QUANDO TUDO O QUE SE ESCREVE TIVER SE DESFEITO EM FARRAPOS, QUANDO ATÉ MESMO OS MELHORES TIVEREM SE TORNADO APENAS VERBETES DE ENCICLOPÉDIA JAMAIS CONSULTADA, AS PALAVRAS DE UM PENSADOR AINDA ESTARÃO VIVAS PARA MOSTRAR, SOBRE RUÍNAS DOS TEMPOS, A PERENIDADE DO ESPÍRITO HUMANO.
sexta-feira, 16 de março de 2012
O malabarismo do Copom
O malabarismo do Copom
Rodrigo Constantino
Nesta quinta-feira foi divulgada a ata do Copom, da reunião que decidiu por uma queda mais acelerada na taxa básica de juros (Selic). O que se extrai da ata é aquilo que já era esperado por alguns economistas: o Copom forçou a barra para derrubar mais rápido o juro, sem o devido respaldo técnico para tanto.
A inflação acumulada segue em patamares elevados, acima da meta do Banco Central. A inflação esperada pelo mercado, para 2012 e 2013, também está acima da meta. É verdade que a economia brasileira se desacelerou nos últimos meses. Mas o mercado de trabalho segue aquecido, em pleno emprego na verdade, enquanto o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) da indústria de transformação continua firme, perto de 83%. Em outras palavras, a economia nacional está sem “slack”, sem capacidade ociosa que permita uma retomada da atividade sem pressionar a inflação.
O Copom tentou justificar sua medida com base no cenário externo. A hipótese adotada admite que “a deterioração do quadro internacional cause um impacto sobre a economia brasileira equivalente a um quarto do impacto observado durante a crise internacional de 2008/2009”. Se os dados internacionais melhorarem, como foi o caso nos EUA recentemente, o Copom ficará em uma sinuca de bico.
Curiosamente, o Copom reconhece, ao menos no discurso, que é uma falácia aceitar um pouco mais de inflação para ter mais crescimento. A ata é clara ao afirmar que as taxas elevadas de inflação “não trazem qualquer resultado duradouro em termos de crescimento da economia e do emprego, mas, em contrapartida, trazem prejuízos permanentes para essas variáveis no médio e no longo prazos”. O problema é que, na prática, a política de juros tem permitido justamente mais inflação para estimular a economia. E o que é pior: o PIB não parece reagir conforme o esperado pelo governo.
O BNDES foi alvo de uma critica indireta no parágrafo 27: “[...] o Comitê considera oportuna a introdução de iniciativas no sentido de moderar concessões de subsídios por intermédio de operações de crédito”. O problema é que, novamente, a prática mostra algo bem diferente. O governo Dilma, com Guido Mantega no controle da economia, tem avaliado constantemente a possibilidade de novos aumentos de capital no BNDES, para conceder ainda mais crédito subsidiado aos grandes grupos nacionais.
Mas eis onde todo o malabarismo lingüístico do Copom fica evidente, para justificar o injustificável: “Em suma, desde a última reunião do Copom, o cenário central para a inflação evoluiu, em linhas gerais, conforme então esperado pelo Comitê, que, desta forma, não detecta mudanças substantivas nas estimativas para o ajuste total das condições monetárias subjacente a esse cenário. À vista disso, dois membros do Comitê ponderam que seria oportuna a manutenção do ritmo de ajuste da taxa Selic. Entretanto, a maioria argumenta que desenvolvimentos como os mencionados no parágrafo anterior recomendam, neste momento, redistribuição temporal do ajuste total das condições monetárias como a estratégia mais apropriada” (meu grifo).
Traduzindo, ou tentando traduzir: tudo ocorreu dentro do esperado, sendo que a inflação atual e esperada está acima da meta do Copom, mas a maioria resolveu que era adequado acelerar a queda de juros logo de uma vez. Por que? Não se sabe ao certo. O Copom parece trabalhar com uma meta de juros, não de inflação. Esta meta, como fica claro na ata, é de algo bem perto de 9%. E o Copom resolveu, a despeito de todos os dados dentro do esperado, partir logo para esta meta em prazo mais curto. Só Deus sabe o porquê desta mudança!
Eis uma hipótese: a presidente Dilma andou falando no “tsunami monetário”, e novas medidas protecionistas foram adotadas. Com o cenário externo do jeito que está, com taxa de juros negativa em termos reais, há uma enxurrada de recursos para países emergentes como o Brasil. O câmbio de valoriza, e a indústria reclama. Como o governo não faz uma única reforma estrutural para reduzir o velho Custo Brasil (e a presidente ainda descartou qualquer chance de reforma trabalhista), resta partir para medidas paliativas para acalmar os industriais. Protecionismo, subsídios do BNDES e queda de juros na marra, eis o que resta como opção. E às favas com o controle da inflação!
O Copom deixa claro que conta com um “permanente” fluxo de poupança externa para financiar nosso crescimento, uma vez que falta poupança doméstica (o governo arrecada muito e gasta muito). Eis o que diz o parágrafo 34: “O Copom também pondera que têm contribuído para a redução das taxas de juros domésticas, inclusive da taxa neutra, o aumento na oferta de poupança externa e a redução no seu custo de captação, as quais, na avaliação do Comitê, em grande parte, são desenvolvimentos de caráter permanente” (meus grifos). Atentai para o uso deliberado do termo “permanente”. Os estrangeiros sempre estarão dispostos a investir no Brasil. Parece uma premissa bastante arrojada, para dizer o mínimo.
Até quando esta perigosa brincadeira pode durar? Ninguém sabe ao certo. O que podemos afirmar com maior grau de convicção é que o governo parece um adolescente bêbado riscando fósforos em um paiol repleto de pólvora. Para esta ousada (ou irresponsável) aposta “dar certo” (leia-se não explodir no curto prazo), o cenário externo tem que permanecer como está por muito mais tempo. O governo vai testar até onde pode levar a taxa de juros real no Brasil, contando com a negligência dos agentes econômicos, amarrados pelas igualmente irresponsáveis medidas do Fed, BCE, Bank of England e Bank of Japan. Nunca foi boa desculpa fazer besteira só porque o vizinho também faz.
Posted by Rodrigo Constantino