sábado, 31 de outubro de 2015

SHOWS DE MORTE

Barack Obama lamenta que os ataques mortais com armas sejam hoje uma "rotina" nos Estados Unidos. De fato, impossível discordar.

Leio na imprensa a lista dos grandes atentados solitários que aconteceram no país desde que Obama chegou à Casa Branca e os números arrepiam qualquer um. Do Alabama ao Connecticut; de Nova York ao Arizona; do Texas à Califórnia; de Washington à Virgínia, são dezenas de cadáveres.

E o filme dos massacres, com ligeiras variações, é quase sempre o mesmo: o homicida é um ser "recluso e raivoso", para usar as palavras desta Folha sobre o assassino do Oregon, que começa a cultivar ideias de destruição e martírio.

Um dia, cansado da sua própria marginalidade, ele sai para uma escola, um shopping, uma rua e atinge finalmente a celebridade.

Disse "celebridade"? Disse bem. Os especialistas no assunto podem avançar com as causas habituais para as tragédias. A violência dos filmes. A violência dos videogames. A violência da própria "sociedade capitalista", que adora vencedores e despreza os perdedores.

E depois existem as armas, vendidas sem controle, que são um convite letal para que mentes débeis possam matar com facilidade.

Admito que tudo isso seja verdade, embora estranhe que países armados até aos dentes (como a Suíça, por exemplo) tenham um número diminuto de homicídios. Mas divago.

Porque quando acontece mais um massacre, meu primeiro instinto é ler os testemunhos que os próprios criminosos deixaram para trás.

Todos eles partilham a angústia do anonimato e a busca insana da consagração midiática. Chris Harper-Mercer, 26, o último da lista com 9 mortos na escola técnica de Roseburg, Oregon, é também o último exemplo: como o próprio escreveu, "parece que quanto mais gente você mata, mais você fica no centro das atenções". A fama depende do derramamento de sangue.

No fundo, os psicopatas que matam com regularidade são uma versão extrema dos concorrentes de um "reality show". Não cantam, não dançam, não transam em frente das câmeras. Preferem a destruição e a morte como forma de mostrar ao mundo os seus "talentos".

E todos têm uma certeza: os seus atos serão relembrados e reproduzidos infinitamente pelo labirinto das "redes sociais" –essas catacumbas que o poeta Dante teria retratado como um novo inferno.

As armas matam porque há psicopatas dispostos a usá-las. Mas o circo da morte renova-se continuamente porque a cultura do espectáculo em que vivemos 24 horas sobre 24 horas é o charco fétido que transforma os alienados de ontem em estrelas, hoje.
Por: João Pereira Coutinho Publicado na Folha de SP

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