terça-feira, 30 de dezembro de 2014

FUTURO PENHORADO

O desejo incita à ação; a percepção do tempo incita o conflito entre desejos. Desfrutar o momento ou cuidar do amanhã? São perguntas das quais não se escapa. Mesmo que deixemos de fazê-las elas serão respondidas por nossas ações.


O que vale para o indivíduo vale também para as escolhas coletivas. O embate entre os apelos do presente e o futuro sonhado é um traço inalienável da condição humana. No conto "O Empréstimo", Machado de Assis retrata os percalços de um homem com "a vocação da riqueza, mas sem a vocação do trabalho". A resultante desses impulsos discrepantes era uma só: dívidas.

O Brasil parece abrigar condição semelhante. Temos a vocação do crescimento, mas sem a vocação da poupança. E a resultante dessa inconsistência, quando não é inflação (como na mobilização de poupança forçada de JK) ou crise do balanço de pagamentos (como no abuso da poupança externa sob Geisel), tem sido uma só: juros cronicamente elevados.

A poupança no Brasil, por motivos históricos e culturais, sempre foi pequena diante das nossas aspirações de crescimento, mas nos últimos anos encolheu ainda mais. A poupança doméstica está hoje em 13% do PIB -menor valor da série histórica. Somada à poupança externa de 3,7% do PIB (equivalente ao nosso deficit em conta corrente), ela financia um investimento em capital fixo inferior a 17% do PIB.

Para efeito de comparação, os emergentes de maior dinamismo investem somas que vão de 23% do PIB (Chile, Peru, Colombia) a 28% do PIB na Índia e 40% do PIB na China. Quando era nação emergente, no final do século 19, os EUA investiam 30% do PIB.

Por que o Brasil poupa e investe tão pouco? O cerne da resposta remete ao "crowding out fiscal". O Estado brasileiro (União, Estados e municípios) arrecada 36% do PIB em impostos, gasta 5% do PIB a mais do que arrecada (deficit nominal) e entrega apenas 2,5% do PIB (PAC - Plano de Abuso da Credulidade incluído) em formação bruta de capital fixo.

A implicação disso é que a capacidade de investimento da nação -setores privado e público- fica enormemente prejudicada pelo fato de que o Estado drena 41% do valor criado pelo trabalho dos brasileiros e transforma esses recursos não em capital capaz de multiplicar a renda futura, mas em gastos correntes.

E se alguém imagina que os programas sociais do governo explicam esse quadro é bom pensar de novo: o Bolsa Família representa 0,5% do PIB ou 1,2% do total do gasto público -menos que o Bolsa BNDES.

Em pleno bônus demográfico, quando deveríamos estar poupando e criando as bases da nossa prosperidade futura, o Brasil está penhorando o seu futuro. 

Por: Euardo Giannetti Publicado na Folha de SP

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

RÚSSIA BRINCA COM A MORTE NOS CÉUS DA EUROPA




O todo-poderoso chefe do Kremlin anunciou em início de dezembro que as operações da força aérea russa redobrarão em intensidade e ousadia, em resposta ao que ele inventou chamar de provocação do Ocidente na Ucrânia.

Coincidindo com o anunciado por Putin, um F-16 norueguês quase colidiu no ar com um MIG 31 russo que lhe cortou repentinamente a trajetória enquanto voava no norte de Noruega.

O Ministério da Defesa nórdico publicou a gravação da manobra que qualificou de “indesejável”, noticiou o jornal espanhol “El Mundo”.

No vídeo, o piloto norueguês chega a gritar “Meu Deus!”, e vira para evitar a colisão. “Não é um comportamento normal por parte do piloto russo”, disse Bryndar Stordal, porta-voz das forças armadas norueguesas.


Segundo o secretário geral da OTAN, Jens Stoltenberg, mais de 400 vezes aviões ocidentais levantaram voo em 2014 para interceptar e desviar aviões de guerra russos que invadiam ou avançavam rumo ao espaço aéreo de países europeus, dando sinais preocupantes.

O número de ocorrências foi 50% maior que o de 2013.

Uma das características desses voos russos é a utilização de medidas eletrônicas para cegar os radares dos ‘adversários’ ou alvos potenciais.

A European Leadership Network – ELN, rede sediada em Londres para fornecer apoio aos responsáveis políticos europeus, mostrou o perigo desses voos que cegam, noticiou o “Il Corriere della Sera”.

Um caso típico aconteceu em 3 de março de 2014, mas que só agora foi revelado. O voo comercial da SAS com 132 passageiros, que partiu de Copenhague com destino a Roma, esteve a poucos metros de uma catástrofe.

Enquanto voava sobre águas internacionais perto de Malmoe, na Suécia, encontrou-se subitamente com um avião russo de guerra eletrônica – provavelmente um Ilyushin-20M – e só a rapidez e a perícia do piloto evitaram o desastre.

A colisão foi evitada quando os aviões estavam a 90 metros, muito abaixo da distância mínima de segurança.

Segundo o ELN, “desde a anexação da Criméia pela Rússia a intensidade e a gravidade dos incidentes envolvendo centrais de inteligência e forças militares ocidentais e russas aumentaram visivelmente”.

Isso significou vários “quase impactos”, porque os aviões russos – de caça ou de reconhecimento – desligam o transponder e não comunicam a sua posição a outros aviões voando na mesma região.

O ELN também citou outros incidentes, como o submarino russo identificado no largo de Estocolmo e o sequestro por agentes russos de um agente de segurança estoniano através da fronteira.

“Escaramuças” como a sucedida há pouco com o avião norueguês já somam cerca de 40. Três delas foram qualificadas “de alto risco”, tendo podido fazer vítimas ou gerar uma confrontação militar.

Segundo o ELN, “a combinação da atitude russa mais agressiva e a prontidão das forças ocidentais demostrando resolução, aumenta o risco de uma escalada não desejada”, havendo perigo de os fatos saírem do controle.

O relatório da ELN leva o título Dangerous Brinkmanship e foi assinado por Thomas Frear (ex-membro do Russian Institute of Oriental Studies de Moscou), Łukasz Kulesa (ex-responsável do Projeto para a Não Proliferação de Armas, da Polônia) e Ian Kearns (cofundador do ELN e ex-responsável pela Comissão para a Segurança Nacional do Reino Unido).
Por: Luis Dufaur, escritor, edita o blog Flagelo Russo.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

POR QUE DISCRIMINAR É CORRETO E NATURAL

Nos dias de outrora, dizer que um homem estava discriminando significava estar-lhe prestando um grande elogio. Significava dizer que ele tinha gosto: ele sabia distinguir entre o ruim, o medíocre, o bom e o excelente. Sua capacidade de fazer distinções requintadas permitia-o viver uma vida melhor do que em outros contextos.


Hoje em dia, em nossos tempos politicamente corretos, discriminação implica ódio racial ou sexual. Quem discrimina está, segundo o senso comum, evocando o linchamento de inocentes, o enforcamento de negros que não cometeram crime nenhum, e, no extremo, um retorno à escravidão. Pelo menos foi isso que aconteceu com o senador recém-eleito pelo estado do Kentucky Rand Paul, que, durante sua campanha, afirmou que havia algumas partes da chamada Lei dos "Direitos Civis" de 1964 que eram repreensíveis. Em decorrência disso, a esquerda acionou sua poderosa máquina difamatória.

Porém, tudo que o senador Paul estava dizendo é que, embora seja ilícito ao governo discriminar com base em raça, sexo ou qualquer outro critério, é um direito básico de indivíduos terem a liberdade para demonstrar exatamente quais são suas preferências. Trata-se de um elemento básico dos direitos de propriedade. Se os indivíduos não tiverem esse direito, então um importante elemento da liberdade está irremediavelmente perdido.

Os gritos de fúria e revolta que recepcionaram tal exposição de ideias foram tão intensos, que o senador se sentiu compelido a recuar em sua declaração. Entretanto, estamos aqui para discutir ideias e não política. Aqui, a verdade e a justiça são nossas únicas guias, e não os sentimentos feridos de jornalistas trabalhando para a mídia convencional e para outros veículos lacrimosos. Sendo assim, faz-se necessário ser claro e direto: é mais do que óbvio que qualquer ato de discriminação da parte de indivíduos — porém, é claro, não da parte do estado — é um direito nato, pois trata-se do direito à liberdade. 

Quem discorda disso, por consequência lógica, teria de, por exemplo, impor a bissexualidade para todos. A bissexualidade coerciva é a implicação lógica de qualquer movimento antidiscriminação. Por quê? Ora, homens heterossexuais desprezivelmente discriminam nada menos que metade da raça humana como indigna de ser sua parceira de cama/sexo/casamento: ou seja, todos os outros homens. Tampouco podem as mulheres heterossexuais alegar inocência frente a essa terrível acusação; elas, também, repudiam metade dos seres humanos nesse aspecto. 

E quanto aos homossexuais masculinos? Podem eles rechaçar essa acusação mortal? Não, eles também se recusam a ter qualquer coisa com todas as fêmeas nesse contexto. Similarmente, as fêmeas homossexuais, lésbicas, criaturas rançosas que são, também evitam manter relações amorosas com qualquer tipo de homem — de novo, metade da raça humana.

