, portanto, libera um contingente expressivo de gente para funções mais estimulantes e prazerosas, é o grande aliado dos trabalhadores.

Não precisamos de sindicatos impondo com a ajuda do governo a redução da jornada de trabalho para combater a “exploração” dos capitalistas; precisamos de mais capitalismo e livre mercado, de uma ética calvinista que valorize o trabalho, e do investimento em qualificação, para que cada vez mais gente possa investir seu tempo naquilo que realmente gosta, aumentando assim a produtividade da economia e a satisfação geral. O futuro não está em trabalhar cada vez menos, e sim em trabalhar cada vez mais com aquilo que desejamos.

Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/


quarta-feira, 7 de maio de 2014

VISÃO HISTÓRICA

"Mr. Gorbachev, open this gate. Mr. Gorbachev, tear down this wall!"


Em 1989, houve um acontecimento que mudou a história recente da humanidade: a queda do muro de Berlim. O que aconteceu, na prática, foi o suposto desaparecimento do comunismo real diante daquilo que parecia uma vitória do capitalismo ou uma vitória de dois homens específicos: o então presidente dos EUA, Ronald Reagan, anticomunista ferrenho, e o papa João Paulo II, vítima do comunismo na Polônia.

Dois anos antes da queda do muro de Berlim, em 1987, Ronald Reagan, diante do portão de Brandemburgo, em Berlim, falando a respeito do secretário geral do partido comunista Mikhail Gorbachev, pediu aquilo que todos os homens de boa vontade do Ocidente desejavam: "Mr. Gorbachev, open this gate. Mr. Gorbachev, tear down this wall!" [1].

Então, em 1989, diante da queda do muro, o capitalismo, os valores do ocidente e o Papa João Paulo II pareciam ter triunfado.

Porém, na ocasião da viagem de João Paulo II a Cuba, um jornalista perguntou a Fidel Castro como o líder cubano se sentia ao receber a visita do homem que havia derrubado o comunismo. Fidel respondeu: “eu não desprezaria assim Mikhail Gorbachev”. Hoje, cada vez mais, se percebe que tudo aconteceu de caso pensado. Declarações do próprio Gorbachev e de alguns comunistas já previam a necessidade de se promover uma aparente morte do comunismo, para que o espírito e o ideal do comunismo se alastrassem no Ocidente. Os próprios comunistas compreendiam que havia uma espécie de queda de braço na guerra fria e que estavam perdendo a disputa. A guerra indicava uma vitória dos EUA, que estavam muito melhor que os soviéticos. Quando os EUA estavam vencendo a batalha militar, os comunistas se dirigiram para outro campo de batalha. Já há décadas haviam percebido que o caminho da vitória sobre o capitalismo não era o militar, mas o cultural.

Mas, como aconteceu o triunfo da linha marxista cultural, que parecia originalmente heterodoxa? No século XIX, Karl Marx defendia a ideia de que a sociedade era injusta porque explorava o trabalhador. Era necessário que através de um método revolucionário (armado), a classe trabalhadora tomasse posse do governo, implantando uma ditadura do proletariado, controlando os meios de produção. E essa ditadura seria uma ponte para uma sociedade que, ao final, seria justa, sem classes, sem governo.

Em suma, o ideal de Marx era a implantação de um paraíso terrestre, de uma sociedade justa, perfeita, através do poder criativo do mal. Marx, porém, não é a origem de tal pensamento, mas somente um porta-voz. Afirmar a força criativa do mal, do negativo, que da destruição faz surgir algo de bom é um princípio da filosofia Hegeliana. De uma antítese forte, segundo Hegel, surge uma síntese superior. Hegel identifica uma espécie de injustiça com o mal, com o negativo, que foi demonizado, exorcizado, criando imobilismo e falta de vitalidade. Hegel traz para a filosofia algo que já era enxergado e defendido pela arte, pelo romance [2] .

“Dê asas à maldade e acontecerá algo de bom”. Foi o que Hegel propôs com a sua dialética. Marx levou tal conceito à prática. No caso de Marx e da revolução armada, a luta seria suprassumida, levada para cima. Matar, destruir, hostilizar a civilização, trazer abaixo a ordem foi o caminho adotado (ou proposto) por ele para a produção de uma ordem superior. E esse mesmo princípio é o que governa a vida de muitos sacerdotes e muitos bispos, dentro da própria Igreja hoje. Muitos fazem automaticamente coisas que não sabem de onde vêm [3] .

