domingo, 23 de setembro de 2012

VITÓRIA DA ALEMANHA




A sorrateira e despercebida vitória da Alemanha sobre o Banco Central Europeu


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Na primeira semana de setembro, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou aquilo que vários ao redor do mundo esperavam que ele anunciasse: um plano que permitiria ao Banco "fazer todo o necessário" para dar sustentação ao euro. Sem nenhuma surpresa, as bolsas nos EUA e na Europa subiram vigorosamente em decorrência da sensação de que o BCE havia finalmente se juntado em definitivo ao Fed para que ambos coordenassem seus esforços de reflacionar suas respectivas economias por meio de uma infinita criação de dinheiro. 

Vários analistas e comentaristas econômicos saudaram a nova posição do BCE como se ela representasse uma fundamental e inegável derrota para o Bundesbank, o banco central alemão, ferrenho e inflexível defensor da austeridade monetária na zona do euro. 

A realidade, no entanto, parece ser um pouco diferente do que se imagina.

O novo plano do BCE contém várias concessões ao ponto de vista da Alemanha. Talvez a mais importante seja a revogação do objetivo anterior do BCE, que era o de 'estipular um teto' para os juros dos títulos dos países membros da zona do euro. Em vez do compromisso aberto de agir como um ilimitado "comprador de última instância", o que faria com que os juros dos títulos de países problemáticos se mantivessem artificialmente baixos, o novo plano agora estipula condições bem mais estritas e uma seletividade muito mais rigorosa para a compra de títulos — bem ao estilo alemão. 

Houve também várias outras grandes concessões à Alemanha. As principais:
Qualquer país membro da zona do euro que queira recorrer ao BCE para que este compre seus títulos no mercado secundário — ou seja, quando os títulos estão em posse do sistema bancário — terá de fazer um pedido formal por escrito. Naturalmente, tal requerimento público trará custos políticos, constrangimento, desconfiança e até mesmo uma mácula para o governo em questão. Considerando-se que os preços de ativos, como ações e títulos públicos, são influenciados pela percepção, tal pressão irá dissuadir vários países de recorrerem a esta medida.
Todo e qualquer país requerente terá de concordar em apresentar uma redução germânica em seus déficits e um completo programa de reestruturação econômica, ambos os quais provavelmente virão acompanhados de grandes custos políticos e uma grande dose de turbulência econômica no curto prazo.
O BCE irá comprar títulos no mercado secundário para ajudar países problemáticos somente se o Fundo Europeu de Estabilização Financeira e o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, ambos os quais estão bastante carentes de recursos, se comprometerem a atuar em conjunto e utilizar seus fundos na operação. O Bundesbank há muito tempo vem afirmando que o BCE não deve ter carta branca para abusar de seu poder de criar dinheiro artificial. Sempre que isso for feito, os custos serão espalhados para o resto da Europa e também para o resto do mundo através do FMI.
O apoio do BCE será limitado à compra de títulos com vencimento máximo de três anos. Desnecessário dizer que nenhum membro problemático da zona do euro conseguirá resolver seu problema de endividamento excessivo caso se limite a tomar continuamente empréstimos de curto prazo na esperança de que esta ação do BCE irá ajudá-lo.
Todas as compras de títulos realizadas pelo BCE serão executadas exclusivamente no mercado secundário, desta forma realizando o objetivo alemão de fazer com que o BCE não permita que um país seja compulsoriamente obrigado a financiar diretamente qualquer outro membro da zona do euro (para entender como funciona esse financiamento involuntário, veja aqui).

Enquanto vários comentaristas econômicos conjeturaram que a Alemanha havia finalmente cedido às demandas keynesianas de dinheiro farto e barato de seus países vizinhos, a realidade parece indicar o contrário: a Alemanha foi especialmente bem-sucedida em impor sua vontade financeira ao resto da zona do euro.

Estas substanciais e importantes concessões feitas à Alemanha passaram amplamente despercebidas pela grande mídia. Longe de oferecer um alívio instantâneo aos países devedores da zona do euro, o novo pacote tornará mais provável uma austeridade de inspiração alemã. Esta austeridade, caso seja feita por meio da típica elevação de impostos — em vez do corte de gastos — fará com que a recessão na Europa continue, ao menos no curto prazo. Isso, por sua vez, fará com que os bancos centrais da Europa e de todo o continente americano continuem injetando dinheiro em suas economias. E isso pode ser bom para quem investiu em metais preciosos.

A continuidade da fraqueza econômica da Europa pode, por sua vez, estimular políticos europeus e até mesmo seus eleitores a aceitarem um controle político alemão cada vez maior em troca daquilo que poderá acabar sendo visto como um financiamento direto e 'redentor' da Alemanha. A principal implicação de curto prazo dessa vitória alemã será a continuidade da recessão caso a austeridade se dê por meio da elevação de impostos. Já os resultados de longo prazo do controle alemão do continente europeu são bem mais difíceis de prever.

Qualquer investidor ou mero curioso que queira tentar entender as maquinações políticas, econômicas e financeiras da zona do euro e da União Europeia faria bem em concentrar-se nas ações alemãs, as quais são frequentemente ocultadas pelos pronunciamentos do BCE. Muito frequentemente, as posições e ações que realmente importam são completamente negligenciadas pela grande mídia.

John Browne é consultor econômico sênior da Euro Pacific Capital, Inc., corretora de Peter Schiff. Formado na Harvard Business School, John tem experiência de 37 anos no mundo financeiro e empresarial, tendo trabalhado no Morgan Stanley & Co, no Barclays e no Citigroup, além de ter participado do conselho diretor de vários bancos e corporações internacionais.

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