Portanto, os bissexuais, e somente os bissexuais, estão livres de tal acusação. Somente eles são totalmente inocentes de incorrer em qualquer discriminação desse tipo. Eles são as únicas pessoas decentes em todo o espectro sexual; apenas eles se abstêm de incorrer em prática tão abjeta. (Vamos aqui desconsiderar o fato de que bissexuais também fazem comparações individuais baseadas em beleza, idade, senso de humor etc.)

Logo, se nós realmente nos opomos à discriminação de questões referentes ao coração, então todos nós temos de abraçar a bissexualidade. Pois, se não o fizermos voluntariamente, a implicação lógica é que devemos ser forçados a fazê-lo. Afinal, recusar-se a aceitar essa conclusão significa aprovar não apenas tacitamente, mas também ativamente, práticas discriminatórias — certamente uma das piores coisas dentro do arsenal do politicamente correto.

É perfeitamente possível opor-se a esse argumento dizendo que leis contra a discriminação feita por agentes privados devem ser válidas apenas para empresas e negócios, e não para interações entre pessoas. Porém, por que somente para o comércio e não também para relações humanas? Certamente, se há algo como "o direito de não ser discriminado", então ele deve ser aplicado em todas as áreas da existência humana, e não apenas no mercado. Se nós temos o direito de não sermos assassinados, ou roubados — e nós o temos —, então esse direito permeia todos os domínios da existência humana. Ser assassinado ou roubado dentro de sua casa é tão igualmente incorreto quanto o ser dentro de uma loja.

Ademais, o fato é que as atuais leis antidiscriminação nem mesmo se aplicam uniformemente no âmbito comercial. Antes, sua aplicação depende do "poder" envolvido nas relações, um conceito bastante sem sentido, pelo menos da maneiro como é utilizado pelos nossos amigos da esquerda.

Por exemplo, se eu odeio chineses e, por conseguinte, não quero frequentar seus restaurantes, não estou violando nenhuma lei. Entretanto, se o dono do restaurante chinês, por exemplo, odeia judeus como eu, ele legalmente não pode me proibir de entrar em suas dependências. Por quê? Porque os vendedores, nesse caso, são considerados mais "poderosos" do que os compradores.

Porém, a coisa nem sempre funciona assim. Se um grande comprador — por exemplo, uma rede varejista poderosa — se recusar a comprar estoques de uma empresa fornecedora presidida por uma mulher, porque tal rede varejista discrimina mulheres, ela jamais ficaria impune mantendo tal política.

Por que então deveria esse sentido ilegítimo de "poder" determinar a legalidade de uma decisão econômica? Certamente, um homem "sem poder", no sentido de ser pobre, não teria permissão para estuprar uma mulher "poderosa", no sentido de que ela é rica. Ou teria? Bem, essa defesa nunca foi tentada antes, então, quem sabe?

Outra objeção: pode ser aceitável que um indivíduo discrimine uma minoria oprimida, mas se muitos — ou, pior, se todos os membros da maioria — resolverem incorrer nessa prática, suas vítimas irão sofrer indevidamente e excessivamente. Por exemplo, suponha que brancos se recusem a alugar quartos de hotéis para negros, ou até mesmo a empregá-los. Consequentemente, os negros passarão por sofrimentos e angústias atrozes.

Porém, tal objeção é economicamente ignorante. Se os brancos boicotarem os negros dessa maneira, o livre mercado irá se levantar em defesa destes últimos. Como? Se nenhum proprietário estiver concedendo alugueis para um negro, então haverá aí uma grande oportunidade de lucro. Mais ainda: os lucros subirão enormemente em decorrência do simples surgimento desse arranjo. Consequentemente, passará a ser extremamente vantajoso para qualquer empreendedor, no sentido financeiro, passar a suprir essa demanda de mercado.

O mesmo ocorre no mercado de trabalho. Se os brancos se recusarem a contratar negros, seus salários cairão para níveis abaixo daquele que de outra forma prevaleceria no mercado. Isso irá criar grandes oportunidades de lucro para alguém — seja ele branco ou negro — que decida contratar essas pessoas, o que o tornará capaz de superar concorrencialmente aqueles que optaram pela discriminação.

Porém, esse fenômeno não funcionou para aliviar a má situação dos negros que eram obrigados a sentar no banco de trás dos ônibus durante a vigência das leis de segregação racial nos EUA até a década de 1960. Por quê? Porque a entrada no mercado de fornecimento de serviços de ônibus era estritamente regulada pelas forças políticas, as quais, antes de tudo, foram as responsáveis pela criação dessas leis raciais repreensíveis. Se a determinação de que negros se sentassem no fundo do ônibus fosse apenas resultado de discriminação privada, tal arranjo seria completamente impotente e inócuo, pois outras empresas concorrentes certamente passariam a ofertar lucrativamente serviços de ônibus para essas pessoas discriminadas.

É com essas e outras questões que lido em meu mais novo livro, The Case for Discrimination (algo como Em Defesa da Discriminação). A minha esperança é que esse volume possa lançar alguma luz sobre essas questões, além de se mostrar uma leitura interessante.
Por: Walter Block, membro sênior do Mises Institute e professor de economia na Loyola University, Nova Orleans.

PUTIN ELOGIA ALIANÇA ENTRE HITLER E STALIN


Parada conjunta da Wehrmacht e do Exército Vermelho comemora a invasão vitoriosa da Polônia, em Brest. General alemão Heinz Guderian e brigadeiro russo Semyon Krivoshein.

Não há segredo, mas houve muita ocultação nos manuais ocidentais de história: Hitler e Stalin foram grandes aliados e desencadearam conjuntamente a II Guerra Mundial.

E, em certo sentido, essa aliança, aparentemente rompida no transcurso da guerra, nunca deixou de funcionar. E perdura como se nunca tivesse sido quebrada.

Mas muitas pessoas no Ocidente foram enganadas por uma propaganda e uma visualização confusa dos fatos.

Agora o presidente russo Vladimir Putin acaba de reafirmar – mais uma vez, aliás – a simpatia de Moscou pelo tratado de não-agressão de 1939 entre os dois ditadores europeus. 


Assinatura do pacto Ribbentrop-Molotov aliança entre a Alemanha de Hitler e a União Soviética.
Stalin sorri sob a foto de Lênin.

Putin convocou diversos pesquisadores e acadêmicos para produzir trabalhos defendendo que ao assinar o Pacto Ribbentrop-Molotov, também conhecido como Pacto Hitler-Stalin, a URSS não fez nada de mau.

A reunião com os acadêmicos foi referida pelo site alemão Spiegel Online, pelo The New York Times e pelo diário britânico The Telegraph, citados pela radio oficial alemã “Deutsche Welle”. 

Putin declarou que toda pesquisa digna de crédito deveria chegar à conclusão de que o acordo entre os dois ditadores era parte dos métodos de política externa da época. Obviamente, o historiador que não demonstrar isso perderá crédito e sua carreira estará liquidada na “nova URSS”.

“A União Soviética assinou um tratado de não-agressão com a Alemanha. As pessoas dizem: 'Ah, isso é ruim.' Mas o que há de ruim no fato de a URSS não querer lutar?”, sofismou o líder russo.

Putin queixou-se de que a potência russa é acusada de ter dividido a Polônia. Mas, segundo ele, quando a Alemanha atacou o país, os poloneses faziam parte da Checoslováquia. Se alguém entendeu a lógica do argumento, por favor, avise.

Para ele, segundo “The Telegraph”, o acordo nazi-comunista foi no fundo bem feito pela Rússia e acabou sendo bom.

Moscou negava cinicamente a existência do pacto Ribbentrop-Molotov até 1989. Mas não adiantou silenciar a verdade ovante.

Assinado pelo ministro do Exterior do Terceiro Reich, Joachim von Ribbentrop, e pelo seu homólogo soviético Viatcheslav Molotov, o tratado garantia à Alemanha que a URSS permaneceria neutra no caso de uma ofensiva contra a Polônia.

Em 2009, na cerimônia pelos 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial, em Gdansk, Putin já havia tentado defender o Pacto entre Hitler e Stalin.

O acordo com a Alemanha hitlerista permitiu a invasão conjunta nazi-soviética da Polônia que foi o estopim da II Guerra. Mas Putin fugiu pela tangente alegando que não foi a única causa e, tal vez não teve culpa nenhuma.

Putin repete o velho realejo comunista anti-capitalista: a culpa pelas atrocidades de Adolf Hitler é dos capitalistas e dos anglo-saxões.

De fato, em 1938, os governos amolecidos da Inglaterra, a Itália e a França assinaram o vergonhoso Acordo de Munique, em que entregaram os pontos diante da Alemanha nazista.

Mas houve pessoas ilustres até no Brasil como Plinio Corrêa de Oliveira que execraram esse acordo.

O próprio Putin lembrou no encontro com os historiadores, que o futuro primeiro-ministro britânico Winston Churchill censurou o Acordo de Munique dizendo: “Agora a guerra é inevitável”.

Na verdade, a famosa apóstrofe de Churchill, em 3 de outubro de 1938, foi mais incisiva: “Tínheis que optar entre a guerra e a vergonha. Escolhestes a vergonha e tereis a guerra”.

É o que muitos pretensos defensores de Ocidente parecem fazer hoje, ao contemporizar com Vladimir Putin e com suas invasões de países vizinhos!
Por: Luis Dufaur, escritor, edita o blog Flagelo Russo.

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quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

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A QUEDA DO PREÇO DO PETRÓLEO E A ESTRATÉGIA DA ARÁBIA SAUDITA



Decisões econômicas são feitas na margem. Esta foi a fundamental constatação feita pela escola marginalista de economia. Já por volta de 1875, esse enfoque já estava solidificado. Essa é a visão da Escola Austríaca de Economia.

No mundo atual, não ha commodity que seja mais fundamental do que o petróleo. Não há como armazenar petróleo (exceto para os produtores, que podem deixá-lo no subsolo). Não há como um país importador de petróleo construir tanques para armazenar um bilhão de barris de petróleo, que é o volume que o mundo consome a cada 11 dias.

Sendo assim, a menos que os atuais produtores de petróleo decidam reduzir sua produção, a atual tendência de aumento da produção irá seguir pressionando para baixo os preços na margem. 

A crescente produção de gás e óleo de xisto — por meio do processo de fratura hidráulica, popularmente chamada de fracking — nos EUA terá de ser vendida. E esse aumento da produção está ocorrendo exatamente em um momento em que a Europa, Japão e China estão vivenciando ou recessões ou uma desaceleração econômica. A menos que os países da OPEP decidam reduzir sua produção com o intuito de contrabalançar o aumento da produção observado no Canadá e nos EUA, o preço do petróleo irá continuar caindo.

Eis a estimativa da Administração de Informação sobre Energia (EIA — Energy Information Administration) do governo americano publicada no dia 9 de dezembro:



A produção de petróleo nos EUA irá aumentar da atual média de 7,4 milhões de barris por dia em 2013, para 8,6 milhões de barris por dia em 2014 e para 9,3 milhões de barris por dia em 2015. 

A recente produção de petróleo em terra dos 48 estados (exceto Alasca) tem sido mais alta do que o esperado, o que gerou uma revisão para cima, aumentando mais 155.000 barris por dia, desde a última previsão feita já no quarto trimestre de 2014. No entanto, dada a previsão de queda no preço do barril de petróleo para 2015, com os preços do petróleo WTI (West Texas Intermediate) apresentando uma média de US$58 por barril no segundo trimestre de 2015, a EIA prevê que as atividades de extração em 2015 irão declinar em decorrência dos menos atraentes retornos econômicos em algumas áreas, tanto das regiões produtoras já antigas quanto das emergentes.

Várias empresas irão redirecionar seus investimentos, retirando-os das explorações marginais e das pesquisas de prospecção e direcionando-os para as principais áreas de exploração. Os preços atuais do petróleo ainda estão altos o bastante para manter rentáveis explorações nas Bacias de Bakken, Eagle Ford, Niobrara e Permian, as quais contribuem para a maior parte do crescimento da produção de petróleo nos EUA.

Ontem, o petróleo WTI estava sendo vendido a US$58 o barril. Este era exatamente o preço estimado pelo governo americano para o ano que vem. Essa estimativa do governo foi publicada no dia 9 de dezembro. Em seis dias, o preço estimado foi alcançado. Ou seja, os preços do petróleo estão caindo muito rapidamente.

Já ficou claro que a Arábia Saudita não irá reduzir sua produção. Isso significa que os países da OPEP terão de seguir aquilo que a Arábia Saudita fizer — caso contrário, eles perderão sua fatia de mercado. Trata-se de um exemplo de um cartel que puxa os preços para baixo, o que deve confundir bastante a cabeça daqueles que dizem que cartéis sempre conspiram contra o consumidor e sempre elevam os preços. 

Essa notícia saiu ontem:



A Organização dos Países Exportadores de Petróleo não irá reduzir sua produção mesmo se os preços caírem para US$40 o barril, disse o Ministro da Energia dos Emirados Árabes, Suhail Al-Mazrouei. Desde que a OPEP decidiu, em seu encontro no dia 27 de novembro, que não iria reduzir a produção para contrabalançar a oferta excessiva, os preços já caíram 20%. Nos últimos seis meses, o grupo vem produzindo mais do que sua meta de 30 milhões de barris por dia.

A notícia estava se referindo ao preço do barril do tipo Brent, que caiu para US$63 ontem.

A Arábia Saudita é quem dita as regras na OPEP. Ela está acertando as contas com vários desafetos. Está acertando as contas com o Irã xiita. Está destruindo os planos financeiros do governo iraniano. Está fazendo o mesmo com o governo russo, que é aliado do Irã e é um grande concorrente da Arábia Saudita. 

Ao se recusar a reduzir sua produção, a Arábia Saudita está simplesmente aniquilando as finanças do governo russo — que ontem teve de disparar sua taxa básica de juros de 10,5% para 17% apenas para conter a forte desvalorização do rublo, consequência direta da queda do preço do petróleo, a principal mercadoria exportada pela Rússia.

Ao mesmo tempo, a Arábia Saudita está tornando mais caro e menos rentável a exploração de óleo de xisto nos EUA. No entanto, a menos que o preço do barril WTI caia para menos de US$40 e fique por ali, a atual postura da Arábia Saudita não terá muito efeito sobre a produção de óleo de xisto nos EUA. Já se o preço do WTI cair para US$40 o barril e se mantiver nesse valor, então os sauditas terão as empresas americanas que exploram óleo de xisto sob seu controle. Isso não irá reduzir a produção de óleo de xisto, mas irá gerar algumas falências. Os atuais investidores perderão dinheiro, mas outros irão comprar suas propriedades. Se há petróleo para ser extraído, petróleo será extraído.

Em fevereiro de 2009, o petróleo WTI chegou a US$37,51. Isso ocorreu no ápice de uma grande recessão. Mas em dezembro daquele ano, o WTI já havia subido para US$80. Não prevejo nenhuma grande recessão ocorrendo no ano que vem. A economia mundial não está robusta, mas também não estamos em 2008. Se o WTI chegar a US$45, isso será uma grande oportunidade para comprar ações de empresas de energia. Meu palpite é que os preços estarão entre US$75 e US$80 daqui a um ano. O pânico que vemos hoje não seria um prenúncio de uma repetição de 2009 no ano que vem.

A velocidade e a magnitude do declínio que estamos observando nesse mês de dezembro pegaram praticamente todos de surpresa. Os preços se mantiveram estáveis até junho, mas com os sauditas anunciando abertamente que não têm a intenção de reduzir sua produção, os preços despencaram.

Os sauditas podem jogar esse jogo por vários anos. Já os iranianos não. Eles não estão em uma situação similar domesticamente. E nem os russos. Ambos estão operando sob sanções impostas pelos EUA e pela União Europeia.

Por outro lado, os sauditas também estão em posição de tumultuar o mercado de debêntures que está financiando a exploração de petróleo nos EUA. Ainda não está claro por quanto tempo os sauditas continuarão jogando esse jogo, mas está claro que se trata de uma conveniência política, e não financeira. Tudo vai depender de quanto tempo o governo saudita está disposto a abrir mão de receitas com o intuito de impor sanções contra o Irã. Se o governo saudita cortar sua produção, ele poderá obter preços maiores, mas o resultado líquido pode não ser grande, pois haverá menos vendas. De novo, a decisão será feita na margem. 

O governo saudita está fazendo questão de deixar claro para todos quem é que manda na OPEP.

Tudo isso é benéfico para os consumidores ao redor do mundo [Nota do IMB: menos para os brasileiros, que continuam refém de uma estatal monopolista gerenciada por políticos corruptos e que, para recuperar suas finanças destruídas pela corrupção, aumentou o preço da gasolina justamente em um momento em que os preços da gasolina estão despencando em todo o planeta]. Do ponto de vista político, a atual situação certamente é benéfica para o estado de Israel. Não é benéfica para os produtores de óleo de xisto nos EUA, mas ninguém irá derramar lágrimas por seus eventuais prejuízos. 

Haverá repercussões devastadoras para aquelas empresas exploradoras de óleo de xisto que expandiram sua produção em estados como Dakota do Norte, Colorado e Texas. Essas empresas estão extremamente endividadas. Elas venderam títulos para financiar seu custoso fracking. Caso o preço do petróleo continue caindo, não será rentável para elas continuar extraindo petróleo. Elas terão de se desfazer de seus ativos.

Isso é resultado da política de juros zero do Federal Reserve. Ela financiou esse boom na extração de óleo de xisto. É por isso que óleo de xisto é uma bolha. É apenas mais um exemplo do que acontece quando você entrega a política monetária para um punhado de Ph.D.s em um Banco Central. Mas isso é boa notícia para os seguidores da Escola Austríaca que sempre disseram que a política monetária jamais deve ficar a cargo de um Banco Central.

Conclusão

Os sauditas estão determinados a infligir dor ao Irã. A produção nos EUA não irá cair, não obstante os preços baixos. As petrolíferas americanas sofrerão bastante, mas se há campos de petróleo produzindo, há um incentivo para o proprietário daquele campo continuar produzindo. Se o proprietário está endividado até a alma, ele tem de continuar produzindo. Ele terá apenas de esperar que o futuro seja melhor. Isso vale tanto para as petrolíferas tradicionais quanto para as empresas que lidam com xisto. "Isso é temporário. Isso não durou muito em 2009. Não durará muito agora. Não quero interromper minhas operações e ter de vender meus ativos. Será muito custoso ter de recomeçar tudo de novo mais tarde".

O mais importante motivo para qualquer país ou empresa fora dos EUA comprar dólares é para comprar petróleo. Os países da OPEP vendem seu petróleo em troca de dólares. Sendo assim, embora o dólar tenha encarecido bastante em relação às outras moedas, a queda no preço do petróleo mais do que compensou esse encarecimento do dólar para os estrangeiros. Eles agora têm de pagar mais pelo dólar, é verdade, mas o declínio no preço do petróleo passou a ser lucrativo para quem está comprando petróleo para revender. Para os meros consumidores de petróleo, isso é maná vindo dos céus.

[Nota do IMB: exceto para os desafortunados brasileiros].
Por: Gary North , ex-membro adjunto do Mises Institute, é o autor de vários livros sobre economia, ética e história. Visite seuwebsite.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

OS JUDEUS EXISTEM?

Será que os judeus existem? Melhor: será que faz sentido falar de judeus no século 21? Sim, certo: quem nasce de mãe judia é considerado membro do clube para todo o sempre. Ou, pelo menos, até se converter a um credo religioso distinto.


Mas, sejamos honestos, Israel foi fundado em 1948. Os critérios sentimentais e nacionalistas do passado são hoje um anacronismo e, pior, uma forma de racismo.

Israel não deveria ser um "Estado judaico" da mesma forma que os Estados Unidos não são o "Estado anglo-saxônico protestante". Confundir matérias religiosas com critérios políticos e republicanos é um fardo que os "israelenses" (e não os "judeus") devem abandonar.

Eis, em resumo, a mensagem de Shlomo Sand na polêmica do momento. O livro intitula-se "How I Stopped Being a Jew" (como deixei de ser judeu), da Verso Books.

O objetivo é exatamente este: explicar ao mundo como o historiador Sand renuncia a essa dúbia identidade, que não tem qualquer relevância nos dias de hoje.

E em que se baseia Shlomo Sand para chegar a essa dramática mas libertadora conclusão?

Na história, claro. Ou, tal como se viu nos livros anteriores ("A Invenção da Terra de Israel", "A Invenção do Povo Judeu"), na história que só existe na cabeça de Shlomo Sand.

No ensaio, duas afirmações são repetidas com agressividade. Primeira: as perseguições que deram origem ao Holocausto terminaram em 1950 (e, convém lembrar, o Holocausto não foi apenas uma tragédia judaica). O rótulo de "judeu" perde força na ausência de inimigos reais.

Segunda: pretender que o Estado de Israel seja definido por critérios de natureza religiosa é condenar 25% da população não judia a uma condição de inferioridade cívica.

Começo pela última afirmação, até porque ela é hoje repetida por qualquer "especialista" na matéria: pretender que Israel seja um "Estado judaico" é uma forma de lesar os interesses dos palestinos.

Com a devia vênia, não é. Garantir a natureza "judaica" do Estado de Israel tem uma relevância prática evidente: sinalizar para a Autoridade Palestina (e para os terroristas do Hamas) que não pode existir nenhuma negociação de paz quando os palestinos exigem o regresso a Israel (e não a um futuro Estado da Palestina) de 5 milhões de "refugiados" palestinos ("refugiados" das guerras de 1948 e 1967 que, na verdade, são filhos dos filhos dos filhos dos originais 900 mil).

Onde Shlomo Sand vê racismo, qualquer historiador sério vê simplesmente sobrevivência demográfica para um país de 8 milhões de habitantes, onde 6 milhões são judeus.

Mais delirante é a afirmação do autor de que o antissemitismo terminou em 1950. Partindo do pressuposto de que o professor Sand não lê a imprensa europeia (onde os ataques a judeus, sinagogas, cemitérios etc. são o prato do dia), que dizer do antissemitismo islâmico que, sobretudo no mundo persa, ganha contornos quase genocidas?

Sem falar do óbvio: as matanças nazistas não foram uma tragédia exclusivamente judaica. Fato. Mas será preciso lembrar ao grande historiador Sand que o programa de extermínio decidido na Conferência de Wannsee, em 1942, tinha como propósito específico uma "solução final para a questão judaica"?

Shlomo Sand pode renunciar, simbolicamente que seja, à sua identidade como judeu.

Nesse sentido, e tal como lembra um verdadeiro historiador como Simon Schama no seu recente "História dos Judeus", ele faz lembrar aqueles judeus dos tempos antigos que, inebriados pela cultura helênica, procuravam "descircuncidar-se" pelo uso de pesos e outros tormentos no órgão respectivo. Só para frequentarem os banhos públicos sem vergonhas anatômicas.

Mas o mais irônico dessa renúncia é que ela também faz lembrar outros antepassados: no caso, os judeus alemães do século 20 que, perfeitamente integrados no país de Hitler, acreditavam que nada de trágico poderia acontecer-lhes. No fim das contas, eles eram mais alemães que os próprios alemães!

Enganaram-se. Aos olhos dos inimigos, há identidades inapagáveis. Se Shlomo Sand caísse nas mãos do terrorismo antissemita, de nada lhe valeria tanta náusea judaica e tão elegante cosmopolitismo.
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

TORTURAR OU NÃO TORTURAR, EIS A QUESTÃO

Os Estados Unidos revelaram ao mundo o que todo o mundo sabia: a tortura foi praticada com regularidade no pós-11 de Setembro. O mundo abriu a boca de horror e alguns regimes criminosos, como Cuba ou Irã, pediram respeito pelos "direitos humanos".


Nesse momento, uma pessoa faz uma pausa para visitar o vaso sanitário. Quando regressa, levemente combalida, esquece os regimes criminosos e concentra-se nas democracias. Washington mostrou as suas masmorras. Mas onde estão as masmorras dos regimes democráticos que gostam de vestir a toga do moralista vulgar?

Aliás, não são apenas os regimes democráticos que exibem hipocrisia para turista ver. A tortura é o pretexto ideal para que o filósofo possa comover o auditório com o seu amor pela humanidade. Torturar é sempre errado. Se o suspeito é suspeito de guardar informação vital sobre um atentado terrorista em larga escala, privá-lo de sono ou simular afogamento é pior que o Holocausto.

Claro que o filósofo não explica como lidar com suspeitos desse calibre. Também não precisa. No jardim infantil em que se tornou a discussão pública, basta mostrar "bons sentimentos" para encerrar o debate.

Alan Dershowitz, o conhecido professor de Harvard, recusou-se em tempos a fazê-lo. Aconteceu no mais explosivo de todos os países: Israel.

Premissa de Dershowitz: a discussão sobre a tortura não é um problema moral. Toda a gente mentalmente sã condena a prática. Dershowitz não é exceção. Só que esse não é o ponto.

O ponto, acrescenta Dershowitz, é que a tortura é praticada (e continuará sendo praticada) por todos os países democráticos. Sem controle. Sem conhecimento da população. Perante essa triste realidade, o que fazer?

Para Dershowitz, existem duas vias possíveis: fingir que isso não acontece e continuar lendo o senhor Immanuel Kant; ou, então, trazer a prática para a alçada da lei.

Dershowitz fala, inclusive, de "mandados de tortura": interrogatórios coercivos cujos métodos, duração e intensidade só poderiam ser praticados mediante a autorização de um juiz e vigilância apertadíssima de autoridades judiciais e médicos especializados.

A proposta de Dershowitz provocou reações fortes: em Israel (que prefere absolver os abusadores "a posteriori" por razões de "segurança nacional") e em qualquer salão civilizado (que só aceita a fantasia de um mundo sem tortura).

Dershowitz responde: esse mundo não existe. E a posição inicial permanece: se a tortura é praticada independentemente das mais elevadas considerações morais, é preferível que ela seja feita à margem da lei ou sob a sua alçada?

Para o autor, só a existência de "mandados de tortura", pela responsabilização de todos os envolvidos –do juiz ao interrogador–, poderá diminuir a prática. Justificar perante um juiz a necessidade de interrogatórios coercivos antes de eles serem praticados não é brincadeira de criança.

A proposta de Dershowitz tem pontos fortes –mas, opinião pessoal, uma falha lógica que derrota o edifício inteiro.

O ponto forte está na afirmação explícita de que a tortura é uma prática moralmente repulsiva. Porém, pretender encerrar o debate em considerações morais não nos leva muito longe: podemos estar todos de acordo sobre o assunto –e alguém, algures, continua a ser torturado.

Outro ponto forte está na preocupação de Dershowitz em diminuir esses abusos, obrigando o poder judicial a "sujar as mãos", o que pode implicar uma maior relutância em permitir tal sujidade.

Infelizmente, o ponto fraco é óbvio: se a tortura, praticada em solo nacional ou internacional, é escondida do poder judicial, não há nenhum motivo para acreditar que "mandados de tortura" terminariam com essa ocultação.

Pelo contrário: a obrigação (e a dificuldade) em produzir um caso sólido para convencer um juiz da necessidade de torturar poderia ser razão adicional para que a lei continuasse a ser contornada.

Em que ficamos?