É preciso que desde o início estas realidades fiquem claras, para que se consiga distinguir claramente qual o papel que cada personagem desempenha na Igreja. Uma pessoa só pode ser julgada a partir das coisas que combate. Se alguém diz que é a favor dos pobres, dizendo que ama a justiça social, o único critério para verificar se está dizendo a verdade ou não é analisar o que irá combater: se combate tudo o que há de sagrado, como a liturgia do Missal, a disciplina do Código de Direito Canônico e a doutrina do Catecismo da Igreja Católica, percebe-se, claramente, uma realidade diversa daquela que é apresentada costumeiramente. Uma coisa é a propaganda que é feita de si mesmo, outra é o verdadeiro intento de cada pessoa em seu agir cotidiano.

Um exemplo pode ser encontrado numa pessoa que declara seu amor à verdadeira tradição da Igreja e não à “tradição engessada” de Trento; que afirma amar os santos, mas somente os que são “comprometidos”; que diz amar a liturgia, mas a liturgia “inculturada”, capaz de “falar” ao povo. Na realidade, em todos os casos citados, é necessário entender que existe um princípio de ação marxista, que permeia todos os comportamentos: é o princípio do negativo, do destruidor, que busca por abaixo toda a estrutura vigente para que uma “melhor” seja erigida [4] .

O papa Bento XVI recentemente esteve na Alemanha, no Congresso Nacional (Bundestag) e dirigiu uma palestra aos parlamentares de seu país. Foi aplaudido efusivamente de pé por quase todos os congressistas, exceto por um pequeno número de pessoas, de um determinado partido. Em suas palavras conclusivas o papa disse:

"A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos Gregos e o pensamento jurídico de Roma. Este tríplice encontro forma a identidade íntima da Europa. Na consciência da responsabilidade do homem diante de Deus e no reconhecimento da dignidade inviolável do homem, de cada homem, este encontro fixou critérios do direito, cuja defesa é nossa tarefa neste momento histórico" [5].

Segundo Bento XVI, é necessário defender a fé cristã, o direito romano, a filosofia grega porque existe um movimento revolucionário que está derrubando (ou já derrubou) estas três colunas da civilização ocidental. O papa professa publicamente que é necessário reerguê-las. É preciso, porém, deixar claro quem quer e por que quer destruir estas colunas.

Hegel e Marx, como já apresentando, colocam a realidade do trabalho do negativo. Marx, por exemplo, quer, através de um trabalho de destruição, trazer abaixo uma ordem e um sistema que, segundo ele, oprimia o trabalhador. Marx profetizou uma sociedade justa, sem classes, sem governo, dizendo que isso aconteceria por uma revolução dos trabalhadores. Previa que os trabalhadores iriam sofrer tanto debaixo da pressão dos capitalistas que, mais cedo ou mais tarde, haveria tanto conflito a ponto de estourar uma revolta [6] .

Sua obra O manifesto do partido comunista termina com um convite para a união dos proletários. Imaginava que os trabalhadores dos diversos países da Europa iriam se unir contra os capitalistas, impondo uma ditadura do proletariado. Isso, porém, nunca aconteceu. Apesar de ter acontecido uma guerra (I Guerra Mundial), os trabalhadores não se uniram para lutar contra os proletariados, mas para lutar contra outros trabalhadores.

Depois da I Guerra Mundial, o marxismo estava em plena crise teórica: como foi possível a união dos trabalhadores para matar outros trabalhadores, buscando defender os interesses de seus patrões? Quem os alienou?

Marx, de certa forma, já havia encontrado a “solução” em uma de suas frases mais conhecidas: a religião é o ópio do povo [7]. Marx havia entendido que havia um fator cultural que alienava o povo. Porém, não conseguiu elaborar tal pensamento de forma adequada.

Tal elaboração será feita por dois filósofos, de forma independente, um húngaro, Georg Lukács e o outro italiano, Antonio Gramsci (que teve seu método acolhido pelos marxistas culturais). Quando terminou a I Guerra, diante da grande crise teórica do marxismo, para Gramsci e para os marxistas culturais, o grande adversário a ser derrubado mostrou a sua face: a ética judaico-cristã, a filosofia grega, o direito romano, eram como que uma espécie de veneno que alienava as pessoas, impedindo os trabalhadores de lutarem de forma revolucionária.

