domingo, 19 de abril de 2015

O HOMEM CORDIAL

Sérgio Buarque de Holanda , em Raízes do Brasil, apresenta as características do homem brasileiro de uma perspectiva sociológica e psicológica.

Para ele, o Brasil é caso único de transplantação de cultura européia para zona tropical e subtropical; o fato de trazermos de outros países nossas formas de vida e procurarmos mantê-las em ambiente diverso faz de nós “uns desterrados em nossa terra”. Portanto, “antes de investigar a possibilidade de criar algo novo, devemos verificar a nossa herança. Esta veio de Portugal, um país que não está totalmente integrado na vida européia”.([1])

Diferentemente dos europeus, os ibéricos cultuam a personalidade, “para eles, o índice de valor de um homem infere-se, antes de tudo, da extensão em que não precise de mais ninguém, em que se baste”. Este culto explica a ausência, entre eles, do “espírito de organização espontânea, tão característico de povos protestantes, sobretudo de calvinistas”.

A contribuição brasileira para a civilização, de acordo com o autor, será de cordialidade, isto é, daremos ao mundo o “homem cordial”. “Ä lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, são virtudes que representam o caráter do brasileiro e são também expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante”.

“Nossa forma de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. Por meio de semelhante padronização das formas exteriores da cordialidade, que não precisam ser legítimas para se manifestarem, revela-se um decisivo triunfo do espírito sobre a vida”.

A terminação ïnho”, aposta às palavras, serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os objetos e, ao mesmo tempo, para lhes dar relevo. É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e também de aproximá-los do coração.

Ao caracterizar o homem brasileiro de “cordial”, Sergio Buarque de Holanda, tinha o objetivo político de discutir formas de governo e seu ajustamento a determinado tipo de população. Para tanto, buscava, através da análise do passado, prever qual o desfecho provável para a crise então vivida pela sociedade brasileira. 

É importante destacar, que em 1936, ano de publicação de Raízes do Brasil, nosso país se industrializava e, em razão disso, ocorria uma crescente urbanização. Todo esse processo gerou uma crise sócio-política. O resultado é que, enquanto Getúlio Vargas centralizava o poder, surgiam alternativas políticas radicais, que iam do Integralismo (fascismo brasileiro) ao comunismo.

De acordo com o autor, “no Brasil, onde imperou, desde tempos remotos, o tipo primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização, acarretou um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos até hoje”.

Formados no ambiente da família, os detentores de posições públicas dificilmente compreenderam a “distinção fundamental entre os domínios do privado e do público”. Assim, “só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. É um dos efeitos da supremacia incontestável do núcleo familiar, que fornece o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós”.

Dessa forma, pode-se concluir que, para ele, o “homem cordial” é, na verdade, fruto do ruralismo e do patriarcalismo e, portanto, tende a desaparecer com a crescente urbanização.

Assim, a passagem da vida rural para a urbana representaria uma ruptura com as nossas raízes ibéricas. E esse rompimento com as formas tradicionais bem como a inauguração de um novo estilo de vida é, segundo ele, fundamental para que possamos nos modernizar e deixarmos de ser o que somos (cordiais) , pois, se nos mantivermos assim, como somos, não nos modernizaremos.

O autor, como Weber, acreditava que as relações familiares seriam suplantadas por relações puramente contratuais e, como consequência, para as funções públicas seriam escolhidos aqueles que tivessem competência.

Pode se dizer portanto, que as previsões feitas por Sergio Buarque de Holanda se concretizaram, porém, não totalmente e não em todas as regiões brasileiras. Em alguns lugares, apesar da urbanização, ainda persistem as práticas “clientelistas”, isto é, a utilização e, de certa forma, a apropriação do Estado por algumas famílias.

Constata-se, por fim, que a urbanização pura e simplesmente não é o bastante para destruir uma prática e uma ideologia que remonta ao início da colonização.
Livro RAÍZES DO BRASIL Autor: Sérgio Buarque de Holanda Editora: Companhia das Letras
Por: Solange Maêve Vavassori


Nenhum comentário: