domingo, 23 de setembro de 2012

TOCQUEVILLE E AS ELEIÇÕES


Confesso que em época de eleição fujo da propaganda eleitoral como o vampiro foge da cruz. Entretanto, algumas vezes essa fuga é impossível. Dia desses, tomei um táxi em que o motorista insistia em manter o rádio ligado na hora daquela chatice. Assim, fui obrigado a ouvir, durante longos minutos, um verdadeiro festival de promessas bizarras dos candidatos. Como se a vida fosse uma sucessão de almoços grátis, os candidatos, um após o outro, ofereciam-se com dedicado esmero para cuidar de mim e da minha família, desde o berço até o túmulo, provendo saúde, educação, creches, moradia digna, transporte, emprego, lazer, etc.

Ouvindo aquelas baboseiras todas – mais as indefectíveis inserções do TSE, cujo intuito é tentar nos convencer de que o exercício do voto e a democracia participativa são as coisas mais importantes de nossas vidas –, não pude deixar de lembrar do grande Tocqueville.

Cinco anos após retornar dos Estados Unidos, onde passou nove meses estudando detalhadamente a experiência democrática norte americana para escrever sua obra prima, “A Democracia na América”, Tocqueville faz um exercício intelectual absolutamente genial, tentando identificar que tipo de despotismo as democracias deveriam temer.

Tocqueville faz suas observações, que muito bem poderiam ser chamadas de profecias, a partir da visão de uma multidão inumerável de homens, todos muito parecidos, esforçando-se incessantemente para obter os prazeres mesquinhos e insignificantes com que preencherão suas vidas. Essa visão, por sinal, não é muito distante da visão do homem-massa, celebrizado por Ortega Y Gasset.

Mas deixemos que o próprio Tocqueville fale por si:

“Acima dessa raça de homens está um poder imenso e tutelar, que toma para si a garantia de suas satisfações e a vigilância de seu destino. Esse poder é absoluto, regular, cuidadoso e suave. Seria como a autoridade de um pai se o objetivo fosse o de preparar os homens para a maioridade, mas que busca, ao contrário, mantê-los na infância perpétua: espera que as pessoas se alegrem, desde que elas pensam em nada além de alegria. Para a sua felicidade, tal governo voluntariamente trabalha, mas quer ser o único agente e árbitro dessa felicidade; para isso, provê sua segurança, supre suas necessidades, facilita os seus prazeres, gerencia suas principais preocupações, dirige a sua indústria, regula a descendência da propriedade e subdivide suas heranças: o que mais resta, além de poupá-los de todo o cuidado de pensar e de todos os problemas da vida?”

“Assim, a cada dia o governo torna o exercício do livre arbítrio menos útil e menos frequente; circunscreve a vontade dentro de uma faixa mais estreita e, gradualmente, rouba do indivíduo todos os usos de si mesmo. O princípio da igualdade preparou os homens para essas coisas; tornou-os predispostos a suportá-las e a olhar para elas como benefícios.”

“Depois de ter tomado cada membro da comunidade em suas garras poderosas, moldando-os conforme a sua vontade, o poder supremo, em seguida, estende seu braço sobre toda a comunidade. Ele cobre a superfície da sociedade com uma rede de pequenas regras complicadas, específicas e uniformes, através das quais as mentes mais originais e os personagens mais energéticos não podem penetrar para elevar-se acima da multidão.”


“Os homens são constantemente animados por duas paixões conflitantes: eles querem ser liderados, mas desejam permanecer livres. Como não podem eliminar uma ou outra dessas propensões contrárias, se esforçam para satisfazer as duas ao mesmo tempo. Assim, aceitam um governo tutelar, todo-poderoso, mas eleito pelo povo. Eles combinam os princípios do centralismo e da soberania popular, o que lhes dá algum alívio: eles se consolam por serem tutelados pela reflexão de que eles mesmos escolheram os seus guardiães. Os homens admitem acorrentar-se, porque pensam que não é uma pessoa ou um grupo de pessoas, mas o povo em geral quem segura e conduz a corrente.”“A vontade do homem não é destruída, mas amolecida, dobrada e guiada; os homens raramente são forçados a agir, mas estão constantemente impedidos de fazê-lo. Tal poder não destrói, mas impede a existência; não tiraniza, mas comprime e entorpece o povo, até que cada nação seja reduzida a nada mais do que um rebanho de animais tímidos e industriosos, de que o governo é o pastor.”

“Quando o soberano é eleito, ou estreitamente vigiado por uma legislatura eleita e independente, a opressão que ele exerce sobre as pessoas às vezes é maior, mas é sempre menos degradante, porque cada homem, mesmo quando oprimido e desarmado, ainda pode imaginar que, enquanto ele deve obediência, é a si mesmo que a deve.”

“É em vão convocar um povo tornado tão dependente do poder central para escolher, de vez em quando, os representantes desse poder; o exercício raro e breve de sua livre escolha, por mais importante que seja, não irá impedi-los de, gradualmente, ir perdendo as faculdades de pensar, sentir e agir por si mesmos, e assim, gradualmente, cair abaixo do nível da humanidade.”

“Acrescento que, em breve, se tornarão incapazes de exercer o único grande privilégio que ainda lhes resta. As nações democráticas que introduziram a liberdade em sua constituição política, no momento exato em que foram aumentando o despotismo de sua administração, foram levadas a estranhos paradoxos. Para gerenciar essas pequenas coisas da vida, em que o bom senso é tudo o que se exige, os indivíduos não estão à altura da tarefa, mas, quando o governo do país está em jogo, esses mesmos indivíduos são investidos de poderes imensos; eles são, ao mesmo tempo, meros joguetes de seu governante e seus senhores, mais do que reis e menos do que homens.”

“Na verdade, é difícil conceber como homens que desistiram inteiramente do hábito do autogoverno podem fazer uma escolha adequada daqueles por quem serão governados; e é difícil de acreditar que um governo liberal, sábio e enérgico possa surgir a partir do sufrágio de um povo subserviente.”

É preciso dizer mais alguma coisa? Por: João Luiz Mauad

Fonte: OrdemLivre

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