Gramsci esteve na URSS, durante a década de 20. Presenciou a tentativa de Lênin de estabelecer as bases do estado soviético. Viu também quando Stálin tomou as rédeas do partido, matando vários dissidentes comunistas (Trotsky, por exemplo). Viu que o comportamento de Stálin era a aplicação prática da filosofia de Hegel. Gramsci pôde compreender que era necessário destruir, trazer abaixo a cultura ocidental, mas que não haveria solução pelo caminho stalinista. Era preciso implodir as três colunas do Ocidente, lentamente, anonimamente, gradualmente. Na técnica gramsciana, nada pode ser ostensivo, tudo deve ser feito disfarçadamente, com o veneno sendo ministrado ao paciente como se fosse um remédio, como se fosse o medicamento de sua salvação. Em outras palavras, é necessário destruir a cultura ocidental em nome da dignidade e da liberdade do homem. Em nome da liberdade, cria-se a ditadura. Em nome dos Direitos Humanos, cerceiam-se os direitos do homem.

Uma coisa é aquilo que o marxismo cultural alardeia, outra coisa é o que ele verdadeiramente busca fazer. Em nosso país, um exemplo disso é a aprovação do “casamento” homossexual. Tudo foi feito em nome da dignidade humana, pois os homossexuais não podem ser oprimidos, têm direitos, não podem ser vítimas de um olhar preconceituoso.

O objetivo, na realidade, é a destruição da família, pois para o pensamento marxista a família é um valor burguês, uma desgraça que precisa ser extinta, já que está baseada em elementos que impedem a revolução: a propriedade privada (bens passados para herdeiros, perpetuação da propriedade privada), a opressão patriarcal (o homem é maior do que a mulher, não há igualdade) e a ética sexual burguesa. Só como exemplo, numa relação homossexual existe uma clara afronta à ética sexual cristã, uma violação ao patriarcalismo ocidental, não há herdeiros. A propaganda é a defesa dos direitos dos homossexuais, mas o interesse verdadeiro é a destruição da família. Como o povo está alienado, com um pensamento cristão muito arraigado, é necessário entrar em sua consciência e arrancar à força os valores “burgueses” que impedem a revolução. Mais uma vez, o caminho é olhar para o que é combatido, não para aquilo que pretensamente é defendido.

Esta introdução buscou colocar uma visão panorâmica do que é marxismo cultural. Marx quis implantar uma sociedade nova aqui na terra. Gramsci mostrou que os meios para tal empreendimento são os culturais, já que os métodos armados não deram certo. O que Gramsci propõe é a mudança do interior das pessoas, pois somente assim acontecerá verdadeiramente o início da nova sociedade. É necessário aculturar as pessoas, acabar com a cultura de cada uma delas.

Referências

“Senhor Gorbachev, abra este portão! Senhor Gorbachev, derrube este muro!”. Discurso proferido diante do portão de Brandemburgo no dia 12 de junho de 1987. O vídeo pode ser conferido em: http://www.youtube.com/watch?v=5MDFX-dNtsM.
Isso pode ser conferido no romance Fausto, de Goethe, no momento em que Mefistófeles, o demônio, apresenta-se ao protagonista: “Fausto: Pois então, quem és tu? Mefistófeles: Eu sou uma parte dessa força que deseja sempre o mal e sempre cria o bem”. (GOETHE. Fausto. Quadro IV, Cena II. Segundo o original: Fausto: Nun gut, wer bist du denn? Mephistopheles: “Ich bin ein Teil von jener Kraft, die stets das Böse will und stets das Gute schafft”.)
Nesta série de palestras, será necessário tomar uma decisão: ser um teólogo da Libertação competente, buscando fazer um trabalho de destruição dentro da própria Igreja; ser alguém fiel à Igreja, à Tradição e ao papa. Este material pode ser utilizado para o bem, sabendo o que se deve fazer para evitar o mal; ou então, ser utilizado para o mal, conscientemente usado para destruir a Igreja.
Infelizmente, o princípio da destruição parece estar presente dentro da Igreja. Muitas pessoas creem que quanto mais forem devassas, quanto mais destruírem a moral tradicional, mais promoverão o amor; quanto mais caluniarem, quanto mais destruírem a vida dos outros, tanto mais implantarão o reino de Deus; creem que quanto mais criarem desordem e profanarem o sagrado, tanto mais servirão à causa de Deus. Vivem, portanto, de acordo com o princípio da destruição.
Bento XVI, Discurso na visita ao Parlamento Federal no Palácio do Reichstag de Berlim, proferido no dia 22 de setembro de 2011. O discurso está disponível em http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2011/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20110922_reichstag-berlin_po.html
Para dar maior fundamento às suas teorias, Marx consultou dados relativos aos trabalhadores nos “Blue books” ingleses, forjando, porém, os dados coletados.
Numa época em que havia grandes dificuldades para se amenizar uma dor lancinante, o ópio era uma possibilidade alucinógena para fugir da dor.

