quarta-feira, 29 de maio de 2013

AS DEFINIÇÕES CORRETAS DE MONOPÓLIO E CONCORRÊNCIA - E POR QUE A CONCORRÊNCIAS PERFEITA É ILÓGICA

Muito se fala, principalmente nos meios acadêmicos, sobre concorrência e monopólio. O problema é que as definições utilizadas para estes termos estão quase sempre erradas. E se o conceito utilizado é errado, então as políticas sugeridas para lidar com ambos também serão erradas. Pior ainda: gerarão resultados distintos dos esperados.

Concorrência

Comecemos pela concorrência. Seria a concorrência uma 'situação' ou um 'processo'? 

A função empreendedorial é, por sua natureza intrínseca, sempre competitiva. O termo 'competitivo' vem do latim cumpetitio, que significa uma concorrência múltipla de reivindicações sobre um determinado bem ao qual um proprietário deve ser atribuído.

A concorrência é um processo dinâmico que envolve rivalidade. Trata-se de um processo dinâmico em que empreendedores rivalizam entre si para descobrir oportunidades de lucro e se aproveitar delas antes que outros empreendedores o façam. O objetivo de um empreendedor é descobrir, antes dos demais, oportunidades latentes de lucro que existem no processo empresarial. Uma vez descoberta uma oportunidade de lucro, ele terá de atuar em harmonia com outros empreendedores — pois o mercado é uma rede de trocas altamente complexa e interativa — para se aproveitar dela.

Por isso, diz-se que a concorrência é um processo de emulação, um processo em que se busca superar seus rivais, em todos os âmbitos, criando e se aproveitando de oportunidades de lucros antes deles. 

E isso deve ser contrastado ao chamado "modelo de concorrência perfeita". Este é o modelo que a esmagadora maioria dos manuais de economia aponta como sendo o ideal máximo de concorrência. Este modelo enxerga a concorrência como sendo uma situação. É como se a concorrência fosse analisada como uma fotografia instantânea. Os defensores deste modelo são os economistas matemáticos que acreditam na tese de que uma economia sempre pode estar em 'equilíbrio'.

Nos modelos matemáticos de concorrência perfeita, a concorrência é definida como perfeita quando, ao se fazer esta fotografia instantânea de um determinado processo de mercado, observa-se nesta foto — que nada mais é do que uma situação estática, sem nenhum movimento — a existência de múltiplos ofertantes, todos eles vendendo o mesmo produto, com exatamente as mesas características e ao mesmo preço.

Esta situação estática — sem nenhum movimento, sem nenhum processo empreendedorial, em que há uma multiplicidade de ofertantes que fazem exatamente a mesma coisa, que ofertam exatamente o mesmo produto e que vendem a exatamente o mesmo preço — ser classificada de concorrência perfeita representa o ápice do escárnio.

Logo, é fácil observar que estes dois conceitos de concorrência são praticamente opostos: de um lado temos a concorrência como um processo dinâmico de rivalidade, que é o conceito correto de concorrência; de outro temos a burla, que supõe uma concorrência jocosamente chamada de perfeita, que é caracterizada por uma situação em que todos os empreendedores fazem absolutamente o mesmo — e portanto ninguém compete com ninguém.

Disso, surge a inevitável pergunta: como é possível que legiões de economistas catedráticos, de enorme distinção e com impecáveis credenciais acadêmicas, tenham feito do modelo de concorrência perfeita — isto é, desta concepção estática de concorrência — a base de todas as suas teorias? 

É aqui que podemos constatar, novamente, um dos exemplos mais claros do nefasto efeito gerado pelo uso da matemática na ciência econômica. Dado que a ciência econômica nada mais é do que a ciência da ação humana, os fenômenos estudados dependem totalmente da interação voluntária entre bilhões de indivíduos, algo que por definição não pode ser matematizado.

E, justamente para se tornar possível a matematização de algo que é impossível de ser matematizado, a concorrência, que é um processo dinâmico passa a ser analisada como uma situação, um estado de equilíbrio, que é o único matematizável. E o empenho em se aplicar uma metodologia errônea oriunda do mundo das ciências naturais — onda há constantes, não existe tempo e nem criatividade — ao âmbito das ciências sociais protagonizada por seres humanos pode apenas gerar múltiplos erros, dentre eles o mais importante é o fato de se endeusar um conceito tão absurdo quanto o conceito estático de concorrência perfeita.

Monopólio

Assim como ocorre com a concorrência, há também dois conceitos distintos e opostos para monopólio. E cada um destes conceitos de monopólio está de acordo com os respectivos conceitos de concorrência. Ou, falando mais claramente, ao conceito correto de concorrência está relacionado um conceito correto de monopólio, e ao conceito errôneo de concorrência está relacionado um conceito também errôneo de monopólio.

Comecemos por este último. 

O conceito errôneo de concorrência é aquele que vê a concorrência como uma situação, um estado de equilíbrio em que há uma multiplicidade de ofertantes que produzem exatamente o mesmo produto e vendem exatamente ao mesmo preço — ou seja, não há competição nenhuma entre eles. 

E qual o conceito errôneo de monopólio? Se a característica essencial para se classificar uma situação como sendo de concorrência perfeita é que haja um grande número de ofertantes naquela fotografia instantânea, a característica essencial para se caracterizar uma situação como sendo de monopólio é que nesta fotografia instantânea — ou seja, neste estado de equilíbrio — exista apenas um único vendedor.

