sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

RIQUINHOS CONTRA O CAPITALISMO

Estamos às portas de uma das datas mais importantes para o capitalismo: o Natal. Por isso, vale a pena pensar num tema tão íntimo ao espírito natalino: dinheiro.


Falar mal do capitalismo (ou da sociedade de mercado) é uma coisa que todo mundo "de bem" deve fazer uma vez ou outra para atestar sua sanidade mental e sua elegância social. Jantar inteligente, apesar de custar grana, é regado a críticas ao capitalismo feitas por homens e mulheres "que se acham".

É como falar mal do cristianismo: todo o mundo acha legal falar mal da igreja católica.

Não tenho dúvidas com relação aos problemas do mundo da mercadoria: provavelmente, em algum instante no futuro, vai nos destruir.

Não por conta exatamente da mercadoria (aí erram todos os marxistas), mas porque nosso desejo é insustentável e, com as revoluções técnicas e científicas, associadas à democracia de mercado (acessibilidade ampliada aos bens e serviços), nosso desejo é o senhor absoluto do mundo.

O que vai nos destruir é a acessibilidade à felicidade material e ao acúmulo de direitos que tornam a vida muito cara.

Mas existe um fenômeno que acho especialmente bonitinho: ricos contra o capitalismo. Ou ricos (na sua maioria mais jovens) contra ganhar dinheiro.

Ou ricos (de novo, na sua maioria, mais jovens) que querem se dedicar a atividades contra os abusos da publicidade e do capital. Enfim, riquinhos contra o dinheiro.

Muita gente já tentou entender de onde vem essa "pulsão" (ricos têm "pulsão", pobres têm "instintos" –imagino o número de inteligentinhos brincando com seus livros de psicanálise, achando que essa ironia tem algum caráter de preconceito).

Por que alguns ricos se dedicam a combater as ferramentas do capitalismo, ou as ferramentas da livre competição, ou se dedicam à arte com crítica social?

A resposta está além e aquém do que pensa nossa vã inteligência viciada em construir um mundo melhor. A razão para alguns ricos (principalmente mais jovens) se dedicarem a atividades "santas" é apenas uma: eles já têm muito dinheiro e morrem de tédio por isso. Alguns dizem ser consciência culpada. Eu, que sou um cético, acho que o tédio vem antes.

No fundo, sou mais materialista histórico do que os marxistas de butique que assolam nossos centros culturais e revistas inteligentinhas pagas por bancos.

Sim, simples assim. De repente, em meio às suas cruzadas pelo "bem", vão conhecer desertos em Marte (opa! Desculpe, errei o exemplo por alguns séculos no futuro). Mesmo a busca do "bem" pode dar tédio em quem sabe que tudo está ao seu alcance.

Acho incrível que mesmo marxistas não consigam ver os indícios óbvios deixados pelo seu guru: quando você tem a vida fácil, você fica bobo. Quando você tem condições de se achar uma pessoa linda porque nunca viveu contradições materiais concretas (do tipo: falta de comida, falta de luz e água, falta de escola, falta de futuro imediato), acaba acreditando nas suas próprias boas intenções.

O filósofo Adam Smith, um dos fundadores da sociedade de mercado, já dizia no século 18 que a riqueza podia deixar as pessoas mimadas. Isso hoje é fato.

Claro, combater as ferramentas do capitalismo ajuda também a menos gente ficar rica como você, e aí você fica ainda mais rico. A velha ganância tentando impedir a competição, essa deusa cruel que ama o mérito, mesmo sem honra.

Esse mesmo fenômeno de riquinhos aparece na histórica dificuldade de partidos como o PSDB de fazer uma oposição política consistente (espero que isso mude).

A elite costuma achar que brigar é coisa de gente sem berço. De certa forma, ela tem razão. Briga-se apenas quando se precisa de algo, e riquinhos não precisam de nada.

Aos olhos riquinhos, oposição sistemática parece coisa de cachorro babão. A elegância sempre cobra um preço alto em se tratando das relações com o mundo real: a realidade é suja demais para gente chique. E o "bem" é limpinho.

O tédio do dinheiro herdado deveria ser mais levado a sério quando se compara comportamentos entre os mais jovens. A certeza da grana ganha enfraquece a alma. 
Por: Luiz Felipe Pondé Publicado na Folha de SP

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