Sim, condeno a tortura pela sua desumanidade. Mas, pelo menos, tenho a honestidade intelectual de ainda escutar argumentos indigestos. E de confessar, perante a pergunta de Alan Dershowitz ("Que fazer perante uma prática inapagável?"), um desolado "não sei".

O leitor sabe? 

Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

POR QUE CUBA É POBRE



Uma dica: não é por causa do bloqueio americano.

Como escreve João Pereira Coutinho:

O embargo americano existe, sem dúvida, e deve ser condenado pelo seu óbvio anacronismo [...]. Mas é preciso acrescentar a segunda parte da frase: só existe o embargo americano. Que o mesmo é dizer: todo mundo que é mundo mantém relações com Cuba e nem assim a ilha se converteu numa espécie de Suécia do Caribe.

Antes de 1959, o problema de Cuba era a presença de relações econômicas com os Estados Unidos. Depois o problema se tornou a ausência de relações econômicas com os Estados Unidos.

O embargo americano é obsceno, mas não é a raiz da pobreza cubana. De fato, como indica Coutinho, os cubanos podem comprar produtos americanos pelo México. Podem comprar carros do Japão, eletrodomésticos da Alemanha, brinquedos da China ou até cosméticos do Brasil.

Por que não compram? Porque não têm com o que comprar. Não é um problema contábil ou monetário — o governo cubano emite moeda sem lastro nem vergonha. O que falta é oferta. Cuba oferece poucas coisas de valor para o resto do mundo. Cuba é pobre porque o trabalho dos cubanos não é produtivo.

A má notícia para os comunistas é que produtividade é coisa de empresário capitalista. Literalmente. É o capital que deixa o trabalho mais produtivo. E é pelo empreendedorismo que uma sociedade descobre e realiza o melhor emprego para o capital e o trabalho.

Mesmo quando o governo cubano permite um pouco de empreendedorismo, ele restringe a entrada de capital. Desde que assumiu o poder em 2007, Raúl Castro já fez a concessão de quase 170.000 lotes de terra não cultivada para agricultores privados. Só que faltam ferramentas e máquinas para trabalhar a terra. A importação de bens de capital é restrita pelo governo. Faltam caminhões para transportar alimentos. Os poucos que existem estão velhos e passam grande parte do tempo sendo consertados. Em 2009, centenas de toneladas de tomate apodreceram por falta de transporte.

Campanhas internacionais contra a pobreza global se esquecem dos cubanos. Parece que o uniforme dos irmãos Castro tem o poder de camuflar a pobreza em meio a discursos de conquista social. Dizem que Cuba tem medicina e educação de ponta. Ainda que fosse verdade, isso seria bom apenas para o pesquisador de ponta. E triste para o resto da população que vive longe da ponta, sem acesso a informação aberta ou aos medicamentos mais básicos, como analgésicos e antitérmicos. É como na saudosa União Soviética. A engenharia era de ponta. Colocava gente no espaço e tanques na avenida. Só não era capaz de colocar carro nas garagens nem máquina de lavar nas casas.

Cuba vai enriquecer quando a sua população se tornar mais produtiva para trabalhar e mais livre para empreender. Ou seja, quando houver capitalismo para os cubanos.

Diogo Costa é presidente do Instituto Ordem Livre e professor do curso de Relações Internacionais do Ibmec-MG. Trabalhou com pesquisa em políticas públicas para o Cato Institute e para a Atlas Economic Research Foundation em Washington DC. Seus artigos já apareceram em publicações diversas, como O Globo, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Diogo é Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis e Mestre em Ciência Política pela Columbia University de Nova York.  Seu blog: http://www.capitalismoparaospobres.com

domingo, 21 de dezembro de 2014

SOCIALISTAS DE GALINHEIRO


Nossos socialistas de galinheiro ainda não perceberam que, com o fim do bloqueio, os cubanos logo vão descobrir o tamanho da tapeação: o inferno capitalista é muito mais agradável que o paraíso caribenho


Não batem bem da cabeça devotos de uma seita que tem em Lula seu único deus, enxerga em FHC um demônio disfarçado de sociólogo e debita na conta da elite golpista (entidade formada exclusivamente por loiros de olhos azuis) todos os males do Brasil, passados, presentes e futuros. Só mentes em desordem conseguem berrar amém a todas as cantilenas cafajestes dos celebrantes de missas negras, concebidas para ensinar que, como os fins justificam os meios, não existem pecados nem abaixo nem acima da linha do equador. Só ovelhas com defeitos de fabricação insanáveis podem ser tão subservientes a sinuelos sem siso e pastores sem vergonha.

Nada que venha de gente assim deveria surpreender brasileiros ajuizados. Mas o rebanho não para de expandir as fronteiras da vigarice e do oportunismo com manifestações de idiotia que surpreendem seres normais. O surto da semana foi provocado pela iminente normalização das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos, tema da reportagem de capa de VEJA. Para o início do carnaval temporão da companheirada, bastou que o presidente dos EUA prometesse lutar pela imediata suspensão do bloqueio econômico ─ uma velharia que, se a decisão da Casa Branca for aprovada pelo Congresso, enfim descansará em algum museu da Guerra Fria.

Na terça-feira, os stalinistas de galinheiro que rosnam por aqui continuavam sonhando com a destruição do imperialismo ianque e a globalização da maravilha comunista inaugurada pelo ditador de Adidas e aperfeiçoada pelo caçula mais velho do planeta. Na quarta, todos os adoradores da ilha-presídio festejaram o noivado de Barack Obama com Raúl Castro. De um dia para o outro, o que era o Grande Satã norte-americano virou o vizinho que todo país pede a Deus. Nada como a reconciliação entre o socialismo revolucionário e o capitalismo selvagem para abrir um sorriso de orelha a orelha na cara de todo marxista de galinheiro.

Nos anos 50, quando Fidel Castro lutava pelo poder, havia em Cuba um ditador cleptocrata a derrubar, uma economia asfixiada pela monocultura da cana e prostitutas demais em Havana. Na segunda década do século 21, há prostitutas demais na ilha inteira, um oceano de canaviais asfixiando a economia e uma ditadura comunista a sepultar. Vai cair de madura com o fim do bloqueio. Acabou o prazo de validade da última desculpa para as misérias da ilha algemada desde 1959 pela hegemonia dos liberticidas.

Os cubanos não demorarão a descobrir que o inferno capitalista é infinitamente mais agradável que o paraíso dos irmãos Castro. Se a ditadura resolver enquadrar os seduzidos pelo mundo civilizado, ninguém terá de fugir de Havana e enfrentar a perigosa travessia do Caribe. A embaixada americana estará logo ali. Por: Augusto Nunes

TRÊS NOTINHAS DA SEMANA

Estados Unidos perpetuam a ditadura cubana; a burra tentativa de negar a sexualidade como natureza humana; Reinaldo de Azevedo está equivocado ao atacar Bolsonaro


Se abrir relações diplomáticas e comerciais com uma ditadura comunista pudesse fomentar a liberdade, a China seria hoje uma democracia. Obama repete o erro criminoso de Richard Nixon, adquirindo para os EUA "o melhor inimigo que o dinheiro pode comprar". Em poucos anos, Cuba será uma potência econômica e militar invejável, sem democratizar-se no mais mínimo que seja – excetuada, é claro, a hipótese de uma revolução popular, que é exatamente o que o governo americano tenta evitar mediante a tábua de salvação atirada in extremis a uma ditadura moribunda.

Além do Brasil e das Farc, o Foro de São Paulo terá agora mais um patrono bilionário: os EUA, por intermediação de Cuba.

Os políticos conservadores e os refugiados cubanos em Miami podem se esforçar para dar outro rumo ao encadeamento das causas e efeitos, mas isso será como colocar rédeas num dragão.

Ao apoiar a iniciativa do governo Obama, o Papa Francisco prova mais uma vez sua completa falta de discernimento político.

***

Um dos dogmas mais básicos – e mais psicóticos – da mentalidade revolucionária nas últimas quatro ou cinco décadas é que não existe “natureza humana”: o bicho-homem não tem instintos, não tem programação genética, é uma folha em branco, uma tábua rasa: tudo o que ele faz e pensa é imposto por “estereótipos culturais”. Estes, por sua vez, não surgem da experiência acumulada das gerações, mas são “instrumentos de dominação” criados pela maldita classe dominante.

Se você acredita que é macho só porque nasceu macho, ou fêmea só porque nasceu fêmea, está muito enganado(a). Foi o “aparato de reprodução da ideologia burguesa” que vestiu em você esses modelitos odiosos para que você não percebesse que seu pênis pode ser um sinal de feminilidade e sua vagina uma prova de macheza acima de qualquer suspeita.

Nem precisa perguntar: Sim, a ciência já demonstrou que isso é uma fraude das grossas. E sim, os mesmos que brandem a teoria da “tábua rasa” contra os papéis tradicionais de homem e mulher saem gritando, cinco minutos depois, que o homossexualismo é genético e que tentar mudar um homossexual é crime. Isto é: você não nasce homem nem mulher, mas nasce homossexual. Perguntar como você pode sentir atração por pessoas “do mesmo sexo” sem ter sexo nenhum é homofobia.

