quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

CAPITALISMO E LIBERDADE: A VISÃO DE MILTON FRIEDMAN


“Não existe almoço grátis.” (Milton Friedman)

Os pilares do liberalismo estão no indivíduo e seu direito à liberdade, crença que vai contra a visão paternalista de um Estado patrão e dirigista, que determina o destino dos seus cidadãos como se esses fossem seus súditos. Para o homem livre, o país não passa da coleção de indivíduos que o compõem, e não algo acima deles. O governo é visto apenas como um meio para seus objetivos, nunca um fim em si, nem um agente garantidor de favores ou um mestre que devesse ser cegamente seguido, detentor de uma sabedoria clarividente. A maior ameaça à liberdade individual é justamente a concentração de poder, e o papel do governo seria basicamente o de preservar esta liberdade, em vez de ameaçá-la concentrando cada vez mais poder em si.

Numa sociedade livre, o escopo do governo é limitado, porém não inexistente, nem irrelevante. Ele deve ser capaz de preservar as regras do jogo, manter a ordem, definir os direitos de propriedade, ser o juiz em disputas quanto à interpretação das leis e forçar contratos. Alguns liberais aceitam mais ainda, como promover a competição e intervir apenas em situações de monopólios naturais ou externalidades negativas, além da função paternalista com as crianças e adultos irresponsáveis, como os detentores de problemas mentais. O liberal entende que a liberdade só anda junto com a responsabilidade, e só deve ser livre quem puder arcar com as conseqüências de sua liberdade. Como fica claro, o liberalismo nem de perto prega a ausência de governo, como defendem os anarquistas.

Alguns exemplos de intervenções indesejáveis do governo seriam programas de suporte a preços, controle de produção, salário mínimo, regulamentações muito detalhadas para algumas indústrias, programas de previdência social como as atuais, serviço militar obrigatório etc. Passaremos rapidamente por algumas delas.

Qualquer intervenção governamental no mecanismo de formação de preços cria um resultado ineficiente. Os preços não passam de sinais emitidos pelos agentes do mercado, para que o processo produtivo possa sempre funcionar. Respeitar as leis de oferta e demanda é fundamental, e governo nenhum deveria se meter nisso. É justamente através do foco das empresas no consumidor e suas preferências que o mundo evolui, respeitando os interesses particulares de cada um. O papel chave do governo aqui é apenas garantir a competição, mas os preços devem sempre ser livres. Isso inclui o câmbio de um país, seus produtos agrícolas, bens e serviços básicos, enfim, todas as mercadorias e serviços trocados no mercado, que não passa de um palco para estes escambos. Algumas pessoas não conseguem entender essa função tão básica dos mercados, onde indivíduos focam suas energias nas atividades que possuem vantagens comparativas para poderem depois consumir o restante das suas necessidades através da troca. No regime de mercado livre, o poder de facto reside nos consumidores.

Um tema que traz controvérsias é o do salário mínimo, apesar de estar claro na cabeça do liberal que ele apenas gera mais miséria. Para a maioria das pessoas, parece mais lógico entender que o governo deveria definir um mínimo aceitável de renda para o trabalhador, mas isso é apenas fruto de uma falta de conhecimento das leis básicas de economia. As pessoas possuem um raciocínio simplista de que basta definir o mínimo e melhoraremos o social, mas ocorre na prática justamente o oposto. Não se pode ir contra as leis do mercado, e quando o valor de qualquer salário é definido arbitrariamente, e não pelo encontro entre oferta e demanda, ele gera uma grande distorção no mercado de trabalho. As pessoas que defendem o salário mínimo deveriam passar mais tempo conversando com os milhões de desempregados, já que claramente estes estariam em uma situação melhor trabalhando, mesmo que por um salário abaixo do mínimo. Claro que incomoda profundamente termos salários tão baixos, mas a proposta socialista apenas agrava muito esta situação. Os salários aumentam pelos ganhos de produtividade através de investimentos do capital, assim como pela livre competição entre empregadores. O salário mínimo, definido acima do de mercado, cria apenas mais desemprego e informalidade.

