domingo, 7 de dezembro de 2014

LULA, DILMA E A PORTA DO INFERNO

No final da campanha para as eleições presidenciais de 2002, reza a lenda, o futuro ministro Antonio Palocci pegou o candidato pelo braço e mostrou a ele as portas do inferno, ou melhor, os preços negociados nos mercados futuros da BM&F.


Segundo ele, com o dólar acima de R$ 4,00, as projeções de inflação superando 15% ao ano e as cotações das principais ações brasileiras no chão, o futuro governo petista morreria antes de começar a governar.

Lula entendeu o recado dos pregões da BM&F –a maior e mais líquida Bolsa de Futuros do mundo emergente–, mudou seu discurso e publicou a famosa Carta ao Povo Brasileiro.

Algo parecido deve ter ocorrido agora com a presidenta Dilma. Sem a confiança dos principais agentes econômicos, e com as nuvens no horizonte político carregadas pelo escândalo da Petrobras, a repetição do fracasso do primeiro mandato na economia seria mortal para seu governo. Talvez tenha sido a porta do inferno político –mais do que a BM&F– que tenha obrigado Dilma Rousseff a romper com suas convicções econômicas.

Mas é importante qualificar as mudanças de agora para que não se criem expectativas falsas em relação a esses dois episódios marcantes da história recente da política no Brasil. Quando Lula mudou seu discurso e entregou a Meirelles e Palocci o comando da economia, o crescimento chinês começava a chegar à economia brasileira via o canal dos preços de nossos principais produtos de exportação.

Além dessa força expansionista externa, a economia brasileira tinha vários segmentos importantes com elevada capacidade ociosa, o que permitia um ganho rápido de produtividade caso houvesse uma expansão vigorosa da demanda.

O desemprego de mais de 12% da população economicamente ativa –PEA– garantia um mercado de trabalho favorável às empresas, com muito pouca pressão por maiores salários. O volume de crédito na economia era muito baixo, principalmente no segmento de financiamento aos bens de consumo.

Nossa infraestrutura econômica –portos e estradas, principalmente– não tinha sinais de congestionamento. E, finalmente, a valorização do real ante ao dólar, em razão do rápido ajuste de expectativas, provocou um choque de deflação via os produtos precificados em dólares, fazendo com que a inflação convergisse, sem grandes esforços do Banco Central, na direção do chamado centro da meta.

A conjuntura econômica no segundo mandato da presidenta Dilma será completamente diferente da encontrada por Lula em 2003. O mercado de trabalho está ainda muito pressionado, com a taxa de desemprego na mínima histórica, e a China de hoje nada tem de semelhante com a existente nos anos Lula.

O consumidor brasileiro está endividado, com pouco espaço para alavancar sua renda pessoal.

Finalmente, a inflação estará acima dos 7% ainda na primeira metade de 2015 depois dos ajustes que serão feitos em preços controlados importantes.

Os primeiros dois anos do segundo mandato de Dilma serão de ajustes importantes –recessivos, como gostam de carimbar os economistas do PT jogados agora na oposição ao governo– e que na melhor das hipóteses manterão a economia crescendo algo perto de 1% ao ano.

A única força de expansão que estará atuando será um ajuste positivo na expectativa de consumidores e empresas, pois estavam todos esperando uma catástrofe que agora não virá. Mas esse ajuste não virá de imediato, pois muitos vão trabalhar com a hipótese de vida curta para o ministro das mãos de tesouras.

Por essas razões a mudança inesperada da política econômica –de forma diversa da ocorrida com Lula em 2003– encontrará desafios mais difíceis e exigirá da equipe econômica muito bom senso para não exagerar na dose de ortodoxia. De qualquer forma, temos que receber as decisões tomadas pela presidenta com palmas e esperar que ela tenha sucesso na sua empreitada.

Talvez fosse mais fácil, para um analista como eu, jogar no time de que tudo vai dar errado e continuar a apostar no caos. Mas não me parece a atitude correta neste momento, até porque a probabilidade de sucesso é bem maior do que o mercado financeiro vem precificando. 
Por: Luiz Carlos Mendonça de Barros Publicado na Folha de SP

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