Há ainda aqueles que exigem acesso aos banheiros femininos para os transexuais e ao mesmo tempo berram que “é preciso acabar com os estereótipos de macho e fêmea”. Mas o que faz de um transexual um transexual senão o fato de que, nascido num sexo, ele copia os estereótipos do outro? E é preciso ser cego para não notar que a conduta feminina de um transexual é ainda mais estereotipada que a das mulheres.

Um documentário recente (https://www.youtube.com/watch?v=p5LRdW8xw70) mostrou que na Noruega, o país onde a legislação é a mais igualitária do mundo para homens e mulheres, as pessoas continuam a buscar as profissões que correspondem ao “estereótipo” do seu sexo, com frequência estatística até maior do que o faziam antes de oficializado o discurso equalizante. Os fanáticos da “tábua rasa” dizem que elas fazem isso por pressão da sociedade, mas elas insistem que não: as mulheres escolhem cuidar de bebês, e não de automóveis, porque querem e não porque mamãe mandou. Mas os iluminados acreditam que essas pessoas não têm autoridade para dizer o que querem: quem tem são eles.

É essa a mentalidade por trás de milhares de leis psicóticas com que cérebros lesados impõem a sua deformidade à população, proibindo a saúde mental como se fosse um crime.

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Está aberta a temporada de caça ao deputado Jair Bolsonaro. Na verdade, sempre esteve, não sendo essa portanto a razão pela qual volto ao assunto. A razão é que agora os tiros vêm da mais inesperada das direções: a coluna do Reinaldo Azevedo. E vêm com aquela persistência inflexível do atirador que não aceita como troféu senão a completa destruição do alvo ou, na mais branda das hipóteses, a sua definitiva humilhação pública.

Numa de suas últimas postagens, o colunista da Veja firmou sua posição: ou o sr. Bolsonaro pede desculpas à sua colega Maria do Rosário, ou merece ter seu mandato cassado. Cassar o mandato de Maria do Rosário? Nem pensar.

Já disse, e reafirmo, que sou amigo do Reinaldo Azevedo e não deixarei de sê-lo por causa de uma opinião errada, depois de tantas certas e valiosas que ele já publicou. Mas esta de agora é tão errada, tão absurda, tão indefensável, que eu falharia ao meu dever de amizade se não alertasse o colunista para a injustiça que comete e o vexame a que se expõe.

Que a resposta do sr. Bolsonaro à sra. Maria do Rosário foi "uma boçalidade", como a qualifica Reinaldo Azevedo, é certo e ninguém duvida. Mas o sr. Bolsonaro a pronunciou em resposta, não a "outra boçalidade", como pretende Azevedo, e sim a uma falsa imputação de crime, que é por sua vez um crime. Reinaldo Azevedo exige que a boçalidade seja punida e o crime fique impune.

Como todo debatedor teimoso que se empenha na defesa do indefensável, Reinaldo se vê forçado a apelar a expedientes argumentativos notavelmente capciosos que, em situações normais, ele desprezaria.

Um deles é proclamar que a resposta do sr. Bolsonaro a Maria do Rosário transforma o estupro em uma “questão de mérito”. Quer dizer, pergunta Reinaldo, que, se Maria do Rosário merecesse, Bolsonaro a estupraria? Isso é deformar as palavras do acusado para lhe imputar uma intenção criminosa. Na verdade, Bolsonaro disse: “Se eu fosse um estuprador...” O restante da frase, portanto, baseia-se na premissa de que ele não o é, e só pode ser compreendido assim. Reinaldo parte da premissa inversa para dar a impressão de que o deputado fez a apologia do estupro. Com isso, ele endossa o insulto lançado pela deputada Maria do Rosário e usa essa premissa caluniosa como prova de si mesma. Raciocinar tão mal não é hábito de Reinaldo Azevedo, mas, como se sabe, o ódio político move montanhas: montanhas de neurônios para o lixo.

Pior ainda: tendo recebido centenas de objeções sensatas e racionais na área de comentários do seu artigo – inclusive as minhas --, ele não responde a nenhuma, mas tenta dar a impressão de que toda a oposição à sua versão dos fatos vem de “seguidores de Bolsonaro”, exemplificados tipicamente nos signatários de uma petição raivosa que exige a demissão do colunista de Veja. Fui ver a petição, e sabem quantos signatários tinha? Sete e não mais de sete (talvez agora tenha oito ou nove). Ao fazer desses sete os representantes da maioria que não pedia cabeça nenhuma, Reinaldo procedeu exatamente como os repórteres pró-petistas que, na massa de dezenas de milhares de manifestantes anti-Dilma, pinçaram cinco ou seis gatos pingados adeptos da “intervenção militar” para criar a impressão de que a manifestação era essencialmente golpista. 
Por: Olavo de carvalho 


NA FILA PARA SER FELIZ

Domingo à tarde. Perto de um parque na zona oeste paulistana. Bikes por toda parte. Calor. No passado, dizia-se que domingo era dia para descansar. Hoje, descansa-se mais em certos empregos do que cumprindo a função social de lazer.


Uma fila gigantesca de carros entope a rua. A região, invadida por bikes de domingo e por frequentadores do parque, vira um pequeno inferno em busca do lazer.

Traço irônico esse: a busca pela felicidade e pelo descanso torna-se uma visita ao inferno.

Mesmo aqueles que não partilham da busca infernal pela felicidade de domingo sofrem com a invasão do espaço cotidiano. E muitos, acostumados com o modelo de "mundo parque temático" em que vivemos, nem chegam a perceber o ridículo daquele acúmulo de gente na fila para ser feliz.

Pode-se imaginar a pressão dentro dos carros. Percebe-se que, provavelmente, muitos deles e seus "habitantes" vêm de longe em busca de lazer "para as crianças".

Dentro dos pequenos carros (claro que há também aqueles coreanos, que mais parecem ambulâncias zero quilômetro), podemos imaginar a irritação da mulher com seu marido por não ter sido capaz, ainda, de trocar o carro por um com ar-condicionado. Mesmo porque ainda paga a centésima prestação do pequeno micro-ondas com rodas.

O marido, por sua vez, como todo marido humilhado no cotidiano pelo sentimento de que deve engolir sapos por sua família, permanece em silêncio para não piorar as coisas. Afinal, é domingo e ele ainda tem esperança de "comparecer" com a patroa.

Esse tipo sumiu das "representações sociais masculinas". Agora só sobraram os malditos machões idiotas e os sensíveis, que fazem manifesto porque não aguentam o tranco da responsabilidade insustentável de ser "chefe de família". Na pré-história, esse tipo comum, ridicularizado por todos, foi essencial para a sobrevivência da espécie.

E a mulher? Coitada. Cansada de ser mãe, mulher, profissional esmagada pela pressão de ter que dividir gastos com um marido já não tão interessante, já sem muitos horizontes, tem ainda que controlar as duas crianças (pior se forem três...) que gritam no banco de trás, se batem e se mordem, sonhando com o parque que se aproxima na velocidade de cágado com que a fila se move.

Ficar em casa, nem pensar! Talvez o humilhado "homem sério", pai de família, até cogitasse ficar vendo o "Corintia", mas a mulher afundaria num tédio insuportável, e os maridos preferem filas de horas no calor do que encarar uma mulher entediada no domingo.

Um pouco mais à frente, uma van com umas oito ou dez pessoas. Pouco se pode dizer sobre o que vem a ser "aquilo", além de uma "mancha humana", como diria Kafka. Mas ouve-se seu péssimo gosto musical de longe. Além, claro, da gritaria de gente sonhando em ser feliz no domingo no parque.

No meio de tudo isso, pessoas atravessando a rua sem olhar para os carros como se fossem imunes à morte. De onde vem esse empoderamento da má educação, que agora passa por cima de todo mundo na sua busca feroz por alegria?

Por um instante me lembro da barata de Kafka ("Metamorfose"), personagem a esta altura conhecido de muitos, apesar de, talvez, tristemente mal compreendido.

Gregor Samsa, jovem que acorda um dia transformado num gigantesco inseto marrom (que carinhosamente assumimos como sendo uma barata), de cara, teme por perder seu bonde para o serviço e, consequentemente, perder seu emprego.

Estranha fidelidade essa ao emprego que faz alguém temer mais perdê-lo do que chorar por ter virado uma barata. Confessemos: todos nós o entendemos, mesmo que, possivelmente, sejamos mais chiques do que ele.

Gregor-barata um dia descobre que pode andar pelo teto e pelas paredes com suas centenas de perninhas que colam na superfície, graças a um sofisticado sistema de gosma marrom que deixa um rastro por onde passa.

Algum profissional especializado em palestras motivacionais poderia citar esse momento como algo "inspiracional" para a nova condição barata de Gregor, a fim de mostrar o "lado positivo" que tudo tem.

A fila de carros no parque também deixa seu rastro marrom.
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

SEIS PROVAS DE QUE O MOTORISTA BRASILEIRO É UM OTÁRIO

Especialista critica medidas adotadas no Brasil em nome da segurança do trânsito e lembra exemplos do passado que caíram no esquecimento por fugirem ao bom senso


Todo motorista brasileiro é um otário. Ou, ao menos, é feito o tempo todo de otário pelas autoridades do trânsito do País, segundo o especialista em trânsito Ronaldo de Breyne Salvagni, professor titular e coordenador do Centro de Engenharia Automotiva da Escola Politécnica da USP e conselheiro da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva. Confira abaixo cinco exemplos de fatos que comprovam a afirmação e a íntegra do artigo onde o especialista explica a sua opinião:

Alguém lembra do "kit de primeiros socorros", que todo carro foi obrigado a ter há alguns anos atrás? Foi uma festa de lucros para os seus fabricantes, mas a coisa era tão escandalosamente inútil (não era necessário para pequenos ferimentos, e era inútil para qualquer ferimento maior) que o bom senso prevaleceu e a lei não durou muito tempo.