Nessa mesma linha de raciocínio, todos os direitos adquiridos pelos trabalhadores sindicalizados não passam de benefícios destes às expensas de outros, que eventualmente aceitariam trabalhar com menos regalias. Os sindicatos monopolizam a oferta de empregos muitas vezes, interferindo na lei natural de mercado competitivo, e prejudicando os mais pobres ou independentes. Se bastasse uma caneta do governo para resolver as injustiças do mundo, não mais haveria miséria, fome, terremotos, violência ou problemas de saúde. Seria suficiente assinar uma lei que garantisse o mundo perfeito!

Os salários em uma sociedade livre são determinados unicamente pelo equilíbrio entre a oferta e demanda por trabalho, e como as escolhas são voluntárias e o Estado garante um ambiente de competição, não se pode caracterizar uma exploração do empregador. Os socialistas costumam achar que as empresas deveriam priorizar menos o lucro e garantir salários maiores para seus empregados, mas isso ocorre pois não entendem algumas coisas básicas. Em primeiro lugar, em um mercado competitivo, as empresas vão pagar salários atrelados ao rendimento do trabalhador, pois não vão se arriscar a perderem esta fonte de renda para o concorrente, que poderá a qualquer momento contratar seus funcionários. É fundamental entender aqui que os salários são frutos do valor gerado, e não podem ser garantidos sob qualquer circunstancia, já que uma empresa sem lucro é uma empresa rumo à bancarrota, que não pode empregar ninguém.

Em segundo lugar, precisam entender que o objetivo final de qualquer empresa é seu lucro, pois sem ele ela não poderá investir, crescer, produzir mais e permanecer no mercado competitivo. Portanto, o objetivo de maximização de lucros é não só característica básica para a formação de qualquer empresa como também desejável, já que permite melhorar os rendimentos de todos a ela ligados. Sem falar que o lucro representa o retorno do capital de risco investido, mais do que razoável, já que sem ele não haveria empregos para estes que se dizem explorados. Foi no ambiente competitivo americano que os empregados mais conquistaram vantagens reais, e isso não se deveu às canetadas do governo, mas ao próprio estímulo do capitalismo competitivo.

Mais um exemplo de intervenção indesejada está na Previdência Social. O governo define uma parcela da renda obtida pelo indivíduo a ser destinada compulsoriamente a um fundo de previdência. Isso inibe completamente a livre escolha da pessoa em dispor de seus frutos do trabalho como melhor lhe convém. Somente o argumento de que o povo é irresponsável e por isso não deve ser livre justifica um ato paternalista desses, mas mesmo assim nada explica um monopólio público na administração destas aposentadorias. Se defendemos a liberdade individual, temos que aceitar que os homens são livres também para cometerem seus próprios erros, pois somente assim se aprende.

Além disso, quem seria capaz de definir o que está ou não errado? Será que deveríamos utilizar a coerção para evitar que o indivíduo faça o que quiser, enquanto não causar mal a outro ser? Não existe sempre a possibilidade de que este indivíduo esteja certo e nós errados? Não temos infinitos exemplos disso em nossa história, desde quando Sócrates foi condenado ao veneno da cicuta, Jesus foi crucificado, e Galileu foi julgado pela Inquisição por estar certo, mas contrariar as crenças de seu tempo? Cada um deve ser livre para viver como quiser, com a condição de não agredir o próximo e de arcar com as conseqüências de suas atitudes. A diferença básica entre o liberal e o socialista é que o primeiro acredita na humildade e falta de conhecimento pleno dos homens, enquanto o segundo parte de uma visão totalmente arrogante, de que sabe o que é melhor e mais justo para a humanidade, e quer impor sua visão de mundo aos demais.