O PARADOXO DAS ESQUERDAS


O tempo passa, as sociedades evoluem, as ideias se renovam, mas há coisas que não mudam jamais. O ódio das esquerdas ao livre mercado, por exemplo, é uma delas. Esse ódio, entretanto, tem contornos extremamente contraditórios, pois parte daqueles que, pelo menos da boca para fora, se intitulam defensores dos fracos e dos oprimidos. Afinal, o capitalismo tem como principal virtude oferecer produtos e serviços de forma abundante e a preços accessíveis, transformando os consumidores de baixa-renda nos seus principais beneficiários.

Peguemos, por exemplo, a fúria dos ungidos¹ contra o Walmart. A acusação mais frequente a esse maldito conglomerado — que insiste em vender mais barato que a concorrência — é de que ele paga salários muito baixos aos seus empregados, além de não conceder certos benefícios extras, “exigidos” por sindicatos de trabalhadores. A ladainha é a mesma de sempre: o capitalista ganancioso explora o trabalhador indefeso, pagando-lhe salários injustos.

O que os ungidos nunca dizem é que a empresa da Família Walton costuma empregar muitos jovens, sem qualquer experiência profissional anterior, e idosos, que trabalham para complementar suas aposentadorias. “Esquecem” ainda que, se esses indivíduos não estivessem trabalhando para o Walmart, estariam provavelmente engordando os índices de desemprego, já que em qualquer país livre, como os EUA e outros onde o WM está instalado, ninguém pode obrigar os demais a trabalhar. Os contratos são atos voluntários entre as partes e, portanto, se existe gente interessada em vender serviços a um patrão ganancioso e malvado, é porque as alternativas certamente seriam piores. Porém, nada disso importa diante do indefectível argumento da exploração do trabalhador pelo bicho-papão capitalista, que dá origem à não menos famosa e estapafúrdia teoria da luta de classes, sofisma marxista subjacente à maioria das críticas ao processo capitalista.

A ciência econômica é, frequentemente, contraintuitiva (oposta ao senso comum) e, por isso, quase sempre mal compreendida pela maioria das pessoas (muito por culpa dos próprios economistas, que fazem questão de torná-la ininteligível para os reles mortais). A vanguarda do atraso se vale exatamente dessa dificuldade cognitiva para espalhar desinformação e, de quebra, todas as falácias que lhes interessam.

Ludwig Von Mises foi um dos economistas que fugiu à regra acima. No seu monumental Ação Humana, ele discute o tema do trabalho de forma brilhante e exaustiva, explicando detalhadamente como e porque a labuta só é preferível ao ócio (termo usado aqui no sentido de “não-trabalho”) até onde o produto daquela é mais urgentemente desejado do que satisfação gerada por este. O homem, ao considerar o esforço físico, mental ou psicológico do trabalho, avalia não somente se haveria um fim mais desejável para o emprego de suas energias, mas também, e não menos, se não seria mais conveniente e satisfatório abster-se dele. O ócio seria, portanto, “objeto da ação intencional do ser humano”, ou, nas palavras do autor, um “bem econômico de primeira ordem”, enquanto o trabalho é somente um dos meios utilizados para alcançá-lo.

Qualquer que seja o nível de renda, portanto, a maioria dos homens estará propensa a largar o trabalho no ponto em que não mais considere a sua utilidade como compensação suficiente para o desconforto gerado por ele. Por esse mesmo raciocínio, se houver alguém disposto a pagar para que não façamos nada, o produto do trabalho terá que ser bem mais alto e, consequentemente, compensador, para que nos disponhamos a abandonar o ócio remunerado (vide o resultado de programas como seguro-desemprego, Bolsa-Família e congêneres na oferta de mão-de-obra).