Entretanto, um outro "conto do vigário", tão inútil e tão lucrativo para os respectivos fabricantes como aquele "kit", permanece vivo: o do "extintor de incêndio veicular". Trata-se de mais uma "jabuticaba" - só existe no Brasil. Nenhum outro país exige esse acessório, por razões óbvias: é desnecessário para pequenos focos de fogo (que podem ser apagados por simples abafamento), e insuficiente e inútil para incêndios maiores. Essa inutilidade já foi declarada por entidades técnicas no Brasil, mas ninguém levou isso em conta. Note-se que o extintor é até mais lucrativo que aquele "kit de primeiros socorros", pois exige manutenção e trocas periódicas, regiamente cobradas, o que não acontecia com o "kit". Agora, com desfaçatez impressionante, anuncia-se mais um passo na exploração do motorista: a obrigatoriedade de trocar todos os extintores antigos (e pagar caro) por um "novo modelo" a partir de 2015.

É verdade que quem compra carro no Brasil já é visto como otário, por estrangeiros: paga-se, em muitas prestações, cerca de duas vezes mais do que o preço do mesmo modelo em outros países, notadamente nos Estados Unidos ou na Europa. Para proteger esse esquema, os carros importados são enormemente taxados, e todos acham isso normal.

Mas a exploração do motorista brasileiro não fica só nisto, nem é de agora. Alguém lembra da "plaqueta", uma plaquinha de metal com o ano corrente que era rebitada sobra a placa traseira do veículo, e que precisava ser trocada todo ano no licenciamento, sendo também (obviamente) cobrada? Essa plaqueta não existe mais, porém outros esquemas tão ou mais lucrativos continuam aparecendo. Periodicamente, os modelos das placas são trocados, obrigatoriamente. Entre 1941 e 1969 eram seis números, passou para duas letras e quatro números entre 1969 e 1990, e de lá até hoje são três letras e quatro números. Todos os proprietários tiveram que trocar as placas dos seus veículos nessas ocasiões, e pagar por isso. Depois vieram as "placas refletivas", mais caras. O próximo passo na exploração do motorista brasileiro já foi dado: os jornais informam que todos terão que adotar o "modelo Mercosul" a partir de 2016. Os fabricantes de placas já estão felicíssimos, comemorando mais esta conquista.

É impressionante a criatividade para encontrar novas formas de "bullying" a serem aplicadas aos motoristas. Em São Paulo, noticiou-se que a velocidade máxima atual de 90 km/h será reduzida "por causa dos acidentes ocorridos nas madrugadas devido a "rachas"". Ora, esses acidentes (em rachas!) já não ocorreram em velocidades muito superiores ao limite de 90 km/h? De que vai adiantar reduzir esse limite? O fato é que, com os modernos radares atuais, é fácil flagrar qualquer veículo em velocidade superior à permitida, e baixar o limite (especialmente nas marginais de São Paulo) vai aumentar significativamente a arrecadação de multas sem maiores esforços nem investimentos. Mais uma maneira de arrancar dinheiro do motorista. Na mesma linha, noticiou-se que os limites de velocidade nas vias centrais de São Paulo (normalmente congestionadas) também serão reduzidos, para "proteger aqueles mais vulneráveis no trânsito, como pedestres e ciclistas". O mais impressionante é que os argumentos são apresentados sem nenhuma fundamentação técnica, não é mostrada nenhuma evidência estatística da correlação entre os acidentes alegados e a velocidade dos veículos. Vai haver, isso sim, mais multas, e mais arrecadação.

O estereótipo do "brasileiro cordial" é verdadeiro, em parte devido ao desconhecimento dos seus direitos e do respeito que lhe é devido como cidadão - desta forma, ele fica vulnerável aos "espertos" e às "autoridades" em geral, que se aproveitam disso. A exploração do motorista brasileiro é apenas a ponta do "iceberg".

Como disse Cícero, e poderíamos parafrasear agora: "Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?"

Por: Ronaldo de Breyne Salvagni - Professor Titular e Coordenador do Centro de Engenharia Automotiva da Escola Politécnica da USP e conselheiro da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva Publicado no Estado de S. Paulo




"VOCÊ ESTAR COMUNISTO?"

Seria ingênuo acreditar que o PT não está cumprindo uma etapa para a instauração de um regime totalitário


O falecido Jean Mellé, fundador e diretor do “Notícias Populares”, que se tornaria um clássico do jornalismo de escândalo, era um refugiado romeno que tinha sólidas razões para odiar o comunismo. Grande e musculoso, de vez em quando agarrava um de seus subordinados pela goela e, com um olhar feroz de grão-inquisidor, perguntava: “Você estar comunisto?”. Se a resposta fosse “Não”, ele se dava por satisfeito.

Em noventa por cento dos casos, o interrogado era um membro do Partido e saía rindo do patrão cujo poder ameaçador se neutralizava a si mesmo com uma dose patética de ingenuidade.

Na verdade, Mellé não era nada ingênuo. Conhecia de trás para diante a ambiguidade escorregadia da conduta dos comunistas. Não tinha a menor ilusão de que andassem com foice e martelo estampados na testa ou declarassem de bom grado sua identidade ideológica. Contentava-se com a resposta sumária somente porque não dominava a língua nacional o suficiente para encompridar a discussão. Queria apenas infundir um pouco de medo no coração dos comunas, e conseguia. Eles vingavam-se com risadinhas forçadas que espalhavam o mito do adversário simplório, grandão bobo que até crianças poderiam enganar. Mentiam, e mentiam sobre a mentira: ocultavam sua filiação partidária e fingiam que tinham conseguido ludibriar “a direita”. A satisfação com que se entregavam a esse empreendimento acabava por se impregnar nas suas mentes, transfigurando o fingimento ocasional numa sintomatologia histérica completa e o autoengano num estilo de vida permanente.

Decorrido meio século, o movimento comunista ainda tem no jornalismo brasileiro um exército de colaboradores fiéis cuja tática persuasiva habitual e praticamente única consiste em inventar uma versão ridiculamente simplória do comunismo, atribuí-la aos direitistas e, demolindo-a com duas ou três piadinhas sem graça, cantar vitória, ficando assim provado que o comunismo não existe, que é apenas uma fantasia paranoica de direitistas raivosos. É o bom e velho recurso erístico do “homem de palha”, que nessas pessoas já se tornou uma segunda natureza.

Alguns dos praticantes dessa mágica besta são homens tarimbados, treinados em Havana e Praga. A prova mais patente do poder que adquiriram nas redações é a naturalidade com que estágios em centros de propaganda e desinformação na Cortina de Ferro entram nos seus currículos como provas de “experiência jornalística”, como se a técnica de mentir fosse a mesmíssima coisa que a de relatar os fatos. É óbvio que, ao menos nos velhos tempos, muitas dessas gentis criaturas eram agentes pagos de serviços secretos comunistas. Seus nomes, com atraso de meio século, vão sendo pouco a pouco revelados pelos documentos arquivados em Praga no Instituto para o Estudo dos Regimes Totalitários (v. https://www.youtube.com/watch?v=Dbt1rIg8FbI e https://www.youtube.com/watch?v=S0hcCDwS8xU). 

Outros, mais jovens, não precisaram viajar para adquirir as manhas da prosa comunista. Aprenderam-nas por aqui mesmo, em faculdades de jornalismo que os cavalheiros mencionados no parágrafo anterior transformaram em centros de adestramento da militância pelo menos desde a década de 70 do século passado.

O primeiro sinal de que você é inteligente é a sua capacidade de perceber que um outro é mais inteligente. Mutatis mutandis, o primeiro sinal de burrice é supor, sempre, que o outro é mais burro do que é. Nisso consiste o artifício de retórica erística a que me referi: O sujeito define o comunismo da maneira mais simplória e mecânica e, argumentando que esse comunismo não existe (como de fato não pode existir), conclui que todo anticomunismo é uma doença mental, fonte de violência e “crimes de ódio”.

A definição usada nesse truque é a seguinte: o comunismo é a estatização completa, repentina e ostensiva dos meios de produção e de toda propriedade particular. O governante pega o microfone e anuncia: “Olhe aqui, gente, eu sou comunista. Agora quem manda nesta porcaria é o comunismo. Passem aí as suas propriedades ou vão para o Gulag.”Para tipos como o sr. Jô Soares e outras cabeças iluminadas que guiam o pensamento nacional, o fato de que isso nunca tenha acontecido é a prova cabal de que o perigo comunista não passa de uma invencionice criada para justificar um golpe de Estado ou coisa pior.

Em contraste com essa desconversa vagabunda, vejamos o que é o comunismo de verdade, na sua teoria e na sua prática no mundo.

