quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O LÁPIS: UMA "MILAGROSA" CONQUISTA DA HUMANIDADE


“Se o indivíduo busca satisfazer seu próprio interesse num contexto de respeito à propriedade privada e às trocas efetuadas no mercado, estará fazendo o que a sociedade espera que ele faça.” (Mises)

Uma das obras mais famosas do criador da Foundation for Economic Education (1946),Lenonard Read, é “I, Pencil”. Um trabalho curto, de linguagem simples, mas com uma mensagem brilhante. A obra ganhou maior visibilidade através da divulgação pelo Nobel em economia, Milton Friedman. Tentarei passar pelos principais pontos da obra, de forma simplificada.

Peguem um lápis simples, aquele ordinário pedaço de madeira, com uma grafite em uma ponta e uma borracha presa a um metal na outra extremidade. Utensílio comum, familiar a todos aqueles que sabem escrever e ler. Esse simples objeto, que ninguém parou para refletir sobre suas nuanças, contém mais informação do que se imagina. Sua estória é interessante, e ele contém mais mistério que muitos acontecimentos naturais, apesar de todos o tomarem como algo dado e pronto. O lápis simboliza uma “milagrosa” conquista da humanidade, justamente por ser tão complexo e simples ao mesmo tempo, sem falar da incrível utilidade.

Em primeiro lugar, será que o lápis é tão simples mesmo? Talvez seja espantoso, mas nenhum indivíduo da Terra sabe como fazer um lápis! Da mesma maneira que ninguém consegue avançar muito em sua árvore genealógica, seria impossível nomear e explicar todos os antecedentes do lápis. Sua família começa de fato numa árvore. Mas daí em diante, imagine todas as pessoas envolvidas nas infinitas habilidades de fabricação do aço e as máquinas necessárias para fazê-lo, nas minas de minério necessário para a grafite, em todos os mecanismos de extração, logística, residência para os trabalhadores etc. A lista seria infindável, pois estamos falando de todo o processo evolutivo da humanidade. O lápis é somente o produto final após um longo processo produtivo, envolvendo milhões de pessoas e séculos de progresso.

Agora ficou mais claro que ser humano algum é capaz de produzir sozinho um simples lápis. Na verdade, milhões de indivíduos tiveram participação em sua criação, sendo que ninguém sabia muito mais que outros no processo. Trata-se de um acúmulo de informações infinitas, onde ninguém sozinho foi capaz de influenciar muito mais em know-how que qualquer outro, se contemplado a totalidade do processo desde os primórdios.

E agora vem o mais importante: esses milhões de indivíduos envolvidos indiretamente e inconscientemente nesse processo não sabiam ex ante da criação final do lápis. Estavam apenas lutando para trocar seu pequeno conhecimento específico pelos bens e serviços que demandavam. A criação do lápis não havia sido planejada, ela simplesmente ocorreu! E por trás dessa bela criação estava nada mais que os desejos individuais de cada pessoa, mesmo que o produto final seja de uma utilidade incrível para a humanidade.

Há na criação do lápis uma total ausência de um master mind, um idealizador ou criador único que teria concebido sua idéia. Na verdade, o que “fabricou” o lápis foi uma “mão invisível”, e isso o torna tão misterioso. Da mesma forma que ninguém pode fazer uma árvore, ninguém poderia fazer um lápis sem esta “milagrosa mão invisível”. E o lápis não passa de uma combinação de milagres, sendo que a árvore, zinco, cobre, grafite e outras coisas naturais não são mais extraordinários que a configuração da criativa energia humana. Os esforços individualistas de cada agente acabam sendo uma grande criação coletiva da humanidade, que não precisou ser imposta por uma cúpula de sábios.

Uma vez cientes desse “milagre” que é a criação de um simples lápis, fica mais claro porque é tão importante salvarmos a liberdade individual. Precisamos deixar essa “mão invisível” atuar, sem grosseiras intervenções de um centro de poder, leia-se governo. Através dos interesses individuais de cada ser humano, que utilizará seu conhecimento limitado naturalmente, teremos automaticamente arrumado a humanidade num criativo e produtivo padrão em resposta às necessidades e demandas de cada um. Para isso é condição sine qua non a existência da fé em pessoas livres, não em um “messias” clarividente. O capitalismo liberal é a organização espontânea da sociedade, diferente da tentativa imposta de cima para baixo, do socialismo.

Quando o governo assume o monopólio de diversas atividades, as pessoas passam a assumir, sem questionamento, que essa tarefa seria impossível de ser realizada de forma livre pelos indivíduos. A razão é evidente: cada um reconhece que não seria capaz de realizar aquela tarefa sozinho. Mas nós já sabemos disso, e o que torna um processo factível não é seu conhecimento individual, mas sim o somatório de milhões de pequenos conhecimentos. Basta confiar nos indivíduos, e dar liberdade para eles. O resultado será muito mais eficiente.

Compare-se isso com o que aconteceu na antiga União Soviética. A Gosplan, um dos infinitos aparatos estatais do Partido Comunista, tinha a árdua tarefa de administrar o preço “justo” de milhares de itens, incluindo diversas commodities. Eram inúmeros modelos econométricos super complicados, tentando prever a oferta e demanda ao mesmo tempo que fixando o preço. Isso é simplesmente impossível. Conseguiram fixar o preço artificialmente e limitar a oferta devido a falta de incentivo à produção, mas não terminaram com a demanda, natural do homem. O resultado foi uma escassez generalizada, levando a população ao desespero. Tudo isso por tentarem controlar um processo que deveria ser natural.

Todo tipo de planejamento rígido focando no futuro distante estará fadado ao insucesso, por basicamente dois motivos: 1) a natureza não é constante, mas está em pleno avanço e mutação; 2) nem mesmo se fosse possível juntar todo o conhecimento disponível hoje em um único indivíduo, ele seria capaz de antecipar tais mutações. Agora imaginem juntar apenas o conhecimento de umas dezenas de burocratas para definir o futuro de toda uma nação! O caminho correto para o progresso da humanidade pode ser encontrado na criação de um simples lápis: deixar que a “mão invisível” faça seu milagroso trabalho. *

* Em How the West Grew Rich, Nathan Rosenberg e L. E. Birdzell mostram que a principal causa da riqueza ocidental reside na difusão de poder, na sua descentralização, permitindo que houvesse autonomia, diversidade e experimentação dos novos produtos. Os incentivos que recompensam os acertos e punem os erros foram fundamentais, assim como esta liberdade de experimentar o novo. O processo eficiente de organização exige adaptações, através das tentativas e erros. O planejamento central é justamente o oposto disso, tornando o processo rígido. Seu apelo deriva, além do fator corrupção, de sua simplicidade, persuadindo os políticos que acreditam ter descoberto uma fórmula mágica para o crescimento. Um motivo xenófobo se faz presente também, com a idéia de que os estrangeiros não poderão lucrar com o desenvolvimento nacional. No entanto, o fracasso do planejamento central é inevitável, pois o sistema econômico passa a ser como uma máquina sem vida, sem a capacidade interna de mudar, se adaptar, crescer e moldar seu próprio futuro. O crescimento depende dessas características, possíveis num organismo vivo que reage a incentivos e conta com a flexibilidade adequada para se adaptar.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.
Por: Rodrigo Constantino  Publicado no site: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino

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