Esta lição simples é constantemente negligenciada pelos ungidos ao vomitar sobre nós os seus sofismas econômicos. Malgrado a fantasia marxista da “mais valia” já tenha sido sobejamente desmentida por inúmeros economistas, a imagem apresentada ao público continua sendo a de que as grandes corporações se beneficiam dos baixos salários pagos aos funcionários ou, em palavras mais exatas, que o capital é o grande vilão do trabalho.

Não é outra a razão por que essa gente é contrária a qualquer avanço econômico ou tecnológico. No passado, espernearam contra inovações que melhoraram muito a vida do ser humano em geral, como a linha de montagem e a mecanização industrial. Hoje, combatem a robótica, os computadores e tudo quanto possa aumentar a produtividade de um trabalhador. Aqui no Brasil, por exemplo, os ungidos lutam contra o agro-negócio e defendem a volta de uma extemporânea agricultura familiar.

O rancor provocado pelo Walmart nos ungidos só pode estar ligado a um latente inconformismo com o fato de que ele consiga abastecer o mercado de forma eficiente, abundante e econômica, algo que as suas utopias socialistas jamais conseguiram. O êxito do WM está diretamente relacionado aos preços baixos que pratica, os quais beneficiam milhões de consumidores, especialmente de baixa renda. Estivessem os ungidos realmente em sintonia com os seus discursos e preocupados com os mais pobres, deveriam ser os primeiros a desejar-lhe vida longa e próspera. No entanto, o sucesso de empresas como esta representa um perigo real para todos aqueles que ainda insistem em enxergar o capitalismo como algo nocivo.

Nota

[*] Uma gente que “acredita estar de posse de alguma sabedoria especial capaz de fazer do mundo um lugar melhor”. (Thomas Sowell, em The Vision of The Anointed: Self-Congratulation as a Basis for Social policy)

Postado em 14 de Abril, 2014.Autor João Luiz Mauad
* Publicado originalmente em 26/08/2010.


terça-feira, 6 de maio de 2014

EM DEFESA DA MERITOCRACIA (parte 2)


No artigo anterior, discuti como a meritocracia pode complementar ou substituir a democracia de forma eficiente e compatível com a natureza humana, e como o livre mercado é nada mais que uma ordem meritocrática.

No caso de associações coletivas (como as famílias, firmas e governos), seja por causa de falhas de mercado ou outros problemas de escolha pública, ou seja, devido à existência de interações sociais que não são aceitas pelo grupo como reguladas por critérios mercantis (pensem em relações de parentesco ou amizade), observamos que as estruturas organizacionais mais eficazes frequentemente recorrem a fórmulas meritocráticas de distribuição de responsabilidades. Tal eficácia pode ser o resultado de lenta evolução social ou de planejamento consciencioso.

Historicamente, modernizações de instituições governamentais como as promovidas, por exemplo, por Mehmed II (Império Otomano), Pedro o Grande (Império Russo) e Napoleão Bonaparte (estados da Europa Continental) se deveram em grande parte à adoção de regimes meritocráticos (ainda que oligárquicos).

Exemplos como os acima, todavia, são raros. Oligarcas não nutrem simpatia pela meritocracia, pois ela impede que outros critérios, como o patrimonialismo e o nepotismo, sejam utilizados na alocação do poder. A meritocracia tende a ser mais facilmente defensável nas sociedades abertas, pois é compatível com o princípio da igualdade de oportunidades ao mesmo tempo em que promove a alocação do poder de acordo com a capacidade individual de exercê-lo, ou seja, contribui para a descentralização eficiente das tarefas.

Já ouvi muitas vezes a afirmação dentro e fora do Brasil de que o sucesso inegável de nações latinas como a França e a Itália é de difícil explicação, pois não se enquadrariam nos paradigmas anglo-saxões ou germânicos de desenvolvimento. Os casos da Suíça e do Canadá são também relevantes, pois é necessário explicar por que as regiões latinas são às vezes mais ricas e cosmopolitas que parcelas significativas das regiões germânicas ou anglo-saxãs. Uma das melhores explicações é na verdade relativamente simples, apesar de amplamente ignorada: o elevado nível de desenvolvimento dessas regiões latinas do mundo está associado à importante presença e aceitação da meritocracia como forma de organização social. Em contraste, o fracasso relativo das nações ibéricas e de suas colônias é o resultado da ausência do componente meritocrático em suas instituições e nas regras formais e informais de interação humana.