No caso das regulamentações, mesmo em monopólios naturais, é importante entender que é indesejável um excesso de intromissão governamental. Normalmente as pessoas superestimam o poder desses monopólios, pois o progresso é mais forte do que eles. As estradas-de-ferro já foram consideradas monopólios antigamente, e por isso criaram-se verdadeiras parafernálias burocráticas que amarraram as empresas neste setor. Porém, com o tempo e o progresso, vieram os caminhões e mais tarde os aviões. Como definir então o monopólio? Em questões de logística, rapidamente surgiram substitutos, mas como as empresas ferroviárias não tinham flexibilidade para reagir num mercado competitivo, ficaram para trás em termos de eficiência. O mesmo pode ser dito para vários outros negócios considerados monopólios naturais, como telefonia, energia etc. Os mercados costumam ser mais criativos e rápidos do que os burocratas que enchem os setores de amarras e regulamentação, criando espaço infindável para a corrupção e atraso.

Um outro exemplo de intervenção injusta e contra a liberdade individual seria na distribuição de renda. Muitas pessoas acreditam que o governo deveria possuir o papel de justiceiro. Tirar dos ricos e dar para os pobres passa a ser considerado “justiça social”. Podemos combater isso tanto pela teoria de justiça como pela prática. Vamos supor que três amigos caminham pela rua tranqüilamente, quando de repente um deles avista uma nota de US$ 100. Será que alguém iria defender a obrigatoriedade deste dividir seu ganho com os demais? É muito mais fácil para as pessoas aceitarem que o companheiro de trabalho ficou rico por acaso, ganhando na loteria. Mas se for por puro mérito e esforço pessoal, a inveja logo toma conta de suas emoções, criando esta vontade de lhe tirar os frutos de seu trabalho.

Logo surgem explicações falaciosas como o rudimentar argumento marxista de explorados contra exploradores. Em uma sociedade livre, é preciso respeitar as diferenças entre as pessoas, incluindo as opções distintas quanto ao trabalho, dinheiro ou lazer. O que não se deve fazer, ainda mais em nome da “justiça social”, é selecionar apenas do ponto de vista financeiro os ganhadores, e tomar-lhes boa parte de sua riqueza, muitas vezes conquistada exatamente pelo esforço, ousadia, riscos e abdicação de uma vida mais segura e pacata.

Por isso mesmo que os liberais não aceitam a idéia de impostos escalonados, dependentes da renda de cada um. Os impostos precisam ser um percentual fixo para todos, já que pagam pelos mesmos serviços, e de preferência bem baixo, já que o Estado é praticamente mínimo nesta sociedade. A defesa deste mesmo ponto teórico pelo lado da prática é que quanto mais imposto tiver, menos riqueza será gerada para todos, já que ninguém trabalha duro para sustentar burocrata do governo, mas sim visando a seus interesses particulares. Sem falar que esses impostos não são na verdade direcionados para os mais pobres, mas sim se perdem no mar de corrupção inerente ao modelo de Estado grande. “Eu considero difícil, como um liberal, ver qualquer justificação para taxação gradativa somente para redistribuir renda”, disse Milton Friedman.

Em resumo, as grandes ações governamentais adotadas nas últimas décadas falharam. A mão invisível tem sido muito mais eficaz em promover o progresso. O defeito central dessas medidas estatais, segundo Friedman, é que elas buscam forçar as pessoas a agirem contra seus interesses imediatos na tentativa de promover o suposto interesse geral. Essas medidas acabam então enfrentando uma das forças mais criativas conhecidas pelos homens, que é a tentativa de milhões de indivíduos promoverem seus próprios interesses, viver suas vidas conforme seus próprios valores. Seria essa a principal razão dos efeitos dessas medidas estatais terem sido opostos ao inicialmente intencionado. É também uma das maiores vantagens de uma sociedade livre, e explica porque a regulação governamental não deve estrangulá-la.

A perversidade da concentração de poder acaba ofuscada pelas boas intenções muitas vezes presentes em sua criação. É preciso persuadir os concidadãos de que as instituições mais livres são rotas mais seguras para os fins que eles buscam, e não a força coercitiva do Estado.
Por: Rodrigo Constantino  Do site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/

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