quarta-feira, 16 de maio de 2012

Brasil que criminaliza, maltrata e expulsa que produz(1)

A questão das demarcações das terras indígenas, recorrente entre nós, parte invariavelmente de uma premissa falsa: a de que estaria comprometida por um indefectível senso de injustiça e espírito espoliativo. Mais: os proprietários rurais, só para não variar, seriam os grandes vilões desse processo. A partir daí, surgem distorções, justificam-se excessos, manipula-se a opinião pública. Mas os números contam uma história bem diferente. Nada menos que 14,7% do território nacional, ou 125 milhões de hectares, pertencem aos índios. São cerca de 115 mil famílias ou 460 mil habitantes em aldeias -0,25% da população nacional. Já a população urbana -cerca de 40 milhões de famílias ou 160 milhões de habitantes- ocupa 11% do território (93 milhões de hectares). A população rural de assentados -1 milhão de famílias ou 4 milhões de pessoas- ocupa 88 milhões de hectares ou 10,3% do território. Esse percentual, somado a toda a área de produção agrícola (grãos, pastagens etc), perfaz um total de 27,7% de todo o território nacional. Os recentes conflitos, envolvendo agricultores e índios, não decorrem, como se sustenta, da tentativa de reduzir a área indígena. Trata-se do contrário: a Funai quer ampliá-las. Acha insuficientes os 14,7% e quer estendê-los, sem base legal, para 20%. Ampliar as áreas indígenas de 14,7% para 20% do território implica em acrescentar 45 milhões de hectares ao que hoje está demarcado. Como não se espera que essa ampliação se dê sobre unidades de conservação ou terras devolutas, a agropecuária é que irá ceder espaço. As pretensões indígenas equivalem a mais de 10 Estados do Rio de Janeiro ou 19% da área hoje ocupada com a produção de alimentos, fibras e biocombustíveis. Retirar de produção essa área levará a uma redução estimada em US$ 93 bilhões ao ano no valor bruto da produção do setor. O cipoal de leis (só a Constituição dedica dez artigos ao tema indígena) não facilitou a elucidação das controvérsias. Foi preciso que, ao tempo da regulamentação da reserva de Raposa/Serra do Sol, em 2009, o Supremo Tribunal Federal estabelecesse, como parâmetro para a questão, 19 orientações práticas. Uma delas veda a ampliação de áreas já demarcadas. Transcrevo, a propósito, o voto que então proferiu o ministro Ayres Brito, hoje presidente daquela Corte: "Aqui, é preciso ver que a nossa Lei Maior trabalhou com data certa: a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) como insubstituível referencial para reconhecimento, aos índios, 'dos direitos sobre as terras que tradicionalmente ocupam'." Não bastasse essa decisão, a Advocacia-Geral da União, em parecer que detalhava aquelas condicionantes do STF, explicitou a impossibilidade de ampliação das terras indígenas já demarcadas. Não obstante, a Funai e algumas dezenas de ONGs, ignorando o STF, insistem nessa ampliação, o que mantém a tensão no campo, gerando violência e prejudicando a produção agrícola. Nesse contexto se inserem os conflitos no sul da Bahia e também no Mato Grosso do Sul, no Rio Grande do Sul e no Maranhão, que prenunciam outros, pois geram expectativas falsas às populações indígenas. Quem ganha com isso? Não é o país, que hoje desfruta da melhor e mais barata comida do mundo e ostenta a condição de segundo maior exportador de alimentos. Não são também os índios, que, como os números mostram, não precisam de espaço físico, mas de saneamento, de educação e de um sistema de saúde eficiente. Precisam, enfim, de uma vida mais digna, como todos nós. KÁTIA ABREU, 50, é senadora da República (PSD-TO) e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)- Artigo publicado hoje na Folha de São Paulo