terça-feira, 6 de maio de 2014

EM DEFESA DA MERITOCRACIA (parte 2)


No artigo anterior, discuti como a meritocracia pode complementar ou substituir a democracia de forma eficiente e compatível com a natureza humana, e como o livre mercado é nada mais que uma ordem meritocrática.

No caso de associações coletivas (como as famílias, firmas e governos), seja por causa de falhas de mercado ou outros problemas de escolha pública, ou seja, devido à existência de interações sociais que não são aceitas pelo grupo como reguladas por critérios mercantis (pensem em relações de parentesco ou amizade), observamos que as estruturas organizacionais mais eficazes frequentemente recorrem a fórmulas meritocráticas de distribuição de responsabilidades. Tal eficácia pode ser o resultado de lenta evolução social ou de planejamento consciencioso.

Historicamente, modernizações de instituições governamentais como as promovidas, por exemplo, por Mehmed II (Império Otomano), Pedro o Grande (Império Russo) e Napoleão Bonaparte (estados da Europa Continental) se deveram em grande parte à adoção de regimes meritocráticos (ainda que oligárquicos).

Exemplos como os acima, todavia, são raros. Oligarcas não nutrem simpatia pela meritocracia, pois ela impede que outros critérios, como o patrimonialismo e o nepotismo, sejam utilizados na alocação do poder. A meritocracia tende a ser mais facilmente defensável nas sociedades abertas, pois é compatível com o princípio da igualdade de oportunidades ao mesmo tempo em que promove a alocação do poder de acordo com a capacidade individual de exercê-lo, ou seja, contribui para a descentralização eficiente das tarefas.

Já ouvi muitas vezes a afirmação dentro e fora do Brasil de que o sucesso inegável de nações latinas como a França e a Itália é de difícil explicação, pois não se enquadrariam nos paradigmas anglo-saxões ou germânicos de desenvolvimento. Os casos da Suíça e do Canadá são também relevantes, pois é necessário explicar por que as regiões latinas são às vezes mais ricas e cosmopolitas que parcelas significativas das regiões germânicas ou anglo-saxãs. Uma das melhores explicações é na verdade relativamente simples, apesar de amplamente ignorada: o elevado nível de desenvolvimento dessas regiões latinas do mundo está associado à importante presença e aceitação da meritocracia como forma de organização social. Em contraste, o fracasso relativo das nações ibéricas e de suas colônias é o resultado da ausência do componente meritocrático em suas instituições e nas regras formais e informais de interação humana.

Nas sociedades abertas contemporâneas, as ideologias que objetivam a igualdade de resultados são as maiores inimigas da meritocracia. Nos países da Europa continental, grupos populistas se unem contra a meritocracia sob a bandeira do antielitismo, no caso dos socialistas, e do nacionalismo, no caso dos conservadores. Tenho observado que a defesa intransigente dos valores universais republicanos ou confederativos tem sido a maneira mais eficaz de conter os ataques aos princípios meritocráticos. É preocupante por outro lado a complacência que observo já de longa data nos Estados Unidos (e em menor grau no Canadá e no Reino Unido) em relação à destruição das instituições meritocráticas, que nesses países é promovida pelo movimento politicamente correto, pelas políticas multiculturalistas e pela ação afirmativa (“discriminação positiva”), entre outros fenômenos que inevitavelmente produzirão efeitos negativos nestas sociedades no longo prazo.

É particularmente preocupante o caso do Brasil, que já havia importado o que havia de pior no movimento antimeritocrático europeu, sem nunca ter compreendido e incorporado, por outro lado, o ideal da meritocracia republicana ou confederativa, e agora importa, aparentemente com prazer, o que há de pior no movimento antimeritocrático americano. É fundamental reconhecer, como país de cultura predominantemente latina, que se há uma chance de emular países bem sucedidos e culturalmente mais próximos, esta emulação deve passar pelo fortalecimento das instituições meritocráticas brasileiras, ou seja, exatamente o contrário do que têm feito os governantes no Brasil.

Em suma, por ser a meritocracia um dos principais pilares das economias capitalistas de livre mercado, das democracias constitucionais e das sociedades abertas, creio que cabe aos liberais correrem em sua defesa, antes que seja tarde demais.Postado em 18 de Abril, 2014.

* Publicado originalmente em 12/09/2011.

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