Nas sociedades abertas contemporâneas, as ideologias que objetivam a igualdade de resultados são as maiores inimigas da meritocracia. Nos países da Europa continental, grupos populistas se unem contra a meritocracia sob a bandeira do antielitismo, no caso dos socialistas, e do nacionalismo, no caso dos conservadores. Tenho observado que a defesa intransigente dos valores universais republicanos ou confederativos tem sido a maneira mais eficaz de conter os ataques aos princípios meritocráticos. É preocupante por outro lado a complacência que observo já de longa data nos Estados Unidos (e em menor grau no Canadá e no Reino Unido) em relação à destruição das instituições meritocráticas, que nesses países é promovida pelo movimento politicamente correto, pelas políticas multiculturalistas e pela ação afirmativa (“discriminação positiva”), entre outros fenômenos que inevitavelmente produzirão efeitos negativos nestas sociedades no longo prazo.

É particularmente preocupante o caso do Brasil, que já havia importado o que havia de pior no movimento antimeritocrático europeu, sem nunca ter compreendido e incorporado, por outro lado, o ideal da meritocracia republicana ou confederativa, e agora importa, aparentemente com prazer, o que há de pior no movimento antimeritocrático americano. É fundamental reconhecer, como país de cultura predominantemente latina, que se há uma chance de emular países bem sucedidos e culturalmente mais próximos, esta emulação deve passar pelo fortalecimento das instituições meritocráticas brasileiras, ou seja, exatamente o contrário do que têm feito os governantes no Brasil.

Em suma, por ser a meritocracia um dos principais pilares das economias capitalistas de livre mercado, das democracias constitucionais e das sociedades abertas, creio que cabe aos liberais correrem em sua defesa, antes que seja tarde demais.Postado em 18 de Abril, 2014.

* Publicado originalmente em 12/09/2011.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

EM DEFESA DA MERITOCRACIA (Parte 1)


Churchill uma vez celebremente declarou que “a democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as outras formas que foram experimentadas de tempos em tempos”. É interessante notar que Churchill foi sábio ao excluir formas de governo ainda não experimentadas de sua afirmação. De fato, se comparada aos regimes políticos que durante a história se ofereceram como alternativas aos regimes democráticos, como a monarquia absolutista, a teocracia, o fascismo e o comunismo (entre outras formas de oligarquias) e a eventual anarquia revolucionária, não creio que existam dúvidas entre pessoas politicamente sensatas de que a democracia tenha sido a forma de governo que mais contribuiu para o avanço da humanidade.

Para evitar, porém, que caiamos na armadilha do fetichismo democrático, aqui definido como a crença ingênua de que o “governo do povo, pelo povo e para o povo” (de acordo com Lincoln) seria condição suficiente para que uma nação encontre seu nirvana político, é necessário fazer duas observações a respeito da declaração de Churchill. Primeiro, que quando ele usou o termo “democracia” ele se referiu evidentemente às formas de governo mistas encontradas nas sociedades abertas ocidentais, que jamais representaram democracias puras. Segundo, que a frase mostra que Churchill acreditava que tal “democracia” é um sistema imperfeito de governo, que pode ser aperfeiçoado, como provado pelas inúmeras causas e reformas políticas, nem sempre liberais ou democráticas, diga-se de passagem, que patrocinou como estadista.

Outra crença ingênua do fetichismo democrático é a de que a cura para os problemas das democracias reais passa por torná-las ainda mais democráticas. É perfeitamente possível, porém, que o excesso de democracia seja o verdadeiro problema. É bem sabido, por exemplo, que o poder democrático deve ser moderado por uma constituição (regras formais) e por regras informais que estão acima da vontade da maioria. Por exemplo, numa democracia pura uma maioria formada por pessoas de olhos escuros pode decidir plebiscitariamente pelo extermínio da minoria de olhos claros. Ainda que absurda, a decisão seria democrática e legítima, pois representaria a vontade da maioria expressa pela via do voto. É para evitar tais absurdos e limitar os poderes democráticos que servem os regimes constitucionais e as regras informais de interação social.

Os limites aos poderes democráticos não estão restritos, porém, à existência de regras universais. É fundamental reconhecer o papel alternativo ou complementar na democracia de um dos principais pilares das sociedades abertas: a meritocracia. Regimes meritocráticos alocam poder decisório de acordo com o mérito, definido como o grau de capacitação no exercício de funções socioeconômicas. A aquisição de competência via educação e treino e sua certificação é um típico arranjo meritocrático, onde a capacidade de decidir é reconhecida publicamente via titulação. Infelizmente, a meritocracia tem sido frequentemente esquecida, pouco compreendida, e até mesmo difamada no debate político contemporâneo.