Karl Marx ensinava que a estatização dos meios de produção – etapa inicial da construção do socialismo – seria um processo complexo que deveria se estender por muitas décadas ou séculos, e que não poderia nem mesmo começar antes que os meios capitalistas de produção alcançassem o seu máximo desenvolvimento possível.

A última coisa que um governante comunista deve fazer – sobretudo se chegou ao poder pelas vias democráticas usuais e sem derramamento de sangue -- é portanto sair estatizando tudo, desmantelando a classe capitalista. Ao contrário: deve ajudar os capitalistas a ganhar o máximo de dinheiro que possam, ao mesmo tempo que os destitui dos seus meios de ação política e ideológica. A função do capitalista nessa fase do socialismo é fazer dinheiro e não dar palpite, tornando-se tanto mais próspero quanto mais politicamente inócuo e subserviente à elite governante comunista. Seduzidos pelos ganhos fáceis, os capitalistas vão transferindo aos comunistas todo o seu poder ideológico, de modo que, em prazo relativamente breve, quatro coisas acontecem:

(1) Em pleno regime de prosperidade capitalista, só há ideias comunistas em circulação. De maneira mais ostensiva ou mais camuflada, a propaganda comunista se torna o único discurso vigente na sociedade. As ideias concorrentes desaparecem ao ponto de se tornarem impensáveis. Subsistem, na melhor das hipóteses, como vagos mitos de outras épocas. Um restinho de “ideologia capitalista” permanece no ar, reduzido à apologia da eficiência econômica, que os comunistas seriam os últimos a negar.

(2) A riqueza deixa de ser um meio de ação política independente e se reduz a instrumento da propaganda comunista. Cada capitalista gasta rios de dinheiro elegendo comunistas e financiando o ódio ao capitalismo.

(3) Ter uma imensa conta bancária dá menos poder do que uma carteirinha do Partido ou um cargo público qualquer. O poder político-ideológico é transferido da burguesia para a elite partidária sem que a propriedade capitalista sofra qualquer arranhão visível.

(4) Os comunistas, por seu lado, podem tanto se gabar de ser os dominadores absolutos da situação como continuar a se fazer de vítimas indefesas da burguesia. Passam do discurso ameaçador às lágrimas de autocomiseração com a maior facilidade, e a incoerência mesma da sua atitude serve para desnortear ainda mais o adversário.

Nessa etapa, não há guerra econômica. Não se trata de tomar as propriedades dos burgueses, mas de destituí-los de seus meios de autodefesa ideológica.

Esse é o programa que o governo do PT vem cumprindo à risca, esse é o esquema comunista real e genuíno. Ele não é um homem de palha, muito menos é uma ameaça: é a realidade em que vivemos.
Por: Olavo de Carvalho Do site: http://www.dcomercio.com.br


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

PSICOPATIA E HISTERIA

Uma elite de psicopatas sobe ao poder e se cerca de adeptos e militantes que, no afã de enxergar as coisas como seus chefes mandam, acabam desenvolvendo todos os sintomas da histeria


A saúde mental de uma comunidade pode ser aferida pela dos indivíduos que ela eleva aos mais altos postos e incumbe de representá-la. O mais breve exame do Brasil sob esse aspecto leva a conclusões que já ultrapassam a escala do alarmante e se revelam francamente aterrorizantes.

Já tivemos um presidente que achava lindo fazer sexo com cabritas, se gabava de haver tentado estuprar um companheiro de cela – prova de macheza, segundo ele – e confessava entre risos as mais cínicas mentiras de campanha. É claro que a tropa dos seus guarda-costas e marqueteiros corria, nessas ocasiões, para dar a essas declarações o sentido de meras brincadeiras, mas, supondo que o fossem, é igualmente evidente que pessoas adultas normais não se divertem com gracejos tão torpes.

Qualquer que fosse o caso, no entanto, a conduta desse cidadão não sugeria nenhuma doença mental e sim propriamente uma psicopatia – a deformidade moral profunda que sufoca a voz da consciência e autoriza o indivíduo a viver de manipulações, trapaças e crimes sem nunca enxergar nisso nada de anormal.

Já mencionei, em outros artigos, o livro do psiquiatra Andrew Lobaczewski, Ponerologia: Psicopatas no Poder (Vide Editorial, 2014), em que uma equipe de médicos poloneses condensa os resultados de décadas de observação da elite comunista que dominava o país, e descreve tecnicamente o fenômeno da “patocracia”, o governo dos psicopatas.

Mas, como explica o próprio dr. Lobaczewski, quando uma elite de psicopatas sobe ao poder, ela se cerca de adeptos e militantes que não são psicopatas, mas que, no afã de enxergar as coisas como seus chefes mandam em vez de aceitar os dados da realidade, acabam desenvolvendo todos os sintomas da histeria. A histeria é um comportamento fingido e imitativo, no qual o doente nega o que percebe e sabe, criando com palavras um mundo fictício cuja credibilidade depende inteiramente da reiteração de atitudes emocionais exageradas e teatrais.

Um exemplo, já antigo, esclarecerá isso melhor.

Todo mundo conhece o deprimente episódio da discussão feia na qual a deputada Maria do Rosário xingou seu colega Jair Bolsonaro de “estuprador”. Incrédulo, o deputado perguntou:

-- Agora sou eu o estuprador?

A deputada, fria e pausadamente, confirmou:

-- É sim.

O deputado, que não é lá muito famoso pelas boas maneiras, deu-lhe uma resposta brutalmente sarcástica (“não vou estuprar você porque você não merece”) e a adversária ameaçou dar-lhe uns tapas, deixando de cumprir o intuito ante a promessa de um revide, sendo então chamada de “vagabunda” e tendo um dos mais célebres chiliques da história política nacional.

Está tudo gravado.

As circunstâncias que precederam o acontecimento são muito reveladoras. Bolsonaro tinha apresentado um projeto de lei que previa penas mais severas para os estupradores, inclusive antecipando o prazo de maioridade penal para que a punição pudesse alcançar tipos como Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, um dos estupradores e assassinos mais cruéis que este país já conheceu.

Maria do Rosário era contra a antecipação da maioridade e defendia penas mais brandas para estupradores e assassinos de menos de dezoito anos.

O projeto do deputado Bolsonaro era aprovado por mais de 90% da população. 

Defensora de uma causa impopular, e cunhada, ela própria, de um estuprador de menores, Maria do Rosário tinha todos os motivos para ficar com os nervos à flor da pele quando se discutia estupro e menoridade. Chamar de estuprador o algoz maior dos estupradores não fazia o menor sentido, evidentemente, exceto como inversão histérica da situação real.

Do ponto de vista penal, admitindo-se que ambos os parlamentares tenham cometido delitos, o da deputada foi bem mais grave. Nosso Código Penal pune com seis meses a dois anos de detenção o crime de calúnia (imputação falsa de ato delituoso) e com apenas um a seis meses de detenção o de injúria (ofender a dignidade e o decoro de alguém). Pior: a lei concede atenuante ao delito de injúria se é cometido em revide a insulto anterior, e um segundo e maior atenuante se o revide foi imediato. Os dois atenuantes aplicavam-se à conduta do deputado Bolsonaro. Em comparação com Maria do Rosário, ele estava praticamente inocente no episódio.

Bem, esses são os dados objetivos da situação, mas a reação da esquerda nacional quase inteira, seguida de perto por toda a grande mídia, foi levantar um escarcéu dos diabos contra o deputado, chegando a pedir a cassação do seu mandato e apresentando Maria do Rosário como vítima inocente de uma violência verbal intolerável.

Por mais intenso que seja o ódio político que se vota a um inimigo, simplesmente não é normal inverter de maneira tão flagrante a lógica dos fatos e o seu sentido jurídico para fazer do agredido o agressor e do revide injurioso, por mais grosseiro que fosse, um crime mais grave que o de calúnia.

Pior: todos os que incorreram nessa loucura faziam-no em tom de tão profunda indignação – alguns chegando até às lágrimas --, que não pareciam, de maneira alguma, estar mentindo deliberadamente. Ao contrário: a coisa era uma inversão histérica genuína, característica, indisfarçável. E coletiva.

A passagem do tempo não parece tê-la curado, mas agravado. Ainda esta semana, como o deputado Bolsonaro relembrasse o episódio, mostrando não arrepender-se do que tinha dito a Maria do Rosário, a deputada Jandira Feghali viu nisso, não, como seria normal, uma prova de falta de educação, mas – pasmem – uma confissão de estupro. E, aos berros, exigia a cassação do mandato de Bolsonaro, alegando que “não podemos admitir a presença de um estuprador nesta Casa”. Não deixa de ser significativo que, nessa mesma semana, uma pesquisa da Universidade da Califórnia revelasse que a incapacidade de perceber o sarcasmo pode ser um sintoma de demência.

Porém ainda mais significativo é que, também na mesma semana, a deputada, lendo uma frase minha segundo a qual todos deveríamos “atirar à cara dos comunistas, em público, todo o mal que fizeram”, lançou o alarma: Olavo de Carvalho prega assassinato de comunistas!

O histérico não enxerga o que está diante dos seus olhos, mas o que é projetado na tela da sua imaginação pelo medo e pelo ódio.
Por: Olavo de Carvalho Publicado no site: http://www.dcomercio.com.br