terça-feira, 25 de abril de 2017

VOCÊ TEM PROBLEMAS DE DINHEIRO OU PREOCUPAÇÕES COM O DINHEIRO?

Uma pergunta: você tem problemas de dinheiro ou preocupações com dinheiro? Não são a mesma coisa.


"Problemas" são coisas reais, tangíveis, quotidianas, que lidam com as contas - a bancária e as que precisam de ser pagas. "Preocupações" são outra história: ansiedades, confusões ou desejos que só existem nas nossas cabeças.

Eis a tese do filósofo John Armstrong em pequeno e delicioso tratado moral: "Como se preocupar menos com dinheiro" (Objetiva). Subscrevo cada capítulo e, sem falsas modéstias, já pratico há muito algumas das lições.

Mas voltemos ao início: você tem problemas ou preocupações com o vil metal? Se são problemas, lamento, nada a fazer: a questão é mesmo matemática. É preciso pagar o aluguel, as despesas da casa, a educação dos filhos. E ainda a alimentação, a roupa, o transporte, os remédios. O básico do básico, a que poucos escapam.

Claro: você pode decidir viver como o Gandhi e vestir como ele. Nesse caso, a nossa conversa termina aqui. Para os restantes, as dificuldades da vida permanecem.
Divulgação 

Capa do livro "Como se Preocupar Menos com Dinheiro", de John Armstrong

Mas Armstrong não escreve o livro para enfrentar essas necessidades básicas - e implacáveis. Ele sobe um degrau para falar das "preocupações" com o dinheiro, ou seja, sobre aquilo que acontece depois das necessidades básicas estarem satisfeitas.

Sim, pagamos o aluguel da casa. Mas queremos uma casa maior, ou melhor. Sim, temos roupa no corpo e comida na mesa. Mas queremos aquela grife e aquele jantar no melhor restaurante da cidade. Que fazer?

John Armstrong não é um puritano nem um asceta. O dinheiro é importante - tão importante que nem as relações amorosas escapam a ele. Quem acredita no mito de "um amor e uma cabana" nunca conheceu verdadeiramente um amor (nem uma cabana). Como Jane Austen ensinou há mais de 200 anos, não são apenas as qualidades pessoais que sustentam uma relação. Dinheiro no bolso também é uma ajuda preciosa.

O ponto de Armstrong, porém, é outro: falar de dinheiro não é falar de dinheiro. É analisar antes aquilo de que precisamos para termos uma "vida boa" no sentido aristotélico do termo. Atenção: disse "precisamos", o que é diferente de "querermos".

Quando queremos algo, obedecemos a um desejo - e os desejos são infindos por definição.

Quando precisamos de algo para "florescer" (uma vez mais, Aristóteles é o nome), as nossas necessidades de dinheiro estão intimamente ligadas ao tipo de pessoa que queremos realmente ser. O desejo expande; o florescimento pessoal restringe. Só depois de sabermos quem somos é possível perguntar de quanto dinheiro precisamos. E, às vezes, a quantia é menor do que se imagina.

Penso na minha vida. Houve excessos e desperdícios. Mas esses excessos e desperdícios foram alimentados por caprichos, vaidades, inseguranças - e por um desconhecimento profundo sobre a vida que eu realmente procurava. Direi mais: os excessos e os desperdícios eram inversamente proporcionais à ignorância sobre mim próprio. Quanto menos sabia, mais gastava.

Hoje, cometo loucuras como qualquer pessoa racional. Mas são esporádicas como tempestades tropicais. Depois de pagar as fatais contas do mês, noto que há um padrão nos gastos - e até nas poupanças. Para viver a minha vida, não preciso de um automóvel de luxo. Não preciso de uma casa majestosa. Não preciso de roupas de grife (aliás, na moda só há uma regra: qualquer trapo que tenha um símbolo distintivo deve ser cuidadosamente evitado).

Mas preciso dos meus livros, dos meus filmes, da minha música. Preciso de horas vazias, vagarosas, ociosas. E preciso de partilhar as alegrias (e as tristezas) com a família e os amigos onde houver boa mesa - o que é diferente de uma mesa cara.

Oscar Wilde dizia que era uma pessoa fácil de contentar: só gostava do que era bom. Eu também. E quando temos a noção de que o tempo é limitado e a nossa personalidade não é elástica, até aquilo que é bom começa a ficar mais barato.
Por: João pereira Coutinho  Publicado originalmente na Folha de SP.

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