quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

DESCONSUMO VERSUS DESMATERIALIZAÇÃO

“Qual o seu grau de concordância/discordância com a seguinte afirmação: Estaríamos melhores se consumíssemos menos”. Esse foi um item de uma pesquisa divulgada em um novo estudo da pesquisadora da Universidade do Oregon Ezra Markowitz e Tom Bowerman da Eugene, um instituto de pesquisa ambientalista do Oregon, PolicyInteractive. Seu estudo, “How Much Is Enough? Examining the Public’s Beliefs About Consumption“ (“Quanto é demais? Examinando as crenças públicas sobre o consumo”), está na edição do jornal Analyses of Social Issues and Public Policy.


Em cinco pesquisas com cidadãos do Oregon e uma pesquisa nacional, eles demonstraram que 74 a 80% dos entrevistados “apoiam reduzir o consumo e acreditam que ao fazerem aumentam o bem-estar individual e da sociedade”. Markowitz e Bowerman interpretaram seus resultados como desafiando “o conhecimento convencional sobre nossa necessidade coletiva e interminável por bens materiais”. Com base em seus resultados de pesquisa eles esperam persuadir legisladores de que os americanos estão prontos para “desconsumir” em prol do meio ambiente, cortando compras de bens materiais, e especialmente reduzindo suas emissões de gases do efeito estufa.

Indo mais fundo em uma outra pesquisa, Markowitz e Bowerman descobriram que 84% concordam que cortar consumo seria “melhor para o planeta”, 67% concordam que então teríamos mais tempo para gastar com a família e amigos, e 84% acreditam que a diminuição do consumo geraria uma maior autoconfiança. Mas falar é fácil, especialmente quando se responde perguntas de pesquisa. Então os pesquisadores sondaram cautelosamente os entrevistados com mais uma pesquisa que perguntava aos participantes a escolher entre várias políticas públicas diferentes visando o corte no consumo. Vale a pena passar por seus resultados.

Os cidadãos do Oregon pesquisados, ao que parece, não estão muito ansiosos com a tributação de seu próprio consumo. A maioria foi contra um imposto sobre casas maiores que 2.500 metros quadrados ou custando mais que $300.000 dólares (62% contra); um imposto sobre casas maiores que 5.000 metros quadrados e custando $500.000 dólares (50% contra); um imposto de 10% por galão de gasolina (63% contra); um programa para tributar a energia quando seu preço está baixo e investir em fundos de conservação (64% contra); tributação de uma taxa de 1% por cada kilowatt-hora consumido por casa que consuma mais de $100 dólares em um mês (71% contra); uma taxa sobre a segunda casa própria (56% contra); um imposto de $1.000 dólares sobre novos veículos que fazem menos de 25 milhas por galão (62% contra); e um imposto de 1% por milha de carbono por viagem de avião (58% contra).

Estes resultados refletem conclusões similares de uma pesquisa nacional de Junho de 2010 pelo Institute for Energy Research que encontrou que 70% dos entrevistados se opuseram a novos impostos sobre a energia com o objetivo de reduzir a dependência de óleo estrangeiro ou reduzir as emissões de gases do efeito estufa. A mesma pesquisa demonstrou que 61% se opuseram a qualquer aumento nos impostos sobre a gasolina. Em outro estado politicamente liberal, Massachusetts, umapesquisa de Janeiro de 2010 perguntou sobre o apoio dos cidadãos para o projeto Cape Wind. Os pesquisadores encontraram que “enquanto 42% dos entrevistados estão menos dispostos a apoiar o projeto Cape Wind se suas contas aumentarem por $50 dólares ao ano, essa porcentagem aumenta para 67% a cada $100 dólares de aumento por ano e para 78% a cada $150 dólares de aumento por ano”.

Markowitz e Bowerman descobriram que os cidadãos do Oregon estavam, entretanto, felizes em cortar o consumo dos ricos, favorecendo um imposto de 5% sobre iates privativos, aeronaves, e trailers (61% a favor). Além disso, 76% são a favor de taxas de serviços públicos estruturados de modo que a carga por unidade suba com o aumento do consumo de energia; 75% aprovam a realização de padrões de eficiência de energia sobre novos edifícios mais rigorosos; e 57% aprovam o aumento dos padrões de eficiência do combustível de automóveis.

Levando em consideração o fato de que os entrevistados de sua pesquisa não pareciam muito interessados em políticas voltadas para o incentivo do desconsumo, Markowitz e Bowerman ligeiramente observaram que outras vias políticas além de tributação do consumo podem ser mais proveitosamente visadas. Eles sugeriram campanhas publicitárias. “Se o menor consumo de bens e serviços não-essenciais é benéfico ou necessário para a sobrevivência à longo prazo de nossa espécie, então parece ser prudente divulgar a difundida disposição ‘consuma menos’ “, eles escreveram. Eles esperam que se as pessoas soubessem que seus vizinhos favorecem o desconsumo, uma mudança cultural nas atitudes geraria menor consumo.