A meritocracia está presente em diversos aspectos de sistemas políticos e econômicos tidos como bem sucedidos. O mercado livre, por exemplo, é uma das mais importantes instituições meritocráticas descentralizadas existentes, um fato ignorado até mesmo por economistas. Nele, aqueles que ofertam bens ou serviços obtém uma contrapartida à sua cessão equivalente ao valor determinado pelo mercado, e aqueles que os demandam os adquirem desde que dispostos a arcar com a necessária contrapartida. O arranjo é meritocrático, pois o poder decisório decorre da capacidade econômica de quem oferta e de quem demanda.

Na segunda parte deste artigo, explicarei como a meritocracia oferece uma alternativa à alocação via mercados livres nos casos onde estes inexistam ou não sejam considerados aceitáveis como regra de alocação. Falarei também sobre o estado da meritocracia nas sociedades abertas, e sobre a importância da meritocracia para países nos quais ela permanece pouco desenvolvida.

Postado em 11 de Abril, 2014.

* Publicado originalmente em 04/05/2011.


sexta-feira, 2 de maio de 2014

UM CONSELHO DE GOETHE


N.doT.: Goethe é um dos personagens mais célebres e cultos da literatura ocidental. Ortega y Gasset era um grande admirador deste escritor; e seu discípulo, Julián Marías, não podia ser diferente. Transponha, leitor, o que ele diz nesse pequeno artigo para a nossa situação e talvez encontre o caminho para sair de nossa “depressão” cultural. Se quiser ler mais sobre o assunto, recomendo o ensaio ‘Pidiendo un Goethe desde dentro’, de José Ortega y Gasset.

Como quase todos os grandes escritores – aqueles que têm intensa “qualidade de página” – Goethe foi capaz de cunhar expressões refulgentes, que podem viver inclusive separadas de seu contexto. Ortega “se disse” muitas vezes por palavras de Goethe, em uma relação infrequente, que um dia tencionei pôr em claro. Uma das frases de Goethe que gostava de repetir era esta: “O que herdaste de teus pais, conquista-o para possui-lo”.

A riqueza ou pobreza vital dos homens depende em incrível medida de que sigam ou não esse conselho goethino. Poder-se-ia medir o grau de realidade de diversos povos segundo essa norma; para alguns, as diferenças em épocas distintas podem ser enormes. Preocupei-me sempre com o que acontece com o que mais me afeta, ou seja, com os espanhóis. E ao dizer isso não esqueço que sua herança não se reduz à Espanha, nem de longe, mas o que através da Espanha se há de receber, assimilar e acaso possuir.

Pessoalmente, esforcei-me ao longo de toda minha vida para conhecer, repensar, comentar e comunicar a esplêndida herança que nos pertence. Se não me equivoco, neste século, quando paradoxalmente essa possessão poderia ser mais completa e fácil, assiste-se a uma renúncia de pavorosa extensão.

É certo que as heranças se podem aceitar “a benefício de inventário[1]”, porque podem consistir em dívidas ou bens mal adquiridos. Esse inventário é essencial quando se trata de história, e por isso é imperativo o conhecimento lúcido e crítico do que nos é transmitido. Porém isso é o que raramente se faz.

É preciso conhecer e possuir a totalidade da tradição espanhola – é claro – com suas raízes, com tudo o que veio de fora, desde o passado remoto que a constitui. Essa “conquista” que pedia Goethe exige que o “próprio”, o imediatamente recebido ou legado, venha acompanhado do circundante e de suas raízes vivificantes. E isso é o que falta com enorme frequência em quase todo o mundo, e é a causa da profunda incultura – se vale a expressão – que é um dos primeiros motivos da decadência, cada dia mais ameaçadora, ainda que eu continue acreditando que é, contudo, evitável.

No caso da Espanha, a situação é de suma gravidade. A ignorância que poderíamos chamar “normal”, o fato de que se sabem poucas coisas, vem reforçada pela preguiça – pecado capital em que raramente se pensa e que explica muitas coisas – e pelo estranho prestígio que hoje tem a ignorância. Porém tudo isso, apesar de muito, é o de menos.