Do mesmo conceito errôneo de concorrência perfeita surge o conceito errôneo de monopólio, que é visto como uma situação estática em que há apenas um vendedor de um produto. Estes "monopolistas", segundo os economistas matemáticos, podem impor os preços que desejarem, preços artificialmente altos, em prejuízo dos consumidores.

Uma situação intermediária seria a de oligopólio, na qual há apenas alguns poucos vendedores (oligo vem do grego e significa poucos).

Porém, tendo por base a perspectiva da teoria dinâmica dos processos de cooperação social protagonizada por empreendedores, este conceito de monopólio e de oligopólio é completamente sem sentido. Se a definição correta de concorrência é a de um processo dinâmico de rivalidade na qual os empreendedores competem entre si para descobrir, antes dos demais, oportunidades de lucro para se aproveitar delas antes que outros empreendedores o façam, então o conceito correto de monopólio tem de levar em conta se é possível ou não que outros empreendedores possam ter legal acesso a este processo dinâmico de rivalidade.

E a conclusão lógica é que só existe um monopólio genuíno quando o estado sistematicamente impede, por meio da força ou da ameaça de violência, a liberdade de acesso a um determinado mercado ou o livre exercício do empreendedorismo em algum setor da economia.

Logo, o relevante não é se há apenas um ou alguns poucos ofertantes; o relevante é se é legalmente possível ter acesso — se há liberdade de entrada ou não — a um determinado setor da economia. O relevante é analisar se, em decorrência de alguma coerção sistemática do governo — seja por meio de agências reguladoras, de burocracias volumosas ou de decretos —, há algum impedimento ao exercício da livre iniciativa em qualquer setor da economia.

Notem que este conceito de monopólio e oligopólio é radicalmente distinto daquele que é tido pela academia como a definição correta.

Monopólio X Concorrência

Ainda utilizando a metáfora da fotografia, imagine uma sucessão de fotogramas que constituem o celulóide de um filme. Imagine que este filme represente o processo dinâmico da concorrência. Sendo assim, se escolhermos arbitrariamente um fotograma e constatarmos que há apenas um vendedor neste fotograma escolhido, um economista matemático imediatamente gritará "Monopólio! Exploração dos consumidores! O governo tem de intervir e perseguir!" Já um economista da Escola Austríaca, que entende a perspectiva dinâmica do mercado como sendo um processo marcado pelo empreendedorismo, dirá que é irrelevante que em um ou em vários fotogramas apareçam apenas um único vendedor. Pois o que tem de ser levado em consideração não é um fotograma avulso, mas sim todo o processo dinâmico contido neste filme, bem como se, ao longo deste filme, há liberdade de entrada nos mercados, isto é, se há um livre exercício do empreendedorismo.

Se ao longo do processo dinâmico houver liberdade de entrada nos mercados, então existe concorrência no sentido dinâmico. É irrelevante se, em determinados momentos, existe no mercado apenas um ofertante de bens e serviços. 

Mais ainda: se em um determinado momento existe apenas um ofertante, mas há liberdade de entrada neste mercado, então, o fato de existir apenas um ofertante, longe de ser uma comprovação de que há monopólio e exploração dos consumidores, indica apenas que tal ofertante está satisfazendo os desejos e necessidades de seus consumidores de forma bastante eficaz.

Falando de outra maneira: se o processo dinâmico é livre e os empreendedores participam dele emulando-se e concorrendo entre si, então, se em um determinado momento existir somente um empreendedor, isso significa que ele preponderou justamente por ter se mostrado mais apto que seus concorrentes a atender as necessidades dos consumidores.

Logo, a existência de uma única empresa em um determinado setor econômico cuja entrada seja livre para os concorrentes não é prejudicial para os consumidores; significa apenas que esta empresa está ofertando um bom serviço para os consumidores. Havendo uma ausência de barreiras legais para se entrar no mercado, há concorrência. Se o mercado é servido por uma única empresa, isso não configura monopólio. A concorrência existe a partir do momento em que o estado não proíbe legalmente outras empresas de entrar no mercado. 

Em um âmbito de plena liberdade empreendedorial, existir apenas um ofertante significa que este soube como atender aos desejos dos consumidores de forma mais eficaz e satisfatória do que todos os outros. No livre mercado, não há direitos adquiridos. 

E exatamente por não haver direitos adquiridos, um empreendedor jamais pode se acomodar no livre mercado. O fato de ele haver triunfado hoje não significa que ele continuará triunfando amanhã. Se ele deixa de estar alerta e se torna menos perspicaz que seus concorrentes, ou se ele deixa de satisfazer as necessidades de seus consumidores de maneira satisfatória e a preços baixos, surgirá em pouco tempo um exército de concorrentes — reais e potenciais — que colocará em perigo sua situação de predomínio. Estes concorrentes tentarão lucrar em cima deste seu desleixo.

A IBM, por exemplo, chegou a deter 70% do mercado de computadores. Converteu-se em uma empresa mastodôntica e arrogante. Quando lhe apresentaram um projeto sobre computadores portáteis, de uso pessoal, ela desprezou, dizendo que era besteira. Como resultado desta desconsideração para com as genuínas demandas dos consumidores, esta empresa outrora tão rica e poderosa quase foi à bancarrota.

Portanto, é irrelevante — de uma perspectiva dinâmica — que em uma fotografia apareça apenas um único ofertante. O próprio processo dinâmico faz com que, ao amanhecer de cada dia, este ofertante tenha de se reinventar diariamente. Caso não o faça, surgirão concorrentes que se apropriarão de uma fatia de seu mercado.

Por: Jesús Huerta de Soto , professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor da monumental obra Money, Bank Credit, and Economic Cycles.

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