Markowitz e Bowerman definem o desconsumo simplesmente em termos de fazer com menos. Em outras palavras, desconsumo significa tornar os produtos mais pobres materialmente. Eles veem no aumento da pobreza material uma necessidade para proteger a natureza de uma humanidade voraz. Mas se usar menos de certa forma protege o meio ambiente, não seria melhor usar menos para produzir mais?

Jesse Ausubel, diretor do Program for the Human Environment da Universidade Rockefeller e Paul Waggoner da Connecticut Agricultural Experiment Station, demonstraram que a economia mundial está gradualmente usando menos para produzir mais. Eles chamam esse processo de “desmaterialização”. Por desmaterialização significa diminuir o consumo de energia ou bens por unidade do PIB. Em um artigo de 2008 no Proceedings of the National Academy of Sciences, Ausubel e Waggoner, utilizando dados de 1980 a 2005, mostraram que o mundo está numa onda de desmaterialização, espremendo cada vez mais valor de menos material. Acontece que a desmaterialização alcança muitos dos objetivos ambientais tal como o desconsumo.

Ausubel e Waggoner demonstraram que a economia global desmaterializa (consegue mais produtos de menos insumos) fortemente na produção de colheitas, uso de fertilizante e madeira, e emissões de dióxido de carbono. Por exemplo, enquanto a renda per capita global cresceu 40% entre 1980 e 2005, fazendeiros ao redor do mundo aumentaram a produção da colheita em 57%. Se a produtividade do cultivo tivesse permanecido no nível de 1980, os fazendeiros teriam que arar mais de 1 bilhão de hectares adicionais (cerca de metade da terra dos EUA e seis vezes a lavoura atual dos EUA) para produzir a quantidade de comida produzida em 2005. Em vez disso, as lavouras cresceram menos de 100 milhões de hectares e os fazendeiros aumentaram sua produtividade de forma que eles puderam produzir a mesma quantidade de colheita utilizando somente 60% da quantidade de terra usada em 1980.

A economia mundial emitiu mais dióxido de carbono em 2005 que fez em 1980, mas aproximadamente 30% inferior à que teria emitido caso o aumento de emissões fosse na mesma taxa que o crescimento da economia mundial. Utilizando os preços do Câmbio Europeu de Carbono (European Carbon Exchange) por tonelada de dióxido de carbono, Ausubel e Waggoner calcularam que esse carbono desmaterializado valeria quase US$ 400 bilhões por ano.

Quão longe a desmaterialização pode chegar? Em um trabalho anterior, Ausubel e Waggoner calcularam que se a produtividade média dos agricultores mundiais crescerem ao nível atual de produtividade de um fazendeiro de milho em Iowa, um mundo de 10 bilhões de pessoas poderia ser alimentado com uma dieta americana por cerca da metade das lavouras que são utilizadas hoje. Isso significa que uma área do tamanho da Amazônia poderia “retornar” à natureza. Similarmente, a produção de energia também poderia ser desmaterializada. Ausbel e Waggoner mostraram que entre 1980 e 2005 um consumidor francês desfrutou de 50% mais abundância mas usou somente 20% a mais de energia. Além disso, trocar a produção de eletricidade à base de carvão por nuclear desmaterializou as emissões de carbono anual de cada consumidor francês por uma tonelada. Mas nem todas as tendências são a favor da desmaterialização. Por exemplo, entre 1980 e 2005, a China usou muito mais cimento per capita que seus cidadãos podiam pagar e então exigiu-se melhores moradias. Mas este é um boom único de construção que diminuirá à medida que o parque habitacional e a infraestrutura chinesa atingir os padrões modernos.

Curiosamente, muitos ambientalistas ideológicos apoiam maneiras que utilizam uma alta quantidade de material para produzir comida e combustível. Por exemplo, a agricultura orgânica utiliza mais lavoura que a agricultura convencional, e as versões atuais de produção por energia solar e eólica ocupam uma maior parte de terra e leva mais material para ser construída que as usinas convencionais.

Ausubel e Waggoner concluem, “se os consumidores desmaterializam sua intensidade de uso de bens e especialistas técnicos produzirem os bens com uma menor intensidade de impacto, a população pode crescer em números e abundância sem um maior impacto ambiental”. Enquanto for permitido o progresso tecnológico dirigido pelo mercado se desenvolver, tributar e intimidar as pessoas por um aumento da pobreza material não é necessário para proteger a natureza. E como as pesquisas mostram, as pessoas não vão aturar isso de qualquer maneira.
Por: Ronald Bailey é correspondente científico da Reason Magazine, e autor do livro Liberation Biology: The Scientific and Moral Case for the Biotech Revolution.
Tradução de Robson da Silva. Revisão de Juliano Torres.


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