O mais inquietante é o tenaz esforço que se faz por parte de uns ou de outros grupos, aparentemente díspares e ainda opostos, para eliminar grandes porções dessa herança; e o relevo dessas equipes leva-a à sua volatilização total. Se for feito um exame do estado das mentes, descobrir-se-á a freqüência dessa extrema pobreza.

Tem vigência generalizada, se não universal, a idéia de que nada espanhol vale a pena, e como o conhecimento real do estrangeiro – e nem digamos do antigo – é muito escasso, dá-se por suposto que esse é valioso, porém não faz parte da realidade de um sem-número de pessoas. Principalmente daquelas que, por possuírem “duas onças”, como dizia Cervantes, de alguma disciplina secundária, se instalam no pedantismo e desqualificam pontificalmente tudo o que ignoram.

É urgente, creio que em todo o mundo conhecido, superar essa situação, que não conduz a nada desejável. Tenho a impressão de que entre nós se está criando a consciência de que é assim e de que isso produzirá uma intensificação do escárnio destrutivo por parte dos que pensam que em uma Espanha intelectualmente mais rica teriam pouco futuro.

Porém isso, tão necessário e valioso, não é suficiente. Na frase de Goethe há um verbo essencial: “Conquista-o”. Não se trata de mera recepção passiva de uma herança, nem sequer de sua análise ou inventário. Faz falta a conquista, a reação ativa a esse legado. E isso só se pode fazer a partir de uma atitude “criadora”. Quando algo ingressa efetivamente na vida, produz certos efeitos: começa a conviver com o que havia antes, modifica-o, suscita reações em distintos níveis. A simples leitura de um livro, se contiverrealidade, atua sobre o conjunto de todo o anterior e o transforma.

Há um verbo de importância decisiva: “repensar”. Quando algo ingressa na mente, sua posse requer a construção dos movimentos ou processos mentais do autor. O privilégio da poesia é que a forma métrica ou rítmica do verso obriga a refazer o que foi sua criação original. Daí a confiança de Unamuno em seus versos: “Quando me creiais mais morto,/ re-tremerei em vossas mãos”. Logo se verá que o desdém de há umas quantas décadas pelas formas tradicionais do verso era um erro que se está pagando com o esquecimento de grande parte da poesia recente: de muitos poetas nominalmente famosos ninguém recorda um só verso.

Repensar não é forçosamente inovar. Alguns poderão e deverão fazê-lo. A maioria deverá “tornar a pensar” ativamente, a partir si mesmos, o que receberam; assim o possuirão, fá-lo-ão “seu”. Disse muitas vezes que a leitura de um livro de filosofia tem de ser filosófica, assim o leitor se enriquece com uma filosofia que não inventou nem formulou, mas que lhe pertence plenamente.

O conselho de Goethe, se verdadeiramente o repensarmos, se, a partir da nossa situação e da nossa experiência, o repetirmos, torna-se ainda mais interessante e fecundo. E, ao mesmo tempo, experimenta uma importante modificação. “O que herdaste de teus pais, conquista-o para possui-lo”, disse Goethe. Teríamos de entendê-lo com uma ligeira modificação: “Conquista-o para possuir-te”. Não se trata somente do legado, da herança; trata-sede si mesmo, de sua própria realidade. Ao tomar posse da herança, chega-se a ser o que verdadeiramente se é. “Torna-te o que és”, foi o conselho imperecível de Píndaro, renovado por Fichte, contemporâneo de Goethe: “Werde, der dubist”.

É algo mais que informação, cultura, maturidade. Em última instância, o que está em jogo é a nossa realidade. Falta apenas um detalhe, que me parece decisivo. A distinção entre “o que” se é e “quem” se é. É preciso transladar tudo o que eu disse para além do repertório de recursos, daquilo que encontramos e recebemos, para esse núcleo último que consiste em projeto, vocação, necessidade de ser “alguém” e não “algo”, irredutível a tudo, para além de tudo, com absoluta unicidade, conforme a capacidade de cada um; em resumo, para uma pessoa.

Nota:
[1] Segundo o Diccionario de La Lengua Española da Real Academia Espanhola, é a faculdade que a lei concede ao herdeiro de aceitar a herança com a condição de não estar obrigado a pagar aos credores do falecido mais do que o montante total da mesma.

Fonte: MARÍAS, Julián. Un consejo de Goethe. Disponível em: http://www.conoze.com/doc.php?doc=1869>. Acesso: 27 de março de 2014.
Tradução: Rafael Salvi